RESUMO: O presente artigo analisa e discute a respeito dos crimes virtuais, abordando a contextualização, conceituação e a atual legislação dos chamados cybercrimes e destaca as problemáticas enfrentadas pela polícia e o pelo judiciário no que tange a investigação e a punição dos criminosos, tentando esclarecer a sensação de impunidade que os cidadãos sentem com a crescente onda dos crimes virtuais em todo o Brasil. Pretende-se encontrar uma solução a partir de uma análise legislativa, doutrinária para que se possa preencher as lacunas e planejar novos métodos para prevenção e punição com o intuito de coibir a prática desses atos ilícitos, procurando sempre resguardar os princípios constitucionais e a legislação penal e processual penal.
PALAVRAS-CHAVE: Cybercrimes. Internet. Crimes Virtuais. Impunidade.
ABSTRACT: This article analyzes and discusses about virtual crimes, addressing the contextualization, conceptualization and current legislation of the so-called cybercrimes and highlights the problems faced by the police and the judiciary regarding the investigation and punishment of criminals, trying to clarify the feeling of impunity that citizens feel with the growing wave of cyber crimes across Brazil. It is intended to find a solution from a legislative, doctrinal analysis so that we can fill the gaps and plan new methods for prevention and punishment in order to curb the practice of these illicit acts, always seeking to protect the constitutional principles and criminal legislation. and criminal procedure.
KEYWORDS: Cybercrimes. Internet. Virtual Crimes. Impunity.
INTRODUÇÃO
Porque o judiciário brasileiro possui tanta dificuldade em enfrentar os chamados crimes cibernéticos? A presente pesquisa se mostra importante para que se possa visualizar quais são os pontos falhos do sistema penal e processual penal no que tange a esses delitos e assim, se possa procurar as soluções para a melhoria do sistema punitivo estatal.
É de conhecimento geral que o mundo tecnológico vem se desenvolvendo em grande velocidade ao longo dos séculos. Os objetos que antes se utilizava, hoje, vêm sendo substituídos por novos, com tecnologias cada vez mais avançadas, como celulares, tablets e, por consequência desses avanços, novos crimes vêm surgindo nesse ambiente virtual, fazendo da sociedade uma crescente vítima dos chamados cibercrimes.
Devido ao gradativo crescimento destes tipos de delitos, a presente pesquisa científica tem por objetivo abordar o tema dos crimes praticados pela internet através do anonimato e a sua falsa sensação de impunidade. Para tanto faz-se necessária a difícil conceituação dos chamados crimes cibernéticos, a definição de sua autoria, bem como a legislação até então existente.
Assim, abordam-se, através de uma pesquisa bibliográfica e teórica, a doutrina, a jurisprudência e as notícias veiculadas acerca do tema, que demonstrem a realística problemática nos dias atuais no que tange aos crimes cibernéticos.
Essa é a proposta o presente trabalho, estimular a reflexão sobre a velocidade da evolução tecnológica, estudando a peculiaridades dessas condutas perpetradas no espaço virtual, bem como o que pode ser feito, sobre o ponto de vista legal, para proteger os bens ameaçados e se chegar aos verdadeiros autores dos delitos.
1.DO CIBERCRIME: CONTEXTUALIZAÇÃO E CONCEITUAÇÃO
Com a facilidade do acesso à internet que a sociedade possui atualmente, tornou-se contumaz os usuários da rede terem as suas rotinas tornadas públicas por meio de postagens de conteúdos, fotos ou mesmo de sua localização. Conforme preconiza Kaminski (2003), a internet abre a oportunidade para que as pessoas mostrem seus pensamentos sobre os mais variados assuntos, podendo tais informações alcançarem rapidamente um grande público, sem praticamente nenhum esforço para tanto.
O celular é um grande exemplo de que, embora tenha trazido inúmeros benefícios ao cotidiano, também tornou possível que a vida privada dos usuários seja compartilhada para qualquer pessoa ver, uma vez que nestes parelhos são armazenadas uma considerável quantidade de dados e informações de caráter pessoal dos seus proprietários. Como tais aparelhos normalmente se encontram a todo momento conectados à internet, tais dados podem facilmente se tornar alvo de acesso indesejado, tornando-se dificultosa a tutela dessas informações. (SCHEREIBER, 2014).
FERREIRA (2005 p. 261) conceitua o chamado Cybercrime, Crimes Virtuais como:
Atos dirigidos contra um sistema de informática, tendo como subespécies atos contra o computador e atos contra os dados ou programas de computador. Atos cometidos por intermédio de um sistema de informática e dentro deles incluídos infrações contra o patrimônio; as infrações contra a liberdade individual e as infrações contra a propriedade imaterial.
Já CASSANTINI (2016 p. 51) utiliza a definição:
Crimes virtuais são delitos praticados através da internet que podem ser enquadrados no Código Penal Brasileiro resultando em punições como pagamento de indenização ou prisão.
Dessa forma, sendo a definição a respeito da criminalidade informática bastante abrangente, parte da doutrina acaba conceituando os crimes virtuais como um recente fenômeno corresponde a elevada incidência de atos ilícitos, que têm por objetivo lesar ou obter algum tipo de vantagem indevida de outrem. (CARDOSO, 2017)
Nesse passo, vale destacar a costumeira confusão no que tange as nomenclaturas cracker e hacker, atribuídas aos criminosos virtuais. Os crackers são conceituados como pessoas que possuem um amplo conhecimento de informática, e se utilizam desta condição para cometerem delitos, adquirem informações privadas ou causarem danos a terceiros, conforme destaca ROSA (2006, p. 61):
O mesmo que hacker, com a diferença de utilizar o seu conhecimento para o “mal”. Destruir e roubar são suas palavras de ordem. Assim, o cracker, usa os seus conhecimentos para ganhar algo; roubar informações sigilosas para fins próprios e destrói sistemas para se exibir.
Por outro lado, os hackers apesar de também possuírem um vasto conhecimento informático, não se utilizam destes para causar dano a outrem, visto que, em diversas situações eles são contratados por empresas para identificarem possíveis falhas que possam comprometer a empresa, e verificarem a eficácia dos sistemas de segurança, conforme define NOGUEIRA (2008 p. 52):
Este indivíduo em geral denomina a informática e é muito inteligente, adora invadir sites, mas na maioria das vezes não com a finalidade de cometer crimes, costumam desafiar entre si, para ver quem consegue invadir tal sistema ou página de internet, isto apenas para mostrar como estamos vulneráveis no mundo virtual.
Desta forma, havendo uma grande expansão dos meios eletrônicos e com evolução do uso da internet, é cada mais frequente a prática de ilícitos com a finalidade de causar danos aos bens jurídicos de outrem. Para tanto, os agentes se valem de todos os recursos e meios possíveis que a web proporciona para cometerem este tipo de delitos.
Dentre os delitos que se enquadra como cibernéticos podemos destacar aqueles que versam sobre a honra, como: a calúnia, a injúria, a difamação, insultos, divulgação de material confidencial, pedofilia, ato obsceno, apologia ao crime, preconceito ou discriminação. Já em relação aos crimes patrimoniais pode-se citar aqueles que atingem a propriedade industrial, intelectual, o plágio, o furto, a extorsão, a apropriação indébita, o estelionato, a pirataria e a comercialização ilegal de produtos, além da comercialização de armas e o tráfico de drogas, dentre outros.
Nesta esteira de mudanças na sociedade, o Direito Penal não poderia ficar estático no tempo, principalmente diante da presente criminalidade que se amoldou rapidamente à evolução tecnológica, devendo ser fiel ao retrato da ética social.
Resta, contudo, avaliar se a dogmática penal e processual penal atuais, assim como as formas de investigação, se prestam a proteger de forma suficiente os bens da vida mais relevantes e se conduzem a mecanismos eficientes de proteção e repressão dessas novas formas de criminalidade.
É evidente, portanto, que perante os riscos e contradições da era pós-industrial a delinquência informática passou a ser um fenômeno social que precisa ser controlado. Nesse prisma, necessário se faz a análise da atual legislação no que tange especificamente aos crimes cibernéticos.
2.LEIS ESPECÍFICAS A RESPEITO DOS CRIMES CIBERNÉTICOS
Devido ao princípio da legalidade ou da anterioridade da lei penal, a insuficiência ou a ausência de normal penal para tipificar os crimes informáticos limita o poder punitivo do Estado, o que por consequência gera a sensação de insegurança e impunidade, chamando cada vez mais atenção para a necessidade de controle e prevenção de tais condutas delituosas.
Embora nos últimos anos o Congresso Nacional tenha editado importantes leis que tratam dos chamados cybercrimes, o ordenamento jurídico brasileiro ainda se surpreende com situações para as quais não há precedentes, havendo diversas lacunas que ainda não foram sanadas pelo legislador.
Levando em conta a realidade brasileira em que a criminalidade pelo meio virtual cresce na mesma proporção que novas tecnologias digitais vem surgindo, a ausência de uma legislação penal específica para tratar de tais condutas ilícitas constitui um elemento estimulador para a prática dos ilícitos, conduzindo, assim, a sensação de descontrole e de impunidade.
Diante da inexistência de lei penal incriminadora de condutas ilícitas relativas aos crimes puramente informáticos, o poder punitivo estatal fica impossibilidade de agir, por contrariar o da reserva legal previsto no art. 5º, XXXIX da Constituição Federal. Tal princípio, traz ínsito a limitação e a taxatividade, em outras palavras, as leis que tipificam condutas como crime devem ser claras e precisar quanto à delimitação da conduta que pretende incriminar, não sendo permitidas leis vagas ou imprecisas, os chamados tipos penais abertos (DELMANTO, 2002).
Da mesma forma, representa decorrência do princípio da legalidade a vedação da aplicação da analogia jurídica, ou a analogia in malan partem, ou seja, nas hipóteses em que prejudica o réu. Nesse sentido, Mirabete (2005, p.115) afirma que a “tipicidade é a correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato natural concreto e a descrição contida na lei”. Assim, é requisito de validade a tipicidade penal, e somente esta autoriza punir os crimes informáticos.
Como já mencionado, no Brasil, as questões ligadas à repressão do cybercrime vêm sendo alvo de discussões, um tanto atrasadas em relações a outros países. De qualquer modo, o tema tornou-se objeto de estudos de muitos grupos interessados e do Poder Legislativo, que, recentemente, editou duas leis e ainda conta alguns projetos em tramitação que têm como objeto a criminalização de condutas ilícitas no âmbito do ciberespaço e em sistema de computadores.
Gradativamente foram, introduzidas no Código Penal Brasileiro e em leis esparsas dispositivos que criminalizam algumas práticas ilícitas através de tecnologias informáticas e internet. Conforme destaca CRESPO (2011, p. 63) as seguintes disposições:
a) Art. 153, §1º-A – Divulgação de segredo – que incrimina a conduta de quem divulga informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informação ou banco de dados da Administração Pública; (BRASIL, 1940, Art.153.§1-A)
b) Art. 313-A – Inserção de dados falsos em sistema de informação – que incrimina a inserção ou facilitação da inserção de dados falsos ou modificação de dados verdadeiros em sistemas de informação da Administração Pública, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem, ou para causar dano; (BRASIL, 1940, Art.313-A)
c) Art. 313-B – Modificação não autorizada de sistema de informação – que tipifica a conduta do funcionário que altera sistema de informação ou programa de informática sem autorização; (BRASIL, 1940, Art.313-B)
d) Art. 325, I – Violação de sigilo profissional – que prevê o ilícito de facilitar ou permitir o empréstimo ou uso de senha para acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informação da Administração Pública; (BRASIL, 1940, Art.325.I)
e) Lei 8069/90, arts. 241 a 241-E – que incriminam condutas como as de armazenar fotos com pornografia infantil, garantir o acesso a tais fotos, trocar, possuir, armazenar, adquirir, fotos igualmente pornográfico-infantis, entre outras condutas. (BRASIL, 1990, Art.241)
f) Lei 8137/90, art. 2º, V – que proíbe utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública; (BRASIL, 1990, Art.2.V)
g) Lei 9296/96, art. 10 – Interceptação não autorizada – que tipifica realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. (BRASIL, 1996, Art. 10)
h) Lei 9504/97, art. 72 – que incrimina o acesso não autorizado a sistemas da justiça eleitoral bem como a criação e inserção de vírus computacional nos sistemas de apuração e contagem de votos, ambos com o intuito de alterar o resultado do pleito. (BRASIL, 1997, Art. 72)
Ainda se pode mencionar as alterações no Código Penal Brasileiro ocasionadas pela inserção de novas infrações cibernéticas através da Lei 12.737/2012, apelidada de “lei Carolina Dieckmann”. Contudo, cabe esclarecer que a mencionada lei não abrangeu toda a gama de condutas delituosas existentes no mundo digital.
Além desta também se pode destacar as alterações no ECA (Lei 8.069/90), a Lei de Software (Lei antipirataria nº 9.609/98), a Lei de Racismo (Lei nº 7.716/89) e a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), compondo o conjunto das normas mais relevantes aplicáveis aos cybercrimes.
A legislação brasileira ainda conta a Lei 12.965, denominada de Marco Civil da Internet, em vigor desde 2014, que prevê princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, e que apesar de estabelecer sanções para alguma de suas normas, não prevê qualquer tipo de infração cibernética.
Sob este viés, pode-se dizer que há no Brasil uma carência de legislação pertinente, uma vez que o conjunto de normas brasileiras não acompanha as necessidades sociais, levando a sensação de insegurança nos meios virtuais.
A Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), é outra norma que prevê alguns crimes cibernético, porém, relaciona-se apenas aos crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social. A Lei de Software dispõe sobre a propriedade intelectual de programas de computador, mas também não prevê a prática de condutas delituosas online.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, além de dispor de rol de crimes em espécies, praticados através da internet contra a segurança, bem-estar e integridade física e moral da criança e do adolescente, também dispõe acerca dos procedimentos investigativos a serem realizados por agentes da polícia na internet, sendo um grande avanço na legislação.
3.AS PROBLEMÁTICAS ENFRENTADAS DIANTE DOS CRIMES VIRTUAIS
Devido aos crimes virtuais possuírem uma vasta amplitude, tanto no que tange ao seu conceito, como no que tange nas diversas áreas do direito material que pode atingir, em sendo ainda, um fenômeno relativamente novo para o judiciário, em que ainda não se possui legislação própria e concisa, diversas problemáticas são enfrentadas para a punição dos ilícitos virtuais.
Além da falta de legislação que se enquadre na prática de ilícitos virtuais, também se presencia problemática na falta de tecnologia e mão de obra especializada para o combate dos cybercrimes. No Brasil, desde que passou a ser utilizadas as mais diversas tecnologias, não houve preparos e investimentos para combater os ilícitos que já vinham sendo praticados através da internet, o que facilitou a prática de tais condutas, que vêm crescendo de forma assustadora nos últimos tempos.
Conforme afirmou Carlos Eduardo Sobral, chefe da unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos da Polícia Federal, o volume dos crimes que ocorrem no país hoje, supera o número de capacitados para realizar de forma rápida as investigações. (apud. Canuto, Luiz Cláudio, 2015)
Outro significativo problema enfrentado no que tange investigações diz respeito ao nosso ordenamento jurídico em que a sanção penal somente pode ser aplicada quando houver certeza da autoria e materialidade do crime, ou seja, de sua prática por determinado infrator ou ao menos a existência de fortes indícios de sua prática.
Nesse passo, caso consiga ser comprovada a materialidade e a autoria do delito, o juiz deverá absolver o réu, conforme aduz o artigo 386 do nosso Código de Processo Penal:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: I - Estar provada a inexistência do fato; II - Não haver prova da existência do fato; III - Não constituir o fato infração penal;IV - Estar provado que o réu não concorreu para a infração (...) V - Não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
(BRASIL, 1941, Art.386)
Deve ainda ser frisado que, além da comprovação da materialidade e da autoria, esta deve ser tida de forma lícita, em outras palavras, em conformidade com a lei, o que dificulta as investigações.
A polícia ao realizar as investigações criminais identifica primeiramente a forma como o delito ocorreu, o seu local, segundamente busca localizar o endereço do IP (número que identifica o dispositivo na rede). Após a identificação do IP, se entra em contato com a empresa que disponibiliza o número na rede para poder identificar o infrator. Neste momento, a polícia se depara com a primeira dificuldade, a proteção da privacidade e dados constante no artigo 5, inciso X e inciso XXII da Constituição Federal, o que na grande maioria das vezes acarreta uma demora vital para conseguir as provas necessárias. Referida demora é ocasionada pela necessidade de autorização do juiz para realizar as investigações e comunicações com as empresas responsáveis por armazenar as informações sobre o criminoso. (CRUZ, RODRIGUES, 2018)
Além do tramite demorado para ter acesso às informações do suspeito, as empresas que detêm tais informações ainda dificultam as investigações, uma vez que comumente se recusam a prestar auxílio a polícia e ao judiciário.
Outra problemática enfrentada, envolve a extensa amplitude dos cybercrimes, uma vez que estas condutas podem atingir diversos níveis sociais e econômicos, e ainda, pode envolver autor e vítima de jurisdições diferentes ou até mesmo de países distintos (GOMES, 2003), gerando dúvidas acerca de qual local seria o juízo competente e a legislação aplicável no caso.
Conforme CARDOZO (2017, s/p):
[…] ciberespaço é o território onde acontecem os crimes por meio do uso da rede de internet, é o lugar onde se realizam as condutas criminosas que dão vida aos crimes cibernéticos, onde estes são capazes de ultrapassar os limites territoriais de um país até chegar em outro, ou ainda atingir localidades dentro de um mesmo Estado, isso porque o meio virtual proporciona essa amplitude da criminalidade.
No que diz respeito a jurisdição aplicável, PINHEIRO (2006, s/p) aduz que:
[…] temos a problemática da jurisdição do ciberespaço, como aplicar e quem de aplicar a lei. Como vimos no capítulo I, enfrentamos na Internet um problema geográfico de desterritorialização, pois no ciberespaço não há fronteiras físicas, e, por isso, o conceito clássico de soberania do Estado acaba relativizado, assim como é o do tempo. Isto porque a integração mundial dos computadores é aproveitada por criminosos, munidos das tecnologias mais modernas, e isso tudo cria um espaço no qual as prescrições jurídicas nacionais são insuficientes, pois apenas a cooperação global na Internet pode trazer resultados positivos eficientes e duradouros. Problemas globais exigem soluções globais. Providências tomadas por países em âmbito nacional, ou por diferentes nações em âmbito global, devem ser harmonizadas entre si, já que as infovias são internacionais. Somente o trabalho conjunto em nível internacional e interdisciplinar (ou transdisciplinar) será eficiente para o ciberespaço. Não é uma tarefa exclusiva do Direito, tão menos podemos esperar, como foi no início da Internet, por uma auto-regulamentação.
Segundo o princípio da territorialidade expresso no artigo 5 do Código Penal (1940, s/p) “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratador e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional”. Nesse sentido, Capez (2017, p. 291) leciona que “[...] a lei penal só tem aplicação no território do Estado que a editou”. Dessa forma, deve-se verificar onde foi cometido o delito para saber se a legislação brasileira é aplicável ao caso.
No que tange a definição de lugar do crime, esta é estabelecida pelo artigo 6 do Código Penal (1940, s/p), o qual adotou a teoria da ubiquidade, na qual “[...] aduz que o lugar do crie será o da ação ou da omissão, bem como onde se produziu ou deveria produzir o resultado” (GRECO, 2012, p.22).
Já no que diz respeito à competência, apesar do artigo 70 do Código de Processo Penal (1942, s/p) descrever que a regra para a determinação da competência é feita em razão do lugar onde a conduta criminosa se consumou, ou se tratando de tentativa, do lugar em que foi praticado o último ato de execução, a sua aplicação não é tão simples quando envolve crimes virtuais, uma que o dispositivo somente se aplica nos casos em que a conduta e o resultado ocorreram em locais distintos dentro do território nacional (CAPEZ, 2017).
TOURINHO FILHO (2017, p. 92) explica que:
[…] Nem se pode, nem se deve invocar a regra do artigo 6º do CO, segundo a qual “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”, porquanto essa norma diz respeito, apenas e tão somente, às hipóteses em que se deve aplicar a lei brasileira, tendo em vista o ordenamento jurídico de outros Estados soberanos […] para que seja determinada a competência em razão do lugar em consonância com o previsto pela lei processual penal brasileira no tocante aos crimes cibernéticos, é necessário saber antes de qualquer coisa saber se o lugar onde se deu o resultado ou teve o último ato de execução do crime (tentativa) faz parte da composição do território nacional brasileiro.
Capez (2011) entende que sobre o crime a distância, ou seja, nos casos em que o crime se dá em um país e o resultado em outro, aplica-se a teoria da ubiquidade, e os no caso, os dois países seriam competentes para julgar o delito.
Apesar disso, ainda não existe uma definição concreta acerca da execução do crime no ambiente virtual. Por se tratar de um ambiente relativamente novo, o cybercrime ainda não possui conceituações claras, o que leva a uma insegurança jurídica e a uma sensação de impunidade do criminoso.
Nesse sentido critica o DESEMBARGADOR FERNANDO NETO BOTELHO (2011, s/p):
Essa engenharia do mal, que monopoliza o conhecimento (da computação sofisticada e dos protocolos de redes), cresce à sombra da impunidade gerada pela insuficiência regulamentar de desatualizados instrumentos legais do país, como o Código Penal de 2010. Para cuidar da nova realidade, só lei atualizada. A tecnologia, sozinha, não dará conta. Só a lei garante oportunidade de defesa e prova justa, próprias das Democracias amadurecidas.
Dessa forma, conclui-se que é questionável a possibilidade de aplicar aos crimes virtuais o disposto para os crimes a distância, e ainda, qual seria o tratamento legal que estes devem receber, uma vez que ainda é escassa a legislação brasileira existente acerca de tais delitos.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente artigo possibilitou demonstrar que a internet, embora tenha trazido benefícios para todos, também trouxe grandes prejuízos como a criminalidade virtual. Diante desse cenário, em que há uma curva crescente de crimes virtuais, a legislação penal e processual penal deve acompanhar a evolução tecnológica dos últimos tempos, com novos estudos e buscando a solução das diversas problemáticas enfrentadas pelo judiciário para solucionar e punir tais delitos virtuais.
A despeito de a legislação já trazer algumas regulamentações sobre os chamados cybercrimes através de algumas leis, estas não estão sendo eficazes, posto que ainda nos deparamos com o surgimento de novos crimes, casos em que a conduta delituosa não se enquadra na legislação existente até então. Para se evitar tal ocorrência, a legislação deve ser criada de forma antecipada à conduta delituosa e deve haver conscientização da população acerca das condutas ilícitas.
A falta de legislação ocasiona uma proteção deficiente para os usuários virtuais, o que leva o Código Penal a punir condutas relativas. A legislação não está avançando conforme a evolução tecnológica, tendo em vista que ainda existem condutas no âmbito virtual carentes de regulamentação.
Nesse sentido, pode-se concluir que o que vem causando a sensação de impunidade no que tange aos cybercrimes é, além da falta de legislação, a dificuldade da polícia de investigar, uma vez que falta equipamentos, mão de obra especializada para este tipo de delito, bem como um contato mais direto com o judiciário para mais agilidade na concessão de autorizações investigatórias.
Nesta era global que leva à constante falta de segurança que a rede possui para os usuários, o crime cibernético, que se tornou um problema, frisa-se, não só do Brasil, mas do mundo todo, deve ser visto como uma das lacunas da lei que merece prioridade por parte dos legisladores e dos operadores do direito, uma vez que a sua crescente ocorrência tem levado a sensação de impunidade dos infratores, deixando as vítimas sem amparo judicial.
Para tanto os legisladores devem se debruçar sobre os constantes casos ocorridos e criar novas leis que tipificam ou impõem novos procedimentos para o combate de tais delitos virtuais. Deve haver mais investimentos no que tange ao preparo tanto da população como de profissionais especializados para que se possa prevenir determinada condutas, bem como para que se possa gerar novos meios de investigação e assim levar a punição do criminoso.
REFERÊNCIAS
_______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 03 mar. 2022.
_______. Decreto-Lei No 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 03 mar. 2022.
_______. Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm>. Acesso em: 03 de mar. 2022.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Sairava, 2017.
CARDOSO, Lucas de Holanda M. O Direito na Era Digital: O cibercrime no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <https://cepein.femanet.com.br/extrafema/buscarTccCurso.jsp?id=2461>. Acesso em 04 de Março de 2022.
CARDOZO, Alexandro Gianes. Competência nos crimes cibernéticos Disponível em: <https://agianes.jusbrasil.com.br/artigos/514359859/competencia-nos-crimesciberneticos>. Acesso em: 05 março 2022.
CASSANTINI, Moisés de Oliveira. Crimes virtuais, vítimas reais. Rio de Janeiro: Brasport, 2016.
CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas. O cibercrime. São Paulo: Saraiva, 2011.
CRUZ, Diego; RODRIGUES, Juliana: crimes cibernéticos e a falsa sensação de impunidade. Disponível em <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/iegWxiOtVJB1t5C_2019-2-28-16-36-0.pdf>. Acesso em 05 de Março de 2022.
DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 6 ed. atual. e amp. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
FERREIRA, Ivette Senise. Direito & Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005.
GOMES, Flávio Luiz. Crimes informáticos. Disponível em: <www.direitocriminal.com.br>. Acesso em 05 mar. 2022.
GREGO, Rogério. Código Penal Comentado. 6. ed. Niterói: Impetus, 2012.
KAMINSKI, Omar. Internet Legal: O direito na tecnologia da informação. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2003.
MIRABETE. Julio Fabbrini. Manual do Direito Penal. 22. Ed. São Paulo: Atlas, 2005.
NOGUEIRA, Sandro D’Amato. Crimes de Informática. São Paulo. BH Editora, 2008.
PINHEIRO, Emeline Piva. Crimes virtuais: uma análise da criminalidade informática e da resposta estatal. Porto Alegre: PUCRS, 2006. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2006_1/emeline.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2022.
ROSA, Fabrízio. Crimes de Informática. 2. Ed. Campinas: Bookseller, 2006.
SCHEREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
VOINAROVSKI, Izabel Marthiela Lovo; MAGALHÃES, Thyago Alexander de Paiva. O Tratamento do cybercrime no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <https://www.fag.edu.br/upload/revista/direito/5db849cac6ef4.pdf>. Acesso em: 02 de mar. 2022.
Advogada Criminal. Pós-Graduada em Direito Público pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ). Pós-Graduada em Direito Penal e Processual Penal
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Patrícia Gomes. Crimes Cibernéticos: uma pesquisa bibliográfica sobre as problemáticas enfrentadas diante dos crimes virtuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 set 2022, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59098/crimes-cibernticos-uma-pesquisa-bibliogrfica-sobre-as-problemticas-enfrentadas-diante-dos-crimes-virtuais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.