RESUMO: O presente artigo propõe a análise de julgados que protegeram, ou não, a moralidade ao julgar ações populares para o restabelecimento ou proteção dela, a despeito da ausência de prejuízo ao patrimônio público. Se busca, também, superar o entendimento de haver a necessidade da ocorrência do prejuízo ao patrimônio, visto que os princípios devem ser protegidos, pois são comandos normativos dotados de aplicabilidade. E, o cidadão, como parte legítima para propor a ação popular, tem o direito de busco junto ao Poder Judiciário a tutela a moralidade da Administração Pública.
Palavras-chaves: princípios; moralidade; ação popular; cidadania; democracia direta.
Sumário: 1. Introdução: 1.1 1.1. Solução dada ao caso. – 2. Revisão da Jurisprudência. 3. Revisão Bibliográfica. 4. Posicionamento Crítico Fundamentado. 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste trabalho é a análise da Repercussão Geral 836 do Supremo Tribunal Federal (STF) de relatoria do Ministro Dias Toffoli julgada pelo Tribunal Pleno em 27 de agosto de 2015 e publicada em 09 de outubro de 2015. Seu objeto é a análise da exigência de comprovação de prejuízo ou material aos cofres públicos como condição para a propositura de ação popular.
O pano de fundo da ação popular 380/2008 (numeração única 275-96.2007.811.0041) é a alegação de afronta ao princípio da moralidade que o Decreto n. 4.399 de 2006, editado pelo então prefeito do Município de Cuiabá, que elevou as tarifas de transporte público, traz em si.
O autor da ação popular alega que o referido decreto violou a Lei Orgânica do Município, a qual estabelece que as tarifas somente poderiam ser revistas com a mesma periodicidade do reajuste salarial dos servidores públicos municipais e num percentual nunca superior a esse reajuste. Também foi alegado que o reajuste das tarifas ensejaria aumento dos gastos públicos em decorrência do custeio de 50% (cinquenta por cento) das passagens dos estudantes.
Em 14 de abril de 2011 a ação foi extinta sem resolução do mérito. Como parte da fundamentação veio o seguinte argumento:
“Ante ao exposto, diante da ausência de um dos requisitos necessários para propositura da ação popular, qual seja, a lesividade ao patrimônio público, resolvo o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, inc. IV do Código de Processo Civil.”
Contra a sentença foram interpostos recursos de apelação, os quais tiveram provimento negado, mantendo-se a extinção do feito sem resolução do mérito.
Contra o acórdão foi interposto recurso extraordinário alegando violação ao artigo 5º, inciso LXXVIII e 37, “caput”, ambos da Constituição Federal, pois o decreto que aumentou a tarifa não respeitou o disposto na Lei Orgânica do Município de Cuiabá, que vincula o reajuste da tarifa ao reajuste dos servidores municipais, os quais estavam sem reajustes há 11 (onze) anos. Não foram apresentadas contrarrazões, apesar da regular intimação.
O extraordinário não foi admitido no Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Contra a decisão foi interposto agravo e respectiva contraminuta.
Foi reconhecida a repercussão geral por tratar-se de matéria que extrapola o interesse das partes envolvidas e mostra-se “relevante do ponto de vista social e jurídico”, conforme acórdão.
1.1. Solução dada ao caso:
O apelo extremo, e, por conseguinte seu agravo, foram acolhidos. O STF, seguindo os reiterados posicionamentos semelhantes, entendeu que a lesão à moralidade não necessita estar acompanhada da efetiva e comprovada lesão ao patrimônio público material, conforme ementa do acórdão, que assim diz:
“Direito Constitucional e Processual Civil. Ação popular. Condições da ação. Ajuizamento para combater ato lesivo à moralidade administrativa. Possibilidade. Acórdão que manteve sentença que julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, por entender que é condição da ação popular a demonstração de concomitante lesão ao patrimônio público material. Desnecessidade. Conteúdo do art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal. Reafirmação de jurisprudência. Repercussão geral reconhecida. 1. O entendimento sufragado no acórdão recorrido de que, para o cabimento de ação popular, é exigível a menção na exordial e a prova de prejuízo material aos cofres públicos, diverge do entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal Federal. 2. A decisão objurgada ofende o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, que tem como objetos a serem defendidos pelo cidadão, separadamente, qualquer ato lesivo ao patrimônio material público ou de entidade de que o Estado participe, ao patrimônio moral, ao cultural e ao histórico. 3. Agravo e recurso extraordinário providos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência.” (ARE 824781 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 27/08/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-203 DIVULG 08-10-2015 PUBLIC 09-10-2015 )
O reconhecimento da repercussão geral teve o voto da maioria, vencido apenas o Ministro Marco Aurélio e sem se manifestarem os Ministros Gilmar Mendes e Rosa Weber.
Ademais disso, o julgamento no mérito teve o voto da maioria, sendo vencidos os Ministros Marco Aurélio e Teori Zavascki.
2. REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA
Faz parte do presente estudo exemplos de como o Judiciário tem apreciado as ações populares quando algum cidadão busca ver concretizada ou restaurada a moralidade de um ato administrativo.
No recurso de apelação contra sentença que extinguiu sem resolução do mérito uma ação popular proposta o Estado do Piauí, que na sua origem tinha por objeto a inconformidade às renúncias e isenções fiscais por representarem ilegalidade dado o desvio de finalidade, pois não atenderem aos requisitos legais, foi exarado o entendimento de que deve ser demonstrado o prejuízo ao patrimônio material. Vejamos:
TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO POPULAR. ILEGALIDADE E LESIVIDADE DO ATO. DECRETO. CONCESSÃO DE RENÚNCIA E INCENTIVOS FISCAIS. NULIDADE DA SENTENÇA. VIOLAÇÃO ÀS REGRAS PROCESSUAIS – INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PROVAS DA ILEGALIDADE E LESIVIDADE. ATUAÇÃO DISCRICIONÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1. O apelante defende, preliminarmente, a nulidade da sentença, por não apreciar o pedido de elaboração de cálculo, necessário para viabilizar a comprovação da lesividade reclamada, e, ainda, por inocorrência da audiência prevista no art. 334, CPC e por violação aos artigos 357 e 464, do mesmo estatuto processual. 2. O requisito objeto da ação popular diz respeito à natureza do ato ou da omissão do poder público a ser impugnado, que deve ser, obrigatoriamente, lesivo ao patrimônio público, seja por ilegalidade, seja por imoralidade. 3. Na propositura da ação o autor deve, de logo, apontar o ato administrativo capaz de provocar lesão ao patrimônio público, porquanto ônus probatório, embora dinâmico, recai sob suas atribuições na forma disposta no Código de Processo Civil ao instituir que caberá ao autor provar os fatos constitutivos de seu direito e, caberá ao réu, provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos direito. 4. Apesar do art. 370 repetir as regras contidas no art. 333 do CPC/73, o parágrafo primeiro permite que o juiz, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou excessiva dificuldade de cumprir o encargo ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, atribua, em decisão fundamentada e, com atenção ao princípio do contraditório, o ônus da prova distribuído de forma diversa. 5. Mesmo assim, é de se acentuar que o destinatário da prova é sempre o processo que recebe o provimento jurisdicional, cabendo, no entanto, ao juiz a dispensa da prova pericial. É o que diz o art. 472, CPC, que traz essa possibilidade desde que as partes apresentem sobre a questão de fato controvertida pareceres técnicos ou documentos elucidativos que o julgador entender como suficientes. (...) MÉRITO. 10. O Apelante aforou Ação Popular, apontando como atos ilegais a edição dos Decretos Estaduais nºs. 11.591 e 11.641, concedendo tratamento tributário privilegiado, garantindo incentivos fiscais às Empresas SOCIMOL – INDÚSTRIA DE COLCHÕES E MÓVEIS LTDA. e GUADALAJARA S/A – INDÚSTRIA DE ROUPAS. 11. Sustenta que os atos lesivos ao erário são representados pela ilegalidade das renúncias fiscais e isenções fiscais à vista do desvio de finalidade o que representa a nulidade absoluta das isenções tributárias. 12. A ilegalidade do ato, no caso, somente decorrerá se posto em desatendimento aos pressupostos constitucionais expressos no art. 37, CF, pelos quais o ato administrativo vincula a Administração aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 13. Os decretos questionados tiveram como base de edição a Lei nº 4.503/92, assim como a Lei nº 4.859/96 que regula em seu artigo 1º, a concessão de isenção de ICMS no Estado do Piauí. 14. Resta demonstrado que a edição dos decretos concedendo renúncia e incentivos fiscais às empresas demandadas teve como base a legislação específica. 15. Com efeito, os atos apontados como lesivos ao patrimônio público, além de encontrar amparo na legislação própria, não restaram comprovadas lesividade ao erário. 16. A inexistência de prova inequívoca acerca do binômio ilegalidade-lesividade conduz à improcedência da ação constitucional, mormente porque “é pressuposto da ação popular que o ato além de ilegal, seja lesivo ao patrimônio público. Inexistindo provas nesse sentido, impõe-se a manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido. 17. Preliminares de nulidade da sentença afastas para conhecer do recurso mas para negar-lhe provimento, mantendo a sentença recorrida. 18. Decisão unânime. (TJPI | Apelação Cível Nº 2017.0001.006231-5 | Relator: Des. José James Gomes Pereira | 2ª Câmara de Direito Público | Data de Julgamento: 11/04/2019)
Por outro lado, também no Estado do Piauí, na Ação Popular n. 0000480-66.2012.8.18.0038 intentada contra o Município de Morro Cabeça do Tempo e Valdiel Alfredo Nepomuceno, ex-prefeito do município, em razão de nomeação de candidato no período entre os três meses anteriores ao pleito até a posse do eleito, houve a alegação de falta e interesse de agir, pois a ação visava tão somente questionar a validade das nomeações. Entretanto, no mesmo sentido do Supremo Tribunal Federal, foi exarada a sentença, conforme trecho a seguir:
“Assim, conforme previsão constitucional, a ação popular se presta a defesa da moralidade administrativa de forma genérica, como também as causas que visem anular ato lesivo ao patrimônio público.
Deste modo, sendo possível a ação popular para defesa da moralidade administrativa, não há ausência de interesse de agir.”
A Câmara de Direito Público do mesmo Tribunal entendeu em consonância com o Supremo Tribunal Federal, e, mantendo a sentença acima referida ao analisar a remessa necessária n. 2016.0001. 001757-3, exarou julgamento com a seguinte ementa:
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL – AÇÃO POPULAR – PRELIMINAR DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR – AFASTADA – CONCURSO PÚBLICO – CONTRATAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS – FINAL DE MANDATO DE PREFEITO – SENTENÇA MANTIDA – REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E NÃO PROVIDA
1. É cabível ação popular quando há evidente questionamento sobre moralidade administrativa. Preliminar de falta de interesse de agir afastada.
2. Não há que se falar em violação ao inciso V, alínea c, do art. 73, da Lei n. 9.504/1997 na medida em que o concurso público fora homologado antes do prazo proibitivo prescrito no referido inciso.
3. Remessa necessária conhecida e não provida à unanimidade.
(TJPI | Reexame Necessário Nº 2016.0001.001757-3 | Relator: Des. Raimundo Nonato da Costa Alencar | 4ª Câmara de Direito Público | Data de Julgamento: 11/10/2017)
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consonante e assim afirma: “A Jurisprudência do STJ admite o ajuizamento da ação popular na defesa da moralidade administrativa, ainda que inexista dano material ao patrimônio público”. (STJ, REsp 964909/RS, Rel. Min. Eliana Calmon. DJe 23/11/2009)
Na mesma direção, decidiu o STJ, ao julgar recurso especial de uma ação popular contra uma lei municipal que transformou um loteamento residencial em um município no Estado de São Paulo em tipo misto para atender a interesses de algumas pessoas:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. AUSÊNCIA DE LESIVIDADE MATERIAL. OFENSA À MORALIDADE ADMINISTRATIVA. CABIMENTO. LOTEAMENTO TIPO RESIDENCIAL. TRANSFORMAÇÃO EM TIPO MISTO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA ENTRE JULGADOS DO MESMO TRIBUNAL. SÚMULA 13/STJ. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ.
1. A ação popular é instrumento hábil à defesa da moralidade administrativa, ainda que inexista dano material ao patrimônio público. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 774.932/GO, DJ 22.03.2007 e REsp 552691/MG, DJ 30.05.2005).
2. O influxo do princípio da moralidade administrativa, consagrado no art. 37 da Constituição Federal, traduz-se como fundamento autônomo para o exercício da Ação Popular, não obstante estar implícito no art. 5º, LXXIII da Lex Magna. Aliás, o atual microssistema constitucional de tutela dos interesses difusos, hoje compostos pela Lei da Ação Civil Pública, a Lei da Ação Popular, o Mandado de Segurança Coletivo, o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto da Criança e do Adolescente, revela normas que se interpenetram, nada justificando que a moralidade administrativa não possa ser veiculada por meio de Ação Popular.
3. Sob esse enfoque manifestou-se o S.T.F: "o entendimento no sentido de que, para o cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar de princípios que norteiam a Administração Pública, sendo dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inciso LI do art. 5° da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico." (RE nº 170.768/SP, ReI. Min. Ilmar Galvão, DJ de 13.08.1999).
(...)
6. Sob esse enfoque o acórdão recorrido assentou: "(...) A imoralidade do ato administrativo está bem estampada na Ata da Seção Extraordinária, realizada na Câmara Municipal de Bady Bassit no dia 23.12.1996, quando o Projeto de Lei nº 63/96, de autoria do Executivo Municipal foi discutido e aprovado. Restou evidente que a transformação do loteamento residencial para de uso misto foi unicamente para atender interesses de algumas pessoas, inclusive de vereador do Município, que ali pretendiam construir motéis. A Lei Municipal nº 1.310/97 padece de vícios, uma vez que foi promulgada para atender determinadas pessoas, deixando de estabelecer regras gerais, abstratas e impessoais." fls. 451.
(...)
(REsp 474.475/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/09/2008, DJe 06/10/2008)
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
O entendimento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da repercussão geral objeto do presente estudo demonstra que a moralidade é dotada de valor próprio. E, que o cidadão tem o direito de querer ver um ato lesivo à moralidade ser revisto e até mesmo anulado.
Os atos administrativos devem passar o sentimento e a exteriorização de condutas íntegras e de legitimidade para ser reconhecido e aceito. Não o contrário. Se o administrador representa o povo, ele não pode ir contra os interesses e proteções conferidas à comunidade, a qual é destinatária da ação final da Administração: o bem comum.
José Murilo de Carvalho quando trata das consequências de quando um dos Poderes se afasta do povo diz que:
O Estado é sempre visto como todo-poderoso, na pior hipótese como repressor e cobrador de impostos; na melhor, como um distribuidor paternalista de empregos e favores. A ação política nessa visão é sobretudo orientada para a negociação direta com o governo, sem passar pela mediação da representação. (CARVALHO, 2004, p. 221)
A partir disso pode ser construído o raciocínio de que quando a Administração atua à margem da moralidade, o povo sente que foi distanciado de seus representantes, pois estes ao invés de agirem em prol do bem comum e de acordo com os parâmetros legais e constitucionais postos, agem sem a preocupação que os cargos que ocupam e o papel que desempenham merecem.
Segundo Ana Lucia Sabadell a sociedade deve reconhecer a legitimidade na conduta de uma autoridade. E assim diz:
O que se entender por legitimidade? A legitimidade é decorrente do sentimento expresso por uma comunidade de que determinada conduta é justa, correta. Daí dizer-se que esta implica sempre reconhecimento. Assim, a legitimidade pode ser definida como um amplo consenso, no seio da sociedade, de que uma autoridade adquire e exerce o poder do modo adequado. (SABADELL, 2008,. p 127)
José dos Santos Carvalho Filho afirma que:
“Os tempos modernos aprofundaram a necessidade de refletir melhor sobre o sentido do interesse público, pois que com a criação do Estado de Direito e a decorrente elevação dos direitos e interesses da coletividade passou a sobressair o sentimento de que o Estado em última instância, só se justifica em função dos interesses da sociedade, ou seja, o móvel da sua instituição repousa no intuito de servi-la e administrar-lhe direitos e interesses.” (DI PIETRO, 2010, p. 71)
Com isso, conclui-se que a Administração age para o interesse e proteção da coletividade, e esta ao passo que se sente lesionada por um ato praticado deve ter meios de agir contra referido ato, pois para o bem ou para o mal, a coletividade é destinatária da atividade administrativa.
Ainda que haja o interesse individual do autor no resultado da ação popular, se estiver envolvido o proveito coletivo é legítimo.
Sobre o interesse individual do autor e o reflexo da ação popular na coletividade Adriano Andrade, Cleber Masson e Landolfo Andrade dizem que:
“O fato de o autor da ação popular ter algum interesse pessoal no resultado do processo não afasta sua legitimidade. O que importa é que ele também vise ao benefício do patrimônio público, da moralidade administrativa ou do meio ambiente. (...)” (ANDRADE, 2012, P. 269)
A par da necessidade de reconhecimento do ato pela sociedade como sendo legítimo e moral, há que se falar que, sem excluir o princípio da moralidade, os princípios são dotados de caráter normativo.
Luís Roberto Barroso assim fala sobre a conquista do espaço, da importância e do reconhecimento dos princípios como normas jurídicas:
Na trajetória que os conduziu ao centro do sistema, os princípios tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata. (BARROSO, 2009, p. 352)
Na contramão das decisões acima comentadas, utilizando-se dos dizeres de Hely Lopes Meirelles, a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao julgar recurso de apelação na ação popular, entendeu que deve ser demonstrada a lesão e a ilegalidade contra o patrimônio público, conforme trecho a seguir:
“Especificamente sobre a lesão ao patrimônio público, cumpre-me registrar que é pressuposto básico e fundamental, devendo estar presente para que tenha êxito a própria ação popular. Pode decorrer de presunção legal, como nos casos contidos no artigo 4º da 4.717 de 1965, cabendo, então, ao autor comprovar, de forma efetiva, a lesão, que deverá convergir coma ileaçidade do ato, ou no dizer de Hely Lopes Meirelles:
‘Nos demais casos, impõe-se a dupla demonstração da ilegalidade e da lesão efetiva ao patrimônio protegível pela ação popular.
E, sem estes três requisitos – condição de eleitor, ilegalidade e lesividade – que constituem os pressupostos da demanda, não se viabiliza a ação popular.’ (In Mandado de Segurança, ação popular.... 7.ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 91)” (TJMG, Processo n. 1.0024.05.660468-9/001, Rel. Silas Vieira, julgamento 17/05/2007, publicação 09/08/2017)
Todavia, o entendimento que prevalece não acompanha o acima colacionado. Prevalecendo assim, a proteção à moralidade da Administração.
4. POSICIONAMENTO CRÍTICO FUNDAMENTADO:
A ação popular posta com um dos mecanismos de controle da Administração pelo povo, o titular do poder, se presta a assegurar que a atuação de Estado seja pautada na moralidade com vistas ao bem dos seus representados.
A Lei 4.717/65 no artigo 1º, ao tratar do cabimento da ação popular que:
“Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.”
A Constituição Federal no artigo 5º, inciso LXXIII, diz que:
“Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.”
Comparando ambos os dispositivos acima transcritos, nota-se que a intenção do Constituinte foi a ampliação das possibilidades dos mecanismos de controle dos atos da Administração e da proteção da moralidade pública.
A Lei da Ação Popular ainda diz no artigo 2º:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo.
Considerando que o princípio é uma norma, conforme exposto anteriormente, a violação ao princípio da legalidade pode ser objeto de ação popular, com fundamentação no item c, do parágrafo único, do artigo 2º da Lei de Ação Popular.
Assim, condicionar a ação popular à comprovação da lesão ao patrimônio público material, é ignorar a possível ilegalidade perpetrada pela Administração no desenvolvimento de suas funções e atividades em razão do descumprimento do princípio da moralidade.
Logo, os princípios jurídicos, e, em especial nesse estudo, o princípio da moralidade, não devem ser ignorados, haja vista o seu poder e a força normativa dele.
Não podemos esquecer também que a moralidade consta no rol dos princípios que dirigem a atividade da Administração Pública, seja no art. 37, “caput” da Constituição Federal[1], seja no art. 5º, “caput” da Lei 14.133/21 – Nova Lei de Licitações[2], no artigo 2º “caput” da Lei 9.784/99[3], entre outros diplomas esparsos no ordenamento jurídico.
O Supremo Tribunal Federal como instituição com o dever de guarda da Constituição Federal ao entender que a defesa da moralidade isolada é capaz de ser objeto da ação popular resguardou um dos princípios constitucionais da Administração Pública e assegurou o exercício da cidadania, um dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme art. 1º, inciso II, da Constituição.
Nas palavras de Alexandre de Moraes:
“A ação popular, juntamente com o direito de sufrágio, direito de voto em eleições, plebiscitos e referendos, e ainda iniciativa popular de lei e o direito de organização e participação de partidos políticos constituem formas de exercício da soberana popular (CF, arts. 1º e 14), pela qual, na presente hipótese, permite-se ao povo, diretamente, exercera função fiscalizatória do Poder Público, com base no princípio da legalidade dos atos administrativos e no conceito de que a res pública (República) é patrimônio do povo. (...)” (MORAES, 2010, p. 182-183)
E, novamente nas palavras de Adriano Andrade, Cleber Masson e Landolfo Andrade:
“A ação popular é um instrumento de democracia participativa (CF, art. 1º, parágrafo único), uma ferramenta por meio da qual o cidadão pode participar do controle dos atos da Administração, fiscalizando a sua idoneidade. (...)” (ANDRADE, 2012, P. 273)
Sendo assim, o cidadão, ainda que se sentindo ofendido por um ato que possa atentar contra a moralidade da Administração pode e deve ter seu pedido apreciado, pois presente o interesse de agir.
Imagine-se, por exemplo, um cidadão ver um titular de um dos Poderes agindo nos bastidores para que pessoas próximas a ele fossem nomeadas em altos cargos da Administração Pública - ainda que isso não encontre óbice na Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal -, ou um edital de licitação para aquisição de itens vistos pela coletividade como supérfluos, apenas conseguir encontrar no Poder Judiciário a proteção à moralidade pública que está sendo violada se estiver atrelada a um prejuízo ao patrimônio público. Isso seria permitir que os representantes do povo, os agentes públicos, todos os responsáveis pelo funcionamento da máquina pública atuem à margem da moralidade, que é uma norma de obediência constitucional.
Se o poder emana do povo, direta ou indiretamente, este deve ter mecanismos de lidar com este poder, se fazer representado e não encontrar óbices quando se socorrer ao Judiciário para corrigir um impedir de ser maculada a imagem da Administração.
5. REFERÊNCIAS:
ANDRADE, Adriano. Interesses difusos e coletivos esquematizado / Adriano Andrade, Cleber Masson, Landolfo Andrade – 2ª ed. rev., atual. e ampli. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios da definição à aplicação dos princípios jurídicos – 12ª ed. ampl. – São Paulo: Malheiros Editores, 2011.
BARROSO, Luís Roberto Barroso. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora – 7.ed.rev. – São Paulo: Saraiva, 2009.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho – 6ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
MORAES, Alexandre. Direito constitucional – 23ª ed. – São Paulo: Atlas, 2008.
Supremacia do interesse público e outros temas relevantes do direito administrativo / Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Carlos Vinícius Alves Ribeiro coordenadores. – São Paulo: Atlas, 2010.
SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. – 4ª ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
[1] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[2] Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.
[3] Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Formada em Direito pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus, advogada com experiência em contencioso de massa e contencioso estratégico, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universitária Católica de Minas Gerais – PUC Minas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAWARAYA, Caroline Moura e. O princípio da moralidade como fundamento de controle dos atos administrativos na ação popular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2022, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58595/o-princpio-da-moralidade-como-fundamento-de-controle-dos-atos-administrativos-na-ao-popular. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: WALKER GONÇALVES
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Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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