ALEXANDRE YURI KIATAQUI
(orientador)
RESUMO: O presente relatório se propõe a fazer uma análise sobre como na sociedade contemporânea, ainda que haja direitos, leis fundamentais e princípios estabelecidos, até este momento não se há cumprimentos dessas garantias contidas na nossa Carta Magna de 1988. Observamos diariamente notícias veiculadas nos meios de comunicação que tratam das condições precárias, tentativas de fugas e de rebeliões, ainda assim, parte da população não percebe que estas ações podem estar relacionadas como um meio de alertar para as condições degradantes da vida nas penitenciárias brasileiras.
Palavras-chave: Garantias constitucionais, penitenciárias, violação de direitos, população carcerária.
ABSTRACT: The present report proposes to analyze how in contemporary society, even though there are rights, fundamental laws and established principles, until this moment there are no fulfillments of these guarantees contained in our Magna Carta of 1988. We observe daily news published in the media communication that deal with precarious conditions, escape attempts and rebellions, even so, part of the population does not realize that these actions may be related as a means of warning about the degrading conditions of life in Brazilian prisons.
Keywords: Constitutional guarantees, penitentiaries, violation of rights, prison population.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Sistema Penitenciário brasileiro. 3. A população carcerária. 4. Direitos constitucionais. 5. A Violação dos Direitos. 6. Considerações finais. 7. Referências
O sistema penitenciário brasileiro é há muitos anos objeto de grande debate, devido à grave situação das violações aos direitos humanos ocorridos dentro das prisões brasileiras.
Os principais problemas enfrentados pelos apenados são as superlotações, deficiências estruturais e condições precárias, ferindo a dignidade da pessoa humana e seus direitos.
O sistema penitenciário tem como objetivo a reabilitação do preso para que haja uma ressocialização, assim ele poderá refletir sobre seus erros do passado e planejar uma nova vida, diferente da que levou para a prisão. Entretanto, o sistema prisional brasileiro ainda persiste na falta de estrutura e condições humanas para os presos, desencadeando diversas consequências, como a principal, a não ressocialização do indivíduo. Dessa forma, tornando os presídios ineficazes no quesito do preso não cometer mais crimes.
Este artigo busca analisar, como os direitos e garantias constitucionais reservados a população carcerária são inseridas nas condições prisionais, e qual o impacto do desrespeito às garantias de direitos constitucionais nas condições de sobrevivência dos detentos nas unidades penitenciarias e na ressocialização os indivíduos.
2 O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
A prisão foi o modelo de coerção encontrado pela humanidade para punir aquelas que violam o contrato social entre a sociedade e o Estado, ela passou por diversas formas até chegar ao modelo atual.
O sistema penitenciário brasileiro é um dos maiores do mundo em termos de população carcerária e é conhecido pela superlotação, que é um antigo problema enfrentado nas diversas instalações do país. Isso significa que as vagas no sistema não são suficientes para atender as altas demandas, a precariedade das instalações e a falta gerenciamento de qualidade dentro das penitenciárias também são grandes problemas enfrentados e que geram diversos processos judiciais que acusam o Estado de ser negligente quanto aos direitos humanos. O sistema penal se apresenta como instituição responsável dos avanços sociais que contribui para a plena ressocialização do indivíduo infrator, mas o que se vê nessas instituições não condiz com a realidade.
As prisões nem sempre cumprem os seus objetivos, o caráter ressocializador expresso no Art. 10 da lei de execução penal está longe de ser cumprido. Pois o Estado tem a obrigação de garantir os direitos dos detentos, mas lamentavelmente acaba se tornando o infrator das leis e dos direitos.
Quando se é perguntado se dentro do Brasil a ressocialização funciona ou não corretamente, analises apontam que não, o Brasil vive uma situação alarmante, onde não se tem um bom resultado na recuperação desses presos, o próprio estado viola o que está concretizado em seu o artigo 5ª, inciso III da Constituição Federal, fazendo com que os presos tenham um tratamento desumano e humilhante. Reintegrar um indivíduo a sociedade é oferecer ao reeducando, condições para que ele consiga se regenerar e, desta forma, não volta mais a realizar o mesmo crime ou outros. O atual retrato do sistema prisional brasileiro é marcado pelo desrespeito a dignidade da pessoa humana, os presos tem sua dignidade violada de diversas formas e talvez, seja daí a origem da problemática da reinserção do preso na sociedade. O fato é de que nada adianta puni-los sem dar uma boa condição para que eles não voltem a seguir o caminho que os levou ao cárcere.
Mas afinal, quem são as pessoas que estão presas hoje no país? Existe um perfil da população carcerária brasileira?
O Brasil conta, hoje, com uma população carcerária de mais de meio milhão de pessoas, consta-se que pouco mais de 10% do total da população brasileira é composta por jovens de 18 a 24 anos representam um terço de todas as pessoas que cumprem pena no sistema prisional do país, se considerarmos as pessoas que tenham entre 18 e 29 anos, teremos 18,9% da população brasileira – que representa 55,08% da população carcerária no Brasil. Ao comparar o número absoluto de jovens brasileiros ao número dos que estão nos presídios, fica claro que a quantidade de jovens encarcerados é muito significativa.
Quanto a cor dos brasileiros presos os dados mostram que mais da metade dos presos no Brasil (61,6%) são declarados negros. O levantamento também revelou que o grau de escolaridade dos presidiários brasileiros é extremamente baixo. 75,08% dos presos têm até o ensino fundamental completo, destes 53% possuem o Ensino fundamental incompleto e 6% são analfabetos.
A conduta do agente é um fator importante para se levar em consideração quando analisamos os números dos presos brasileiros, entretanto, quando analisamos esses dados fica evidente que a maioria desses números corresponde àquelas pessoas que se encontram as margens da sociedade. O sistema prisional se tornou um grande “aspirador social” com uma política de repressão e criminalização desses grupos, é importante levantar o debate sobre a criminalidade e como a desigualdade social e o Estado contribuem para as altas desses números.
A Teoria do Labelling Approach ou “Teoria do Etiquetamento Social” é uma teoria criminológica que mudou o objeto de estudo da criminologia clássica. Nela não há uma conduta naturalmente delitiva ou pessoa naturalmente criminosa, os conceitos de crime e criminoso passam a ser interligados com os costumes, praticas e valores da sociedade e do sistema penal que os regem, sendo esses os institutos responsáveis por definir as condutas como criminosas e desviantes. A teoria refere-se à elaboração de rótulos quanto ao perfil do criminoso, ou seja, possui uma peculiaridade seletiva do procedimento de criminalização secundária.
Essa situação indica que o criminoso será selecionado de acordo com suas características físicas e do meio no qual está inserido, de modo que a conduta criminosa em si não será realmente avaliada. Diante disso, o sistema penal brasileiro não combate a criminalidade, e sim seleciona aqueles vulneráveis socialmente (mulheres, negros, etc.), uma vez que a aplicação da sanção é realizada de forma discriminatória.
Dessa forma, entende-se que os princípios do sistema penal estão dispostos e a serviço daqueles que tem posse do poder. Isso acarreta, não só na não solução efetiva do crescimento da criminalidade, como também nos fatores que legitimam a inclusão desses indivíduos no mundo do crime, a inércia do Estado como garantidor das necessidades básicas e as consequências do não combate dessa espécie de costume social. Com isto, o cárcere se torna inútil, visto que a aplicação punitiva não resolve os problemas que vem do crescimento das delinquências, pelo contrário, posteriormente, a sociedade sentirá os efeitos da irracionalidade da política penal.
O ordenamento jurídico brasileiro tutela os direitos e as garantias dos presidiários com o objetivo resguardar a dignidade humana. No que se diz à dignidade, é relevante analisar a reflexão de Rocha:
Em condições normais, ninguém deseja abrir mão da sua própria dignidade.
No entanto, o indivíduo pode não saber o que está fazendo, por não ter discernimento ou conhecimento suficiente para compreender as consequências do ato, ou simplesmente estar fragilizado pelas circunstâncias ou por uma condição pessoal desfavorável. Esse seria o caso dos menores, dos deficientes, dos detentos e dos doentes terminais. (ROCHA, Rafael da Silva. Autonomia Privada e direitos da personalidade. Revista SJRJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 30, 2011,p. 149.).
Diante disto, quando se restringe excessivamente os diretos individuais, como no tratamento dado aos encarcerados, o próprio Estado retira a capacidade desses indivíduos enquanto ignora os direitos subjetivos da pessoa, violando os direitos humanos e fundamentais. O art. 5̊, inciso XLIX da Constituição Federal dispõe de maneira exemplar que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Assim, a carta magna limita o jus puniendi do Estado garantindo um tratamento punitivo que respeite as condições da pessoa humana.
Desta forma, o direito a integridade física é inalienável e indisponível porque resulta da dignidade humana, portanto, é inaceitável qualquer ato que coloque o indivíduo em uma situação de miséria ou condições degradantes.
Além de previsão constitucional, outros diplomas nacionais e internacionais trazem uma série de direitos referente à integridade moral.
No que se diz respeito ao direito do preso, o Código Penal dispõe:
Art. 38 – O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.
No mesmo sentido, a Lei de Execução Penal que tem por objetivo proporcionar condições para a integração social do preso prevê:
Art. 40 – Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios.
Além disso, a Lei de Execuções Penais descreve inúmeros direitos dos presos tais como: alimentação adequada e vestuário; distribuição do tempo para o trabalho, descanso e recreação; exercício de atividades profissionais; assistência à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, leitura e de outros meios de informação.
É preciso compreender que o sistema punitivo não soluciona problemas sociais, pelo contrário, o pressuposto para essa condição de ignorância é a desigualdade social. Nesse sentido, Antônio Batista Gonçalves esclarece que:
[…] as pessoas cometem os delitos por prazer ou por necessidade […] um jovem que vê seus irmãos e parentes passando fome, aliado a não ter uma educação e até mesmo uma formação como cidadão, contribui para este tentar a sorte nas ruas. (GONÇALVES, Antônio Baptista. A redução da maioridade penal e a relação da ressocialização prisional com os direitos humanos fundamentais. Revista dos tribunais. Editora Revista dos Tribunais, Ano 100, vol.912, 2011, p. 315.)
Onde há desigualdade social e a violência se faz presente, o grande erro é combatê-la com o agravamento do direito penal. Diante da incapacidade do Estado em garantir o mínimo de direitos aos apenados, o caminho é ver esses indivíduos como sujeitos de direitos e que merecem um tratamento humanizado. É fundamental que se compreenda que o direito penal não deve ser somente aplicador de sanções, mas também garantidor de liberdades. Essa perspectiva afronta o pensamento equivocado de que preso não possui direitos, desmistificando assim, informações depreciativas e que contribuem para o ódio e vingança desejada pela sociedade contra esses indivíduos.
Existe, dentro e fora das penitenciárias, um enorme abuso de poder por parte da polícia e lentidão da justiça no andamento dos processos penais, além de péssimas condições estruturais e a violência que ocorre no sistema penitenciário. Isso demonstra a tamanha precariedade e a fragilidade em que se encontra o sistema atualmente, onde se faz cada vez mais presente o abusivo uso de violência, tanto nas atividades de vigilância quanto nos processos de investigação.
Quando o infrator é enviado à prisão, o Estado faz isso sobre a prerrogativa de que o indivíduo passe por um processo de regeneração através restrição do seu direito de ir e vir e que mais tarde possa ser reintegrado de volta a sociedade. Tendo em vista que a grande maioria das penitenciárias brasileiras, não promovem de forma alguma as condições que são necessárias para que ocorra a reabilitação do apenado, o que se observa, são condições que tornam o preso ainda pior do que quando entrou na penitenciaria. Visto que os detentos estão introduzidos em instalações que ferem sua integridade física e moral, uma vez que a superlotação faz com que as necessidades do corpo humano (como o sono, higiene e a alimentação) sejam feitas de uma forma inadequada. Além disso, a violência dentro dos próprios presídios já cria um ambiente totalmente nocivo, que é agravado por esse acumulo de detentos em um pequeno espaço.
É importante destacar que não há uma separação de presos pela natureza do crime que foi cometido, o que acontece é que um pequeno infrator é colocado em uma cela juntamente de um criminoso de grande periculosidade. Dessa forma a integração entre os dois é muito nociva para o detento que realizou crimes de menor relevância, já que o mesmo pode ser influenciado ou submetido a realizar outras ações ilícitas, ou até sofrer violências diversas por parte deste.
Outro grande problema estrutural é em relação aos agentes penitenciários, que não tem um treinamento apropriado para lidar com os presos dentro das instituições prisionais, não possuem uma rotina regulada por procedimentos operacionais e seus baixos salários motivam a corrupção dentro das cadeias, tendo em vista que o suborno por parte dos detentos é uma realidade.
Essa situação contribui para o fato de que o detento vai sendo formado e cria suas próprias conclusões sobre o sistema, que o isola numa cela sem as mínimas condições estruturais dignas de humanidade, permitindo que além de desocupado, se crie uma mente capaz de elaborar planos malignos fora ou até mesmo dentro daquele espaço.
Ao longo deste trabalho foram pontuadas inúmeras violações aos direitos humanos nas penitenciárias brasileiras. Quando observamos as violações à vida e à integridade física dos presos é possível compreender que o sistema penal é estruturado para ser ineficaz.
Fica evidente o descaso com daqueles que estão sob a tutela do Estado, esta situação que muitas vezes é validada por parte da população, por uma falsa ideia de que aqueles que violaram a lei devem ter os piores tratamentos para que “aprendam” a não cometer crimes.
A ideia de que manter várias pessoas juntas, expostas as mais diversas doenças, violências e sem acesso a condições mínimas de saúde, de higiene e sem expectativa de vida, seria a solução para reparação dos delitos cometidos e recuperação desses indivíduos. O que se mostrou completamente ineficiente ao longo dos séculos, até mesmo pelo evidente alto nível de reincidências, ou seja, o sistema não funciona da forma desejada.
Fica evidente que dura realidade do nosso sistema prisional, não será capaz de ressocializar os presos ou prevenir que ocorram outros crimes. Pelo contrário, o que se verifica é que as penitenciarias acabam servindo como grandes escolas do crime.
Ocorre um sucateamento das prisões, onde as maiorias das propostas políticas visam diminuir a maioridade penal e aumentar o número de celas, ao invés de investirem na educação, trabalho digno, lazer, uma boa qualidade de vida para toda a população e assim diminuir o número de detentos.
Para que os presos tenham oportunidade ao ganharem sua liberdade é imprescindível que, enquanto estiverem cumprindo as penas, tenham a oportunidade de se especializar em profissões que possam lhes proporcionar emprego para que garanta seu sustento e da sua família na sociedade livre.
Conclui-se, portanto, que o Estado é responsável por esse problema e por sua falta de solução. Omitir e deixar esses indivíduos a mercê é a única medida adotada por ele, e isso deve ser modificado. É necessário haver politicas que busquem a efetiva ressocialização dos presos e a reintegração na sociedade através da educação e oportunidades de trabalho, assim como um maior investimento nas estruturas penitenciárias, Estado e sociedade devem combater a ideia de preconceitos direcionados a essa temática e buscar solucionar impasses que vão desde a superlotação até as questões da ressocialização, só assim a real finalidade do sistema penal será alcançada.
BRASIL, República Federativa. Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília: Senado Federal, 2004
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GONÇALVES, Antônio Baptista. A redução da maioridade penal e a relação da ressocialização prisional com os direitos humanos fundamentais. Revista dos tribunais. Editora Revista dos Tribunais, Ano 100, vol. 912, 2011, p. 315.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução Penal. 10a ed. São Paulo: Atlas, 2002.
REIS, Thiago. Brasil tem hoje déficit de 200 mil vagas no sistema prisional. Em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2014/01/brasil-tem-hoje-deficit-de-200-mil-vagas-no-sistema-prisional.html
ROCHA, Rafael da Silva. Autonomia Privada e direitos da personalidade. RevistaSJRJ, Rio de Janeiro, v. 18, n. 30, 2011, p. 149.
VERÍSSIMO,Elza. O sistema prisional brasileiro como violador dos direitos humanos.In: Jus.São Paulo, São Paulo, 2019.Disponível em: 9https://jus.com.br/artigos/76853/o-sistema-prisional-brasileiro-como-violador- dosdireitos-humanos
https://www.politize.com.br/populacao-carceraria-brasileira-perfil/
https://www.megajuridico.com/a-violacao-dos-direitos-humanos-no-sistema-penitenciario-brasileiro/
https://jures.com.br/noticias/o-sistema-penitenciario-e-as-violacoes-dos-direitos-humanos/
https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/teoria-do-etiquetamento/61
https://jus.com.br/artigos/29380/direitos-fundamentais-do-preso
Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Universidade Brasil - Campus Fernandópolis. Estagiária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Milena França Marques da. A violação do direito no sistema penitenciário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jul 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58941/a-violao-do-direito-no-sistema-penitencirio-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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