ELOISA DA SILVA COSTA
(orientadora)
RESUMO: Trata-se do estudo que busca debater sobre a responsabilidade do Estado em relação aos crimes de violência contra a mulher, consequentemente, evidenciando a ineficácia das alterações, salientando os direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988, Tratados Internacionais e o Código Penal. Para melhor entendimento iremos expor brevemente o histórico da discriminação até chegar à caracterização do crime que gerou a qualificadora vigente, a Lei do Feminicídio nº 13.104/2015. Foi preciso fazer uma análise dos reflexos da camuflagem que os agressores possuem presente predominantemente na sociedade que acaba por preservar o sofrimento dessas mulheres que convivem com a insegurança gerada pelo destemor dos homens. O que originou a pesquisa foi a necessidade da discussão sobre como identificar e coibir as formas de descriminação e violência contra as mulheres identificando a ferida aberta na nossa sociedade, partindo do nosso desenvolvimento precoce. Destarte, devemos analisar a maior forma de combate, segundo Nelson Mandela e trabalhar na construção de indivíduos equânimes, persistindo em uma educação mais preventiva, assim, demonstrando o quanto se faz necessário uma maior expansão na educação, modulando uma recepção menos discriminatória.
Palavras-chave: Mulheres; Gênero; Sociedade; Discriminação; Educação
ABSTRACT: This is the study that seeks to discuss the responsibility of the State in relation to crimes of violence against women, consequently, highlighting the ineffectiveness of the changes, highlighting the rights guaranteed by the Federal Constitution of 1988, International Treaties and the Penal Code. For a better understanding, we will briefly expose the history of discrimination until reaching the characterization of the crime that generated the current qualifier, the Femicide Law nº 13.104/2015. It was necessary to make an analysis of the camouflage reflexes that the aggressors have present predominantly in the society that ends up preserving the suffering of these women who live with the insecurity generated by the fearlessness of men. What gave rise to the research was the need to discuss how to identify and curb forms of discrimination and violence against women, identifying the open wound in our society, starting from our early development. Thus, we must analyze the greatest form of combat, according to Nelson Mandela, and work on building equanimous individuals, persisting in a more preventive education, thus demonstrating how much greater expansion is necessary in education, modulating a less discriminatory reception.
Keywords: Women; Genre; Society; Discrimination; Education.
1 INTRODUÇÃO
Ser mulher em um país marcado pelo machismo e patriarcado é viver com constante medo, pois a violência contra as mulheres segue vitimando milhares de brasileiras todos os dias, as lutas, os esforços, criação de campanhas, leis não conseguem impedir que as tragédias continuem advindo, lamentavelmente o caminho para o fim da violência com consequência morte mostra-se interminável, pois são enormes os desafios a serem superados, quanto mais célere a conscientização, menos vidas serão rompidas.
Em uma sociedade enfraquecida pela discriminação contra a mulher aproximar-se do assunto se torna imprescindível e significativo para todos que constituem a sociedade, dado que o crime é um marco do país e assunto muito debatido no mundo jurídico. Torna-se necessário maior intervenção por parte do Estado.
A presente pesquisa busca trazer conhecimento acerca do feminicídio e as consequências em demais problemas que o tema acarreta consigo. É preciso uma breve análise do mundo jurídico com a implementação da qualificadora, fruto de uma das maiores vitórias conquistadas pelas mulheres na Lei Maior. A criação da Lei Maria da Penha nº 11.340/2006, trouxe mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher em conformidade com a Constituição Federal e como consequência da implementação da Lei do Feminicídio nº 13.104/15 e seus benefícios de modo a proteger mais especificamente as mulheres da violência de gênero, um progresso no ordenamento jurídico e um avanço para igualdade entre os sexos, porém, uma batalha de poucas vitorias na sociedade em detrimento dos costumes discricionários absolvidos e transmitidos para as gerações futuras.
A qualificadora feminicídio foi criada para reconhecer e dar visibilidade à discriminação, opressão, desigualdade e violência sistemática contra as mulheres, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff a partir de uma recomendação da CPMI que investigou a violência contra as mulheres nos Estados brasileiros, de março de 2012 a julho de 2013. Responsável pela alteração do artigo 121 do Código Penal Brasileiro, tornando o crime hediondo, deixando a punição de forma genérica para trás e punindo de forma especial (BRASIL, 2015). O Brasil teve um aumento de 7,3% no número de casos de feminicídio em 2019 em comparação com 2018. Resultando em 1.314 mulheres mortas pelo fato de serem mulheres, uma média de uma a cada 7 horas, segundo levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal, sendo assim, ocupando a quinta posição em mortes violentas de mulheres no mundo, comparado a demais países.
A lei é aplicada a aqueles que em decorrência do fato da vítima ser mulher, seja por misoginia, menosprezo ou discriminação de gênero ou ainda, em decorrência de violência doméstica. O número exorbitante de crimes mostra que a punição contida na norma é insuficiente para combater a crueldade, pois estamos diante de um país marcado pelo patriarcado, por essa razão é mais que necessário encerrar esse ciclo de “passar de pano” e tornar a sustentação da segurança das mulheres ainda mais eficaz pelo Estado.
Inicia-se o primeiro capítulo da pesquisa expondo uma discussão sobre o patriarcado, seu reflexo histórico e a sociedade diante da pratica dos crimes contra a vítima da discriminação de gênero, em seguida, explicar as diversas formas de violência que constitui o crime.
No segundo capítulo será dissertada a responsabilidade do Estado, sendo o principal protetor dos direitos humanos e encarregado de zelar pela manutenção da garantia dos direitos regidos pela Constituição Federal de 1988.
O terceiro capítulo abordará dados para um exame do inserimento da matéria como tema de estudo no ambiente escolar explorando a necessidade da implementação de debates nas escolas provocando o poder da crítica de todos através atividades pedagógicas, afastando o ato de subjugar do sexo contrário, evitando a visão do ser feminino como deposito de inferioridade, ódio e a temida violência que acarreta o fim da vida de mulheres.
O respectivo artigo é um trabalho bibliográfico, construído por meio da leitura de livros, artigos, dissertações, entre outros. O objetivo geral é analisar a aproximação do tema em ambiente escolar, os progressos e mudanças que a Lei 13.104/15 trouxe para as vidas femininas e para a sociedade, coletar informações importantes que fortaleceram o combate à violência contra as mulheres, dessa forma, é necessária uma discussão ainda mais profunda sobre o implemento de medidas garantidoras de direitos femininos já existentes e as implementações que deveriam existir, para que essas alcancem a seguridade em um futuro próximo.
Para esclarecer previamente, o objetivo da presente pesquisa não é para exaurir toda a matéria sobre o assunto e sim levantar os pontos apresentados e especificados em cada capítulo e analisar o impacto diante da hipótese da implementação da abordagem do tema nos ambientes educativos, nos aproximando do cenário comprometido com o respeito, a segurança e a igualdade de gênero no Brasil.
2.O REFLEXO HISTÓRICO DA CIVILIZAÇÃO PATRIARCAL E O CRIME DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER
2.1 A Discriminação à Condição de Mulher
Para chegarmos a uma solução temos que fazer uma investigação do problema enfrentado e saber identifica-lo. O menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher é característica do feminicídio, quando o crime resulta da discriminação de gênero, manifestada pela misoginia e pela objetificação da mulher. Em toda a história da humanidade e por maior que sejam as diferenças culturais e religiosas entre as sociedades, é possível encontrar traços marcantes da desigualdade de gênero e da posição inferior ocupada pelas mulheres, o que se tornou algo natural na visão dos cidadãos por séculos.
A desigualdade de gêneros – é perceptível que, ao longo dos tempos, especialmente, daquela parte da história ocidental que melhor conhecemos, a criação inicial de formas estatais e jurídicas muito pouco ou nada melhorou a condição feminina. A mulher sempre foi relegada a um segundo plano, posicionada em grau submisso, discriminada e oprimida, quando não escravizada e objetificada. É desnecessário discorrer longamente sobre o papel secundário e obscuro reservado às mulheres na Antiguidade e no Medievo, onde apenas o homem poderia ser sujeito de direitos e detentor de poderes. O mundo antigo girava predominantemente em torno da comunidade, e não do indivíduo, cuja personalidade era facilmente sacrificada em benefício da totalidade dos clãs, das cidades e dos feudos. Nesta era, a mulher foi muito vitimizada, não apenas pelo homem – marido, pai e irmãos – como ainda pelas religiões, pois, sobre sua natureza feminina, tida como o portal dos pecados, muitas vezes pesaram acusações de bruxaria e hermetismos heréticos que a levaram à tortura e à fogueira. (PORTO, 2012, p. 12).
Ao longo da história é possível averiguar a ausência da receptividade social da mulher, sendo tratadas como seres inferiores em todos os sentidos, personalizando a falta do respeito equiparado entre os gêneros, demonstrando que os pensamentos e julgamentos discriminatórios nunca deixaram de fazer parte da sociedade. É possível observar que dentro de todo um contexto histórico, o masculino e o feminino não são apenas condições biológicas e naturais, e, sim, o resultado de uma construção sociocultural que impõe a superioridade de um gênero sobre o outro.
(...) o uso do termo gênero permite que se analise as identidades feminina e masculina sem, no entanto, reduzi-las ao plano biológico, indicando que essas identidades estão sujeitas a variações que são determinadas pelos valores dominantes em cada período histórico” (RITT, 2015. p. 59).
Exemplificando, temos como situação para que se faça uma rápida analise a história da mulher nos tempos das sociedades de guerra, qual apenas os homens eram detentores de decisões importantes para o todo, sendo os únicos a contribuírem na Assembleia, trata-se da proibição e falta do direito da mulher ao voto na antiga cidade-estado evidencia o tratamento desigual. Com a chegada da Idade Média a figura da mulher sofreu a opressão pela Igreja católica, considerada como a única a ser seguida e dada como certa, assim a mulher fora dos padrões impostos pela igreja era vista como inimiga, humilhada em público e taxada de bruxa, chegando a serem queimadas ainda vivas. Até mesmo o uso da coloração vermelho vivo nos lábios das mulheres chegou a ser proibido, transformando-se sinônimo de pecado, mulheres promíscuas e as diferenciando das “mulheres de respeito”.
Apesar das conquistas dos direitos e da voz, a sociedade contemporânea ainda carrega a discriminação, marco difícil de ser apagado no país. A carta Magna trata da igualdade no tratamento de gêneros em seu art. 5º, também garante o art. 226 da Constituição Federal consolidando a condição de equidade dos gêneros, tornando-se grande garantidores dos direitos femininos. Ressalta-se que os direitos humanos são pertencentes a todos os seres humanos, independe de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião entre outras condições. Nas palavras de Mazzuoli (2012, p.81), esses direitos são naturais, pois inerentes à existência humana, merecem proteção global e são válidos em todos os tempos.
Pode-se encontrar a designação de discriminação contra a mulher no artigo 1° do Decreto n° 4377/2002, definido na Convenção sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, em que o Brasil é signatário:
(...) toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo” (Art. 1°).
O reflexo designação é indispensável em razão das circunstancias discorridas, explicando o motivo pelo qual o Brasil é referência de violência. O país ocupa o 5º lugar no Ranking dos maiores países que possuem maior taxa de violências contra mulheres registradas, fazendo-se motivo além de suficiente para a preocupação com o tema. A porcentagem dos crimes cometidos por homens que na maioria dos casos são parceiros ou ex-companheiro da vítima, chagando a totalizar 33,2% com base nos dados de 2013 do Ministério de Saúde e do Mapa de Violência de 2015 (FLACSO). Colocando a sociedade em estado de alerta, comprovando a urgência de medidas mais introdutivas.
É possível constatar diferentes espécies do crime, mostrando o quão vulnerável a mulher se encontra já que há diferentes perspectivas do crime, a mais comum é a classificação em três grupos para dividir o feminicídio: o feminicídio íntimo, o feminicídio não íntimo e o feminicídio por conexão.
O feminicídio íntimo ocorre quando a vítima tem ou teve uma relação afetiva com o homicida, tal relação que inclui a relação atual ou do passado, nesta hipótese pode abarcar companheiros, “paqueras”, namorados, noivos, conviventes não limitando à união matrimonial. Trata-se da modalidade que mais abala o ambiente familiar, pois quando presenciado a consumação do crime ocorre uma exposição que afeta diretamente seu desenvolvimento particular.
Wânia Pasinato, no projeto “Diretrizes para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres”, coordena e conceitua o feminicídio íntimo como:
Morte de uma mulher cometida por um homem com quem a vítima tinha, ou tenha tido, uma relação ou vínculo íntimo: marido, ex-marido, companheiro, namorado, ex- namorado ou amante, pessoa com quem tem filho (a) s. Inclui-se a hipótese do amigo que assassina uma mulher – amiga ou conhecida – que se negou a ter uma relação íntima com ele (sentimental ou sexual). (PASINATO, 2011, p. 22).
Já o feminicídio não íntimo, este ocorre quando a vítima não possuía qualquer relação familiar ou de convivência com o agressor, havendo a agressão sexual ou não. Via de regra, acontece por homens com os quais a vítima possuía alguma relação de confiança ou subordinação, sejam colegas de trabalho, vizinhos ou sendo o agressor um desconhecido..
Wânia Passinato conceitua o feminicídio não íntimo como:
Morte de uma mulher cometida por um homem desconhecido, com quem a vítima não tinha nenhum tipo de relação. Por exemplo, uma agressão sexual que culmina no assassinato de uma mulher por um estranho. Considera-se, também, o caso do vizinho que mata sua vizinha sem que existisse, entre ambos, algum tipo de relação ou vínculo. (PASINATO, 2011, p. 22).
E por fim, existe o feminicídio por conexão, que se refere às mulheres assassinadas por estarem na “linha de fogo” de um homem que pretendia matar outra mulher (GRECO, 2015) ou seja, mulheres escolhidas sem motivo ou que tentaram evitar a consumação de um assassinato e acabam assassinadas, incidindo na ocorrência da “aberratio ictus” )
Wânia Pasinato conceitua o feminicídio por conexão como:
Morte de uma mulher que está “na linha de fogo”, no mesmo local onde um homem mata ou tenta matar outra mulher. Pode se tratar de uma amiga, uma parente da vítima
– mãe, filha – ou de uma mulher estranha que se encontrava no mesmo local onde o agressor atacou a vítima (PASINATO, 2011, p. 22).
Desse modo, revela-se que o crime pode ser cometido por autor que apenas possuindo apenas a vontade do autor. Ademais, não somente faz existir várias tipologias, como também faz com que derive outros crimes por simplesmente ser visto como o lado feminino da sociedade.
Existem outros tabus são enfrentados por abarcar o feminino, por exemplo, a discriminação dos homossexuais, lésbicas, bissexuais e transsexuais, conhecido “grupo LGBT”, mais especificamente aos que aderem a forma e parte do mundo feminino em suas vidas. Muito é notável como o fato de se enquadrar ou desejar fazer parte do mundo feminino dá a sociedade a ilusão da liberdade de se atacar, desvalorizar e discriminar todo e qualquer ser. Nitidamente é o reflexo da falta de recepção do livre arbítrio de escolha do próximo, mais especificamente, a grande barreira discriminação de gênero aqui tratada.
O numero de mortes da população LGBT levou o Brasil ao ranking dos países que possuem maior ocorrência de homicídios contra o grupo, evidenciando, mais uma vez a falta de eficácia dos “remédios” voltados ao tema por parte do Estado.
3.O ESTADO E SUA FUNÇÃO COMO GARANTIDOR DOS DIREITOS E DEVERES FRENTE AO FEMINICIDIO E A BUSCA POR INIBIR O CRIME
O Estado, diante dos grandes números alarmantes, como meio de intervir a qualquer evidencia de discriminação, implementou norma que passou a estabelecer que se tratando de violência doméstica e intrafamiliar caracteriza-se o crime encaminhado ao Ministério Público, lei essa conhecida como Lei Maria da Penha nº 11.340/2006, considerada uma das três leis mais avançadas do mundo pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), grande responsável por ser o principal marco de defesa para com as mulheres, mas ninguém intervia usando o ditado machista “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, ditado esse imposto pela sociedade patriarcal desde a muito tempo. Ocorre que esta criou medidas protetivas como forma de manter o agressor distante, objetivando garantir maior segurança para a vítima, assim como a criação de uma rede de saúde que visa o acolhimento em abrigos específicos e apoio de profissionais da saúde. Entretanto a criação da lei, apesar de sua assistência, se mostrou insuficiente para desconstruir o quadro de mortes e agressões de mulheres. Por esse motivo foi necessário a criação qualificadora “feminicídio” previsto no Código Penal Brasileiro.
A Câmara dos Deputados aprovou em 03 de março de 2015 o projeto de lei 8305/14 do Senado Federal, que propõe alteração do Código Penal com a inclusão do feminicídio na lista de homicídios qualificados alterando o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o colocando entre os crimes hediondos, ou seja, caracterizado como repugnante bárbaro ou asqueroso. Nesses casos, inconcebível a anistia, graça, indulto e fiança.
A iniciativa da criação da lei específica para combater todos os tipos de violência contra a mulher é o resultado das constantes discussões a respeito do tema entre o Governo brasileiro, a sociedade internacional, bem como a suplica de milhares de mulheres brasileiras. Assim, a tipificação do crime de feminicídio, por intermédio da Lei nº 13.104/2015, expressa o indício de uma mudança na consciência coletiva e um instrumento protetivo da violência contra as mulheres. Todavia, há de considerar-se que as inovações legislativas, isoladamente, não conseguirão estabelecer mudanças permanentes.
Frisa-se importante destacar como configuração do crime, dar-se “o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino”, isto é, quando o crime envolve “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Portanto, trata-se de um crime discriminatório, em que situações de violência, desigualdade e opressão são continuamente sofridas por mulheres, sendo cometidas por pessoas próximas da vítima ou não. Dentre as possíveis formas do crime são: abusos verbais, físicos, psicológicos e até sexuais, fatais ou não, como estupros, mutilações e mortes.
A expressão feminicídios ou ‘femicide’ como formulada originalmente em inglês foi atribuída por Diana Russel, que a teria utilizado pela primeira vez em 1976, durante um depoimento perante o Tribunal Internacional de Crimes contra as Mulheres que tratava sobre mortes de mulheres nos Estados Unidos e no Líbano, em Bruxelas, onde a escritora e ativista feminina testemunhou e defendeu que tais ocorrências seriam consequência de ações misóginas e, como tal, deveriam ser apresentadas e julgadas como feminicídios “femicide” utilizando a expressão para designar os assassinatos pelo fato de serem mulheres, com essa primeira aproximação sobre o significado dessas mortes, as autoras acentuam que as mortes classificadas como feminicídio resultariam de uma discriminação baseada unicamente no gênero, não sendo identificadas conexões com outros marcadores de diferença, tais como raça, ou geração. Posteriormente, em parceria com Jill Radford, Russel escreveram um livro sobre o tema, composto por diversos artigos escritos por pesquisadoras e ativistas dos direitos humanos das mulheres sobre o tema, entre os anos 1980 e 1990, obra responsável por grandes estudos.
Quando esses abusos resultam na morte da mulher, eles devem ser reconhecidos como feminicídio. O trecho abaixo ilustra a abrangência da definição:
Feminicídio está no ponto mais extreme do contínuo de terror anti-feminino que inclui uma vasta gama de abusos verbais e físicos, tais como estupro, tortura, escravização sexual (particularmente a prostituição), abuso sexual infantil incestuoso e extra- familiar, espancamento físico e emocional, assédio sexual (ao telefone, na rua, no escritório e na sala de aula), mutilação genital (cliterodectomia, excisão, infibulações), operações ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada (ao criminalizar a contracepção e o aborto), psicocirurgia, privação de comida para mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento. Onde quer que estas formas de terrorismo resultem em mortes, elas se tornam feminicídios (Russel e Caputti, 1992:2)
Todas essas formas de violência e abusos, segundo as autoras, são crimes de ódio contra as mulheres, integrado pelos abusos verbais, físicos e uma extensa gama de manifestações de violência e privações a que as mulheres são submetidas ao longo de suas vidas.
O Código Penal brasileiro prevê que o feminicídio possui requisitos típicos que são, necessariamente, a violência doméstica e familiar, o menosprezo à condição de mulher ou a discriminação à condição de mulher, conteúdo previsto no artigo 121 §2º, inciso VI do Código Penal, vejamos:
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
Feminicídio:
VI- contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
§ 2o- considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve
- violência doméstica e familiar;
- menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Pena - reclusão, de doze a trinta anos
A qualificadora rotula todos as infrações consideradas de extrema gravidade e repugnantes logo recebendo tratamento mais rigoroso do que os demais crimes. Todavia, os aplicadores do direito usam de Sumulas para desenvolver os ilícitos que recebem, as sumulas são o resumo de entendimentos predominantes, consolidados nos julgamentos do tribunal sobre determinada matéria, a respeito do entendimento do STJ recentemente foi publicada pela 3ª Seção do STJ a Súmula 589 de 2017 aduz ser inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. Em muitos casos recentes, os Tribunais Superiores estão julgando no sentido de afastar a hipótese de aplicar o princípio da insignificância em casos envolvendo relação familiar doméstica:
Princípio da insignificância e violência doméstica. Inadmissível a aplicação do princípio da insignificância aos delitos praticados em situação de violência doméstica. Com base nessa orientação, a Segunda Turma negou provimento á recurso ordinário em “habeas corpus” no qual se pleiteava a incidência de tal princípio ao crime de lesão corporal cometido em âmbito de violência doméstica contra a mulher (Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha) (STF: RHC 133.043/MT).
Ou seja, não se pode aplicar um princípio o qual trata de ofensas incapazes de atingir materialmente e de forma relevante e intolerável o bem jurídico protegido em um crime de ação incondicionada, o qual é de grande interesse do Estado.
Nessa mesma vertente o Superior Tribunal de Justiça já havia julgado nesse mesmo sentido:
A jurisprudência desta Corte Superior está consolidada no sentido de não admitir a aplicação dos princípios da insignificância e da bagatela imprópria, aos crimes e contravenções praticados com violência ou grave ameaça contra mulher, no âmbito das relações domésticas dada a relevância penal da conduta, não implicando a reconciliação do casal atipicidade material da conduta ou desnecessidade de pena. Precedentes” (HC 333.195/MS)
Para que haja aplicação do Princípio da insignificância, os Tribunais Superiores requerem o preenchimento de alguns requisitos. Sendo necessário que ocorra a mínima ofensividade da conduta do agente, haja a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada.
A defesa dos direitos das mulheres e da igualdade de gênero deve ser, portanto, do Estado como garantidor dos direitos básicos
A responsabilidade do Estado está em por toda a CF/88. Em especial, ao foco do estudo, o caput do artigo 5º, responsável pela garantia dos direitos e deveres individuais e coletivos, traz as seguintes palavras:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes
I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; (Constituição Federal, 1988)”.
Em 1981 o Brasil assinou a Convenção sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a mulher, todavia veio a ser ratificada somente em 1984 com reservas que foram tiradas após constatadas pela Constituição Federal Brasileira.
Art. 1º Para fins da presente Convenção, a expressão "discriminação contra a mulher" significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdade fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, 1979, p.1).
A Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece o compromisso dos Estados em fazer cumprir as medidas de proteção aos direitos humanos, se comprometem inclusive a alterar sua legislação se necessário for, para promover a proteção e garantir que se cumpra o que foi determinado nessas convenções. Desde de então, consoante ao compromisso por parte do governo, novas mudanças ocorreram no ordenamento jurídico brasileiro.
Dentre algumas mudanças feitas na lei, no ano de 2020 a Lei nº 13.984/20 decretou que obrigatoriamente o agressor deve frequentar centros de educação e reabilitação e ainda, fazer acompanhamento psicossocial. Entre outras mudanças notáveis, foi sancionada neste ano, a Lei nº 14.188/21, que incluiu a existência da violência psicológica como item para o afastamento do lar, e ainda, o acréscimo do art. 147-A no Código Penal, para prever o crime de perseguição (stalking);
A responsabilidade do Estado frente ao crime de feminicídio consiste em sua omissão na segurança, pois, o Estado brasileiro passou a ter a responsabilidade civil internacional de cumprir a todos os tratados firmados. A criação de leis, de convenções internacionais e políticas públicas mostram a responsabilidade do Estado diante da violência contra a mulher e do feminicídio, pois suas consequências atingem o público e o político, embora ocorram em ambiente privado.
Faz-se necessário que as organizações nacionais e internacionais de proteção de Direitos Humanos exijam o cumprimento de suas normas e provoquem a criação de novos órgãos com a intenção de dar maior seguridade ao combater a violência contra a mulher no Brasil para que assim possa produzir efeitos reais no pais, afetando indiretamente o mundo todo. Se diante de tantos nascimentos de normas, alterações e lutas, e ainda sim o problema persiste, cabe ao Estado o dever de procurar se esquivar da omissão, fazendo cumprir o seu dever.
Nelson Mandela, um dos maiores líderes da África Negra na luta pela igualdade de direitos e responsável pelo fim do regime racista na África do Sul onde veio a se tonar presidente, vencedor do Prêmio Nobel da Paz de 1993, pai da moderna sul-africana, dizia que a educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo. Seguindo a linha de pensamento deste, a abordagem da pauta nas escolas seria a mais eficaz aplicando-a no tema tratado, concebendo e assegurando a melhor possibilidade da extinção da discriminação, a violência, a misoginia e o patriarcado na intimidade e na vida em sociedade.
3.1.A EDUCAÇÃO COMO ARMA CONTRA O FEMINISMO
É por meio da educação que se garante o desenvolvimento cultural e social de cada indivíduo. Não podemos falar em extinção, sem antes mesmo saber qual será o real impacto, mas podemos ter esperança de uma sociedade igualitária com expressiva redução da desigualdade de gênero, pois sabe-se que o ambiente escolar através da educação é responsável pelo desenvolvimento do país e terreno fértil para o desenvolvimento crítico das crianças e adolescentes como sujeitos, a convivência e a exploração do assunto de grande relevância para a nação acarretarão como consequência o discernimento avançado da crítica, mesmo sem que essas ainda não detenham concreta noção da extensão do problema.
Os professores são grandes responsáveis na formação de identidades, o reflexo dos estudos humanos se propaga no ensinamento sobre seus direitos e deveres na vida em sociedade quando interagem nas atividades em grupo dentro do ambiente escolar, e nada mais que justo para um país que enfrenta tamanho problema, usar a inserção do tema como assunto a ser tratado nas instituições, valendo-se da conhecida expressão “cortar o mal pela raiz” onde o mal é a destruição da mulher e a raiz é os ensinamentos transmitidos pela sociedade.
Destarte, através dos debates, acesso e das informações disponibilizadas em medida adequada de acordo com que cada idade permite, respeitando a capacidade do discernimento de cada criança e adolescentes, considerando também as experiencias desfrutadas ao decorrer do desenvolvimento como individuo, logo, desenvolverão a consciência social e conseguirão diferenciar e identificar condutas indignas. A intenção é conter a disseminação do ódio com o próximo, fazer com que cada criança e adolescente cresça consciente e evolua repudiando a discriminação e a violência contra a mulher e se sintam seguros em fazer a denúncia de qualquer tipo de violência presenciada. Desse modo, discretamente, a instituição levaria a informação para autoridades competentes que deverá trabalhar com muita astucia e criar uma abordagem para investigação e apuração dos fatos, tema esse que não é o foco do presente estudo.
A subprocuradora-geral da Republica, Luiza Cristina Frischeisen durante audiência pública no Senado sobre os 12 anos da Lei Maria da Penha aludiu que “é impossível chegar a patamares razoáveis de violência sem que nas escolas, desde a educação infantil, haja um preparo para a igualdade de gênero”. Outrossim, durante a audiência publica da Comissão de Direitos Humanos (CDH) onde realizou-se o debate sobre a violência da mulher, Roberta Viegas Silva a consultora e integrante do comitê pela promoção de igualdade de gênero e raça do Senado, também se posicionou e introduziu o tema alegando que a pena a violência é conteúdo transversal na educação de base e faria diferença se houvesse a especificação do tema e ainda ressalvou a existência de um projeto em tramitação.
Em artigo publicado pela revista Entretanto, Maria Filomena Brandão, Gerente Editorial de Portfólio e Coordenadora da Pearson Clinica foi convidada para discorrer sobre o tema “a educação no combate a violência contra mulher”, expondo sua crítica, disse:
“é necessário que comecemos falando em Educação para a igualdade de gênero, pois é o primeiro passo para a prevenção da violência contra as mulheres, visto que a partir da perspectiva machista de que o homem é dono da mulher, gera-se a violência, pois a mulher é coisificada e não sujeito de direito. A Educação possibilita a quebra dessa coisificação da mulher e o entendimento de direitos iguais, de respeito a quem ela é, aos sonhos e objetivos a que ela tem direito, respeito ao seu corpo e a suas escolhas.”
A Comissão de Educação, Cultura e Deporto, aprovou por unanimidade, o PL 79/2018, de autoria do deputado Rodrigo Minotto (PDT), que institui o Programa Maria da Penha vai à Escola, visando sensibilizar a comunidade escolar sobre a Lei Maria da Penha, com emenda aditiva da deputada Ana Campagnolo (PSL), se caso aprovado, a expectativa é de ir à votação em plenário até quarta-feira (31), em homenagem ao mês da mulher. O propósito do projeto é tornar mais acessível as informações do crime e a realização de denuncias caso presenciadas no ambiente familiar, o objetivo é minimizar o problema através do conhecido da lei que pune as agressões contra a mulher. O projeto prevê a disponibilização para alunos do ensino médio.
Dessa maneira, é notável o espaço que o tema sobre a violência contra a mulher vem ganhando, a espera por um projeto como o de Rodrigo Minotto é imprescindível para a construção de uma sociedade melhor. Ressalta-se que independe somente das escolas a redução da cultura da inferioridade da mulher, cabe aos pais coadjuvarem para impedir que ocorra nos ambientes familiares. Garaigordobil adverte que, apesar de ser transferido principalmente através da família, as atitudes discriminatórias também podem vir de outras fontes importantes, como o grupo social ao qual cada pessoa pertence ou os meios de comunicação.
Portanto, fica ainda mais perceptível a influência dos aprendizados prematuros dês de a infância, assim, combater o mal pela raiz será a melhor brecha no aperfeiçoamento das individualidades humana.
4.CONCIDERAÇÕES FINAIS
Dado exposto, o desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise através da observação constata-se que discutir sobre a discriminação de genero é de fato uma urgência, pois se trata de uma demanda que se caracteriza na contemporaneidade de forma alarmante, em razão das mulheres se encontram expostas a diversas formas de violência e sem uma medida por parte do Estado para inibir a discriminação que segue evoluindo à morte, o desrespeito e a discriminação no país. Por se tratar de uma expressão da “questão social”, deve ser colocado em discussão para que a temática seja cada vez mais debatida com o intuito de se elaborar políticas públicas, projetos e ações que contribuam para sua erradicação. De acordo com a proposta de intervenção deste estudo afirma-se o quanto o entrelaçamento saúde e educação enquanto setores e práticas podem ser benéficos, reforçando uma política já existente.
Os dados apresentados expressam o sofrimento das mulheres revelam uma realidade presente na vida dessas quando crianças, jovens e adultas que por vezes se torna invisível ao Estado, a escola, e à sociedade, o convívio de perto com a violência doméstica em seu cotidiano familiar e comunitário. É neste contexto que este projeto buscou o estudo para que todos possuam o poder do desenvolvimento da consciência crítica responsável pelo alicerce do combater ao problema do Feminicídio que se apresenta como um desafio, colocando a sociedade em estado de alerta, comprovando a urgência de medidas mais introdutivas.
A abordagem do tema se fez de grande importância para o absorvimento de conhecimentos sobre um dos maiores problemas já enfrentados pela sociedade e Estado, o digerir do conteúdo proporcionou mais interesse por uma solução eficaz. Dessarte, é de extrema importância, apresentarmos aos jovens, os direitos garantidos às mulheres vítimas de violência e a as redes de assistência que atuam especificamente para atenção à mulher, no intuito de orientá-los a auxiliar alguma vítima futuramente, ou até em suas próprias trajetórias, haja vista que mulheres estão vulneráveis ao sofrimento de violências. Mais do que punir é preciso mudar a cultura da violência contra a mulher a começar pela aprendizagem precoce nas escolas. Portanto, vê-se na educação um processo para o combate dessa dificuldade.
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Ana Carolina Vieira de. A consciência coletiva na educação como possível solução: Discriminação de gênero e feminicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 maio 2022, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58512/a-conscincia-coletiva-na-educao-como-possvel-soluo-discriminao-de-gnero-e-feminicdio. Acesso em: 25 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
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