RESUMO: O presente artigo ter por objetivo discutir a utilização da súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, considerando-se o aumento do número de processos distribuídos por todo o país ao longo dos anos, que gerou uma morosidade no Poder Judiciário, sendo esse alvo de fortes críticas perante à sociedade. Diante disso, há uma discordância doutrinária no que diz respeito às consequências da aplicação das referidas súmulas, já que uma parte dela defende que esse instituto estaria provocando o chamado “engessamento” da justiça, em contrapartida, a outra parte da doutrina defende que as críticas têm respostas, afirmando que o principal papel das súmulas vinculantes está no fato de que elas contribuem para a celeridade processual.
Palavras-chave: direito constitucional; súmula vinculante; celeridade processual; engessamento do judiciário.
Abstract: This article aims to discuss the use of the binding precedent in the Brazilian legal system, considering the increase in the number of cases distributed throughout the country over the years, which generated a delay in the Judiciary, being this target of strong criticism. in front of society. In view of this, there is a doctrinal disagreement with regard to the consequences of the application of the aforementioned precedents, since a part of it argues that this institute would be causing the so-called "casting" of justice, on the other hand, the other part of the doctrine argues that the criticisms have answers, stating that the main role of binding precedents lies in the fact that they contribute to procedural celerity.
Sumário. Introdução. 1. A sistemática da súmula vinculante. 1.1 Aspectos Gerais. 1.2. Aplicação efetiva do instituto. 1.3. Responsabilidade dos magistrados. 2. O principal questionamento: o engessamento do judiciário. 3. A súmula vinculante no combate à morosidade do judiciário. 4. Tendência de abstrativização do controle incidental de constitucionalidade e aplicação de súmula vinculante. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A morosidade da Justiça, já bastante criticada, apresenta-se como uma das enormes mazelas do Poder Judiciário desde o começo do novo século. Sem dúvida, a divergência jurisprudencial, atrelada ao sistema recursal adotado, assim como as diversas causas repetidas em que a Fazenda Pública figura como parte, vem contribuindo para agravar a famosa “crise da Justiça”.
O aumento da litigiosidade vem sendo percebido por todos, trazendo, como consequência dessa demanda, o crescente índice de distribuições dos processos e o abarrotamento das lides. Isso se deve, em grande parte, à ampliação do acesso à Justiça trazido pela Constituição federal de 1988, que conferiu um extenso elenco de direitos fundamentais.
Resta clara, na verdade, a preocupação do legislador em proteger esses direitos para que os cidadãos pudessem, através do ingresso efetivo nos meios jurisdicionais, buscar a proteção imediata no caso de violação dos direitos.
Dessa forma, com a facilitação do acesso ao Poder Judiciário, os problemas concernentes a quantidade de processos veio à tona, sobrecarregando todas as instâncias judiciais. Sem sombra de dúvidas, o Brasil tem um número bem elevado de processos, em comparação com outros países com características similares, sendo essa situação agravada com o aumento populacional e o não acompanhamento de uma razoável proporção entre a quantidade de juiz por habitante.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco - TJPE, por exemplo, conta com 449 (quatrocentos e quarenta e nove) juízes em exercício, mas ainda existem cerca de 200 (duzentos) cargos vagos.
Então, a fim de obter essa proteção judicial e atribuir o que podemos chamar de efetividade com relação à quantidade e qualidade às atividades do Poder Judiciário, houve a inclusão da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que possui preceitos referentes à razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII), à distribuição imediata dos processos (art. 93, XV), à proporcionalidade do número de juízes na unidade jurisdicional (art. 93, XIII), à repercussão geral no recurso extraordinário (art. 102, § 3º), à súmula vinculante (art. 103-A), bem como o Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B).
Assim, a Constituição Federal de 1988 passou a prever, de forma expressa, mais um direito fundamental, positivando assim o princípio da razoável duração do processo.
A súmula vinculante contribui, para grande parte da doutrina, a buscar realizar o comando fixado no art. 5º, LVIII, da Constituição Federal/88, ao lado de tantas outras técnicas.
1.A SISTEMÁTICA DA SÚMULA VINCULANTE
1.1. ASPECTOS GERAIS
Ressalta-se, de início, que a Emenda Constitucional nº 45 de 2004 introduziu o art. 103-A na Constituição Federal/88, com a previsão do efeito vinculante à súmula de julgamentos oriundos do Supremo Tribunal Federal, tendo como requisito ser a decisão de dois terços dos seus membros, e mesmo assim após ter reiteradas decisões sobre matéria constitucional.
Cumpre destacar que, a partir da publicação do enunciado da súmula na Imprensa Oficial, ela terá efeito vinculante em relação à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, bem como em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário.
Como se vê, a vinculação não atinge o Poder Legislativo no exercício de sua função típica de legislar, com o objetivo de não configuração do chamado “inconcebível fenômeno da fossilização da Constituição”, nem tampouco atinge a própria Corte Suprema para que não se inviabilize as possíveis revisões e cancelamentos de ofício, a fim de não prejudicar a adequação da súmula vinculante à evolução social.
1.2. APLICAÇÃO EFETIVA DO INSTITUTO
As súmulas vinculantes ganharam nítido espaço no ordenamento jurídico brasileiro. [1]No entanto, apesar da consolidação do referido instituto, muitos estudiosos se apresentaram a favor e outros contra a aplicação delas, expondo suas críticas com as respectivas fundamentações que serão analisadas no decorrer deste trabalho.
É importante esclarecer que, na fase de elaboração a Emenda Constitucional nº 45/04, as discussões se fortaleceram sobre a instituição de uma espécie de precedente vinculativo no ordenamento constitucional do Brasil.
O poder do STF com relação a edição das súmulas vinculantes é restrito, já que tem que se submeter aos parâmetros e princípios constitucionais, tendo como um dos seus principais objetivos preservar a segurança jurídica, impedir julgamentos diversos sobre o mesmo assunto e diminuir o abarrotamento de processos. [2]
Com a elaboração de uma súmula com efeito vinculante, todos os indivíduos na mesma situação jurídica serão protegidos, cabendo aos demais órgãos do Judiciário e à Administração Pública direta e indireta (esferas federal, estadual e municipal) respeitar e cumprir o teor da decisão, fazendo com o que as súmulas vinculantes estabelecem uma aproximação da jurisdição constitucional difuso-concreta em relação à concentrada-abstrata no STF. [3]
O autor Gilmar Mendes confirma a referida tese ao afirmar que a aplicação de súmula vinculante em uma situação que envolva a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo diminuirá a força ainda mais o instituto da suspensão pelo Senado. Dessa forma, tem-se o efeito vinculante da súmula. [4]
Ainda, sobre esse assunto, o autor Glauco Leite enfatiza que a EC nº 45 realizou, realmente, uma revogação tácita parcial do artigo 52, X, da CF/88, tendo em vista que nos casos das súmulas reconhecerem a inconstitucionalidade em concreto de uma determinada norma, o exercício da competência do Senado Federal consistente na suspensão de sua eficácia será despiciendo, já que a súmula tem o objetivo de eliminar tal norma do sistema jurídico. [5]
A Corte Superior pode de oficio, ou por provocação, rever, editar ou cancelar súmula vinculante, sendo os legitimados aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade, que também são esses que podem propor a ação direita de constitucionalidade. (art. 103-A, §2º, da CF/88). O procedimento correto para isso obedece, subsidiariamente, além do exposto na CF/88 e na Lei 11.417/2006, ao estabelecido no Regimento Interno do STF, não se admitindo recurso extraordinário para esse objetivo, tampouco o uso da ADI ou da ADPF, já que segue um rito específico e próprio.
É possível que a revisão, cancelamento e edição de súmula vinculante se refira a questão com repercussão geral reconhecida. Nesse caso, poderá ser apresentada por qualquer um dos ministros do STF depois do julgamento de mérito do processo, para deliberação de forma imediata do Tribunal do pleno nessa mesma sessão. Assim, recebendo a proposta, a Secretaria Judiciária registrará ao presidente, no prazo de 5 dias para que ele aprecie, no que diz respeito à adequação formal da proposta. Ressalte-se que nesses casos o relator poderá admitir por decisão que não cabe recurso a manifestação do amicus curiae, de acordo com os próprios termos do Regimento do STF.
No que diz respeito à questão de ser preciso reiteradas decisões sobre a matéria, cumpre frisar que as referidas decisões devem adotar o mesmo posicionamento em relação a uma determinada matéria, e não ser aplicada de forma isolada, assim, a orientação deve se mostrar predominante, antes de ser vinculante.
A elaboração da súmula deve criteriosa para não ensejar problemas de interpretação, devendo-se evitar conceitos vagos ou indeterminados, caso contrário perderá o seu principal objetivo que é contribuir com a celeridade processual.
1.3. RESPONSABILIDADE DOS MAGISTRADOS
A lei, ao menos explicitamente, não fixou nenhuma sanção aplicável aos juízes no caso de um possível descumprimento a uma súmula vinculante, garantindo-lhe a liberdade de apreciar os elementos para definir se a conclusão do processo deve esr harmônica ou não com o verbete. [6]
Essa liberdade não quer dizer que o magistrado jamais poderá ser responsabilizado em caso do seu descumprimento. É preciso esclarecer que se o desrespeito da súmula for doloso, desproporcional, infundado e reiterado, há quem entenda que poderá caracterizar-se violação aos deveres funcionais, viabilizando-se a abertura do competente procedimento administrativo disciplinar com aplicações das penalidades legais, inclusive.
O Ministro Gilmar Mendes defendeu a adoção das referidas súmulas, especialmente diante do risco da ocorrência de prescrição em função da demora do julgamento, e, assim, a consequente impunidade, apesar de ter expressado resistência para a edição das sumulas vinculantes em matéria penal.
2. O PRINCIPAL QUESTIONAMENTO: O ENGESSAMENTO DO JUDICIÁRIO
Como se sabe, no Brasil, a jurisprudência é apenas uma fonte de apoio do direito. Entretanto, para parte da doutrina, a adoção de súmulas vinculantes pode causar inconsistências e dificuldades no funcionamento judicial.
Assim, não são poucas as críticas referentes à adoção dessa medida, tendo como principais: o engessamento do judiciário, o ferimento da tripartição de poderes e a possibilidade de inconstitucionalidade em sua aplicação.
A argumentação acerca do “engessamento” do judiciário, se deve ao fato de que o juiz estaria “preso” ao conteúdo da súmula, quando na verdade ele é livre em suas decisões, desde que devidamente fundamentadas. Dessa forma, ao aplicar apenas o conteúdo das sumulas, o juiz passaria a ser um mero cumpridor de questões objetos de súmulas, constituindo um verdadeiro retrocesso no ordenamento jurídico.
Um dos argumentos contrários se refere ao fato de que a aplicação das súmulas vinculantes conflitaria com o princípio da separação dos poderes (arts. 2° e 60, § 4°, inc. III da CF), cláusula pétrea constitucional, sob o argumento de que, ao interpretar a lei com caráter geral e vinculativo, os Tribunais estariam se imiscuindo na área de competência constitucional do Poder Legislativo. Deste modo, o princípio dos freios e contrapesos, inerente à estrutura tripartite dos poderes harmônicos e independentes entre si (art. 2º CF), estaria seriamente comprometido.
Os críticos argumentam que o juiz, ao exercer função jurisdicional, subordina-se apenas à lei, inexistindo subordinação entre o juiz de primeiro grau e o tribunal a que esteja vinculado, não podendo, dessa forma, o tribunal interferir no livre arbítrio do julgador.
Aduzem, ainda, que, ao vincular o magistrado ao enunciado de uma súmula, estaria o juiz obrigado a decidir de determinada maneira, mesmo que contrário à sua convicção, ferindo, assim, a sua independência. Também, por ter o enunciado sumular um conteúdo genérico e abstrato, ao gozar de força obrigatória, passa a ter eficácia de lei. E, assim sendo, a nova norma constitucional teria atribuído ao STF uma função legislativa que não lhe pertence, ferindo o princípio da separação dos poderes, consagrada no art. 2º da CF/88.
O autor Luís Flávio Gomes, ao se posicionar contrário à súmula vinculante, complementa que, de fato, ninguém pode impor aos juízes qualquer tipo de orientação sobre a qual deve ser a melhor interpretação, tampouco a que será aplicada ao caso concreto. Isso porque é bem comum que um texto legal, com a grande possibilidade de literalidade confusa, permita mais de uma interpretação e, de toda, deve prevalecer nos julgados a que mais se encaixe com os princípios constitucionais, em especial o da razoabilidade. Entretanto, o juiz tem sempre a liberdade de escolha em face do leque de interpretações possíveis. [7]
3. A SÚMULA VINCULANTE NO COMBATE À MOROSIDADE DO JUDICIÁRIO
As críticas em face à aplicação das súmulas têm respostas. Primeiramente, é necessário esclarecer que o efeito vinculativo e erga omnes das decisões do STF não configura inovação no ordenamento jurídico brasileiro, já que existia no controle abstrato e concentrado de constitucionalidade.
Não há que se falar em engessamento do Judiciário, na medida em que está prevista o cancelamento dos enunciados editados e a revisão das súmulas, sem falar no fato de que a ampliação dos efeitos dessas súmulas vem trazer benefícios para o Poder Judiciário como um todo, no que diz respeito à questão da proliferação das ações judiciais.
Muitos costumam dizer que a súmula vinculante consiste em uma forma indireta de lei. Pois bem. A exposição dos julgados da Corte Suprema concretizados em súmulas externam a interpretação judicial daquele que é, de fato, o maior e mais importante colegiado em relação às questões constitucionais do país. Dessa forma, está se formalizando a interpretação de uma norma em face da CF/88, sendo isso competência do STF.
Essa mesma resposta também serve para afastar a crítica relacionada à ofensa ao devido processo legal, pois uma vez pacificado o tema no STF, as outras ações interpostas em momento posterior seriam uma espécie de aventura jurídica, que, se desprovidas de um fundamento novo, só serviriam para abarrotar o trabalho judicial, prejudicando o número já grande de ações envolvendo situações particularizadas. [8]
Quanto ao engessamento do Judiciário, alguns doutrinadores entendem que é a maior preocupação quanto ao instituto da súmula vinculante. Entretanto, a principal defesa da súmula consiste no fato de ela não ser imutável. Isso se deve ao fato de que tanto a emenda constitucional como a sua lei regulamentadora preveem a possibilidade de revisão, com a finalidade de alterar o teor sumulado, ou para invalidar o enunciado.[9]
É de grande importância destacar que os enunciados de súmula evitariam a insegurança jurídica dos jurisdicionados, até porque quando não se sabe qual o posicionamento dos tribunais há uma sensação de insegurança jurídica, a partir da constatação de que os julgamentos sobre uma mesma matéria podem ser bem diferentes, a depender de qual juiz analise o processo.
A força vinculativa das súmulas não pode abranger, para que não ocorra o temido “engessamento”, o próprio STF, que pode alterar o seu entendimento elucidado em súmula vinculante, através de votação que tenha como requisito o mesmo quórum necessário à sua aprovação inicial, ou seja, 2/3 dos seus membros.
Com isso, objetiva-se exatamente permitir a revogação do precedente. Essa mudança não pode ser só com base de mudança de convicção pessoal ou mudança na composição do Tribunal (o que acontece, normalmente), mas sim com uma mudança, de fato, da compreensão geral sobre o assunto. É necessário, assim, que os juízes afastem interpretações pessoais e passem a manifestarem-se de modo institucionalizado.
Não se pode esquecer que o principio da separação de poderes não é visto de maneira absoluta, já que todos os poderes possuem inclusive funções atípicas, não sendo prudente afirmar que as súmulas vinculantes ferem o referido princípio, até porque, ainda que tenha força vinculante, não se confundiria em sua totalidade com a atividade típica do Legislativo.
Portanto, é possível perceber que a súmula vinculante, frente aos princípios da ordem processual constitucional, na atual conjuntura do Judiciário, torna-se uma ferramenta de suma importância para acrescentar maior rapidez e melhor racionalização na atividade prestada pelo Judiciário, sem ferir os princípios da isonomia, da segurança jurídica, do contraditório e da ampla defesa, bem como no que diz respeito à independência e à exigência da motivação das decisões, à inafastabilidade da jurisdição e ao acesso à justiça, à celeridade, ao duplo grau de jurisdição, ao devido processo legal, e, por sua vez, a própria proporcionalidade.[10]
Quando se está diante de um choque entre dois grandes valores fundamentais que possuem uma mesma hierarquia, parece mais sensata, diante da dura realidade forense, a garantia do principio da igualdade substancial ou material e a garantia da segurança jurídica, em vez da liberdade sem restrição do juiz nas causas decididas anteriormente e pacificadas no STF, para, assim, tentar desafogar o Judiciário das causas repetidas.
4) TENDÊNCIA DE ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE E APLICAÇÃO DE SÚMULA VINCULANTE
Pela teoria da transcendência dos motivos determinantes, a ratio decidendi, ou seja, os fundamentos determinantes da decisão também teriam efeito vinculante. O STF já chegou a manifestar apreço pela teoria da transcendência dos motivos determinantes na manifestação de alguns Ministros, mas atualmente, a posição pacífica da Corte é no sentido de que não pode ser acolhida.
Segundo a teoria restritiva, adotada pelo STF, somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.
A reclamação no STF é uma ação na qual se alega que determinada decisão ou ato:
• usurpou competência do STF; ou
• desrespeitou decisão proferida pelo STF.
Não cabe reclamação sob o argumento de que a decisão impugnada violou os motivos (fundamentos) expostos no acórdão do STF, ainda que este tenha caráter vinculante. Isso porque apenas o dispositivo do acórdão é que é vinculante.
Assim, diz-se que a jurisprudência do STF é firme quanto ao não cabimento de reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do acórdão com efeito vinculante.
A abstrativização do controle incidental é também chamada de abstrativização do controle concreto de constitucionalidade. A tendência de abstrativização significa a atribuição de características e efeitos típicos do controle abstrato ao controle concreto ou incidental.
Segundo a doutrina do “stare decisis”, deve ser dado o devido peso aos precedentes judiciais.
Nos países que adotam o sistema da common law, quando um tribunal superior dá uma decisão, esta decisão produz o binding effect (que é semelhante ao efeito vinculante que existe no Brasil).
Atualmente existe uma tendência de aproximação do sistema da “civil law” com o sistema de “common law”. Nos países que adotam a “common law“ (como os EUA), essa tendência se verifica com o aumentado a quantidade de leis escritas. Nos EUA, por exemplo, há muito mais leis escritas do que na legislação brasileira. Por outro lado, países como o Brasil, que adotam a “civil law”, têm dado maior importância aos precedentes judiciais. Isso tem ocorrido porque os precedentes judiciais trazem a segurança jurídica e isso é desejável para o Direito e para a economia de um país.
Dentro dessa tendência de aproximação dos sistemas, algumas características típicas do controle abstrato são conferidas ao controle incidental.
Com a EC nº 45/2004 (reforma do Poder Judiciário), houve o surgimento de dois novos institutos que caracterizam a tendência de abstrativização. São eles:
(i) Súmula Vinculante (CF, art. 103-A)
O enunciado de súmula com efeito vinculante é a consolidação de um entendimento reiterado, adotado pelo Supremo Tribunal Federal, sobre matéria constitucional.
Esse enunciado de súmula pode ser comum, ou ele pode ter efeito vinculante, quando a matéria tratada for constitucional.
O enunciado de súmula com efeito vinculante revela essa tendência porque essas diversas decisões proferidas pelo STF são oriundas do controle difuso incidental. Isto porque, nos casos de controle concentrado abstrato basta uma decisão para gerar a força erga omnes e vinculante.
Em outras palavras, o Supremo atribui eficácia vinculante (efeito do controle abstrato) a um entendimento surgido no julgamento de várias decisões proferidas em sede de controle difuso incidental.
(ii) Requisito da repercussão geral para admissibilidade do Recurso Extraordinário (CF, art. 102, § 3º)
O Recurso Extraordinário sempre foi instrumento típico de controle difuso-incidental, ou seja, instrumento típico do processo constitucional subjetivo. Assim sendo, o Recurso Extraordinário (RE) sempre teve o objetivo de assegurar direitos subjetivos.
A partir da EC nº 45/2004, a visão sobre o RE foi alterada. Hoje, o principal requisito para ele ser admitido não é a violação a interesses subjetivos, mas sim a repercussão social, econômica, política ou jurídica da violação (binômio: transcendência x relevância).
Em outras palavras, o que faz o RE ser admitido não é o fato de haver uma efetiva violação ao direito subjetivo, mas o fato de aquele tema interessar à sociedade como um todo.
O RE, para ser admitido, deve demonstrar que a questão discutida transcende o interesse das partes envolvidas, ou seja, o instrumento que antes era típico do controle incidental passa a ter uma característica do controle abstrato (demonstração que o interesse ultrapassa o interesse das partes envolvidas no processo).
A partir do CPC/2015, houve mudanças para reforçar a vinculação dos precedentes.
Deve haver uma mudança cultural em relação à importância dos precedentes, mas a legislação brasileira já dá forte peso aos precedentes.
CPC, art. 525, §12: “Para efeito do disposto no inciso III do § 1º deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.”
Uma decisão dada em controle difuso que, em princípio, seria apenas decisão para as partes envolvidas, a partir do disposto no art. 525, §12 do CPC, passa a tornar a obrigação inexigível mesmo que a decisão tenha sido dada em outro processo com partes diversas. Esse dispositivo foi um dos fundamentos utilizados pelo Ministro Gilmar Mendes para defender a abstratização das decsiões proferidas pelo STF no controla difuso, ou seja, para que os efeitos do controle difuso sejam os mesmos que os efeitos da decisão em controle concentrado. Isto porque se em ambos a declaração da inconstitucionalidade torna inexigível a obrigação, significa que o legislador está sinalizando que os efeitos do controle difuso ultrapassa as partes envolvidas no processo.
CPC, art. 927: Os juízes e os tribunais observarão:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II – os enunciados de súmula vinculante;
III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados [eficácia horizontal].
Observações (art. 927, III, do CPC): embora o CPC fale em incidente de assunção de competência, resolução de demandas repetitivas e julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, a rigor, qualquer decisão do STF ou do STJ deve ser observada pelos tribunais inferiores.
Se os juízes ou tribunais não respeitam as decisões dos tribunais superiores, isso gera insegurança jurídica e, finalmente, o entendimento individualizado acabará sendo reformado nas instâncias superiores.
O respeito às decisões dos tribunais superiores não cria obstáculos à mudança dos precedentes, já que a mudança de circunstâncias fáticas ou jurídicas pode justificar uma nova análise do entendimento até então firmado.
Importante a seguinte observação (art. 927, V, do CPC): o disposto no art. 927, V, do CPC, revela a eficácia vinculante horizontal, ou seja, dentro do próprio tribunal. Assim, os juízes e membros de tribunais devem observar a eficácia vertical do precedente e a eficácia horizontal, sendo que esta última se refere à obrigação de respeitar os precedentes do próprio tribunal.
Outros dispositivos do CPC que relevam essa tendência de abstrativização das decisões proferidas em controle difuso ou incidental são os arts. 332 e 932.
CPC, art. 332: Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I – enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.
CPC, art. 932: Incumbe ao relator:
I – negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
II - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
No âmbito da jurisprudência, é possível verificar a tendência de abstrativização em algumas decisões paradigmáticas:
(i) RE 197.917/SP
No RE 197.917 discutia-se uma lei de um município do estado de São Paulo que tratava do número de vereadores da cidade e a proporção da população municipal.
O STF e o TSE adotam o entendimento de que os dispositivos previstos na CF/1988 que se referem ao número de vereadores estabelecem um critério objetivo, mas cada município deve definir o número de vereadores, dentro do limite constitucional, de forma proporcional ao número de habitantes da cidade.
Ocorre que, diante da previsão do art. 29, IV da CF, os municípios definiam o número máximo de vereadores cabível para o município. O STF, diante desta postura, declarou a lei de um município do estado de São Paulo inconstitucional.
A decisão dada no RE 197.917, em tese, valeria apenas para o município envolvido. Entretanto, alguns ministros se manifestaram no sentido de que a decisão teria efeito transcendente e seria válida para todos os municípios brasileiros.
Assim, embora se tratando de um RE os efeitos da decisão transcederam ao caso concreto, sendo de observância obrigatória para todos os municípios brasileiros, ganhando então efeitos erga omnes e vinculante, como nos casos de controle concentrado abstrato.
(ii) MI 708
No MI 708 foi discutido o direito de greve dos servidores públicos.
O mandado de injunção é instrumento de processo constitucional subjetivo, voltado a assegurar direitos previstos na CF/1988 que necessitam de norma regulamentadora, quando há omissão do poder responsável pela regulamentação.
Embora o mandado de injunção individual seja instrumento de proteção de direitos subjetivos (com efeitos inter partes), no MI 708 o STF conferiu efeito erga omnes ao mandado de injunção.
No MI 708 o STF determinou que fosse aplicada aos servidores públicos a legislação do direito de greve da iniciativa privada. A decisão proferida foi válida para todos os servidores públicos (e não somente para os servidores que ingressaram com a ação).
Mais uma vez foi proferidos efeitos erga omnes (efeito típico do controle concentrado abstrato) a uma decisão proferida em controle difuso incidental.
(iii) Rcl 4.335/AC
A Rcl 4.335 tinha como objeto uma decisão proferida pelo STF no HC 82.959, em que o STF declarou inconstitucional o dispositivo da lei dos crimes hediondos que vedava, em abstrato, a progressão do regime de cumprimento de pena.
Na Rcl 4.335 prevaleceu o entendimento do Ministro Teori Zavascki, o qual defendeu que a decisão não teria efeitos erga omnes e vinculantes (como na ADI), mas teria eficácia expansiva, pois a decisão ultrapassava os limites do julgamento em que foi proferido.
Em que pese a decisão ter sido tomada em um processo subjetivo (HC), o Supremo declarou que as decisões teriam efeitos “ultra partes” (eficácia expansiva), sendo então de observância obrigatória pelos juizes e tribunais.
(iv) ADI 3.406/RJ e ADI 3.470/RJ
No fim de 2017, no julgamento das ADIs 3.406 e 3.470, o STF adotou o entendimento de que os efeitos no controle difuso-incidental deveriam ser os mesmos do controle concentrado-abstrato.
Nessas duas ADIs, o STF adotou o entendimento de que, para evitar anomias e fragmentações na unidade, seria necessária a equalização desses efeitos.
Se uma lei ou ato normativo é declarado inconstitucional pelo STF, incidentalmente, ou seja, em sede de CONTROLE DIFUSO, essa decisão, assim como acontece no controle abstrato, também produz eficácia erga omnes e efeitos vinculantes.
O STF passou a acolher a teoria da abstrativização do controle difuso.
Assim, se o Plenário do STF decidir a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ainda que em controle difuso, essa decisão terá os mesmos efeitos do controle concentrado, ou seja, eficácia erga omnes e vinculante.
Houve mutação constitucional do art. 52, X, da CF/88. A nova interpretação deve ser a seguinte: quando o STF declara uma lei inconstitucional, mesmo em sede de controle difuso, a decisão já tem efeito vinculante e erga omnes e o STF apenas comunica ao Senado com o objetivo de que a referida Casa Legislativa dê publicidade daquilo que foi decidido. STF. Plenário. ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 29/11/2017 (Info 886).
Cumpre ressaltar a importância de não confundir abstrativização do controle difuso (adotada pelo STF) com a teoria da transcedência dos motivos determinantes (não admitida pelo STF).
O STF não admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes”.
Segundo a teoria restritiva, adotada pelo STF, somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.
A reclamação no STF é uma ação na qual se alega que determinada decisão ou ato:
• usurpou competência do STF; ou
• desrespeitou decisão proferida pelo STF.
Não cabe reclamação sob o argumento de que a decisão impugnada violou os motivos (fundamentos) expostos no acórdão do STF, ainda que este tenha caráter vinculante.
Isso porque apenas o dispositivo do acórdão é que é vinculante.
Assim, diz-se que a jurisprudência do STF é firme quanto ao não cabimento de reclamação fundada na transcendência dos motivos determinantes do acórdão com efeito vinculante. STF. Plenário. Rcl 8168/SC, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 19/11/2015 (Info 808). STF. 2ª Turma. Rcl 22012/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, red. p/ ac. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 12/9/2017 (Info 887).
CONCLUSÃO
A súmula vinculante surgiu através da chamada Reforma do Judiciário, mostrando-se totalmente constitucional, havendo, inclusive previsão de cancelamento e edição dos enunciados.
Ainda, há que se respeitar os requisitos do art. 2º, §1º, da Lei nº 11.417/06, que prevê que o enunciado da súmula tenha por objeto normas acerca das quais haja uma controvérsia atual que gere uma seria insegurança jurídica e, com isso, propicie o surgimento de muitos processos sobre a mesma questão.
Os ataques contra a adoção das súmulas vinculantes se baseiam nos argumentos de violação aos seguintes princípios: tripartição dos poderes, juiz natural e sua independência judicial, bem como de engessamento da justiça.
Em contrapartida, há argumentos levantados a favor da implementação das súmulas vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam: combate à morosidade do Poder Judiciário, respeito ao princípio constitucional da segurança jurídica e isonomia.
Ressalta-se que diante do fato de que a súmula vinculante não retirou o Judiciário do modelo burocrático e atrasado, até porque ela não ataca diretamente a causa, seria necessário também a adoção de medidas outras a fim de alcançar a celeridade e efetividade das decisões judiciais em detrimento do engessamento da justiça e da afronta à independência judicial como ampliação do número de juízes, incentivo ao aperfeiçoamento dos magistrados, assim como implantação de formas alternativas de solução dos conflitos, para serem utilizadas juntamente com a aplicação das súmulas vinculantes.
REFERÊNCIAS
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[3] HERTEL, Daniel Roberto. Aspectos processuais da Emenda Constitucional nº 45. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 4, n. 13, p. 167-185, abr./jun. 2006.
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[6] LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado. 18ª ed. rev., atual e ampl.. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 902.
[7] GOMES, Luiz Flávio. Súmula Vinculante. Mundo Jurídico, São Paulo, 2007. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/html/artigos/documentos/texto155.htm>. Acesso em julho 2015.
[8] TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Efeito Vinculante das decisões do Supremo tribunal federal: uma solução para o Judiciário. In Revista de Informação Legislativa, Brasília, out./dez 1995, p. 61-68.
[9] BRAGA, Rafael Cavalcanti de Almeida. Eficácia da Súmula Vinculante na celeridade, segurança jurídica e flexibilidade processual. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/33648/eficacia-da-sumula-vinculante-na-celeridade-seguranca-juridica-e-flexibilidade-processual#ixzz3jS04fBlE. Acesso em ago/2015.
[10] CONCI, Luiz Guilherme Arcaro; LAMY, Marcelo. Reflexões sobre a súmula Vinculante. In Reforma do Judiciário analisada e comentada. São Paulo: Editora Método, 2005, p. 295-318.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRADO, ISOLDA DE PONTES. Súmula vinculante: engessamento da Justiça ou combate à morosidade do Poder Judiciário? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jun 2022, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58681/smula-vinculante-engessamento-da-justia-ou-combate-morosidade-do-poder-judicirio. Acesso em: 23 dez 2024.
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