LUCAS FERNANDES DE MORAIS VIDOVIX[1]
SERGIANO REIS DA CONCEIÇÃO[2]
(coautores)
RESUMO: No presente artigo, são explanadas as características principais do procedimento de homologação de sentenças estrangeiras. Nesse sentido, discutem-se o panorama mundial de reconhecimento de sentenças estrangeiras, a competência da justiça brasileira para homologação de sentenças estrangeiras, enfatizando a Emenda Constitucional (EC) nº 45 e o papel desempenhado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) na seara em exame, as hipóteses em que é vedado o procedimento homologatório em apreço, as condições estabelecidas no Direito interno brasileiro para a homologação de sentenças estrangeiras, com destaque para os dispositivos da legislação processual civil, um breve estudo acerca das sentenças estrangeiras que seguem o rito de homologação definido por Tratados e uma discussão acerca da natureza jurídica de sentenças proferidas por Tribunais Internacionais, como Corte Internacional da Justiça (CIJ), Tribunal Penal Internacional (TPI) e Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Essa pesquisa visa compreender a importância e os atributos mais relevantes do procedimento homologatório na efetiva realização dos direitos insculpidos em uma decisão judicial estrangeira. Para tal, realizou-se uma pesquisa analítica e exploratória, a fim de alcançar o objetivo central do estudo. Por fim, foram exteriorizadas as considerações finais acerca da temática em apreço e as referências utilizadas na construção da plataforma teórica.
Palavras-chave: Sentenças Estrangeiras. Procedimento de Homologação. Direito Internacional. Tribunais Internacionais.
ABSTRACT: In this article, the main characteristics of the procedure for the approval of foreign judgments are explained. In this sense, the global panorama of recognition of foreign judgments, the competence of the Brazilian justice for homologation of foreign judgments, emphasizing the Constitutional Amendment (EC) nº 45 and the role played by the Superior Court of Justice (STJ) in the field in examination, the cases in which the homologation procedure in question is prohibited, the conditions established in Brazilian domestic law for the homologation of foreign judgments, with emphasis on the provisions of civil procedural legislation, a brief study on foreign judgments that follow the rite of ratification defined by Treaties and a discussion about the legal nature of sentences handed down by International Courts, such as the International Court of Justice (ICJ), the International Criminal Court (ICC) and the Inter-American Commission on Human Rights (IACHR). This research aims to understand the importance and the most relevant attributes of the homologation procedure in the effective realization of the rights inscribed in a foreign court decision. To this end, an analytical and exploratory research was carried out, in order to achieve the main objective of the study. Finally, the final considerations about the subject in question and the references used in this article were externalized.
Keywords: Foreign Sentences. Procedure for Approval. International Right. International Courts.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Reconhecimento De Sentenças Estrangeiras Pelos Estados. 3. Aspectos Gerais Sobre Homologação De Sentenças Estrangeiras. 4. Condições Para A Homologação De Sentenças Estrangeiras No Brasil. 5. Processo De Homologação De Sentenças Estrangeiras No Brasil. 6. Homologação De Sentenças Regulamentadas Em Tratados. 7. Sentenças Proferidas Por Tribunais Internacionais. 8. Considerações Finais. 9. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A temática alusiva a homologação de sentença estrangeira mostra-se muito relevante no contexto atual, uma vez que a sociedade vive em um mundo cada vez mais globalizado e interdependente. Nesse sentido, os Estados progressivamente são pressionados a ter uma maior interação em variados campos como, por exemplo, o econômico, o social, o jurídico, o político e o cultural.
Relativamente ao campo jurídico, torna-se evidente a necessidade do desenvolvimento de procedimentos concernentes a internalização de pronunciamentos judiciais proferidos por outros Estados.
Nesse cenário, surge o procedimento de homologação de sentença estrangeira, que consiste em um ato formal de reconhecimento de decisões judiciais alienígenas ao Direito interno, de modo que surtam efeitos jurídicos no território nacional. Refere-se, portanto, a um mecanismo de cooperação jurídica entre Estados, norteado pelo respeito mútuo à soberania que cada um deles consolida, que fornece efetividade ao direito consubstanciado em uma sentença estrangeira.
Ademais, o procedimento de homologação de sentenças estrangeiras está consubstanciado em regras estabelecidas em institutos materiais e processuais, devendo-se observar os preceitos relativos à ordem pública nacional, à soberania e aos costumes, entre outros, consagrados no Direito interno.
O presente artigo visa compreender a importância e os atributos mais relevantes do referido procedimento homologatório na efetiva realização dos direitos insculpidos em uma decisão judicial estrangeira. Para o alcance do objetivo central, serão realizadas as seguintes abordagens: - reconhecimento de sentenças estrangerias pelos Estados; - aspectos gerais sobre homologação de sentenças estrangeiras; - condições para a homologação de sentença estrangeira no Brasil; - processo de homologação de sentenças estrangeiras no Brasil; e - homologação de sentenças regulamentadas em tratados sentenças proferidas por tribunais internacionais.
Mister pontuar que a aludida pesquisa científica consiste em estudo bibliográfico exploratório e descritivo, enfatizando os conhecimentos consolidados alusivos ao objeto do trabalho. Nesse sentido, foi efetuada uma revisão teórica da temática por meio de análises comparativas e conclusivas de informações evidenciadas por especialistas no ramo do Direito Internacional.
Por derradeiro, são exteriorizadas as considerações finais acerca das questões desenvolvidas no presente trabalho e as referências bibliográficas utilizadas na construção da exposição textual em apreço.
2. RECONHECIMENTO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS PELOS ESTADOS
Preliminarmente, cumpre assentar que cada Estado tem as suas regras jurídicas no tocante à atribuição de valor às sentenças estrangeiras. Sob esse prisma, conforme pontuado por Tiburcio e Barroso (2006), há Estados que estipulam um caráter probatório aos pronunciamentos judiciais estrangeiros como, por exemplo, os Estados Unidos da América e o Reino Unido. Os referidos autores destacam ainda que existem Estados como o Brasil e a Itália que possuem um procedimento interno de juízo de delibação no qual a sentença estrangeira admite a mesma eficácia da decisão judicial interna. Por outro lado, referenciam Tibúrcio e Barroso (2006) que há Estados como a Holanda, Suécia e Dinamarca que não atribuem valor às sentenças estrangeiras.
Sob esse giro, importante elucidar que, para Liebman (1984), a homologação de sentença estrangeira tem um caráter constitutivo processual, visto que se aprecia a presença de condições legais a fim de que a sentença referenciada tenha eficácia no arcabouço jurídico do país que a internaliza.
Furtado (2013) relata que, no âmbito do Mercosul, foram editados o Protocolo de Las Leñas e o Protocolo de Medidas Cautelares, os quais disciplinam regras de cooperação jurisdicional. Tais Protocolos visam ao cumprimento de sentenças estrangeiras e de laudos arbitrais estrangeiros, além de buscar maior celeridade na execução de medidas cautelares, obedecendo ao fundamento de integração regional pautado pelo Tratado de Assunção.
Além disso, os suprarreferidos Protocolos, ratificados pelo Brasil, têm como objeto o reconhecimento e a execução de sentença estrangeira provinda de Estados-membros do Mercosul. Denote-se que o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa, nomeado de Protocolo de Las Leñas, foi assinado em 1992, promulgado no Brasil pelo Decreto Presidencial 2.067, de 12/11/1996. Já o Protocolo de Medidas Cautelares, conhecido como Protocolo de Ouro Preto, foi assinado em 1994, e promulgado no Brasil pelo Decreto Presidencial 2.626, de 15/06/1998.
3. ASPECTOS GERAIS SOBRE HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS
Inicialmente, importa sublinhar que a homologação de sentenças estrangeiras visa à geração do reconhecimento no Estado de uma decisão estrangeira.
No tocante ao procedimento de homologação de sentença estrangeira adotado pelo Brasil, Finkelstein (2005, p. 255) assenta, in verbis:
Nosso sistema de incorporação das decisões alienígenas ao direito brasileiro, anteriormente empreendido pelo STF, é atualmente denominado de 'delibação moderada', vez que para se aferir suposta ofensa à ordem pública, torna-se necessária uma verificação perfunctória do mérito da questão para possibilitar tal decretação. Efetivamente, a ofensa à ordem pública raramente se encontra na forma do ato, mas sim em seu conteúdo ou na forma pela qual foi materialmente conduzida a demanda estrangeira, ainda que em consonância com a lei do foro.
Sendo assim, admite-se no Brasil o sistema de delibação moderada no que tange ao procedimento de incorporação das decisões estrangeiras no Direito interno.
Sob essa perspectiva, Basso (2020) versa que, em um juízo de delibação, o tribunal competente para o exequatur (execução da decisão estrangeira) não aprecia o mérito da decisão judicial estrangeira, uma vez que há somente uma verificação dos requisitos externos e da legitimidade do provimento jurisdicional, sem entrar em seu mérito e nos seus fundamentos jurídicos. Nessa linha, são analisados pontos alusivos a ofensa à ordem pública, à soberania nacional e aos bons costumes do Direito interno. Denote-se que, diante desse prévio controle, o direito brasileiro, em seu art. 26, § 2º, do CPC/15 (BRASIL, 2015), não exige a reciprocidade de tratamento para fins de homologação de sentença estrangeira.
Relativamente ao “exequatur”, Santos (1998) explicita que os seus procedimentos estão delineados no sistema jurídico do Estado em que será executada a decisão estrangeira. Consigna ainda que, caso a ordem pública estrangeira ou os costumes sejam desrespeitados, o Poder Judiciário poderá proferir decisão denegando o “exequatur”, culminando na perda da eficácia da decisão estrangeira.
Portela (2017) preceitua que há ofensa à ordem pública quando, na sentença estrangeira, houver lesão a dispositivos constitucionais ou contemplar matéria de competência exclusiva da justiça brasileira, entre outras situações. Vale consignar que, por exemplo, não viola a ordem pública a homologação de sentença penal estrangeira que determine a perda de imóvel situado no Brasil proveniente de crime de lavagem de dinheiro.
Nesse passo, oportuno rememorar que a Emenda Constitucional (EC) nº 45 fixou no art. 105, I, “i”, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CF/88 – (BRASIL, 1988) que compete ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) processar e julgar o reconhecimento de sentenças estrangeiras, inclusive as proferidas por árbitros, sendo elas declaratórias, constitutivas ou condenatórias, assim como a concessão de “exequatur” às cartas rogatórias passivas. Note-se que os procedimentos referidos antes da EC nº 45 eram de competência do Supremo Tribunal Federal (STF). Por conseguinte, a partir dessa Emenda, a sentença estrangeira somente será eficaz no país após o crivo homologatório efetivado pelo Presidente do STJ.
Dolinger e Tibúrcio (2020) salientam que, em vários países, compete aos juízes de 1ª instância a homologação de sentenças estrangeiras. Para exemplificar, tem-se Alemanha, Canadá, Suíça, Itália, França, entre outros. Na tramitação da EC nº 45, acima mencionada, pensou-se em transferir tal função aos juízes federais. Contudo, tendo em vista a inexistência de um sistema próprio de interposição de recursos no Brasil para as decisões proferidas na seara em comento e a morosidade até o seu trânsito em julgado, decidiu-se não acolher essa sistemática.
Impende esclarecer que, se o pedido for contestado pela parte contrária, o processo de homologação de sentença estrangeira será distribuído para julgamento pela Corte Especial do STJ. Nesse compasso, compete ao relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo, podendo emitir decisão se houver jurisprudência consolidada da Corte Especial acerca do assunto. Tais entendimentos podem ser consultados nos arts. 216-A e 216-K do Regimento Interno do STJ (BRASIL, 1989).
Portela (2017) explica que as decisões interlocutórias e os despachos de mero expediente não são aptos a serem homologados, uma vez que não possuem a natureza jurídica de sentença. São caracterizados como meros atos processuais, os quais devem ser cumpridos no Brasil por meio de carta rogatória ou por outros meios de cooperação judicial. Relevante explicitar que as decisões interlocutórias devem ser efetivadas por meio de rogatórias, enquanto as diligências processuais devem ser cumpridas por meio ou de cartas rogatórias ou do auxílio direto.
Consoante o consagrado no art. 961 do CPC/15 (BRASIL, 2015), a decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a sua homologação. Oportuno sublinhar que o aludido diploma legal eliminou a exigência de homologação para a sentença estrangeira de divórcio consensual simples ou puro, quando a decisão se refere apenas à dissolução do casamento. Ressalte-se, porém, que, caso haja envolvimento de guarda de filhos, alimentos ou partilha de bens, a homologação do divórcio consensual continua necessária.
Sob esse prisma, Portela (2017) lembra que o art. 13 do suprarreferido diploma legal fixa a prevalência dos tratados em matéria processual sobre a legislação interna e que o art. 960, caput, do mencionado diploma dispõe que “a homologação de decisão estrangeira será requerida por ação de homologação de decisão estrangeira, salvo disposição especial em sentido contrário prevista em tratado”. Nesse diapasão, pode um tratado afastar a necessidade de homologação de uma sentença estrangeira.
Relevante pontuar que o art. 964 do CPC/15 (BRASIL, 2015) determina que não será homologada a decisão estrangeira na hipótese de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira. Outrossim, não são homologáveis: - (a) as sentenças relativas a imóveis situados no Brasil, consoante o art. 23, I, do Código em comento; - (b) as sentenças que, em matéria de sucessão hereditária, procederem à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, em que pese o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional, tendo em vista a competência exclusiva da justiça brasileira para atuar nesses casos, conforme o art. 23, II, do diploma legal em exame;- (c) as sentenças que, em matéria de divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional, em conformidade com o consubstanciado no art. 23, III, do indigitado Código.
A jurisprudência brasileira permite a homologação de sentença estrangeira quando ela disponha acerca de bem situado no Brasil a respeito do qual tenha havido acordo entre as partes e que somente ratifica o que restou pactuado, in verbis:
Tanto a Corte Suprema quanto este Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram pela ausência de ofensa à soberania nacional e à ordem pública a sentença estrangeira que dispõe acerca de bem localizado no território brasileiro, sobre o qual tenha havido acordo entre as partes, e que tão somente ratifica o que restou pactuado. (SEC 1.304/US, CORTE ESPECIAL, Rel. Ministro GILSON DIPP, DJe de 03/03/2008). (SEC 4.223/CH, Rel. Ministra LAURITA VAZ, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/12/2010, DJe 16/02/2011)
Nesse diapasão, o fato de o imóvel estar no Brasil não impede a homologação da sentença estrangeira de partilha de bens no divórcio quando houver acordo entre as partes quanto ao referido imóvel.
Registre-se, portanto, que não há ofensa à soberania nacional e à ordem pública no procedimento de homologação de sentença estrangeira nos temas acima alinhavados.
Por fim, imperioso sublinhar que, consoante o entendimento do STJ, colacionado a seguir, não se homologa seção de sentença estrangeira que ordene a desistência de ação judicial impetrada no Brasil sob pena de responsabilização civil e penal, visto que tal delineamento impede o acesso do indivíduo à Justiça nos termos do art. 5º, XXXV, da CF/88 (BRASIL, 1988).
DIREITO CONSTITUCIONAL. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. Não é possível a homologação de sentença estrangeira na parte em que ordene, sob pena de responsabilização civil e criminal, a desistência de ação judicial proposta no Brasil. Isso porque essa determinação claramente encontra obstáculo no princípio do acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV), que é cláusula pétrea da Constituição brasileira. SEC 854-US, Rel. Originário Min. Massami Uyeda, Rel. Para acórdão Min. Sidnei Beneti, julgado em 16/10/2013.
4. CONDIÇÕES PARA A HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL
Preliminarmente, informa-se que o procedimento de homologação de sentença estrangeira está disciplinado nos artigos 216-A a 216-X do Regimento Interno do STJ (BRASIL, 1989), os quais foram introduzidos pela Emenda Regimental nº 18.
Prosseguindo-se, faculta-se ao autor do pedido apresentar a anuência da outra parte, o que dispensa a citação do requerido e acelera o trâmite processual. Caso contrário, o presidente do STJ determinará a citação da parte contrária por carta rogatória (se a parte a ser citada residir no exterior) ou por carta de ordem (se residir no Brasil) com vistas à resposta à ação.
Nesse sentido, o art. 963 do CPC/15 (BRASIL, 2015) fixa que constituem requisitos indispensáveis à homologação da decisão: I - ser proferida por autoridade competente; II - ser precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia; III - ser eficaz no país em que foi proferida; IV - não ofender a coisa julgada brasileira; V - estar acompanhada de tradução oficial, salvo disposição que a dispense prevista em tratado; VI - não conter manifesta ofensa à ordem pública.
Registre-se que os requisitos em exame também podem ser consultados nos arts. 216-C e 216-D do Regimento Interno do STJ (BRASIL, 1989) e no art. 15 do Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/1942, denominada, atualmente, de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB – (BRASIL, 1942).
No procedimento homologatório, deve-se verificar a autenticidade da documentação carreada ao processo. Nessa esteira, o art. 41, caput, do CPC/15 (BRASIL, 2015) disciplina, in verbis:
Considera-se autêntico o documento que instruir pedido de cooperação jurídica internacional, inclusive tradução para a língua portuguesa, quando encaminhado ao Estado brasileiro por meio de autoridade central ou por via diplomática, dispensando-se a juramentação, autenticação ou qualquer procedimento de legalização.
Por conseguinte, caso a documentação a ser anexada ao processo de homologação de sentença estrangeira seja encaminhada por via diplomática ou outra via legal, não será exigida que a sentença estrangeira esteja autenticada pelo cônsul brasileiro e que tenha sido traduzida por tradutor juramentado no Brasil.
Portela (2017) consigna que a falta da assinatura da autoridade competente na decisão a ser homologada não pode ser considerada, por si só, óbice para a sua homologação. Contudo, em face de um caso prático nessa linha, a autenticidade da decisão deve ser comprovada por outros meios permitidos em Direito.
Pertinente expor que, para a homologação de decisão estrangeira em processo com tramitação no exterior contra indivíduo domiciliado no Brasil, torna-se imprescindível a citação regular em consonância com o arcabouço jurídico do Estado prolator da sentença, sendo que o comparecimento do sujeito à audiência realizada pelo juízo estrangeiro supre a falta de citação, conforme entendimento esposado pelo STJ. Sobre o assunto, traz-se, ademais, à tona o seguinte entendimento do STJ inserido em seu Informativo nº 508, ipsis litteris:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. REGRAMENTO DA CITAÇÃO.
Não é possível impor as regras previstas na legislação brasileira para citação praticada fora do país. A citação é instituto de direito processual e, por estar inserida no âmbito da jurisdição e da soberania, deve ser realizada de acordo com a legislação de cada país. Precedentes citados: SEC 3.341-EX, DJe 29/6/2012, e SEC 4.730-EX, DJe 28/6/2012. SEC 5.268-GB, Rel. Min. Castro Meira, julgada em 7/11/2012.
Note que a citação por edital do réu, quando se encontrar em lugar ignorado, incerto ou inacessível, não impede que a sentença estrangeira seja homologada pelo STJ. Deve-se rememorar que, quando a sentença estrangeira se referir a sujeito domiciliado no Brasil, a sua citação deve ser realizada por meio de carta rogatória.
Curial versar que somente a sentença estrangeira transitada em julgado pode ser homologada pela autoridade brasileira competente, nos termos da Súmula STF nº 420, salvo casos excepcionais de cooperação judiciária entre os Estados. Portanto, consoante destacado por Basso (2020), a ausência da comprovação do trânsito em julgado constitui fato impeditivo para a homologação de decisão judicial estrangeira, restando prejudicada a sua execução no ordenamento brasileiro.
5. PROCESSO DE HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL
Consoante o art. 216-C do Regimento Interno do STJ (BRASIL, 1989), a ação de homologação da sentença estrangeira será impetrada pela parte requerente. Nesse passo, Portela (2017) enfatiza que a petição inicial deve conter os requisitos indicados na lei processual brasileira, como o disposto no 319 e 320, ambos do CPC/15 (BRASIL, 2015), e ser instruída com o original ou cópia autenticada da decisão a ser homologada e de outros documentos essenciais, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasileira competente, quando for o caso. O pleito de homologação da sentença estrangeira deve observar os requisitos constantes no art. 963 do aludido Código e no art. 216-D do referenciado Regimento Interno.
Em conformidade com o art. 216-G do Regimento Interno suprarreferido e o art. 960, § 3º, do CPC/15 (BRASIL, 2015), a tutela de urgência é admitida nos procedimentos de homologação de sentenças estrangeiras. Nesse rito, Portela (2017) esclarece que a parte interessada será citada para, no prazo de 15 (quinze) dias, contestar o pedido. A defesa somente poderá versar sobre a inteligência da decisão estrangeira e a observância dos requisitos indicados nos arts. 216-C, 216-D e 216-F do Regimento Interno do STJ (BRASIL, 1989). Havendo contestação, o processo será julgado pela Corte Especial, cabendo ao Relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo. O Ministério Público terá vista dos autos pelo prazo de dez dias, podendo impugnar o pedido de homologação.
Com supedâneo no disposto no artigo 216-K, parágrafo único, do Regimento Interno do STJ (BRASIL, 1989), o relator pode emitir decisão monocrática nas hipóteses com jurisprudência consolidada da Corte Especial a respeito do tema. Ademais, caso a petição inicial não preencha os requisitos exigidos nos artigos anteriores ou apresente defeitos ou irregularidades que dificultem o julgamento do mérito, o presidente do STJ assinará prazo razoável para que o requerente a emende ou complete.
Estribado no art. 216-E, caput e parágrafo único, do Regimento Interno do STJ (BRASIL, 1989), constata-se que, após a intimação, se o requerente ou o seu procurador não promover, no prazo regulamentar, as diligências determinadas pelo juízo, o processo será arquivado pelo Presidente do STJ.
Prosseguindo-se, a parte interessada será citada para, no prazo de 15 (quinze) dias, contestar o pedido, cabendo ressaltar que a defesa poderá se basear apenas sobre a inteligência da decisão estrangeira e a observância dos requisitos indicados nos arts. 216-C, 216-D e 216-F do Regimento Interno do STJ (BRASIL, 1989).
Em caso de revelia ou incapacidade, será nomeado curador especial, que será pessoalmente notificado. Protocolizada a contestação, serão admitidas réplica e tréplica em 5 (cinco) dias. Outrossim, o Ministério Público Federal (MPF) terá vista dos autos pelo prazo de 10 (dez) dias, tendo o direito à impugnação do pedido autoral nos termos dos arts. 216-1, 216-J e 216-L do Regimento Interno do STJ (BRASIL, 1989). Por derradeiro, podem ser agravadas as decisões do Presidente do STJ ou do relator alusivas ao procedimento de homologação da sentença estrangeira.
Atinente à execução de decisão estrangeira homologada pelo STJ, tem-se que, consoante o art. 109, X, da CF/88 (BRASIL, 1988), compete aos juízes federais de primeira instância realizá-la a partir do requerimento da parte instruído com cópia autenticada da decisão. É nessa linha o disposto no art. 965 do CPC/15 (BRASIL, 2015).
Portela (2017) registra que o Pretório Excelso admite recurso extraordinário contra homologação de sentenças estrangeiras quando houver divergência de interpretação acerca de preceito constitucional, considerando o disposto no artigo 102, III, da CF/88 (BRASIL, 1988).
6. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS REGULAMENTADAS EM TRATADOS
A homologação também é regulada por tratados, cujo objetivo principal é harmonizar a regulamentação quanto ao tema entre certo número de Estados, com vistas a impedir que marcos legais muito diferentes na matéria acabem por criar entraves às relações internacionais.
Disserta Portela (2017) que o Brasil participa de tratados internacionais que disciplinam sobre a homologação de sentenças estrangeiras, com vistas à harmonização da legislação em relação à temática. Podem ser citados os seguintes Tratados: o Código de Bustamante (Decreto 18.871, de 13/08/1929); a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 1958; a Convenção de Nova Iorque (Decreto 4.311, de 23/07/2002); a Convenção Interamericana sobre a Eficácia Territorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, de 1979 (Convenção de Montevidéu - Decreto 2.411, de 02/12/1997); o Protocolo de Las Lenas sobre Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa do MERCOSUL, de 1992 (Decreto 2.067, de 12/11/1996); e tratados bilaterais entre Estados como Argentina, Espanha, Itália e Uruguai.
Tais regras estipuladas por esses Tratados não diferem daquelas presentes na legislação interna brasileira, salvo em situações pontuais ou peculiares. Como exemplo de exceção, tem-se que a Convenção de Montevidéu de 1979 dispõe que o benefício de justiça gratuita reconhecido no Estado de origem da sentença será preservado no de sua apresentação. Um outro exemplo pode ser vislumbrado no Protocolo de Las Lenas no qual consta que o pedido de homologação de sentenças estrangeiras tramitará por carta rogatória e por intermédio do Ministério da Justiça.
7. SENTENÇAS PROFERIDAS POR TRIBUNAIS INTERNACIONAIS
Preliminarmente, importa mencionar que a homologação de sentenças proferidas por Tribunais Internacionais encontra divergências na seara jurídica. Conforme Portela (2017) a jurisprudência brasileira consignava que sentença estrangeira consistia em todo pronunciamento judicial não exarado pela justiça brasileira. Nesse sentido, as decisões prolatadas por Cortes internacionais se submeteriam ao procedimento de homologação efetivado pelo STJ.
Assevera Portela (2017) que os provimentos jurisdicionais emitidos por outros Estados diferem em termos de natureza jurídica dos proferidos por Cortes ou Tribunais internacionais. Isso pode ser justificado pelo fato de que as Cortes internacionais são fundadas pelos próprios Estados, por meio de tratados, visando à decisão sobre temáticas internacionais de interesse dos membros. O aludido autor enfatiza que essas Cortes não se submetem a uma soberania em particular e têm jurisdição sobre os próprios entes estatais que as conceberam. Saliente-se que, ao participarem dessas entidades internacionais, os Estados cedem uma parte de sua soberania, de modo que determinados assuntos sejam decididos no âmbito das supracitadas Cortes. São exemplos de tribunais internacionais: a CIJ; o TPI e a CIDH.
Nesse contexto, Portela (2017) frisa que as sentenças emanadas de tribunais internacionais não deveriam passar pelo crivo homologatório, já que a natureza jurídica de decisões prolatadas por órgãos internacionais tem supedâneo de seus membros, não se configurando em ofensa à soberania dos Estados que participam dos acordos internacionais. Realce-se que os Estados devem aderir às regras estabelecidas pelos tribunais internacionais (princípio pacta sund servanda) para que possam ser julgados por estes.
Por fim, Portela (2017) ressalta que as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos são executadas no Brasil independentemente de procedimento homologatório, embora não exista disposição expressa no arcabouço jurídico interno nessa direção.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como cediço, o trabalho visou realizar um estudo abrangente acerca das características principais do procedimento de homologação de sentenças estrangeiras. Nesse sentido, foram discutidos o panorama mundial de reconhecimento de sentenças estrangeiras, a competência na justiça brasileira para homologação de sentenças estrangeiras, enfatizando a EC nº 45 e o papel desempenhado pelo STJ na seara em exame, as hipóteses em que é vedado o procedimento homologatório em apreço, as condições estabelecidas no Direito interno brasileiro para a homologação de sentenças estrangeiras, com destaque para o art. 963 do CPC/15 (BRASIL, 2015), um breve estudo acerca das sentenças estrangeiras que seguem o rito de homologação definido por Tratados e uma discussão acerca da natureza jurídica de sentenças proferidas por Tribunais Internacionais, como CIJ, TPI e CIDH.
Ante o exposto, constatou-se que o objetivo do trabalho foi alcançado e que, considerando a existência no panorama atual de múltiplas relações sociais, culturais, econômicas e políticas devido ao fenômeno da globalização, a temática sobre homologação de sentença estrangeira tem especial importância no tocante à segurança jurídica nacional, à cooperação jurídica internacional e ao cumprimento da justiça, no âmago de seus princípios e valores, pelo país, visto que se consubstancia em um procedimento judicial que fornece executoriedade tanto na esfera interna quanto na externa à decisão estrangeira.
Por fim, deve-se consignar que cada Estado tem uma normatização específica e dinâmica acerca da temática de reconhecimento de sentença estrangeira, o que traz desafios no entendimento aprofundado dos atributos do aludido procedimento.
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[1] Bacharel em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bacharelando no curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO. Servidor público efetivo do Município de Porto Nacional. E-mail: [email protected]
[2] Tecnólogo em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Universidade Norte do Paraná. Bacharelando no curso de Direito na Universidade Estadual do Tocantins. E-mail: [email protected]
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS) em Palmas/TO. Bacharel em Engenharia de Alimentos pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Especialista em Direito Tributário pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil (RFB).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Rônison Aparecido dos. A homologação de sentenças estrangeiras e os seus principais elementos caracterizadores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 ago 2022, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59057/a-homologao-de-sentenas-estrangeiras-e-os-seus-principais-elementos-caracterizadores. Acesso em: 23 dez 2024.
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