MARIA DO SOCORRO RODRIGUES COÊLHO[1]
(orientador)
RESUMO: O dever de motivação das decisões judiciais constitui um instrumento essencial em estados republicanos. Dessa forma, estudar meios eficazes que possam garantir a verificação da observação desse princípio tem igual relevância. Assim, o estudo se ocupa em analisar a ADPF 186, originária do Distrito Federal, que trata sobre ações afirmativas, considerando para isso a Teoria da Argumentação Jurídica desenvolvida por Robert Alexy. Tem como objetivo essencial, levar a citada teoria a uma perspectiva prática, tendo como fundo de realização a análise do processo argumentativo do Supremo Tribunal Federal na justificação ou motivação da mencionada ADPF. Para o seu desenvolvimento, utilizou-se, a título de metodologia, a revisão bibliográfica, partindo de uma abordagem indutiva, haja vista o caso particular objeto do estudo, a ADPF 186/DF, de onde se coletou alguns dos argumentos sustentados pelo ministro relator Ricardo Lewandowski para fundamentar o seu voto. Por fim, tendo em vista a generalidade da teoria sistematizada por Robert Alexy, foi possível concluir pela sua ampla aplicação prática, contribuindo para grande avanço na busca da racionalidade das decisões judiciais.
Palavras-chave: Argumentação Jurídica, Decisão Judicial, Ações Afirmativas, Fundamentação, Justificação.
ABSTRACT: The duty to motivate judicial decisions is an essential instrument in republican states. In this way, studying effective means that can guarantee the verification of compliance with this principle is equally relevant. Thus, the study is concerned with analyzing ADPF 186, originating in the Distrito Federal, which deals with affirmative actions, considering the Theory of Legal Argumentation developed by Robert Alexy. Its essential objective is to take the aforementioned theory to a practical perspective, having as a background the analysis of the argumentative process of the Federal Supreme Court in the justification or motivation of the aforementioned ADPF. For its development, the bibliographic review was used as a methodology, starting from an inductive approach, considering the particular case object of the study, the ADPF 186/DF, from which some of the arguments supported by the rapporteur minister Ricardo Lewandowski were collected to substantiate his vote. Finally, given the generality of the theory systematized by Robert Alexy, it was possible to conclude for its wide practical application, contributing to a great advance in the search for the rationality of judicial decisions.
Keywords: Legal Argumentation, Court Decision, Affirmative Action, Reasoning, Justification.
1 INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se volta ao estudo da Argumentação Jurídica e sua relação com o dever-poder do Estado de prolatar decisões judiciais que estejam fundamentadas racionalmente. Quando no exercício de sua função jurisdicional, cumpre ao Estado guardar o dever constitucional de fundamentar suas decisões, utilizando-se de uma argumentação juridicamente embasada, tendo por objetivo garantir uma eficaz distribuição da justiça e, consequentemente, contribuir para o estabelecimento do sentimento de segurança jurídica e paz na sociedade.
À vista disso, tem-se por delimitação do tema a argumentação jurídica da forma que entendida e sistematizada pelo jurista alemão Robert Alexy, descrita em sua obra Teoria da Argumentação Jurídica (1978), tomando-se por fundo fático a arguição de descumprimento de preceito fundamental 186, originária do Distrito Federal.
Isto posto, eis o problema de pesquisa: os argumentos utilizados pelo ministro relator em seu voto na arguição de descumprimento de preceito fundamental 186 do Distrito Federal estão em consonância com a Teoria da Argumentação Jurídica desenvolvida por Robert Alexy?
O desenvolvimento do estudo tem como base a revisão bibliográfica acerca do tema teoria da argumentação jurídica, conforme sistematizada por Robert Alexy, valendo-se de uma abordagem indutiva, considerando o caso particular objeto de estudo, diga-se, a ADPF 186/DF. A pesquisa se limitou a discorrer sobre o voto do relator, em decorrência da extensão do acórdão. Alguns dos argumentos sustentados pelo ministro serão analisados sob o prisma de Alexy e sua teoria, conforme o autor a delimitou.
O artigo se desenvolve ao longo de três seções e, finalmente, as considerações finais. Na primeira seção, demonstra-se a necessidade de fundamentação dos atos praticados pelo Estado, especialmente daqueles chamados atos jurisdicionais, discorrendo sobre sua relevância jurídica e social, baseando-se na forma como o tema é regulamentado pelo ordenamento jurídico pátrio, tanto sob o ponto de vista constitucional, quanto do ponto de vista da legislação ordinária.
Na segunda seção, faz-se a exposição da teoria do discurso jurídico de Robert Alexy. Para uma melhor compreensão, é abordada brevemente, a teoria geral do discurso racional prático que apoia a concepção do autor sobre a argumentação jurídica (ALEXY, 2005). Na sequência, aprofunda-se mais especificamente a Teoria da Argumentação Jurídica, sendo apresentadas suas características e regras, e ainda, as justificações interna e externa e o modo como se relacionam. Cabe esclarecer que não se busca, aqui, esgotar o tema ou/e a discussão sobre a forma que é compreendida a totalidade da teoria, não sendo esse o objetivo e a finalidade do trabalho.
Na terceira seção do artigo, analisa-se a ADPF 186/DF, apresentando, preliminarmente seu contexto fático-material, as circunstâncias e os sujeitos envolvidos. Posteriormente, é empreendida uma análise do voto do ministro relator Ricardo Lewandowski na arguição, estabelecendo a relação de alguns de seus argumentos com a teoria do discurso jurídico de Alexy. Por fim, nas considerações finais, é feita uma exposição dos resultados encontrados ao longo da investigação, e de que forma esses resultados podem contribuir para a busca de decisões racionais mais próximas do ideal de justiça, distanciando-se, naquilo que for possível, do subjetivismo judicial.
Isto posto, a pesquisa objetiva levar a Teoria da Argumentação Jurídica desenvolvida por Robert Alexy a uma perspectiva prática, adotando como fundo de realidade o Poder Judiciário brasileiro e, mais especificamente, o Supremo Tribunal Federal. O artigo também pretende apresenta uma visão panorâmica da teoria alexyana e de sua aplicação prática, fornecendo uma introdução àqueles que pretendem se aprofundar no ramo científico da Argumentação Jurídica, e no pensamento do autor. Além disso, espera-se contribuir para a discussão em torno da fundamentação judicial, tema caro a estados como o brasileiro: republicano, democrático e constitucional. Por fim, busca-se fomentar o interesse por parte da população de meios eficazes de averiguação e exame dos atos estatais, e do processo de argumentação utilizado para justificar tais atos, sejam eles administrativos, legislativos ou jurisdicionais.
2 DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS
Como esclarece Damasceno et al, (2020), para além de promover a pacificação entre povos e nações, o Direito também deve proporcionar segurança jurídica aos indivíduos, valor inerente e essencial à preservação do Estado Democrático de Direito e suas instituições. Entre os diversos instrumentos fornecidos pelo Direito à vista de garantir essa segurança, há o dever do Estado de, no exercício de suas funções jurisdicionais, motivar devidamente todas as suas decisões.
Essa preocupação não é exclusiva do direito brasileiro. Apesar de não ser possível identificar com exatidão o momento em que ele surgiu, o dever de fundamentar as determinações judicias é fruto de construção histórica. Na Roma antiga, porém, é sabido que os Juízes motivavam suas decisões, por hábito. Com a queda do Império Romano, a fundamentação das decisões passou por um processo de intervenção divina. Apenas no início do séc. XIII as decisões voltaram a ter um caráter mais racional (SOARES; COUTO; COSTA, 2018).
Observa-se que o respeito ao dever de motivação ultrapassa a simples ideia de um formalismo sem sentido. Ao tornar conhecido aquilo que motivou seu convencimento, o juiz garante às partes e, em última análise, à sociedade em geral, meios de controle da sua imparcialidade, assegurando que não agiu com arbitrariedade (JACINTHO; CRUZ, 2020). Em linhas gerais, os ordenamentos jurídicos tendem a considerar uma decisão devidamente fundamentada quando nela se faz presente as razões de fato e de direito que motivaram o convencimento do julgador (PORTO; SCHENK, 2018).
Por um longo tempo prevaleceu na literatura jurídica a convicção de que as decisões judiciais deveriam ser fundamentadas unicamente de acordo com a lógica dedutiva do silogismo. Esse era, e em parte continua sendo, o caminho lógico-racional que o Juiz deveria percorrer para chegar a uma decisão consideravelmente justa, fundamentada e legítima. Contudo, como têm-se percebido ao longo da história, esse entendimento mais tradicional limita a atuação do Magistrado na sua tomada de decisão, reduzindo o seu ofício a uma simples adequação da norma geral abstrata (premissa maior) a um fato concreto (premissa menor), provocando o endurecimento do ato decisório (BRITO, 2021).
O silogismo lógico, quando aplicado ao discurso jurídico, tem sido comumente objeto de crítica no meio científico e doutrinário, tendo demonstrado insuficiência em suprir a complexidade das demandas que hoje se apresentam ao judiciário, porquanto não exigem meramente uma resposta automática resultante de uma dedução de caráter lógico, mas antes, uma valoração das situações que apontam. Na sua atuação, aquele que está investido de jurisdição pelo Estado, e, antes de tudo, pela sociedade, deve estar atento ao direito positivo, com destaque especial à Constituição, mas também aos elementos que não são contemplados pela norma jurídica e que possuem caráter valorativa, não se pondo indiferente a esses elementos.
Faz-se oportuno salientar que a obrigação da fundamentação judicial se apresenta também como um direito daquele que está sendo acusado, o direito de ter conhecimento dos motivos da decisão sob a qual está vinculado, para que possa exercer efetivamente o contraditório, não se esperando, é claro, sua anuência ao que restou determinado, mas unicamente a possibilidade do controle dos atos judiciais e possiblidade do sucumbente de exercer o seu direito de defesa (SABINO; MARKMAN, 2018).
2.1 Dever de fundamentação na Constituição Federal de 1988
A ideia de Constituição, conforme hoje é compreendida, é produto da modernidade, momento em que a sociedade, imbuída dos ideais burgueses, buscava a superação do Estado absolutista com a limitação do poder político estatal em favor daqueles que estão sujeitos aos seus comandos, ou seja, os governados (SARMENTO; NETO, 2012).
A Constituição da República Federativa do Brasil, a seu turno, estabeleceu, como direito, ou melhor, como dever fundamental estatal, que todas as decisões dos órgãos do Poder Judiciário devem ser devidamente fundamentadas, sob pena de nulidade (BRASIL, 1988). Foi a primeira, na história brasileira, a elevar o dever de motivação ao patamar constitucional. Até então, o tema havia sido regulamentado por legislação infraconstitucional. Essa determinação por parte do Constituinte demonstra a relevância dada a esse instrumento em um Estado Democrático, como o brasileiro.
Há de se observar que essa garantia não se trata de uma possibilidade, uma faculdade que é concedida ao Juiz, mas, antes, uma imposição que pretende possibilitar o controle das decisões judiciais, assegurando até mesmo uma eventual impugnação (MENDES; BRANCO, 2015).
2.2 Fundamentação e legislação processual infraconstitucional
Em observância às determinações constitucionais, como não poderia deixar de ser, instituiu o atual Código de Processo Civil, em seu art. 11, entre suas normas fundamentais, a publicidade de todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, e, ainda, o dever de fundamentação de todas as suas decisões, sob pena de nulidade (BRASIL, 2015). Nota-se que o texto do art. 11, do CPC, não é uma inovação jurídica, trata-se na verdade de uma cópia exata da primeira parte do art. 93, IX, da Constituição Federal. Os princípios da publicidade e da motivação das decisões judiciais possuem uma estreita relação. O primeiro, funciona como um instrumento que busca garantir a eficácia do segundo, uma vez que garante a efetivação da participação no controle das decisões, seja pelas partes, pela sociedade ou pelo próprio Estado (JUNIOR, 2021).
Nessa mesma linha, Fredie Didier Junior (2021) esclarece que o dever de fundamentação possui duas funções primordiais. A primeira, endoprocessual, dedica-se a garantir às partes a possibilidade de conhecer as razões que levaram ao convencimento do julgador, além de fornecer subsídio aos juízes superiores, em eventual fase recursal. A segunda função, denominada extraprocessual, viabiliza o controle das decisões por uma via democrática participativa, exercida pelo povo. Aliás, como bem aponta o autor, o magistrado exerce uma parcela do poder que lhe é concedido pelo povo, conforme prevê a Constituição.
Há de se destacar, ainda do Código de Processo Civil, o art. 489, II, no qual o legislador definiu os fundamentos de fato e de direito como elementos essenciais da sentença. Os elementos essenciais são as partes que devem constar na estrutura da decisão judicial, que no nosso CPC, são: relatório, fundamentos e dispositivo (BRASIL, 2015).
No âmbito do processo penal, há de se citar a alteração realizada pela Lei n. 13.964 (Pacote Anticrime), de 2019, ao Código de Processo Penal, em que a carência de fundamentação das decisões jurisdicionais penais foi incluída como uma das hipóteses de reconhecimento de nulidade, adequando-se expressamente à determinação constitucional (BRASIL, 1941). Tendo em vista a severidade das restrições que podem advir de um processo com natureza penal, o dever de motivação alcança aqui máxima importância no combate à arbitrariedade judicial, uma vez que lida com direito à liberdade dos indivíduos (BRAGA, 2021).
3.A ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA EM ROBERT ALEXY
No início de sua obra Robert Alexy expõe a seguinte ideia: a aplicação das leis não se limita à subsunção lógica dos fatos às normas abstratas. De acordo com ele, é possível verificar essa afirmação pelos motivos que se seguem: a) a linguagem imprecisa do Direito, b) o possível conflito de normas, c) a possibilidade de que pode haver casos que não se ajustem a nenhuma norma jurídica, e, por fim, d) a probabilidade de haver uma decisão que contrarie frontalmente alguma norma vigente (ALEXY, 2005).
Ante essas constatações, e da já apontada insuficiência do silogismo jurídico, Robert Alexy identificou a necessidade de uma justificação das decisões prolatadas pelos órgãos jurisdicionais nos casos em que a aplicação clássica do direito não se mostrar satisfatória ou suficiente, com o intuito de limitar a subjetividade do julgador e racionalizar sistematicamente os argumentos jurídicos que forem utilizados (ALEXY, 2005). Como acertadamente sintetiza Oliveira (2016), o problema central de toda sua teoria é a percepção por parte do autor da insuficiência do clássico método lógico-dedutivo quando se volta para a aplicação do direito.
3.1 Teoria geral do discurso racional prático
Alexy esboça, previamente, uma teoria do discurso racional prático, que servirá de escopo para sua teoria da argumentação aplicada ao Direito. Partindo dessa teoria geral do discurso racional prático, o autor transita para uma teoria do discurso jurídico por aquilo que ele chama de “regras de transição”. Surge, então, nesse contexto, a tese do caso especial, exposta mais adiante.
A razão prática pode ser definida como a capacidade humana de, por meio de um processo reflexivo, resolver sobre o que deve fazer. Considera-se prático esse processo sob dois aspectos, o primeiro diz respeito ao seu assunto, uma vez que se relaciona com a ação, e o segundo a sua consequência, posto que, como resultado da reflexão, as pessoas são impelidas a agir. Nesse tipo de raciocínio, o agente busca aquilo que seria melhor fazer de um ponto de vista pessoal, não levando em conta situações de fato ou a explicação, mas sim sua carga valorativa (WALLACE, 2020).
Toledo (2021) leciona que Alexy entende o discurso jurídico como um caso especial do discurso racional prático. Segundo ela, tanto o discurso jurídico quanto o prático geral atuam com questões práticas sobre o que deve ou não ser feito ou evitado, e, além disso, possuem uma pretensão de correção. Em outras palavras, a tese do autor sustenta que o discurso jurídico faz parte do gênero (genus proximum) discurso prático geral, mas se comporta como espécie (differentia specifica), pelo fato de se relacionar com o direito válido, como as leis, os precedentes e a dogmática (OLIVEIRA, 2016).
O jurista distingue, ainda, a argumentação prática geral da argumentação jurídica pelo fato desta última acontecer com uma certa limitação. Ele observa que há diferentes tipos de discussões jurídicas, desde estudantes divergindo sobre determinada normal legal às deliberações judiciais, que possuem um aspecto institucional, cada situação comporta uma limitação diferente, tendo em vista que que nem todas as questões estão abertas à discussão (ALEXY, 2005).
Como característica da argumentação prática racional, tem-se ainda a pretensão de correção. Alexy concebe a possibilidade de existência de mais de uma resposta correta no Direito, mas entende, contudo, que a resposta dada, seja ela qual for, deve ser correta. A verificação de que se está ou não correta acontece pela observação da fundamentação da decisão, se está fundamentada, está correta (TOLEDO, 2021).
3.1.1 As regras do discurso prático geral
A teoria do discurso prático geral apresentada pelo jurista alemão é, na verdade, fruto de uma investigação realizada pelo autor de algumas teorias do discurso prático. É formada por conjuntos de regras expostas a seguir. O primeiro conjunto de preceitos são as chamadas (1) regras básicas, elas são responsáveis por possibilitar a comunicação entre os oradores. Esse conjunto é composto por quatro regras: 1.a) nenhum orador pode se contradizer; 1.b) cada orador afirma apenas aquilo que acredita; 1.c) a aplicação de predicados por parte de um orador deve ser o mesmo para objetos semelhantes; e 1.d) deve haver um consenso entre os oradores quanto ao significado das expressões (ALEXY, 2005).
O segundo conjunto são as chamadas (2) regras de racionalidade. Essas destinam-se a justificação das afirmações feitas pelos oradores, tendo em vista que aquele que afirma algo, deve estar preparado para justificar o seu porquê, demonstrando sua veracidade (CONSTANTINOV, 2016). Nesse ponto, tem-se o que o autor denominou de regra geral de justificação, sendo seu conteúdo o seguinte: 2.a) o locutor tem que justificar suas afirmações quando lhe pedem, exceto quando apresente um motivo justificável pelo qual não possa fazê-lo (ALEXY, 2005).
Da regra geral de justificação, o autor ainda relaciona com ela três outras regras (baseadas no discurso ideal de Habermas), que são: 2.a.a) qualquer pessoa capaz de falar pode participar do discurso, 2.a.b) todos podem problematizar uma afirmação, introduzir uma nova afirmação e expressar-se (atitudes, desejos e necessidades), e 2.a.c) nenhum orador pode ser impedido de exercer esses direitos por conta de coerção (ALEXY, 2005).
O terceiro grupo é formado pelas (3) regras para partilhar as cargas de argumentação, caracterizada pela distribuição entre os oradores das regras dos conjuntos anteriores. Sob esse aspecto, é garantida a qualquer pessoa a possibilidade de problematizar algo que foi afirmado na discussão. Os preceitos listados por Alexy são: 3.a) tratamentos diferentes para oradores diferentes devem ser justificados, 3.b) o ataque à afirmação ou norma que não é objeto de discussão deve ser devidamente justificado, 3.c) a apresentação de novos argumentos é cabível apenas na hipótese de argumentos anteriores serem objeto de contestação, e 3.d) os oradores podem inserir argumentos que não fazem parte da discussão, desde que justifiquem o motivo pelo qual o fizeram (ALEXY, 2005).
O quarto conjunto de regras trata sobre as (4) regras de justificação. Alexy levou em consideração para a formulação desse conjunto os princípios de generalizabilidade de Hare, Habermas e Baier. Essas regras são as seguintes: 4.a) os oradores devem aceitar as consequências que advirem das regras que afirmam para os outros oradores, 4.b) todos os locutores devem anuir às consequências oriundas das regras, 4.c) as regras devem ser claras e ensinadas para todos e, por fim, 4.d) os limites dados de realização devem ser considerados (ALEXY, 2005).
3.1.2 As regras de transição
Diante dos preceitos anteriormente apresentados, é necessário a possibilidade de transição dessas regras de um discurso prático para um discurso mais especializado, vencendo a generalidade do primeiro. Essa possibilidade é garantida pelas chamadas regras de transição (CONSTATINOV, 2016).
As regras nessa fase são as seguintes: 5.a) a possibilidade de que qualquer orador transite para um discurso teórico, e a qualquer tempo, 5.b) a possibilidade de que qualquer orador transite para um discurso linguístico analítico, e a qualquer tempo, e 5.c) a possibilidade de que qualquer orador transite para um discurso-teórico-discurso, e a qualquer tempo (ALEXY, 2005).
Todas essas normas argumentativas apontadas por Robert Alexy, como já salientado, resultam de uma análise feita pelo jusfilósofo de várias outras teorias do discurso prático. A observância desses preceitos, ainda que dentro daquilo que seja possível, sinaliza um avanço em direção à um discurso racional, fundamentado e justificado.
3.2 Teoria da Argumentação Jurídica
Identificadas as carências do processo de fundamentação das decisões judiciais e delimitada a teoria geral do discurso prático racional, Robert Alexy parte então para a sistematização da sua Teoria da Argumentação Jurídica. Nesse ponto, o autor trata da justificação dos discursos jurídicos. Ele identifica duas faces da justificação: a interna e a externa. A primeira diz respeito à verificação lógica das premissas usadas pelo julgador na fundamentação, e a segunda relaciona-se com a correção das premissas utilizadas na justificação primeira (ALEXY, 2005).
É conveniente esclarecer que, apesar de suas diferenças metodológicas, as justificações interna e externa possuem uma íntima ligação, conservando muitas vezes campo comum de atuação, esse entrelaçamento pode ser verificado mais claramente na exposição da teoria (CARNEIRO, 2018).
3.2.1 A justificação interna
A justificação interna é o ponto de partida na teoria de Alexy para a construção racional das fundamentações judiciais. Aqui, serão identificadas quais premissas serão utilizadas no ato decisório. Nesse estágio, o Juiz exerce majoritariamente o silogismo lógico e jurídico, anteriormente comentado, na busca de estabelecer uma correspondência entre a norma e o fato, onde deve assentar a subsunção que ele utilizará como fundamento da sua decisão.
Robert Alexy, ainda nessa fase, elencou cinco regras que regulamentam a justificação interna, que são: a) em um julgamento jurídico, a fundamentação tem que possuir ao menos uma norma universal, o que determina a igualdade formal de todos em face da justiça, b) o julgamento jurídico deve se fundamentar partindo logicamente de pelo ou menos uma norma universal em conciliação com outras proposições afirmativas, c) em casos em que as duas primeiras regras não forem satisfatórias, será necessário uma nova linha argumentativa, com uma nova regra que solucione o impasse, d) a quantidade de passos lógicos dedutivos necessários é aquele que cumpra suficientemente a aplicabilidade de determinadas expressões sem haver mais disputas, e e) na argumentação jurídica, a fundamentação deve articular tantos passos silogísticos forem possíveis, com o fim de não se deixar lacuna na argumentação desenvolvida (ALEXY, 2005).
Não é objeto de preocupação, nessa fase, se as premissas utilizadas são ou não válidas, isso é tratado na justificação externa. As premissas aqui utilizadas podem ser de diferentes tipos, como a) regras da lei positiva, b) afirmações empíricas e c) aqueles que não são nem uma coisa, nem outra (ALEXY, 2005).
3.2.2 A justificação externa
A justificação externa tem como objeto a justificação das premissas utilizadas na fase da justificação interna, a depender do tipo conforme foram discriminadas. As premissas podem ser do tipo: a) regras de lei positiva, que podem ser justificadas demonstrando a sua validade no ordenamento jurídico; b) afirmações empíricas, podendo ser aferidas de diferentes meios, desde métodos empíricos às regras que possuem o encargo probatório; já as premissas que c) não são nem empíricas nem lei positiva, são justificadas pela argumentação jurídica (ou argumentação legal), e, como esclarece Alexy, são o principal objeto da justificação externa (ALEXY, 2005).
Em síntese, pode-se classificar as formas de argumento em seis grupos e suas regras de justificação em seis grupos: a) interpretação (lei), b) argumentação dogmática, c) uso de precedentes, d) argumentação geral prática (razão), e) argumentação empírica (fatos), e, por último, f) as formas especiais de argumentos jurídicos (ALEXY, 2005).
4 A FUNDAMENTAÇÃO DO MINISTRO RELATOR
4.1 Contexto Fático e Jurídico
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, originária do Distrito Federal - DF, trata-se de arguição em que o Partido Democratas - DEM buscava a declaração de inconstitucionalidade de atos administrativos da Universidade de Brasília - UnB, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília - CEPE e do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília - CESPE, que estabeleceram um sistema de reserva de cotas sob o critério étnico-racial, equivalente a 20% (vinte por cento) do total das vagas ofertadas.
Segundo a parte requerente, os atos impugnados infringem os seguintes preceitos fundamentais: a) artigo 1º, caput, que estabelece o princípio republicano, e seu inciso III, que definiu a dignidade da pessoa humana como fundamento da república brasileira; b) o artigo 3º, inciso IV, que veda o preconceito por cor e a discriminação dela decorrente; c) artigo 4º, inciso VIII, onde há o repúdio ao racismo; d) artigo 5º, incisos I, II, XXXIII, XLII e LIV, que preveem a igualdade, a legalidade, o direito à informação dos órgãos públicos, o combate ao racismo e o princípio do devido processo legal, que tem como um de seus corolários o princípio da proporcionalidade; e) o artigo 37, caput, que estabelece os chamados princípios da Administração Pública, que são a legalidade, a impessoalidade, a razoabilidade, a publicidade a moralidade; f) artigo 205, caput, que universaliza a educação; g) artigo 206, caput e inciso I, igualdade de nas condições de acesso ao ensino; h) artigo 207, caput, onde fica instituída a autonomia universitária; e, por fim, c) o artigo 208, inciso V, que determina a meritocracia como critério de acesso aos níveis mais elevados de ensino, onde deve ser considerado a capacidade de cada um.
Considerando a natureza e abrangência do tema, é possível constatar que o debate não se limita apenas às partes processuais, dado que a questão fundamental a ser discutida pelo Supremo Tribunal Federal - STF é se programas de ação afirmativa, que estabelecem reserva de cotas sob o critério étnico-racial, estão de acordo ou não com a Constituição Federal de 1988.
4.2 Processo de argumentação
4.2.1 Questões preliminares e a limitação do discurso jurídico
Partindo da sua tese do caso especial, Robert Alexy aponta a variedade nas formas de manifestação do discurso jurídico, não se apresentando de maneira uniforme. O discurso jurídico pode se externar em diferentes contextos e com oradores de, até mesmo, distintas áreas do conhecimento. Todos os tipos de discussões jurídicas possuem marcantes diferenças entre elas, algumas ocorrem em um tempo previamente determinado, outras, portam um caráter institucional, e pode-se falar ainda naquelas que ocasionam uma alteração na realidade, enquanto outras se restringem ao plano da teoria, especulativo.
Apesar de todas essas diferenças, essas discussões conservam, como nota mais comum, o fato de que a argumentação que as compõem é necessariamente, e ao menos em parte, jurídica, ou seja, possui uma relação com a lei válida, lato senso. Dessa constatação, Robert Alexy evidencia-se uma limitação da argumentação jurídica, limitação essa que pode variar, a depender das circunstâncias que permeiam a discussão (ALEXY, 2005).
É possível identificar essa limitação durante todo o voto do relator. Como exemplo, podemos citar as questões preliminares que o ministro necessariamente teve de se ater, os pontos que foram apreciados antes de entrar no mérito.
O primeiro ponto enfrentado pelo decano no seu voto é relacionado ao cabimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental ao caso que se apresenta. Apesar de ser constitucionalmente prevista, a ADPF tem sua regulamentação na lei n. 9.882, de 1999, ou seja, uma legislação ordinária, como quis o constituinte. O ordenamento brasileiro apenas admite o uso da ADPF nos casos em que não houver outro meio que se mostre eficaz para sanar a lesividade que é objeto de impugnação, tudo isso em respeito ao chamado princípio da subsidiariedade.
A demonstração do cabimento da ADPF deve ser demonstrada na peça inicial, a fim de que seja apreciada preliminarmente pelo relator. Como bem esclarece o ministro, seguindo o entendimento da corte, é necessário para que fique satisfeito o princípio da subsidiariedade a inexistência de instrumento processual alternativo a ADPF que seja capaz de suprir, eficazmente, o provimento judicial. No presente caso, entendeu o relator pelo cabimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental 186 do Distrito Federal, porquanto atende satisfatoriamente aos requisitos legais e jurisprudenciais essenciais.
Como questão preliminar, foi analisada ainda a possível conexão entre a ADPF 186/DF e a ADI 3.197/RJ, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, tendo como fundamento o fato de ambas as ações terem a mesma causa de pedir, ou seja, a inconstitucionalidade de cotas para negros em sede das universidades públicas. Todavia, entendeu o relator pela impossibilidade da referida conexão, seguindo entendimento jurisprudencial da corte constitucional de que não é possível conexão nas ações que possuem caráter abstrato, ou seja, que não tratem diretamente de um caso concreto, objetivo.
4.2.2 Isonomia formal e material
O relator ao tratar do mérito considera, inicialmente, o princípio da igualdade previsto no caput do art. 5º, da Constituição. Esse princípio encontra lugar como um dos elementos essenciais que cercam a discussão a respeito da adoção do sistema de cotas como critério para ingresso no ensino superior. Preocupou-se o ministro em demonstrar que o constituinte originário não se limitou a estabelecer apenas a igualdade formal entre as pessoas que se encontram sob o poderio do Estado, mas, também, a igualdade material, com o propósito de influenciar efetivamente nos enlaces sociais.
O ministro defende que esse entendimento constitucional concede ao Estado a permissão para se utilizar dos instrumentos que se demonstrarem eficazes na busca de efetivar a igualdade na sociedade, tanto no seu aspecto formal, quanto substancial, desde que observado as devidas proporções em cada caso. Dentre os instrumentos que podem ser utilizados, temos as denominadas ações afirmativas.
Em decorrência de seu conteúdo principiológico, não é possível realizar a subsunção “perfeita” da norma (princípio da isonomia) ao caso concreto, ainda que se trate de uma norma abstrata de caráter universal, como nomeia Robert Alexy. Aqui, respeitando a natureza da norma, convém atestar a incidência do princípio constitucional sobre a situação apreciada, devendo aquele que possui o poder de julgar observar, na sua tomada de decisão, guardar, naquilo que for possível, a Constituição e os direitos fundamentais que nela estão expressos.
Fala-se, atualmente, no meio jurídico, sobre o processo de constitucionalização dos diversos ramos do direito, tanto público quanto privado. Esse processo tem como fundamento a supremacia da Constituição em face de todo o ordenamento jurídico. Dessa forma, tendo em vista seu caráter normativo, a Constituição Federal se encontra hoje no ápice da pirâmide jurídica, assim, todos os atos do poder público devem, antes de qualquer coisa, estar alinhados aos ideais constitucionais.
Argumentos que se fundamentem no texto constitucional (lei válida) são não apenas justificados, mas, antes, necessários. Como anota Robert Alexy (2005), na exposição da justificação interna, os argumentos jurídicos devem partir de, ao menos, uma norma universal. A necessidade de sua universalidade se mistura com a ideia de justiça formal, que designa a obrigação de tratar da mesma maneira todas as pessoas que sejam iguais.
4.2.3 Uso de precedentes
Durante todo o seu voto, o relator se utiliza de uma variedade de precedentes com a finalidade de fundamentar e justificar sua decisão. No momento em que argumenta sobre o cabimento da ADPF 186/DF, trouxe como forma de fundamentação a ementa de uma outra ADPF, a de n. 33, originária do estado do Pará, de relatoria do ministro Gilmar Mendes. Nesta, como esclarece o ministro Ricardo Lewandowski, o STF entendeu que “para aferir-se a subsidiariedade, é preciso ter em conta a inexistência ou não de instrumentos processuais alternativos capazes de oferecer provimento judicial com eficácia ampla, irrestrita e imediata para solucionar o caso concreto sob exame” (STF. Supremo Tribunal Federal. ADPF: 186 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Data de Julgamento: 26/04/2012. Data de Publicação: DJe Public 20/10/2014).
Ao tratar especificamente das políticas de ação afirmativa, o ministro elenca um conjunto de julgados em que o Supremo Tribunal Federal admitiu a constitucionalidade dessas políticas, como MC-ADI 1.276-SP, Rel. Min. Octávio Gallotti, a ADI 1.276/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, o RMS 26.071, Rel. Min. Ayres Britto e a ADI 1.946/DF, Rel. Min. Sydnei Sanches e a MC-ADI 1.946/DF, Rel. Min. Sydnei Sanches.
O relator teve de considerar, ainda, sobre a inexistência, cientificamente comprovada, do conceito biológico de raça na espécie humana, e se isso impediria de alguma forma a adoção de critério étnico-racial com a finalidade de seleção entre as pessoas. Nessa discussão, o ministro apontou que esse tema já havia sido, anteriormente, enfrentado pela Suprema Corte, a saber, no HC 82.424-QO/RS, de relatoria do ministro Maurício Corrêa. Neste HC, foi discutido pelos STF o significado jurídico do termo racismo, que foi adotado pela Constituição Federal de 1988.
Considerando a influência dos Estados Unidos da América no desenvolvimento e compreensão das políticas de ação afirmativa, o relator expôs um conjunto de julgamentos da suprema corte americana que versavam sobre o tema, como o caso Regents of the University of Califórnia v. Bakke, de 1978, em que se permitiu a adoção de raça como elemento de admissão por instituições de ensino superior. E, ainda, o caso Grutter v. Bollinger, de 2003, em que se voltou a discutir Regents os the University of Califórnia v. Bakke.
Todos esses exemplos demonstram a inegável relevância dada ao instituto do precedente jurídico pelo ordenamento brasileiro e, igualmente, sua importância para o Poder Judiciário quando no exercício de sua função jurisdicional. Robert Alexy (2005, p. 258), não ignorando a expressividade dos precedentes, aponta que “uma teoria da argumentação jurídica que deixe de levar em conta a regra dos precedentes perderia um dos mais característicos aspectos da argumentação jurídica”.
Tendo isso em vista, Alexy aponta que os precedentes devem ser seguidos em observância ao princípio da universalidade, ao imposto de que casos iguais devem ser, necessariamente, tratados de modo igual, e à ideia da justiça formal. Contudo, o autor faz a ressalva de que dois casos não são totalmente idênticos, ainda que em suas circunstâncias relevantes possam ser semelhantes. Há, ainda, a possibilidade de que um fato atual seja exatamente igual ao anterior em suas circunstâncias relevantes, mas a forma que essas circunstâncias são abordadas tenha mudado com o passar do tempo. O jusfilósofo chama atenção para essa última hipótese; ele entende que, nos casos que se apresentarem nessas circunstâncias, exige-se respeito ao precedente, ao menos em princípio, admitindo-se exceções e estando sujeitos ao encargo do argumento (ALEXY, 2005).
Ainda sobre a importância do precedente no discurso jurídico, Robert Alexy (2005, p. 260) assinala que “ao assegurar a estabilidade, a prática do seguinte precedente contribui ao mesmo tempo para a certeza jurídica e a proteção da confiança na tomada de decisão judicial”. O autor elenca duas regras gerais que devem ser observadas na utilização de precedentes, a fim de garantir sua racionalidade. A primeira é que a) se um precedente pode ser citado, seja ele a favor ou contra aquilo que se decide, ele deve ser, e a segunda é que b) aquele que partir de um precedente fica com o encargo do argumento (ALEXY, 2005). Destaca-se que o ministro, ao invocar os precedentes em sua fundamentação, preocupa-se em esclarecer qual ponto do caso anterior aplica-se ao atual caso discutido.
4.2.4 Argumento genético e igualdade
Em alguns momentos, o relator faz uso em sua fundamentação daquilo que Robert Alexy chama de argumento genético. Esse argumento se baseia na ideia de que uma interpretação resta justificada por ser ela a intenção do legislador. O filósofo aponta, ainda, que esse argumento pode se apresentar de duas formas. A primeira, é a de que aquela interpretação se justifica por corresponder diretamente à intenção do legislador, e a segunda, se apresenta como a ideia de que o legislador adotou determinada medida com o objetivo de atingir alguma finalidade específica, sendo essa finalidade a conclusão interpretativa (ALEXY, 2005).
Ao tratar do princípio da igualdade, por exemplo, o ministro tenta demonstrar que o constituinte não se ateve:
simplesmente, a proclamar o princípio da isonomia no plano formal, mas buscou emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, de maneira a assegurar a igualdade material ou substancial a todos os brasileiros e estrangeiros que vivem no País, levando em consideração – é claro - a diferença que os distingue por razões naturais, culturais, sociais, econômicas ou até mesmo acidentais, além de atentar, de modo especial, para a desequiparação ocorrente no mundo dos fatos entre os distintos grupos sociais. (STF. Supremo Tribunal Federal. ADPF: 186 DF, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI. Data de Julgamento: 26/04/2012. Data de Publicação: DJe Public 20/10/2014)
O relator demonstra que, então, ao elaborar a Constituição Federal, o constituinte originário propiciou um conjunto de instrumentos que possuem a finalidade de efetivar materialmente a igualdade, tendo a intenção de transpor a simples ideia de igualdade formal. Aqui, é possível relacionar a interpretação do ministro com a segunda forma de manifestação do argumento genético, ao passo que ele entende a configuração constitucional e os instrumentos nela dispostos como meio de se alcançar uma finalidade específica, que, em última análise, é a igualdade substancial.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como demonstrado, a fundamentação das decisões judiciais se apresenta como elemento essencial e eficaz em um estado republicano. Sua adoção e aplicação, contudo, deve obedecer ao atual estado de conhecimento e entendimento da sociedade, da evolução da ciência do direito e seus métodos. Tudo isso, claro, em respeito à complexa, e ainda não totalmente compreensível, racionalidade humana.
A Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy demonstra-se como um grande avanço na pesquisa e na prática racional do Direito. Contudo, não se pode esperar que da teoria alexyana se resolva todos os problemas do complexo fenômeno jurídico, ainda que dela se possa extrair elementos consideráveis. Da análise da ADPF 186/DF, sob a perspectiva da teoria do discurso jurídico de Robert Alexy, depreende-se a abrangência da mesma e sua aplicação prática, alcançando as diferentes formas e recursos argumentativos que foram utilizados pelo ministro relator em sua fundamentação, disponibilizando valiosos artifícios que, se bem empregados, amparam o operador do Direito em sua função elementar, que é interpretar a lei.
O ministro Ricardo Lewandowski, na sua argumentação, se utilizou de uma quantidade considerável de elementos jurídicos, como precedentes, dogmática jurídica, silogismo lógico, argumentação empírica, entre outros. Obviamente, não é possível se esperar do decano que ele trate em sua fundamentação de todos os aspectos da discussão, especialmente quando se considera os aspectos sociais, históricos, políticos e antropológicos. Entretanto, verifica-se uma preocupação do ministro em não formular uma motivação puramente jurídica, mas considerou a discussão sob os prismas que entendeu relevante.
Tratando especificamente das ações afirmativas, convém apontar que o então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, ratificou a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, por meio do decreto n. 10.932/2022. A referida convenção, em seu art. 5º, compromete seus “Estados Parte” a adotarem as políticas especiais e ações afirmativas que entenderem necessárias para garantir o livre exercício dos direitos fundamentais dos grupos que sejam sujeitos ao racismo, à discriminação racial ou formas equivalentes de intolerância, com a finalidade de promover a igualdade (BRASIL, 2022).
Ademais, importa anotar que a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância possui, então, status constitucional, considerando tratar-se de convenção internacional sobre direitos humanos, e sua aprovação pelo Congresso Nacional se adequar ao trâmite desenhado pelo § 3º, art. 5º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
REFERÊNCIAS
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______. Decreto 10.932, de 10 de janeiro de 2022. Promulga a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, firmado pela República Federativa do Brasil, na Guatemala, em 5 de junho de 2013. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2022/Decreto/D10932.htm. Acesso em: 22 mar. 2022.
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[1] Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. Doutora em Direito e políticas públicas pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB. E-mail: [email protected].
Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Antonio Vitor Viana de. A ADPF 186/DF sob a perspectiva da teoria da argumentação jurídica de Robert Alexy Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2022, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58671/a-adpf-186-df-sob-a-perspectiva-da-teoria-da-argumentao-jurdica-de-robert-alexy. Acesso em: 23 dez 2024.
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