Resumo: O presente trabalho fará uma análise crítica sobre a relação do artigo 385 do Código de Processo Penal com o sistema acusatório, pois o citado artigo traz a possibilidade de o juiz proferir sentença condenatória, bem como reconhecer agravantes, mesmo que o Ministério Público tenha deliberado pela absolvição do acusado. Demonstrar se há uma violação do artigo 385 do CPP com o sistema acusatório. Para estudo do tema, foram realizados os aspectos dos sistemas Inquisitório, misto e acusatório, e, seus princípios constitucionais que regem o sistema processual penal brasileiro atualmente.
Palavras-chave: juiz, sistema acusatório, sistema Inquisitório, Ministério Público, princípio da congruência.
Abstract: The work will make a critical analysis of the relationship of article 385 of the Criminal Procedure Code with the accusatory system because the cited article brings the possibility for the judge to aggravate the conviction, as well as recognize the process, even if the Public Ministry has deliberated by the aggravated sentence acquittal. of the accused. If there is to accuse a person made CPP with article 385 of the system. To study the subject, aspects of the Inquisitorial, mixed and accusatory systems were carried out, and their constitutional principles that govern the Brazilian criminal procedural system today.
Keywords: judge, accusatory system, Inquisitorial system, Public Ministry, principle of congruence
Sumário: Introdução; 1 Sistemas no processo Penal; 1.1 Sistema Inquisitório; 1.2 Sistema Acusatório; 1.3 Sistema Misto;. 2 Princípios Constitucionais relacionados com o sistema acusatório; 2.1 Princípio do contraditório 2.2 Princípio da ampla defesa. 2.3 Princípio da não culpabilidade 2.4 Princípio da Imparcialidade do Juiz. 3 Princípio da Indisponibilidade. 4 Princípio da Congruência 5 Violação do artigo 385 do Código de Processo Penal ao sistema acusatório . 6 Considerações finais. 7 Referências
INTRODUÇÃO
A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 , adotou no sistema processual Penal acusatório, com intuito de garantir igualdade ao acusado, esse sistema , o Estado-juiz deve fazer o julgamento de forma imparcial, ou seja, no sistema acusatório, deve ser dividido as responsabilidades de Julgar, acusar e defender[1] , em que o Ministério Publico terá a competência de acusar e o Juiz de julgar, ou seja, o magistrado será um “ terceiro imparcial, alheio a labor de investigação[2]”, por isso no sistema acusatório os indivíduos que acusam e julgam serão distintos, o que difere do Sistema Inquisitório, em que “as funções de acusar, defender e julgar, estão reunidas na mesma figura[3]”, sendo assim, no sistema Inquisitório não são respeitados os princípios constitucionais, nem o contraditório ou ampla defesa, o acusado fica claramente à mercê do livre convencimento do juiz, e este no sistema inquisitório deverá acusar e julgar. Obviamente, quando o Ministério Público pede que o réu seja inocente, e pede sua absolvição, o juiz não pode condenar, tendo em vista que o poder de punir do Estado se deve através do pedido de acusar do Ministério Publico (MP), ou seja, só o MP poderá ser titular e oferecer a denúncia de um crime de ação Penal pública[4]. Por isso, o objeto de estudo visa analisar, a violação do sistema Acusatório, quanto à aplicação do artigo 385 do Código de Processo Penal, que indica: “Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição [...][5]”ao final desta pesquisa, será mencionado tanto a conclusão, se o artigo 385 do CPP viola ou não o sistema acusatório quanto considerações gerais acerca do problema.
1.SISTEMAS NO PROCESSO PENAL
Antes de analisarmos o sistema adotado pela Carta Magna, qual seja o Acusatório, se faz necessário entender o conceito do que significa “sistema” no processo penal: “[...] sistema processual penal é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelece as diretrizes a serem seguidas à aplicação do direito penal a cada caso concreto.” [6]
Os sistemas de modelos históricos no processo penal relevantes para o estudo são: Sistema Inquisitório, Sistema Acusatório e Sistema Misto, tendo em vista que é importante entendermos cada um dos itens acima, para compreendermos o sistema acusatório, o que trará um entendimento a respeito da aplicação das normas no processo penal.
1.1 Sistema Inquisitório:
Surgiu em regimes de monarquia e se aperfeiçoou no direito canônico[7], o sistema inquisitório existiu para que o Estado-Juiz pudesse punir os crimes na época,, através de sua reivindicação, possuindo a função de julgar e acusar concentradas no mesmo orgão, ou seja o mesmo juiz que julgava também acusava e não aceitava as provas trazidas pelo réu, sendo certo que o acusado era apenas objeto do processo , e não sujeito de direitos. Conforme doutrina de Frederico Marques “o sistema inquisitivo se apresenta quando o juiz, além de sua função de decidir, que lhe é própria, assume mais uma outra das restantes ou, na verdade, todas as outras”[8].
Sendo assim, neste modelo de sistema inquisitivo inexiste a “separação de funções” [9] , o que, de acordo com Ferrajoli, torna o sistema antigarantista, sendo incompativel com Estado Democratico [10].
Todavia, possui como características: mesmo órgão possui todas as funções ( Julga, acusa e “defende”) o que deixa de lado a parcialidade do magistrado; o processo é realizado em total segredo, o que torna omisso ; inexiste o contraditório ou ampla defesa , pois o réu não possui nenhuma garantia.
Nesse contexto, o sistema Inquisitivo, nos demonstra uma incompatibilidade com as garantias Constitucionais, pois não respeita ou não assegura ao acusado um julgamento com imparcialidade do juiz, nem respeita o princípio da congruência, do contraditório ou ampla defesa ou da não culpabilidade, mais adiante faremos uma análise destes princípios. Esse sistema, de acordo com Aury Lopes, ” Foi desacreditado - principalmente por incidir em um erro psicológico: crer que uma mesma pessoapossa exercer funções tão antagônicas como investigar,acusar,defender e julgar”[11]
1.2 Sistema Acusatório:
A origem do sistema acusatório remonta ao direito grego, o qual se desenvolve referendado pela participação direta do povo e eles exerciam a acusação com juiz passivo, bem como julgamento popular. Vigorava o sistema de ação popular para os delitos graves (qualquer pessoa podia acusar) e acusação privada para os delitos menos graves, em harmonia com os princípios do direito civil da época. [12] Em Roma podemos citar que existia dois tipos de processo , o que era acusatório que era dominantemente privado e o outro processo que era iniciado pelo Juiz, de ofício, que ocorreu na Monarquia, mas não predominou na Republica, pois ocorreu nesta fase o processo ordinário, em que houve a separação das funções ( julgar e acusar). [13]
Atualmente, a Doutrina majoritária entende que o sistema acusatório para ser determinante, deverá ocorrer a separação das funções dos órgãos, ou seja, oposto ao sistema Inquisitório, deverá existir uma compreensão da “separação de funções” de cada órgão[14], cada um segue um caminho contrário, ou seja para a função de acusar, nos casos de crimes de ação Pública o Ministério Público que possui legitimidade de realizar a denuncia, na função de defesa cabe ao advogado ou defensor público do acusado exercer as garantias do acusado ( contraditório e ampla defesa) e na função do órgão julgador o magistrado o fará de forma imparcial, após receber a denuncia de quem possui legitimidade. O princípio acusatório viabiliza a democracia processual, instituindo a descentralização do poder [15] Deve existir, uma imparcialidade por parte do magistrado, pois é ele que deverá aplicar as normas, só se for provocado, todavia, ao ser acusado o réu, ele terá garantias e poderá exercer seus direitos, sua defesa será respeitada através do contraditório e ampla defesa, mais a frente vamos descrever sobre esses princípios. Sendo assim, no sistema acusatório podemos observar, que há “três personagens diferentes : juiz, autor e réu” [16] em que o juiz não poderá iniciar o processo, como já descrito, pois existe um órgão próprio para que o faça , nos crimes de ação penal publica o Ministério Publico é titular para propor a denuncia ao juiz, e o magistrado ficara afastado desta função. Podemos analisar que o sistema acusatório possui como características, conforme a Doutrina Majoritária: existência de separação das funções de cada órgão; o processo deve respeitar o principio da publicidade dos atos processuais ( admite exceções de sigilo para certos atos) ; o acusado é um sujeito que possui direitos, o que garante o respeito ao contraditório e ampla defesa no processo e reverencia as garantias constitucionais elencadas na Magna Carta; além disso, há uma indispensável imparcialidade do órgão que irá julgar. Esse modelo de sistema Acusatório é considerado por alguns doutrinadores de sistema acusatório puro, em que “possui nítida separação entre o órgão acusador e o julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão” [17].
Nas palavras de Paulo Rangel, o sistema acusatório, o magistrado não mais inicia de ofício “a persecução penal. Há um órgão próprio, criado pelo Estado, para propositura da ação. Na França, em fins do século XIV, surgiram les procureurs du roi (os procuradores do rei), dando origem ao Ministério Público. Assim, o titular da ação penal pública passou a ser o Ministério Público, afastando, por completo, o juiz da persecução penal.”
Nesse sentido, podemos destacar que o sistema processual penal acusatório busca implantar um ambiente processual democrático e argumentativo, “por isso possui uma manifesta relevância, pautado no contraditório amplo, dentro do qual se pretende a proteção de garantias fundamentais” [18] postos pela Constituição de 1988.
1.3 Sistema Misto:
A origem se deu após a Revolução Francesa, essa forma de sistema processual penal uniu algumas características dos sistemas Inquisitório e Acusatório, em que na fase de instrução preliminar ocorre o sistemas inquisitório – (investigação preliminar pela autoridade policial) – e na fase de julgamento há uma “predominância” do acusatório. Acerca do assunto Nucci informa que “num primeiro estágio, há procedimento secreto, escrito e sem contraditório, enquanto, no segundo, presentes se fazem a oralidade, a publicidade, o contraditório, a concentração dos atos processuais, a intervenção de juízes populares e a livre apreciação das provas” não existe um processo acusatório puro ou inquisitório puro, há predominância dos dois sistemas, conforme descreve o autor, esse sistema “misto” é adotado na maioria dos ordenamentos jurídicos do mundo nos tempos atuais[19]. De acordo com Aury Lopes Junior não se pode afirmar que o “sistema é misto”, pois “é absolutamente insuficiente, é um reducionismo ilusório, até porque não existem mais sistemas puros (são tipos históricos), todos são mistos. A questão é, a partir do reconhecimento de que não existem mais sistemas puros, identificar o princípio informador de cada sistema, para então classificá-lo como inquisitório ou acusatório, pois essa classificação feita a partir do seu núcleo é de extrema relevância.[...] ainda que se diga que o sistema brasileiro é misto, a fase processual não é acusatória, mas inquisitória ou neoinquisitória, na medida em que o princípio informador é o inquisitivo, pois a gestão da prova está nas mãos do juiz” [20] .
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS BASILARES DO SISTEMA ACUSATÓRIO:
A constituição Federal de 1988 adotou o sistema acusatório, de acordo com Carvalho mesmo com a escolha desse sistema que melhor representa um Estado Democrático de Direito, ainda prevalece no Brasil a “ teoria da aparência acusatória”, tendo em vista que há praticas judiciais que são vigorosamente influenciadas pelo sistema inquisitivo[21]. A CF de 1988 garantiu a legitimidade nos crimes de ação Penal Pública ao MP ( Ministério Público) conforme observamos no art. 129, inciso I da CF/88 [22], sendo assim, o poder de punir do Estado esta condicionado ao pedido realizado pelo MP , tendo em vista que só este órgão possui a legitimidade para pedir a acusação ( fazer a denuncia), após o órgão julgador receber a denuncia do MP, a CF/88 assegura ao réu garantias constitucionais, sendo assim, uma das atribuições do processo penal é proteger os direitos fundamentais, visando garantir o tratamento democratico e honesto ao réu visando sua ressocialização, essa “garantia penal “se propõe como um sistema de limites, de vínculos, voltado para a garantia de funcionamento de todos os direitos declarados em nossas Constituições” [23].
Nesse sentido, em respeito aos princípios basilares do sistema Acusatório, quais sejam, conforme menciona a doutrina majoritária: O respeito a tripartição das funções ( julgar, acusar e defender por órgãos distintos) ; Principio da Dignidade; principio da imparcialidade do juiz ; Princípios do Contraditório e da Ampla defesa, mais a frente iremos estudar sobre esses dois princípios, dentre vários outros princípios delineados pela CF/1988.
2.1 Princípio do contraditório:
O contraditório é de extrema relevância no sistema acusatório, tendo sua garantia respaldo na Carta Magna no art. 5º, inciso LV, que dispõe “[...] aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes [...]”[24]. Com positivacao expressa na constituição Federal de 1988, este principio fora reconhecido como um direito de primeira geração, tendo em vista a proteção à liberdade, conforme Alencar [25].
O principio do contraditório será aplicado independente do polo da relação processual , tanto no órgão que acusa quanto a defesa, significa que esse principio concede a uma das partes no processo a oportunidade para impugnar, contestar “contrariar ou fornecer uma versão própria acerca de alguma alegação ou atividade contrária ao seu interesse” [26] , o que assegura paridade entre as partes[27] .
O contraditório será reconhecido legitimo, quando se permitir a parte a “ oportunidade para manifestação” em relação a algum ocorrido no processo, mesmo que não seja utilizado. Neste sentido, o contraditório possui dois elementos necessários, o direito à informação e o direito à devida participação no processo. Por fim é importante ressaltar que o direito ao contraditório não é exigível em sede de inquérito policial , tendo em vista que se trata de um procedimento administrativo de caráter informativo, de acordo com Alencar[28] . A decisão judicial que possui a participação eficaz de todos os interessados em todas as fases do processo tem maiores chances de aproximação dos fatos e do direito ser aplicado de forma exata , abrangendo assim todos argumentos favoráveis e não favoráveis a uma ou outra pretensão.[29]
2.2 Princípio da ampla defesa
Enquanto o contraditório que irá proteger ambas as partes do processo (autor e réu) se difere da ampla defesa, pois neste princípio a garantia será de uma parte determinada, o réu[30] . Sendo assim, o princípio da ampla defesa realiza-se pelas subdivisões: Defesa Técnica e Autodefesa, esta é realizada pelo próprio imputado ; a defesa técnica será realizada por um profissional habilitado e no processo penal se não ocorrer, constituirá nulidade absoluta, caso houver prejuízo ao acusado, conforme informa a jurisprudência[31]. Nesse sentido, quando o acusado não tiver um advogado o próprio Processo Penal prevê a nomeação de defensor público. Portanto, podemos concluir que tanto o princípio do contraditório junto ao princípio da ampla defesa , institui-se como “ pedra fundamental de todo o processo”[32], e por isso de relevante importância para o sistema acusatório, tendo em vista a utilização por parte do órgão de defesa.
2.3 Princípio da não culpabilidade
O princípio da não culpabilidade foi introduzido expressamente na Carta Magna, art 5, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, esse postulado da não culpabilidade inserido expressamente em nosso ordenamento juridico, pressupõe o reconhecimento da autoria do crime, somente após o transito em julgado, antes disso o acusado deve ser considerado inocente ( “o cerceamento cautelar da liberdade só pode ocorrer em situações excepcionais” e quando for de relevancia necessidade), a regra será a liberdade.
Do princípio da não culpabilidade , originam duas regras fundamentais: ” a regra probatória, ou de juízo, segundo o qual a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado - e não este provar sua inocência - e a regra de tratamento, segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado senão depois de sentença com trânsito em julgado , o que impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade.” Portanto, podemos destacar, que enquanto não acontecer o transito em julgado a sentença condenatória, ainda não acontece a culpa, de acordo com Renato Brasileiro, para estarmos diante do sistema acusatório, se faz necessário” a separação das funções de acusar, defender e julgar, estando assegurado o contraditório e a ampla defesa, além do princípio da presunção de não culpabilidade”.[33]
2.4 Princípio da Imparcialidade do Juiz
Um dos postulados de maior relevancia no sistema acusatório , ou seja o orgão que irá julgar precisa ser imparcial, tendo em vista que o magistrado será o garantidor da eficacia dos direitos elencados na Carta Magna, por isso vale ressaltar que o juiz deve estar alheio aos interesses das partes , equidistante as mesmas, para exercer sua posição de julgador de forma imparcial , tendo em vista que a posição do magistrado no processo Penal possui papael fundamental. Para Aury Lopes Junior , o principio da Imparcialidade é o principio Supremo do Processo , neste sentido, deve ser interpretado que só no sistema processual penal acusatório , que irá manter o julgador “afastado da iniciativa e gestão da prova” , organiza condições para a possibilidade de ter no processo penal um juiz imparcial, o que de acordo com Aury Lopes Junior, seria impossivel a imparcialidade do magistrado caso a estrura seja inquisitiva. [34]
É importante salientar, que a importante critica que os doutrinadores fazem ao sistema acusatório , até os dias atuais é “exatamente com relação à inércia do juiz (imposição da imparcialidade), pois este deve resignar-se com as consequências de uma atividade incompleta das partes, tendo de decidir com base em um material defeituoso que lhe foi proporcionado. Esse sempre foi o fundamento histórico que conduziu à atribuição de poderes instrutórios ao juiz e revelou-se (por meio da inquisição) um gravíssimo erro.”[35]
De acordo com Aury Lopes, o sistema acusatório assegura a imparcialidade e um sossego mental do magistrado que sentenciará , pois o réu deixa de ser um mero objeto (o que ocorre no sistema inquisitório) e assumi uma posição verdadeira como parte do polo passivo do processo penal.
Portanto, podemos inferir que é a separação das funções dos orgãos que irá criar possibilidades para que se efetive a imparcialidade do orgão julgador, e somente no sistema acusatório- Democrático que teremos “a real” figura do juiz imparcial em que o magistrado se mantém equidistante da esfera de atividades das partes no processo.
3. PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE
Esse princípio decorre de outro princípio, qual seja o da obrigatoriedade, este nas ações penais públicas o orgão do Ministério Público, em regra está obrigado a agir, mas existem exceções, conforme doutrina de Nucci, ”abrandando o princípio da obrigatoriedade, tal como demonstra a suspensão condicional do processo, instituto criado pela Lei 9.099/95, bem como a possibilidade de transação penal, autorizada pela própria Constituição (art. 98, I). A Lei 13.964/2019 introduziu, também, o acordo de não persecução penal, atenuando a obrigatoriedade da ação penal.” [36]
Após iniciado o processo penal os orgão responsaveis da persecução penal não podem dela dispor, ou seja, em um crime de ação penal pública, o orgão que possui legitimidade de acusar é o MP ( Ministério Público) após realizar a denúncia e esta for aceita pelo juiz o orgão acusador ( MP) não poderá desistir da ação interposta.[37]
Nesse sentido, caso o MP esteja convencido , após a instrução probatória, da inocência do réu, deve manifestar-se, “como guardião da sociedade e fiscal da justa aplicação da lei, em sede de alegações finais”, e pedir a absolvição do imputado, o que nos dizeres de Alencar, quando o MP pedir a absolvição não significa que esta dispondo do processo. [38]
4. PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA
A denuncia realizada pelo Ministério Público, nos crimes de ação penal pública, deve conter toda a narrativa do crime com todas as circunstâncias, evitando assim deixar de fora da peça processual qualquer elementar ou causa de aumento de pena, podendo assim, após o MP realizar a denuncia o juiz possa aceitar ou não o pedido de acusação . Este postulado, existe para que não ocorra desconformidade entre o que pediu e o que foi concedido pelo juiz, pois o orgão julgador não pode julgar o acusado “com sentença extra petita, ultra petita, ou citra petita.” Em outros termos, o orgão julgador estaria condenando fora dos limites do que foi pedido e o acusado seria julgado por fato a ele não imputado[39]
Nesse sentido, o principio da Congruencia explica que o que está descrito na peça e foi pedido ( nos crimes de ação penal pública - será a Denúncia) deve ter rigorosa relação com a sentença condenatória do juiz, não podendo este julgar o que não constar no pedido. Sendo assim, caso o MP no curso do processo verificar que não existem indícios suficientes de autoria, “embora provada a materialidade do fato, deve postular a absolvição do acusado, a fim de que, efetivamente, ele tenha proteção jurídica na coisa julgada formal e material”[40] .
5. A VIOLAÇÃO DO ARTIGO 385 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL AO SISTEMA ACUSATÓRIO
Conforme artigo 385 do CPP os ” crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada”, nesse sentido, o proprio código traz a possibilidade do orgão julgador condenar, mesmo que o orgão que acusa ( o orgão que possui legitimidade ) requeira a absolvição do acusado, conforme mencionado no item 4, seria uma contradição ao princípio da Congruência, pois como o orgão julgador iria julgar contrario do que fora pedido, por quem possui legitimidade para acusação, qual seja o Ministério Público.
De acordo com Aury Lopes Júnior, o artigo 385 do Código de Processo Penal “representa uma clara violação do Princípio da Necessidade do Processo Penal, fazendo com que a punição não esteja legitimada pela prévia e integral acusação, ou, melhor ainda, pelo exercício da pretensão acusatória".[41] Se não há a pretensão acusatória do MP, como iria o orgão julgador condenar sem o pedido.
Nesse sentido, de acordo com Aury Lopes Jr o “art. 385 do CPP – é bastante sintomático do nível de involução do processo penal brasileiro: o juiz condenando diante do pedido expresso de absolvição do MP. Significa dizer que ele está condenando sem pedido, violando o princípio da correlação e deixando de lado o ne procedat iudex ex officio. Tudo isso é absolutamente incompatível com a estrutura acusatória e com a imparcialidade exigida do julgador.”[42]
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após análise sobre os dispositivos elencados na Carta Magna, bem como no Código de Processo Penal (CPP), os principios norteadores do sistema acusatório e os direitos e garantias fundamentais elencados na CF/88, percebeu-se que apesar do CPP e da Constituição terem adotado o sistema processual penal Acusatório, o artigo 385 do CPP viola este sistema, pois esta em desconformidade com os preceitos, como pode o orgão julgador condenar, sendo que não ocorreu o pedido da condenação.
Todavia, fica evidente que o sistema acusatório, adotado pela Carta Magna, as funções dos orgãos são absolutamentes diversas, em que um orgão julga, um acusa e outro defende. O orgão julgador de extrema relevancia para o sistema acusatório, pois deve haver a imparcialidade e o juiz se manter equidistante das partes no processo, para se ter um julgamento correto em um Estado Democratico.
Porém, de forma incontestavel podendo o juiz condenar mesmo que o MP tenha pedido pela absolvição, viola o sistema acusatório, pois fere garantias e direitos elencados na própria Constituição Federal de 1988. Portanto, concluimos que a tarefa de acusar é exclusiva do MP ( nos crimes de ação penal pública) a de julgar do juiz e a defesa dos defensores ou advogados constituídos, e, sendo assim, ao acolher o artigo 385 no CPP, verificamos que este dispositivo esta em desconformidade com o sistema acusatório, pois ofende a separação das funções de julgar e acusar e viola o princípio da congruência.
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[3] COSTA, Alessandra Abrahão; REIS NETO, Milton Mendes. A (in) constitucionalidade de decisão judicial em prejuízo do réu diante de pedido absolutório do ministério público: análise do Artigo 385 do Código de Processo Penal. Revista da Faculdade de Direito da FMP, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 24-36, 2019. Disponível em: https://revistas.fmp.edu.br/index.php/FMP-Revista/article/view/125. Acesso em: 02 de Mai de 2022.
[4] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 28 ed. São Paulo: Atlas, p.57,2020..
[5] BRASIL. Planalto. Decreto-Lei n. 3689 de 03 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 04 de Mai de 2022.
[6] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 29 ed. Barueri[SP]: Atlas, p.28, 2021.
[7] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 29 ed. Barueri[SP]: Atlas, p.78, 2021.
[8] MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, p.201 1997.
[9] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 29 ed. Barueri[SP]: Atlas, p.79, 2021.
[10] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, p.35, 2002.
[11] LOPES Jr, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional: Volume I. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. p.68, 2007.
[12] LOPES JR, Aury. Fundamentos do processo Penal: Introdução Critica. 8 ed. São Paulo: SaraivaJur, p.73, 2022.
[13] GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. 3. ed. São Paulo: Atlas, p.90 2016
[14] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 29 ed. Barueri[SP]: Atlas, p.79, 2021.
[15] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 29 ed. Barueri[SP]: Atlas, p.79, 2021.
[16] MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A exclusividade da função acusatória e a limitação da atividade do Juiz Inteligência do princípio da separação de poderes e do princípio acusatório. Disponível em:https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/194937/000871257.pdf?sequence=3&isAllowed=y Acesso em 29 de Mai. 2022.
[17] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p.58, 2021.
[18] MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A exclusividade da função acusatória e a limitação da atividade do Juiz: inteligência do princípio da separação de poderes e do princípio acusatório. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de edições técnicas, ano 46, n. 183, Jul./Set. 2009. p.147.
[19] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p.59, 2021.
[20] JÚNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 134.
[21] CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e Constituição: princípios constitucionais do processo penal , 6. ed. São Paulo: Saraiva, p32, 2014.
[22] Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;[...]
[23] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares, Luiz Flávio Gomes. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
[24] BRASIL. Planalto. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art.5, LV.
[25] TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, Curso de Direito Processual Penal. 12 ed. Salvador: Ed. JusPodvim. p.76, 2017.
[26] NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, p398, 2015.
[27] TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, Curso de Direito Processual Penal. 12 ed. Salvador: Ed. JusPodvim. p.77, 2017.
[28] TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, Curso de Direito Processual Penal. 12 ed. Salvador: Ed. JusPodvim. p.76, 2017.
[29] PACELLI, Eugenio. Curso de Processo Penal. 20 ed. São Paulo: Atlas, p.44, 2016.
[30] TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, Curso de Direito Processual Penal. 12 ed. Salvador: Ed. JusPodvim. p.77, 2017.
[31] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Sumula 523. Disponivel em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudencia/aplicacaosumula.asp . Acesso em 09 de Jun. de 2022.
[32] PACELLI, Eugenio. Curso de Processo Penal. 20 ed. São Paulo: Atlas, p.44, 2016.
[33] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: Volume único. 7 ed. Editora JusPodvim, 2019.
[34] LOPES JR, Aury. Fundamentos do processo Penal: Introdução Critica. 8 ed. São Paulo: SaraivaJur, p.71, 2022.
[35] LOPES JR, Aury. Fundamentos do processo Penal: Introdução Critica. 8 ed. São Paulo: SaraivaJur, p.74, 2022.
[36] “Art. 42. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.” BRASIL. Planalto. Decreto-Lei n. 3689 de 03 de Outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm. Acesso em: 04 de Mai de 2022.
[37] NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Processual Penal. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense. p.44,2020
[38] TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, Curso de Direito Processual Penal. 12 ed. Salvador: Ed. JusPodvim. p.81, 2017
[39] COSTA, Alessandra Abrahão; REIS NETO, Milton Mendes. A (in) constitucionalidade de decisão judicial em prejuízo do réu diante de pedido absolutório do ministério público: análise do Artigo 385 do Código de Processo Penal. Revista da Faculdade de Direito da FMP, Porto Alegre, v. 14, n. 1, p. 24-36, 2019. p.33 Disponível em: https://revistas.fmp.edu.br/index.php/FMP-Revista/article/view/125. Acesso em: 04 de jun. de 2022.
[40] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 29 ed. Barueri[SP]: Atlas. p.626, 2021.
[41] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 749.
[42] LOPES JR, Aury. Fundamentos do processo Penal: Introdução Critica. 8 ed. São Paulo: SaraivaJur. p.41,2022.
Graduando em Direito pela Faculdade FASEH.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRIVELLARI, Glaucia Auxiliadora. A condenação do réu ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, conforme o art. 385 do CPP e a violação do sistema acusatório. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58787/a-condenao-do-ru-ainda-que-o-ministrio-pblico-tenha-opinado-pela-absolvio-conforme-o-art-385-do-cpp-e-a-violao-do-sistema-acusatrio. Acesso em: 24 dez 2024.
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