ALEX LOPES APPOLONI
RESUMO: Presentemente, vivemos circundados de informações todo o tempo com o avanço da tecnologia, o acesso à internet e sua ampla área de abrangência, podendo nos deparar com conteúdos positivos ou negativos. Dessa forma, a presente pesquisa visa analisar o abandono digital de crianças e adolescentes pelos pais e responsáveis, que se tornam negligentes ao não supervisionarem os filhos no momento em que estão acessando a rede, além de discutir quanto aos riscos e as consequências dessas ações. É necessário questionarmos sobre o papel do Estado e dos responsáveis, assim como analisarmos o abandono digital no âmbito jurídico.
Palavras chaves: Abandono Digital – Menores – Consequências – Responsabilização.
ABSTRACT: At present, we live surrounded by information all the time with the advancement of technology, internet access and its wide coverage area, and may come across positive or negative content. Thus, this research aims to analyze the digital abandonment of children and adolescents by parents and guardians, who become negligent by not supervising their children at the time they are accessing the network, in addition to discussing the risks and consequences of these actions. It is necessary to question the role of the State and those responsible, as well as to examine digital abandonment in the legal sphere.
Keywords: Digital Abandonment – Minors – Consequences – Accountability.
A internet detém enorme influência nas relações humanas, todos nós somos influenciados de alguma forma por ela. É impossível imaginar o mundo sem a mesma e mensurar os impactos ocasionados. As novas gerações nascem em um mundo totalmente virtual e ligado, com isso, uma das preocupações que nos deparamos, é a inserção precoce das crianças e adolescentes na web e a maneira como os pais reagem diante dessa conectividade.
O abandono digital é uma realidade frequente no âmbito familiar, contudo, pouco conhecido e identificado. Com o progresso dos mecanismos tecnológicos, cada vez mais as crianças e adolescentes possuem contato com a internet. Por conseguinte, o objetivo é viabilizar a reflexão do tema, analisando os impactos maléficos, a responsabilização dos pais e os parâmetros no ordenamento jurídico.
O abandono consiste no descuido dos responsáveis quanto à segurança dos filhos enquanto acessam o ambiente virtual. Há pouco interesse e supervisão em relação ao conteúdo que o publico alvo acessa e se envolvem enquanto estão online.
As leis determinam uma série de poderes-deveres dos genitores com seus filhos, inclusive o dever de zelar, cuidar e garantir a proteção dos filhos, e estes devem ser exercidos tanto no mundo real quanto no ciberespaço. Contudo, esse compromisso não é efetivado constantemente.
O presente estudo é moldado através da consulta à legislação vigente, doutrina, pesquisa bibliográfica, análise de artigos científicos relacionados e notícias referentes ao tema.
Para o desenvolvimento do trabalho, o mesmo foi partilhado em cinco capítulos. De início, contemplaremos uma breve síntese quanto a história dos direitos das crianças e adolescentes, que não eram detentores de nenhum direito nos tempos mais remotos.
Após, há averiguação do uso da internet de forma imprudente e suas consequências, como vício na plataforma, os problemas psicológicos, ansiedade, violência sexual, pornografia infantil e cyberbullying.
Adiante, é analisada a temática diante da legislação vigente em nosso país e a responsabilização dos guardiões e zeladores das crianças e adolescentes. Com a observação do conteúdo abordado, adentraremos no último objeto desse artigo, a conclusão.
2.EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Compreende-se que as leis sofreram alterações ao longo dos anos e foram adequando-se a nossa realidade. No passado, existia uma insuficiência de legislação e proteção voltada para as crianças e adolescentes. Não havia separação entre indivíduos de idades diferentes, nem distinção em seus direitos e sanções.
Corral (2004) expõe que, nas antigas sociedades, as crianças e adolescentes quase não eram considerados pessoas suscetíveis de proteção jurídica, eram entendidos como meros objetos de posse paternal ou estatal. As proles viviam de acordo com o a vontade de seus responsáveis, não fazendo jus a praticamente nenhum direito, porém respondiam por seus erros, inclusive pagando-os até com a própria vida.
Na Grécia, ocorria intolerância com os indivíduos nascidos com deficiência, onde eram arremessadas de abismos. Além de os mesmos poderem ser mortas em sacrifícios religiosos ou serem vendidos como escravos.
Com o passar dos anos, se fez necessário averiguar as iniquidades que assolavam a sociedade, especialmente aos novatos. Dessa forma, começaram a compreender as necessidades para o bom desenvolvimento das crianças e a importância de sua proteção e garantias essenciais, como os direitos fundamentais e observar que as mesmas estão em fase de desenvolvimento e não possuem discernimento total para responsabilizar-se por seus atos.
Ainda na idade antiga, de acordo com Maciel (2014), surgiu interesse na proteção das crianças e adolescentes passando alguns povos a determinar a proibição do infanticídio e a moderação à liberdade dos pais em decidirem sobre a vida e a morte de seus filhos. O cristianismo é percebido como um precursor das garantias, conferindo os primeiros direitos relacionados ao bem estar físico e material.
No século passado, um grande fato importante foi a Declaração de Genebra em 1924. Após, adveio a Declaração Universal dos Direitos das Crianças, que foi adotado pela Organização das Nações Unidas (ONU), a qual deixou evidente a necessidade de proteção legal.
No Brasil, em 1927 foi consolidado o decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro, denominado Lei de Assistência e Proteção aos Menores. Este determinou que aos dezoito anos, seria o marco da maioridade penal, que passou a vigorar em todo país, prevalecendo até nos dias atuais. Em seguida, em 1950, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que tinha por finalidade promover os direitos e melhorar a vida de todas as crianças em todas as situações, assinou seu primeiro programa de cooperação com o Governo do nosso país.
A Assembleia Geral das Nações Unidas outorgou a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, que abordou sobre os cuidados e assistências especiais e proteção especial para as mães e crianças. E em 1953, a UNICEF tornou-se parte definitiva da ONU.
Em 1966, com os Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os Estados Membros asseguram os direitos iguais, bem como a proteção e educação para todas as crianças.
No dia 10 de outubro de 1979, surgiu um novo Código de Menores no Brasil, que garantiu a proteção integral. Adiante, houve a promulgação consagrada Constituição Federal de 1988, que trouxe o artigo 227, sendo este específico sobre o direito das crianças e adolescentes.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi anunciado em 13 de julho de 1990, de autoria do Congresso Nacional. A lei faz jus ao artigo 227 da CF e define as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, em condição peculiar de desenvolvimento, que necessitam de cuidados integrais e prioritários pelo Estado, família e sociedade. É uma das fontes mais importantes que possuímos na atualidade para assegurar e os direitos e deveres dos infanto-juvenis.
Em síntese, o ECA assegura o direito à vida, a dignidade, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, respeito, liberdade e convivência familiar e comunitária, para um bom desenvolvimento em sociedade. O Estatuto traz que qualquer ato cometido contra seus assegurados é considerado crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, ação em que o Ministério Público não precisa da autorização de ninguém para oferecer a denúncia.
Em conjunto com a criação do ECA, houve a apresentação do Conselho Tutelar, sendo necessário haver no mínimo um conselho em cada município, como órgão integrante da administração pública local. Este tem por finalidade ajudar a família, a sociedade e o Estado a zelar pelos direitos das crianças e adolescentes.
Vejamos que, com o passar dos anos sempre buscam atualizar e melhorar a proteção das crianças e adolescente no ordenamento jurídico. Além de participar de convenções e programas mundiais que envolvem o público mencionado, tivemos a Lei nº 13.010, de 26 de junho de 2014, que protege os jovens contra qualquer tipo de ato que envolva o uso de violência e/ou degradação física, moral ou psicológica e também a Lei nº 13.798, de 3 de janeiro de 2019, que trouxe a instituição da Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência.
3.ABANDONO DIGITAL E SEUS EFEITOS
Preliminarmente, é necessário aclarar a definição de criança e adolescente em nosso ordenamento jurídico. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Nº 8.069 de 13 de julho de 1990) consagra em seu artigo 2º, que é criança a pessoa de até doze anos incompletos, e adolescente o que possui entre doze e dezoito anos de idade, (BRASIL, 1990).
Já o abandono digital, é determinado como a negligência dos pais ou responsáveis, que não dispõem amparo e observação quando os seus filhos estão conectados ao ambiente virtual. O mesmo está associado com a carência de cuidado e informações sobre o uso do espaço cibernético.
A inserção das crianças desde os primeiros meses de vida na internet está cada vez mais frequente e os jovens de hoje não enxergam o mundo sem a mesma. O uso da tecnologia traz muitos benefícios e facilita a vida dos seres humanos, desde que, usada cautelosamente. Ocorre que os pais detêm uma concepção equivocada ao supor que, permanecendo os filhos dentro de seus lares, utilizando-se de smartphones, computadores e similares, estarão mais seguros do que se estivessem na rua, enquanto que vários estudos já confirmaram os perigos reais da rede e sua utilização desacelerada. E a partir dessa ideia, permitem o acesso por várias horas durante o dia.
Conforme dados apresentados pela pesquisa TIC Kids Online Brasil, em 2020, 92% das crianças e adolescentes viviam em residências com acesso à internet. Em 2019, os números indicavam 41%, deixando evidente que a pandemia da covid-19 influenciou o crescimento abundante de usuários. No referido levantamento, ainda foi especificado que 94% indivíduos de 10 a 17 anos tinham alcance à rede. O público estudado, possuía contato com vídeos aulas, pesquisas culturais, saúde, videogame, redes sociais, como Instagram, Facebook, TikTok e Twitter além de outros conteúdos diversificados.
Assim como existe uma grande variedade de ferramentas úteis, também há incontáveis ameaças que assolam o ambiente virtual, portanto que, as denúncias de exposição de crianças e adolescentes na internet no Disque 100 – que consiste em uma plataforma que recebe, analisa e encaminha queixas de violação de direitos humanos relacionadas a crianças e adolescentes, idosos e pessoas com deficiência – estão entre os cinco tipos mais denunciados, as informações sobre esse tipo de violência, são de que consistem em sua maior parte em pedofilia, cyberbullying e pornografia infantil. Embora sejam registrados os crimes denunciados, estima-se que o índice de violação seja ainda maior, pois muitas vezes não ocorre a delação. Dados apontam que o Brasil está entre os países com mais números de crimes cibernéticos (GOVERNO FEDERAL, 2020).
Além dos delitos supracitados, os usuários ficam expostos a desenvolverem vício tecnológico, problemas psicológicos, ansiedade, praticar bullying e várias modalidades de violência, se envolverem em e brincadeiras e jogos desafiadores, podendo acarretar danos irreversíveis em casos extremos, como depressão e suicídio. À vista disso, é evidente que há uma ampla possibilidade de obterem acesso à conteúdos inapropriados.
3.2 DEPENDÊNCIA TECNOLÓGICA E PROBLEMAS PSICOLÓGICOS
O vício tecnológico, conhecido como compulsão à internet, é diagnosticado quando os indivíduos passam a ter alguma área de sua vida afetada pela permanência exagerada na web. Nos dias atuais, esse problema vem aumentando gradativamente.
De acordo com uma pesquisa publicada pela Lenstore, empresa que comercializa lentes de contato no Reino Unido, em 2021 foi averiguada que as crianças brasileiras estão entre as mais viciadas em tecnologia no ranking mundial.
Os infanto-juvenis, que são indivíduos que se encontram ainda em fase de desenvolvimento, estão muito vulneráveis a vários estímulos, o que pode favorecer o desenvolvimento da dependência. É nessa fase que estão adquirindo habilidades e comportamentos que levaram para a vida.
Ao publicar sobre a dependência digital, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP, 2020), destacou que:
Há uma extensa lista de problemas relacionados ao mau uso das tecnologias, entre eles: problemas de saúde mental, como irritabilidade, ansiedade e depressão; Transtornos do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH); transtornos do sono; transtornos de alimentação; sedentarismo; miopia e síndrome visual do computador; transtornos posturais e músculo-esqueléticos; e mais.
Além disso, a exposição demasiada e não monitorada pelos responsáveis pode acarretar tristeza, isolamento social, baixo autoestima, agressividade, solidão e impulsividade.
Há uma variedade de atividades que podem se tornarem vícios para as crianças, como por exemplo, jogos, vídeos e canais do YouTube, busca por curtidas e conhecimento nas redes sociais, compulsão em comprar artefatos que estão em alta e acompanhar as novidades da era digital.
3.2 CYBERBULLYING E VIOLÊNCIA POR TRAZ DAS TELAS
O cyberbullying é um bullying praticado através do ambiente virtual, caracterizado pelo comportamento constante de um individuo com a intenção de assustar, intimidar, humilhar, envergonhar, enfurecer ou até mesmo difamar outrem. O propagador do cyberbullying, diferente do bullying praticado pessoalmente, é capaz de conservar-se anônimo, pois geralmente utiliza-se de perfis falsos. Porém, existe a possibilidade desses usuários serem identificados e posteriormente, denunciados e penalizados.
Atitudes como espalhar imagens constrangedoras de alguém ou mentiras na mídia, enviar mensagens de ameaças, se passar por outro individuo para praticar qualquer ato maldoso, também configura cyberbullying.
Existem várias maneiras de disseminar a violência, em casos de crimes praticados contra a honra ou crimes de injuria racial, encontramos amparo no Código Penal Brasileiro. Os crimes contra a honra são a calúnia, difamação e injúria, previstos nos artigos 138, 139 e 140 do código penal, respectivamente. Enquanto que a injúria racial, que consiste em ofender a dignidade de alguém com base na sua raça, etnia, cor, religião, idade ou deficiência, possui a pena de reclusão de um a três anos e é tipificado pelo artigo 140, parágrafo 3º do mesmo código.
O delito de injúria racial não se confunde com racismo, que também pode ser praticado na web, e decorre da discriminação, preconceito ou antagonismo contra alguém por pertencer a uma determinada categoria de pessoas. Este está destacado na Lei Nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 em seu artigo 20, §2º.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, informou que o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking de países com mais casos de cyberbullying. Enquanto que a plataforma online, Cybersmile, noticiou que 60% dos usuários da internet já foram expostos a alguma situação de cyberbullying.
Podemos nos deparar também com outras atrocidades, como o happy slapping, que ocorre quando o agressor ao agir, grava a situação para compartilhar na internet e Stalking que simboliza a perseguição obsessiva e reiterada contra a vítima.
Ao permanecerem sem supervisão com acesso livre à internet, as crianças tanto podem serem vítimas, como também podem ofender ou praticar atos ilegais. A violência online pode afetar mentalmente, fisicamente e emocionalmente.
Quando se deparar com algum ato ilício no ambiente virtual, os sujeitos podem registrar a ofensa, o que pode ser realizada através do print (Print Screen) e após fazer o registro da ocorrência na Ata Notarial ou autoridade competente. No entanto, apenas a captura de tela da publicação ofensiva, não serve como prova judicial, visto que a mesma pode ser alterada.
É de extrema importância denunciar o cyberbullying e demais violências, mas acima disso é necessário causar redução desse fator, por isso devem sempre sejam cuidadosos ao dizer ou compartilhar algum conteúdo na web.
3.3 ACESSO A CONTEÚDO E VIOLÊNCIA SEXUAL
As crianças e adolescentes, ao adentrarem no ambiente online, estão suscetíveis à erotização precoce, além de riscos em relação a exploração, violência e abuso sexual, grooming, sexting, sextorsão, pedofilia e assédio.
O abuso e a exploração sexual infanto-juvenil são os atos praticados pela pessoa que visa satisfazer seu desejo sexual usando crianças e adolescentes, é qualquer ação de natureza erótica a buscar o prazer com os indivíduos citados.
A pedofilia na internet, que é um transtorno de preferencia sexual, consiste em produzir, compartilhar, adquirir, vender, guardar pornografia infantil. A pornografia infantil é qualquer apresentação de crianças e adolescentes envolvida com atividades sexuais.
O termo “grooming” representa as estratégias que um adulto utiliza para adquirir a confiança dos menores através da internet, com o intuito de abusar ou explorar sexualmente das mesmas.
Já o “sexting” é a autoprodução de imagens sexuais, com a troca de imagens ou vídeos com conteúdo sexual, por meio da web, como mensagens e redes sociais. Também pode ser considerado como uma forma de assédio sexual em que uma criança e um adolescente são pressionados a enviar uma foto para o parceiro, que a propaga sem o seu consentimento
A “sextorsão” é a chantagem realizada por meio de mensagens intimidadoras que ameaça espalhar imagens sexuais ou vídeos feitos pelos menores.
De acordo com a Safer Net Brasil, em 2018 o Brasil registrou 133.732 queixas de crimes virtuais, o principal delito foi pornografia infantil. Uma pesquisa do New York Times em 2019, constatou que empresas de tecnologia anotaram mais de 5 milhões de fotos e vídeos online de crianças vítimas de abuso sexual. (GOVERNO FEDERAL, 2020).
As ameaças citadas são crimes, possuem respaldo nos artigos 240 ao 241-E do ECA e 218-C do Código Penal. O Decreto Nº 5.007, de 8 de março de 2004 promulgou o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança e também aborda aos delitos referente à venda de crianças, à prostituição e à pornografia infantil.
4.DO ABANDONO DIGITAL NO AMBITO JURÍDICO
4.1 DOS DIREITOS E GARANTIAS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Há uma grande concentração de leis voltadas para as crianças e adolescentes em nosso ordenamento jurídico visando sua proteção, que impõe aos pais e Estado o poder e dever de zelar pelas mesmas. A Constituição Federal, além de dispor dos direitos fundamentais em seu art. 5º, assentou o art. 227 que ordena:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Em complementação, o Estatuto da Criança e do Adolescente que é umas das mais importantes fontes, pondera que:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
[...]
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
[...]
Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.
A doutrina reconhece que as crianças devem receber atenção especial para viverem de forma digna e segura e estarem aptas a contemplarem o futuro sendo cidadãos corretos. As ameaças que atingem os jovens na internet têm amparo legal para não ocorrer, sendo dever de todos buscarem a efetivação dessas garantias, em todos os ambientes, incluindo o digital.
4.2 DEVER E RESPONSABILIDADE DOS PAIS
Os pais são os principais responsáveis pela prole, como a própria Constituição Federal aborda, é papel dos mesmos zelar, sustentar e prover a proteção integral. A eles, incubem o papel do poder de família, de determinarem formas para a realização da educação dos filhos, impondo-lhes limites e instruindo sobre suas responsabilidades e deveres. Maria Helena Diniz ressalta que:
O Poder familiar pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e proteção dos filhos. (DINIZ, 2007, P.514).
O vínculo paterno-filial é retratado pelo Código Civil (BRASIL, 2022)
Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:
I - dirigir-lhes a criação e a educação;
II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;
III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;
V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;
VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;
VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;
VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
Os deveres da autoridade paternal abrangem o mundo físico e digital, os pais devem assegurar os direitos e educação nos dois ambientes. A lei Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 que versa sobre os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, aponta que:
Art. 29. O usuário terá a opção de livre escolha na utilização de programa de computador em seu terminal para exercício do controle parental de conteúdo entendido por ele como impróprio a seus filhos menores, desde que respeitados os princípios desta Lei e da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2014).
Diante da legislação analisada, é compreensível que os pais é quem devem supervisionar os filhos na web, e empenhar-se em proteger os mesmos para que não sejam vitimas ou propagadores dos malefícios e delitos expostos no cyberespaço.
Nos casos em que a criança e adolescente pratica atos em desconformidade com a legislação, os pais podem responder por seus atos civilmente conforme preceitua o art. 932, do Código Civil “São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia” (BRASIL, 2002).
Nessa perspectiva, Gagliano e Pamplona Filho (2014, p. 57), afirmam que a responsabilidade civil pode ser classificada em subjetiva e objetiva. A responsabilidade subjetiva acontece quando o agente atua com negligência ou imprudência, e quando não é necessária a caracterização de culpa, pode-se indicar a responsabilidade civil objetiva.
O art. 98, do ECA, tem ligação com a negligência, quando os genitores são omissos em relação ao seu dever de cuidar dos pequenos que estão sobre seu encargo, podem sofrer sanções em decorrência da previsão das medidas protetivas. O referido artigo dispõe que:
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
Além das responsabilidades na esfera civil, pode ocorrer o apuramento dos fatos relacionados ao abandono digital na esfera penal. O Código
Penal aborda sobre os crimes contra assistência familiar em seu capítulo III, imputando os pais sobre abandono material e intelectual, nos artigos 244 a 247.
4.3 RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Diante de todas as consequências negativas geradas pelo abandono virtual em decorrer da negligência dos genitores, é necessário a intervenção estatal na expectativa de amenizar os impactos e proteger as crianças e adolescentes de perigos maiores, podendo inclusive ocorrer a alteração familiar.
O Estado supre essa demanda a partir do princípio da proteção integral da criança e do adolescente.
4.4 PRÁTICAS DELITIVAS PELOS MENORES DE IDADE
Percebe-se que existe uma falsa compreensão de que as crianças e adolescentes não praticam crimes, ou que seus atos não são puníveis até completarem dezoito anos. Pode-se concluir que essa ideia surge por ocorrer fatos específicos envolvendo impunidade, que é a exclusão da punibilidade.
Os menores mencionados, que ainda estão em fase de desenvolvimento físico e intelectual possuem garantias jurídicas, pois não possuem total discernimento e podem portar dificuldades para entenderem seus direitos e obrigações, sendo possível em alguns casos, seus pais serem responsáveis civilmente por seus atos.
A inimputabilidade, que consiste na isenção de pena em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que no tempo da ação ou omissão não era capaz de entender o caráter ilícito do fato, tem respaldo legal no art. 228 da Constituição Federal, no art. 104 do ECA e no art. 27 do Código Penal, que em síntese, dispõem que são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos.
Apesar da previsão da inimputabilidade, os indivíduos não estão isentos de responsabilidades. O Estatuto da Criança e do Adolescente também prevê que as condutas ilegais praticadas por menores são classificadas como Atos Infracionais. O Art. 103 do ECA, diz que “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Adiante, o art. 105 traz “Ao ato infracional praticado por criança corresponderam às medidas previstas no art. 101” (BRASIL, 1996).
É notório que os jovens podem ser vítimas ou serem os próprios autores dos crimes praticados no ambiente virtual sem supervisão. Quando são agentes propagadores de ilicitudes, estão praticando atos infracionais, com isso, há a possibilidade da aplicação de medidas socioeducativas, que são parâmetros de natureza jurídica cm finalidade repreensiva e pedagógica para inibir a reincidência dos erros dos infanto-juvenis e estão previstas no art. 112 do ECA.
Com o mundo cada vez mais conectado e tecnológico, as crianças e adolescentes permanecem vulneráveis aos crimes cibernéticos e demais problemas acarretados pelo abandono digital.
No decorrer do trabalho ficou evidente que os principais responsáveis pelos filhos, são os próprios pais, principalmente na internet. Infelizmente, estes as vezes sobrecarregados ou com afazeres externos, não exercem seu dever conforme preceituado na legislação e permitem que as proles naveguem na web por demasiado tempo sem supervisão, não percebendo os efeitos maléficos que estão contraindo.
Dentre os mais variados tipos de problemas que analisamos, alguns são considerados crimes e são punidos conforme a legislação brasileira, tanto na esfera civil como penal. Ainda assim, se faz necessário aprimorar a área de estudo no âmbito jurídico, inclusive uma avaliação do direito digital sobre diversos empecilhos que a internet ocasiona.
Outro fator importante é dar ênfase nos parâmetros destacados pelo Comitê dos Direitos das Crianças da ONU. O mesmo cita medidas para melhorias que podem ser aplicadas à temática abordada, como desenvolver e fortalecer programas para prevenção de violações dos direitos das crianças no ambiente virtual; prover as crianças informações adequadas sobre o uso seguro das mídias digitais; adotar medidas adequadas para proteção de crianças contra conteúdos violentos, inapropriados e outros riscos; asseguras canais efetivos de denúncias; promover treinamento adequado e continuo para os aplicadores das leis e pessoas que trabalham com crianças; fortalecimento da identificação das vítimas, bem como a detecção, investigação, julgamento e punição dos responsáveis pelas violações; fortalecimento das iniciativas já existentes no combate às violações de direitos de crianças e adolescentes no ambiente virtual além de intensificar as demais medidas que já se encontram em andamento com a finalidade de proteger as crianças e adolescentes.
Além da intervenção do poder judiciário, Estado e demais autoridades na causa do abandono digital, é notório que a prevenção deve começar dentro do âmbito familiar com os mínimos detalhes, como por exemplo, o bom convívio familiar, a interação das crianças com os amigos e demais parentes, levando-se em conta a afetividade. Os pais precisão ter bom senso e serem aptos a dispor maior importância para a rotina dos filhos, exercendo o poder familiar em interesse dos filhos, fazendo jus ao principio da proteção integral, a fim de minimizar os impactos negativos.
É de suma importância à propagação da informação em massa sobre as principais violências contra crianças e adolescentes na rede, os problemas físicos e psicológicos e os meios alternativos para o enfrentamento do abandono digital.
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Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil, Estagiária no Tribunal de Justiça, Comarca de Cardoso/SP, Técnica em Serviços Jurídicos
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Gabriela Batista de. Abandono digital de crianças e adolescentes: impactos nocivos e as implicações no ordenamento jurídico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jun 2022, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58661/abandono-digital-de-crianas-e-adolescentes-impactos-nocivos-e-as-implicaes-no-ordenamento-jurdico. Acesso em: 23 dez 2024.
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