MARCO ANTÔNIO LOPES BEZERRA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente estudo busca elucidar o processo de ressocialização dos menores que cometeram delitos e como a ressocialização não tem surtido efeito no que se refere à diminuição da criminalidade. Pautado em pesquisa bibliográfica embasada em estudos já publicados, analisando a evolução punitiva de crianças e adolescentes, e consequentemente as medidas socioeducativas aplicadas a esses indivíduos, e por fim a eficácia de referidas medidas. Teve por objetivo analisar a aplicabilidade e eficácia das medidas socioeducativas e pôde-se concluir que que as medidas criadas para a diminuição da criminalidade infanto-juvenil são ineficazes, podendo ser confirmada pelo índice de reincidência de práticas de atos infracionais. Nesse sentido, percebe-se que somente a educação e a prevenção poderão diminuir os índices de delinquência juvenil.
Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente. Ineficácia das Medidas Socioeducativas. Delinquência juvenil.
ABSTRACT: The present study seeks to elucidate the process of resocialization of minors who committed crimes and how resocialization has not had an effect in terms of reducing crime. Based on bibliographic research based on studies already published, analyzing the punitive evolution of children and adolescents, and consequently the socio-educational measures applied to these individuals, and finally the effectiveness of these measures. It aimed to analyze the applicability and effectiveness of socio-educational measures and it was concluded that the measures created to reduce child and youth crime are ineffective, and can be confirmed by the rate of recidivism of practices of infractions. In this sense, it is clear that only education and prevention will be able to reduce juvenile delinquency rates.
Keywords: Child and Adolescent Statute. Ineffectiveness of Socio-educational Measures. Juvenile delinquency.
Sumário: Introdução. 1.Evolução da Punição do menor. 1.1 Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. Menor infrator e as medidas socioeducativas. 2.1 Menores: Crianças X Adolescentes. 2.2 Ato Infracional. 2.3 Medidas Socioeducativas. 2.4 Fundamento Para Aplicação de Medida Socioafetiva. 3. Prevenção e Ressocialização. 3.1 Papel do Estado. 3.2 Medida de Ressocialização. 3.3 Eficácia da Medida de Ressocialização. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Esse estudo buscou mostrar a ineficácia das medidas socioeducativas aplicadas aos indivíduos que cometem atos infracionais e a falha do Estado no que se refere à ressocialização desses indivíduos. Buscou-se entender a aplicação das medidas socioeducativas, baseando-se no Estatuto da Criança e do Adolescente. A pesquisa teve como problemática as questões: Qual o papel do Estado na ressocialização do adolescente? Como a ressocialização tem aumentado a criminalidade?
O trabalho versa sobre as medidas socioeducativas, trazendo seu conceito, bem como conceituando a criança e do adolescente, e sua inimputabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, abordando, além disso, o objetivo das medidas socioeducativas e suas definições.
Por fim, foram abordados os impactos das medidas socioeducativas no que se refere à ressocialização dos menores infratores e a imprescindibilidade da criação de políticas públicas assegurar o direito de crianças e adolescentes, adotando métodos eficazes para ressocializar os menores infratores, trazendo eficácia na reeducação de crianças e adolescentes cometedores de fatos típicos.
1 EVOLUÇÃO DA PUNIÇÃO DO MENOR
O conceito de infância vem sendo construído desde sempre, mas a visão acerca da infância, a partir do século XX, pode ser reconhecida através do passado, onde estava interligada com o termo “infante”, considerado sem liberdade de fala, e em momento posterior, possuindo lugar de fala, considerado como infante-criança (Belloni, 2009).
Em se tratando do pensamento dos povos da antiguidade, as crianças eram consideradas sujeitos de direito. O Código de Hamurabi, que surge em meados do século XVII a.C., prevalecendo até 1686 a.C., é um exemplo desse pensamento: art. 195 “caso o filho batesse no pai, sua mão era decepada”.
Ainda sobre a desproteção infantil, na antiguidade, Azambuja (2016, p. 56) explica que
Em Roma (449 a.C.) a Lei das XII Tábuas - 1º permitia ao pai matar o filho que nascesse disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos; 2º o pai tinha legítimo o direito de vida e de morte sobre os filhos, inclusive para vende-los. Em Roma e também na Grécia antiga, o pai como chefe da família, podia castigar, condenar e expulsar a mulher e os filhos, visto que não possuíam nenhum tipo de direito. Em Esparta, as crianças doentes ou portadoras de malformações congênitas eram sacrificadas, pois, desde cedo serviam para atender interesses políticos, sendo selecionadas, pelo porte físico, para ser guerreiros, ou seja, eram objeto de direito estatal.
Após o século XIX, o Estado passou a assumir outro papel em relação as crianças:
No século XIX, o Estado, que se interessa cada vez mais pela criança, vítima, delinquente ou simplesmente carente, adquire o habito de vigiar o pai. A cada carência paterna devidamente contatada, o Estado se propõe substituir o faltoso, criando novas instituições. [...] É verdade, não obstante, que a política de assumir e proteger a infância traduziu-se não apenas numa vigilância cada vez mais estreita da família, mas também na substituição do patriarcado familiar por um patriarcado de Estado. Até o final do século XIX, a criança foi vista como um instrumento de poder e de domínio exclusivo da Igreja (BADINTER, 1985, p.288-289).
Mas apenas em 1924, após a Declaração de Genebra, surgiu a necessidade de garantia dos direitos dos menores, sendo corroborada pela Declaração Universal dos Direitos da Criança no ano de 1959.
No ano de 1989, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclama um texto da Convenção dos direitos da criança, obrigando os países signatários a adequarem-se às normas internacionais.
No Brasil, em 1990, foi consagrada, portanto, a Lei nº 8.069 em 17 de julho, sendo considerada uma das legislações mais modernas do mundo acerca do tema, conhecida por Estatuto da Criança e do Adolescente.
1.1 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)
De acordo com Silva (2001), a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente foi influenciada pela promulgação da CF/88, trazendo importantes alterações no ordenamento jurídico brasileiro, garantindo proteção à família, esclarecendo a necessidade de legislação específica para crianças e adolescentes, de forma que seus direitos fossem garantidos.
Liberati (2007, p. 13) esclarece que
[...] A Lei 8069/1990 revolucionou o Direito Infanto-Juvenil, adotando a doutrina da proteção integral dos direitos da criança e do adolescente. Essa doutrina tem como referência a proteção de todos os direitos infanto-juvenis, que compreendem, ainda, um conjunto de instrumentos jurídicos de caráter nacional e internacional, colocados a disposição de crianças e adolescentes para a proteção de todos seus direitos. (2007, p.13)
Em se tratando da implementação das normas, Silva (2001) afirmou que:
[...] O ECA inaugurou uma nova ordem jurídica e institucional para o trato das questões da criança e do adolescente, estabelecendo limites à ação do Estado, do Juiz, da Polícia, das Empresas, dos adultos e mesmo dos pais, mas não foi capaz ainda de alterar significativamente a realidade da criança e do adolescente. A mudança de nomenclatura, substituindo os rótulos pejorativos de “menor”, “infrator”, “abandonado” e etc. (2001, online)
Resta claro que a o ECA trouxe mudanças ao ordenamento jurídico brasileiro, implantando normas específicas regulamentando o direito e os deveres dos menores, viabilizando a evolução social do pensamento da sociedade acerca dos direitos desses indivíduos, que devem ser regidos de forma especial.
2 MENOR INFRATOR E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
2.1 MENORES: CRIANÇAS X ADOLESCENTES
Conforme art. 2º da Lei nº 8.069/1990, “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” (BRASIL, 1990).
Considerando a clara diferença entre criança e adolescente, Ishida (2011, p. 228), esclarece que:
[...] seguindo-se a doutrina da proteção integral e considerando ser a criança ou adolescente pessoa em desenvolvimento, o legislador elaborou regras diferenciadas. Assim, para o menor de 18 anos na data da conduta, afastou a aplicação da pena. Como medida de reeducação, estabeleceu a medida socioeducativa, mas limitou-a à pessoa entre 12 e 18 anos (adolescente). Finalmente, nesse escopo do ECA, vedou a aplicação da medida socioeducativa à criança, adotando o critério biológico para afastar a aplicabilidade da mesma. Como último recurso pedagógico, entendeu cabível o legislador apenas a aplicação de medida protetiva a criança.
O art. 103 da Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, dispõe que “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”.
De acordo com Sposato (2011),
[...] Em face do princípio da legalidade, a definição de ato infracional, ao remeter-se à conduta descrita como crime, está diretamente relacionada com a atribuição da pena pelo direito penal comum. Resulta claro e evidente que a existência do ato infracional restringe-se às hipóteses legais aptas a sancionar o adulto.
[...] Ao lado do princípio da legalidade, observa-se a incidência da tipicidade como limite da intervenção penal sobre adolescentes. O ato infracional só existe na estrita demonstração da prática de uma figura típica, de fato penalmente típico, ou seja, da exata correspondência entre o agir do adolescente e a descrição contida na lei penal incriminadora.
[...] Portanto, a conduta do adolescente configura ato infracional quando possui tipicidade
[...] O ato infracional, portanto, corresponde a um fato típico e antijurídico, previamente descrito como crime ou contravenção penal. Impõe a prática de uma ação ou omissão e a presença da ilicitude para sua caracterização
[...]Por último, assim como o crime, o ato infracional só tem existência diante de um nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso, ou seja, mediante a existência de uma conduta dolosa ou ao menos culposa. Conclui-se preliminarmente que o conceito de ato infracional parte, portanto, da mesma seleção de condutas tipificadas na definição de crime e contravenção penal, na medida em que tais figuras representam contrariedade à ordem jurídica em sentido amplo, afetando bens jurídicos determinados em sentido estrito.
Meneses, (2008, p. 81) esclarece que para cada ato infracional cometido, há uma medida socioeducativa correspondente, sendo que as medidas socioeducativas estão elencadas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Considerando que o objetivo da medida socioeducativa é a ressocialização do menor, ela possui caráter educativo e pedagógico. Dessa forma, quando o menor cometer crimes ou contravenções penais, deve ser considerado como ato infracional. Quando o menor for considerado criança, por força do art. 105, serão aplicadas as medidas protetivas elencadas o art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas quando o menor for considerado adolescente, serão aplicadas medidas socioeducativas, as quais estão elencadas no art. 112 do mesmo diploma legal:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
Conforme art. 115 do ECA, “A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo”. De acordo com Nucci (2018, p. 458), a advertência “é a mais branda das medidas socioeducativas, devendo ser reservada para os atos infracionais considerados leves, envolvendo a lesão a bens jurídicos de menor relevância, além de ser destinada aos adolescentes de primeira vez”. Segundo entendimento de Barreira (1991), a advertência pode ser aplicada desde que houver prova da existência da materialidade e de indícios de autoria.
Sobre a obrigação de reparar o dano, o art. 116 do ECA estabelece que:
Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.
De acordo com Ishida (2014, p.287), essa obrigação deveria ser suficiente para trazer à tona o senso de responsabilidade social e econômica do adolescente acerca do bem alheio.
O art. 117 do ECA, dispõe sobre a prestação de serviços à comunidade:
Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho.
Segundo Martins (2000), essa prestação de serviços proporcionará ao adolescente a possibilidade de adquirir valores sociais através da vivência em comunidade.
A liberdade assistida está prevista no art. 118 do ECA e dispõe que “será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.” Ishida (2010, p. 235), explica que “a liberdade assistida consiste em submeter o menor, após entregue aos responsáveis, ou após liberação do internato, à assistência, com o fim de impedir a reincidência e obter a certeza da reeducação”.
Previsto no art. 120 do mesmo Estatuto, a inserção no “regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.” Segundo Volpi (2002), essa medida não possui caráter punitivo, mas educativo, que proporciona ao indivíduo a chance de acessar as relações, tanto no âmbito social, quanto no âmbito do trabalho.
Já a medida de internação, encontra-se estabelecida no art. 121 e as hipóteses de seu cabimento, encontra-se disposta no art. 122 do Estatuto:
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.
§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.
§ 7 o A determinação judicial mencionada no § 1 o poderá ser revista a qualquer tempo pela autoridade judiciária.
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1 o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a 3 (três) meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.
§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
2.4 FUNDAMENTO PARA APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOAFETIVA
A legislação brasileira adora o fundamento biológico para determinação da maioridade penal e consequente aplicabilidade das medidas socioeducativas aos menores infratores
Assim, os menores infratores são considerados inimputáveis, sendo classificados como incapazes de possuir a culpabilidade. Acerca disso, Grego (2017) explica que:
A inimputabilidade por imaturidade natural ocorre em virtude de uma presunção legal, em que, por questões de política criminal, entendeu o legislador brasileiro que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito. Adotou-se, portanto, o critério puramente biológico (GRECO, 2017. p. 533)
O direito brasileiro, traz em seu bojo a forma como o menor deve ser penalizado por seu ato infracional. Conforme a CF/88, em seu “art. 228 São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial” (BRASIL. Constituição Federal da República, 2022). Confirmando o tema, o Código Penal, em seu art. 27, estipula que “os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (BRASIL. Código Penal Brasileiro, 2022). Corroborando com as normas citadas, o ECA dispõe, em seu art. 104 que “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato” (BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente, 2022)
Existem discussões entre doutrinadores brasileiros sobre a redução da maioridade penal devido ao aumento de infrações cometidas por menores, entretanto, parte da doutrina é contrária à redução, acreditando que referida redução fere o princípio da dignidade humana, que é cláusula pétrea da Carta Magna (ROSSATO et. al., 2014)
Exemplo da contrariedade, é posição do doutrinador Caliari (2009, p. 174):
“O Art. 228 da CF é um direito individual, concretizado no princípio da dignidade da pessoa humana. É uma liberdade negativa face ao Estado, e, portanto, uma cláusula pétrea, cuja redução não pode operar por meio de Emenda à Constituição”
É perceptível o entendimento de que, no direito brasileiro, o menor de 18 anos é considerado inimputável, não possuindo, desta forma, desenvolvimento mental completo, de forma que é considerado incapaz, devido ao critério biológico.
Por serem inimputáveis, a criança ou o adolescente jamais cometem crime ou contravenções, incorrendo tão só em ato infracional, caso adotem conduta de tipicidade objetivamente idêntica. O cotejo entre o comportamento do menor e aquele descrito como crime ou contravenção atua apenas como critério para identificar os fatos possíveis de relevância infracional, dentro da sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente. Exatamente porque não se cogita de crime ou contravenção, ao menor infrator não se aplicam penas, porém medidas outras de cunho educativo e protetivo, sem critérios rígidos de duração, já que vinculadas exclusivamente a sua finalidade essencial. A decadência e a legitimação ativa estão vinculadas a crimes específicos e à respectiva persecução penal, nada tendo a ver com os atos infracionais que, por comparação, serviram para identificar. A iniciativa destes últimos cabe ao representante do Ministério Público e não a vitima ou seus representantes eventuais, conforme dispõe o art. 180 da Lei 8069/90. (RT 681/328; CURY, GARRIDO; MARÇURA, 2002, p.93).
A atribuição da realização das políticas públicas para crianças e adolescentes é do Estado, podendo ser atribuídas aos Estados, Municípios, Distrito Federal e à União. No que tange à ressocialização, o artigo 86 do ECA dispõe que “Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
De acordo com Rossato et. al. (2014), a atuação estatal está intimamente relacionada às entidades governamentais da Administração Pública direta, conferindo proteção e acompanhamento das medidas socioeducativas para crianças e adolescentes.
Ishida (2011, p. 180), acerca da coordenação das políticas públicas de competência do Estado, ensina que:
Atuação em nível federal. Compete ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) elaborar as diretrizes da política de atendimento da criança e do adolescente bem como atuar na fiscalização das referidas políticas (art. 2º da Lei nº 8242/91). Existe também no fundo Nacional para a criança e o adolescente, tendo como receita as contribuições a que se refere o art. 260 do ECA e outras. Assessorando a Presidência da República, existe a subsecretaria de promoção dos direitos da criança e do adolescente, criada através do decreto nº 4671, de 10-04-2003. Atuação em nível estadual. Os Estados mantêm os Conselhos Estaduais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA). Atuação em nível municipal. Existem os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e também os próprios Conselhos Tutelares.
Queiroz (2005) entende que, em se tratando do processo de reeducação dos menores, a competência deve ser dividida entre o Estado os Municípios, pois é necessário considerar onde o menor reside.
De acordo com Liberati (2010), faz-se necessária a criação de políticas públicas no que se refere aos procedimentos realizados com os menores que cometem atos infracionais, no que tange ao desenvolvimento social dos mesmos, logo que a omissão do poder público sobre o tema, faz com que os indivíduos entrem na criminalidade com o escopo de buscar melhor classe de vida, acreditando que a vida na criminalidade é a única forma de alcançar melhores condições de vida.
O autor ainda assevera que o Estado é inerte em se tratando da criação de políticas públicas que tragam vida digna à crianças e adolescente, deixando de lado os interesses individuais dos menores, trazendo, dessa forma, dificuldades para o crescimento social e econômico de crianças e adolescentes.
Sobre isso, Santos (2017) observa a falha do Estado acerca de medidas preventivas com o objetivo de diminuir o ingresso de menores na criminalidade:
Muitos jovens são iludidos, visto que a família e o Estado não lhes asseguram os direitos básicos elencados na lei (art. 227, CF c/c o art. 4° do ECA), e acabam ingressando nesse mundo que muitas das vezes não tem volta. Sabe-se que, os cidadãos necessitam ser amparados de forma plena para terem seus direitos assegurados conforme o que lhes assegura o texto normativo, mas, como vimos não basta apenas que a lei garanta essa proteção, faz-se necessário que esses direitos e garantias previstas no ordenamento jurídico pátrio, especialmente na Constituição Federal sejam de fato aplicados, uma vez que a efetivação desses direitos e garantias se faz cogentes.
A autora ainda assevera que o Estado desrespeita os menores ao deixar de lado o desenvolvimento da juventude:
[...] inúmeras crianças e adolescentes vivem à margem das básicas políticas públicas, como educação, saúde, lazer, cultura e segurança. Os governantes do país não dão prioridade ao desenvolvimento da juventude, deixando de promover saúde, segurança e educação de qualidade aos menos favorecidos. O desrespeito começa justamente na falta de vontade política de quem dirige a nação não somente em priorizar recursos orçamentários para a promoção desses direitos fundamentais, mas também em executá-los corretamente, pois só assim, deixará de ser omisso e passará a combater a criminalidade que se apresenta como um problema social crônico. (SANTOS, online)
O artigo 227 da CF/88 estabelece que o Estado deve priorizar o atendimento dos direitos da criança e do adolescente:
Art. 227: É dever dá família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, a dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Dessa forma, entende-se que é imprescindível que o Estado promova políticas públicas para assegurar o direito de crianças e adolescentes, adotando métodos eficazes para ressocializar os menores infratores, trazendo eficácia na reeducação de crianças e adolescentes cometedores de fatos típicos.
Sabendo que os direitos fundamentais da pessoa humana devem ser resguardados, os direitos das crianças e adolescentes devem ser assegurados, objetivando a garantia de seu completo desenvolvimento, o ECA especifica, em seu texto, os meios de aplicação de medidas socioeducativas aos menores infratores, bem como as medidas protetivas inerente a eles. Assim sendo, Santos (2017), em se tratando de medida de ressocialização, afirma que:
É importante frisar que tratar o adolescente infrator implica necessariamente em tratar e recuperar a família do jovem, para que possa resgatá-lo e reconduzi-lo a sociedade como um ser útil e plenamente reabilitado, mas para isso faz-se necessário aplicar eficazmente as medidas de proteção, assim como as medidas sócio-educativas, desde a implantação de mecanismos eficiente a estruturação adequada das instituições de recuperação e reabilitação do menor infrator. (2017, online)
Nessa senda, resta claro que as medidas socioeducativas são necessárias para a reeducação do menor que comete atos infracionais, pois essas medidas tem a finalidade de reestruturar esse indivíduo, pois aplicar aos menores as mesmas penas aplicadas em adultos, não combaterá a delinquência juvenil.
Dessa forma, no âmbito municipal, o Conselho Tutelar deve resguardar o cumprimento integral do direito dos menores. De acordo com Rossato et. al. (2014),
“o Conselho Tutelar poderá, de ofício, aplicar as medidas protetivas constantes do Art. 101, I ao VI, do ECA, às crianças e adolescentes que estiverem em situação de risco. Também poderá fazêlo quando houver a prática de ato infracional por criança”
De acordo com Queiroz (2005), o Conselho Tutelar tem atribuições na aplicação de medidas de proteção:
Em síntese, é atribuição do conselho tutelar aplicar as medidas de proteção de encaminhamento da criança ou adolescente aos pais ou responsável, orientação, apoio e acompanhamento temporários, matricula e frequência no ensino fundamental, inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família à criança e ao adolescente, requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos e colocação em entidade de abrigo. (2005, p 106)
Segundo Trindade (2002), a aplicação de medidas protetivas para adolescentes menores infratores é de competência do Juizado da Infância e Juventude, entretanto, a aplicação das medidas para as crianças, é de competência exclusiva do Conselho Tutelar.
O Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 108, firma entendimento no sentido de que “A aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz”.
Segundo Ishida (2011), a medida socioeducativa possui aplicação diversa da medida protetiva, pois sua aplicação não resta evidente no ECA. De acordo com o autor, a medida socioeducativa, processualmente, segue o rito da Lei nº 7.210/84, enquanto a aplicação caracteriza-se pela prolongação da atividade jurisdicional.
Dessa forma, o Estado é quem aplica, de maneira quase integral, a medida ressocializadora, estipulando as competências para aplicação das medidas para cada órgão. Munhoz (2014), afirma que:
O Estado tem o dever de garantir a proteção dos menores e de darlhes a devida assistência por estarem em um processo de desenvolvimento mental. No entanto, constata-se que o Estado não aplica de forma correta as garantias que são asseguradas às crianças e aos adolescentes, isso confirmado por se encontrar no meio social muitas famílias desestruturadas que não dispõem de condições adequadas para disponibilizar aos filhos o mínimo necessário para sua subsistência. Ademais, em muitos casos aos menores não são assegurados os direitos que são protegidos pela constituição como educação e saúde pública. (2014, online)
Ante o exposto, pode ser verificada a falha legislativa no que tange a aplicação das garantias previstas na legislação para crianças e adolescentes, restando evidente o desamparo do menor infrator. Assim, faz-se necessário que o Estado combata os delitos praticados por menores, e proporcione políticas públicas para que esses indivíduos possam ter uma vida digna, evitando, desta forma, o cometimento de atos infracionais.
3.3 EFICÁCIA DA MEDIDA DE RESSOCIALIZAÇÃO
Sabendo que as medidas protetivas possuem caráter de ressocialização e que elas são aplicadas aos menores que cometeram atos infracionais, o ECA traz um rol taxativo sobre as medidas que devem ser tomadas (ISHIDA, 2010). Cabe, portanto, analisar se as medidas surtem efeito.
Verifica-se que as medidas inerentes à ressocialização não possuem níveis altos de efetividade, logo que a maioria dos atos infracionais são cometidos por menores reincidentes (LAURINDO, 2014).
Saab (2017), afirma, em relação a eficácia da aplicação das medidas imputadas aos menores infratores:
O ECA clama por eficácia plena e efetiva de suas disposições, em fiel cumprimento às normas de expressões internacionais incorporadas ao nosso ordenamento jurídico, cujos destinatários são colocados em situação privilegiada enquanto credores da tutela estatal. As medidas socioeducativas enumeradas na legislação menorista expressam a imprescindibilidade de um sistema educacional protetivo para atendimento do adolescente autor de ato infracional. A sua eficácia, porém, não transparece ao conjunto da sociedade porque obstruída por uma realidade permeada por graves omissões na operacionalização de tais medidas.
De acordo com Pereira (2006), um dos maiores motivos de menores ingressares no mundo criminoso é a ineficácia de medidas socioeducativas e a omissão do Estado acerca da aplicabilidade das mesmas, sendo considerada uma falha do sistema socioeducativo.
Queiroz (2005) afirma que o Estado precisa assumir seu papel no que se refere à aplicação adequada das medidas, com o escopo de garantir os direitos inerentes aos menores positivados no ECA e na CF/88, e dessa forma, conseguirá diminuir a criminalidade infanto-juvenil.
Laurindo (2013) assevera que o Estado não possui interesse na resolução dos problemas dos jovens, e por isso não segue o disposto no ECA e na CF/88. Santos (2017) corrobora com esse pensamento e afirma que as medidas socioeducativas, apesar de estruturadas no ECA, não possuem efetividade, pois não aplicadas de maneira inadequada, e, dessa forma, não alcançarão o objetivo para a qual foram criadas.
A autora ainda ensina que a maneira mais eficaz de garantir que a criminalidade de menores diminua, é a prevenção:
Em todo caso, aquilo que se previne é mais fácil de corrigir, de modo que, a manutenção do Estado Democrático de Direito e das garantias constitucionais dos cidadãos deve partir das políticas assistenciais do governo, sobretudo para as crianças e jovens. A repressão, e a violência com o jovem infrator estão longe de serem instrumentos eficazes de combate à marginalidade, já que seria mais fácil e bem menos oneroso para o Estado, a sociedade e a família, prevenir tais práticas do que no futuro remediar através de políticas públicas inoperantes o que às vezes se tornou irremediável. (2017, online)
Observa-se, portanto, que as medidas criadas para a diminuição da criminalidade infanto-juvenil são ineficazes, podendo ser confirmada pelo índice de reincidência de práticas de atos infracionais. Nesse sentido, percebe-se que somente a educação e a prevenção poderão diminuir os índices de delinquência juvenil.
Após o exposto, observou-se, portanto, que as medidas criadas para a diminuição da criminalidade infanto-juvenil são ineficazes, podendo ser confirmado pelo índice de reincidência de práticas de atos infracionais. Nesse sentido, percebe-se que somente a educação e a prevenção poderão diminuir os índices de delinquência juvenil.
Além disso, pode ser verificada a falha legislativa no que tange a aplicação das garantias previstas na legislação para crianças e adolescentes, restando evidente o desamparo do menor infrator. Assim, faz-se necessário que o Estado combata os delitos praticados por menores, e proporcione políticas públicas para que esses indivíduos possam ter uma vida digna, evitando, desta forma, o cometimento de atos infracionais.
REFERÊNCIAS
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