RESUMO: O presente artigo discorre a respeito do procedimento de apuração de ato infracional que ocorre por meio do sistema de tipicidade delegada. Verificada a ausência de normativa específica em relação à prescrição da pretensão pedagógica, é necessário recorrer às decisões proferidas pelos Tribunais Superiores sobre essa questão.
Palavras-chave: criança e adolescente. Ato Infracional. Prescrição.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O procedimento de apuração do ato infracional em síntese. 3. A prescrição da pretensão pedagógica. 4. Conclusão. 5. Referências.
INTRODUÇÃO
O procedimento de apuração do ato infracional é previsto de forma expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, em seu estudo, é possível observar que existe uma verdadeira omissão quanto à questão da prescrição da pretensão pedagógica, aplicável aos casos de prática de atos infracionais. Sendo assim, diante da necessidade de se respeitar o direito à segurança jurídica, o devido processo legal e a própria vedação à imprescritibilidade como regra, é necessário adotar estratégias de interpretação, buscando por todo o ordenamento jurídico, normas cabíveis ao caso.
2. O PROCEDIMENTO DE APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL EM SÍNTESE
O Código Penal determina que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis (art. 27), sendo sujeitos à norma especial. Sendo assim, as crianças e adolescentes que praticarem atos ilícitos responderão conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentido, deve ser observado que a sistemática adotada nos procedimentos de apuração de atos infracionais é regida pelo princípio da tipicidade delegada. Esse instituto prevê que os atos praticados por crianças e adolescentes considerados como ilícitos serão aqueles ao menos tipificados para os adultos. Dessa forma, não há uma lei específica ordenando os atos a serem punidos nos termos do ECA, mas sim a utilização de atos infracionais análogos aos crimes já previstos em nosso ordenamento jurídico.
Diferenciando a responsabilização das crianças e dos adolescentes, o ECA prevê que, quando praticado ato infracional por aquelas, somente serão aplicadas as medidas de proteção previstas no art. 101 do ECA. De modo diverso, aos adolescentes serão aplicadas as medidas socioeducativas constantes no art. 112 do ECA.
Quanto às questões formais do procedimento de apuração de ato infracional, também haverá diferenciação se este for praticado por criança ou por adolescente.
Em razão da impossibilidade de se aplicar medidas socioeducativas às crianças, sua apuração será realizada pelo Conselho Tutelar do Município, nos termos do art. 136, I, do ECA, aplicando as medidas de proteção cabíveis ao caso.
De modo diverso, será instaurado um procedimento de apuração de ato infracional judicialmente, conforme dispõe a Seção V, do Capítulo III, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentido, após a apreensão em flagrante do adolescente, este será encaminhado à autoridade policial competente (art. 172 do ECA), sempre prevalecendo aquela que seja especializada para atendimento de adolescentes em conflito com a lei.
Assim, ao receber o adolescente que tenha cometido ato infracional com violência ou grave ameaça a pessoa, a autoridade policial deverá, segundo o disposto no art. 173:
I - lavrar auto de apreensão, ouvidos as testemunhas e o adolescente;
II - apreender o produto e os instrumentos da infração;
III - requisitar os exames ou perícias necessários à comprovação da materialidade e autoria da infração.
Não sendo o caso de ato cometido com violência ou grave ameaça, a lavratura do ato poderá ser substituída pelo boletim de ocorrência circunstanciada.
Havendo o comparecimento dos pais ou responsável, o adolescente será liberado pela autoridade policial, com assunção de compromisso e responsabilidade de sua apreensão ao Ministério Público (no mesmo dia ou no dia seguinte), exceto quando, em razão da gravidade do ato infracional e de sua repercussão social, deva o adolescente permanecer sob internação, como garantia da sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública (art. 174 do ECA).
Sendo liberado ou não pela autoridade policial, o adolescente deve ser apresentado ao Ministério Público (arts. 175 e 176 do ECA), momento em que será realizada a oitiva informal e, sendo possível, de seus pais ou responsável, vítima e testemunhas (art. 179 do ECA).
Após a oitiva informal, segundo o art. 180, o Ministério público poderá: (i) promover o arquivamento dos autos; (ii) conceder a remissão; (iii) representar à autoridade judiciária para aplicação da medida socioeducativa.
No caso de arquivamento ou concessão de remissão, os autos seguem para a homologação pela autoridade judiciária. Havendo discordância quanto à atuação do Ministério Público, o magistrado pode fazer a remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, que pode ratificar a atuação anterior, designar outro membro do Ministério Público ou oferecer diretamente a representação (art. 181, §2º, do ECA).
Havendo continuidade no procedimento por meio de representação do adolescente, a autoridade judiciária, no momento de recebimento da inicial, designará audiência de apresentação do adolescente e decidirá a respeito da manutenção ou decretação de internação provisória.
Nessa audiência inicial, o adolescente e seus pais ou responsável serão ouvidos, momento no qual o adolescente apresentará sua versão dos fatos e contará sobre sua condição social e história de vida.
Sendo o caso de continuidade da apuração, a defesa do adolescente apresentará defesa prévia e rol de testemunhas no prazo de 3 dias (art. 186, §3º, do ECA). Após, será designada audiência em continuação, para que sejam ouvidas as testemunhas, cumpridas eventuais diligências, juntado o relatório da equipe interprofissional, e apresentadas alegações finais no prazo de 20 minutos, prorrogáveis por mais 10.
A autoridade judiciária poderá sentenciar durante a audiência, ou sendo o caso de difícil elucidação, posteriormente.
3. A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PEDAGÓGICA
De análise do Estatuto da Criança e do Adolescente, podemos observar que a pretensão na apuração do ato infracional não possui regramento quanto a sua prescrição. Sequer há menção na referida lei a respeito de prazos, causas de interrupção ou de suspensão.
Apesar de aparentarem um caráter pedagógico e protetivo, as medidas socioeducativas, conforme dispõe a Lei do SINASE no art. 1º, §2º, I e III, também possuem um caráter retributivo e repressivo.
Além disso, são princípios previstos no ECA a intervenção precoce e a atualidade na aplicação da medida (art. 100, parág. ún., VI e VIII). Dessa forma, não há fundamentos para que a atuação estatal na apuração dos atos infracionais ocorra após longo período da prática do fato.
Diante da omissão legislativa, foi necessário recorrer aos Tribunais Superiores para evitar a violação da segurança jurídica, do devido processo legal, bem como da necessidade de celeridade na condução dos processos.
Em enunciado sumulado de nº 338, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que a prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas, de modo com que os artigos 109 a 119 do Código Penal, serão utilizados também no curso do processo de apuração de medida socioeducativa.
Nesse sentido, para a análise do prazo prescricional deve-se buscar os prazos de aplicação das medidas socioeducativas, assim como ocorre com os crimes regidos pelo Código Penal.
As medidas socioeducativas possuem os seguintes prazos:
a) prestação de serviços à comunidade - prazo máximo de 6 meses (art. 117 do ECA);
b) liberdade assistida - prazo mínimo de 6 meses (art. 118, §2º, do ECA);
c) regime de semiliberdade - prazo indeterminado (art. 120, §2º, do ECA), mas com o respeito do prazo máximo de 3 anos (art. 121, §3º, do ECA);
d) internação em estabelecimento educacional - prazo indeterminado (art. 121, §2º, do ECA), mas sob o prazo máximo de 3 anos (art. 121, §3º, do ECA).
Assim sendo, nos casos em que há um prazo determinado para a execução das medidas socioeducativas, como no de prestação de serviços à comunidade, seguirão o prazo do art. 109 do Código Penal, respeitada a diminuição de 1/2 prevista no art. 115 do CP, considerando que os adolescentes são menores de 21 anos.
A discussão é um pouco maior nos casos em que as medidas de internação não comportam prazo determinado. Existem 2 correntes para o estabelecimento do prazo nessa situação. A primeira, que define que será pela diferença de idade entre a atual e os 21 anos (período máximo de aplicabilidade do ECA na prática de atos infracionais). E a segunda, que determina que o prazo seguirá o máximo de 3 anos, estipulado no art. art. 121, §3º, do ECA.
O entendimento atual é pela segunda corrente, vejamos:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE LIBERDADE ASSISTIDA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA 338/STJ. PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO PUNITIVA RETROATIVA. 4 ANOS. NÃO OCORRÊNCIA. ENTENDIMENTO DISSONANTE DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
1. Somente na hipótese em que for reconhecida a prática de ato infracional análogo a crime que possua pena máxima in abstrato inferior a 3 anos (como delitos de menor potencial ofensivo), o julgador, para evitar a criação de situação mais gravosa ao adolescente, deve adotar o prazo prescricional aplicável ao imputável em idêntica situação. No caso concreto, foi reconhecida a prática de ato infracional análogo ao delito do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 - cuja pena máxima excede o limite de 3 anos estabelecido para a medida de internação. Nesse contexto, deve-se aplicar, por analogia, o prazo do art. 109, IV, do Código Penal reduzido pela metade, a teor do art. 115 do mesmo diploma legal, de modo que o prazo prescricional se consolidaria em 4 anos.
2. Nos termos do enunciado n. 338 da Súmula do STJ, a prescrição penal é aplicável nas medidas socioeducativas. Diante disso, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que, uma vez aplicada medida socioeducativa sem termo final, deve ser considerado o período máximo de 3 anos de duração da medida de internação, para o cálculo do prazo prescricional da pretensão socioeducativa, e não o tempo da medida que poderá efetivamente ser cumprida até que a envolvida complete 21 anos de idade (AgRg no REsp n. 1.856.028/SC, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 19/5/2020).
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp n. 1.920.059/SC, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 5/10/2021, DJe de 13/10/2021.) (grifo nosso)
Portanto, nos casos em que há aplicação de medidas socioeducativas de prazo indeterminado, deve ser utilizado o prazo máximo de 3 anos da internação, que, em análise ao art. 109, IV, do CP, aplicar-se-á o prazo prescricional de 8 anos, mas em razão da redução pela metade prevista no art. 115 do CP, totalizará 4 anos.
Por fim, quanto ao termo inicial, as causas impeditivas e interruptivas da prescrição, cabe ressaltar que serão aplicáveis na medida em que se adequar ao próprio processo de apuração de ato infracional.
CONCLUSÃO
De análise da legislação infanto juvenil, bem como das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, podemos observar que deve ser assegurada a segurança jurídica também ao procedimento de apuração de atos infracionais. Isso decorre justamente da ausência de justa causa para o processamento da representação quando o fato é bastante antigo, ocorrendo a perda da pretensão pedagógica. Se a possibilidade de punibilização do adolescente sem prazo máximo fosse permitida pelo ordenamento jurídico, evidentemente se trataria de violação aos princípios da atualidade e intervenção precoce, previstos no ECA. Ademais, deve ser destacada a condição peculiar de desenvolvimento das crianças e adolescentes, considerando que sua situação social muda rapidamente e passam por um processo de amadurecimento em um curto espaço de tempo. Assim, muitas vezes pela demora do Estado em exercer seu papel investigativo-punitivo nos atos infracionais, o adolescente não mais se encontra em situação de risco, razão pela qual deve ser reconhecida a perda da pretensão pedagógica.
5. REFERÊNCIAS
BRASIL, Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. DOU, 31.12.1940, Brasília.
BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. DOU, 16.7.1990, Brasília.
BRASIL, Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera as Leis nºs 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis nºs 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. DOU, 19.1.2012, Brasília.
CUNHA, Rogério Sanches. Na medida socioeducativa aplicada sem termo, o prazo prescricional deve ter como parâmetro a duração máxima da internação. 2020. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2020/06/25/672-na-medida-socioeducativa-aplicada-sem-termo-o-prazo-prescricional-deve-ter-como-parametro-duracao-maxima-da-internacao/#:~:text=A%20prescri%C3%A7%C3%A3o%20tamb%C3%A9m%20atinge%20os,autor%20na%20data%20do%20fato. Acesso em: set. 2022.
Advogada especialista em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PARREIRA, Ana Laura Baiocchi de Souza. A prescrição no procedimento de apuração de ato infracional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2022, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59206/a-prescrio-no-procedimento-de-apurao-de-ato-infracional. Acesso em: 23 dez 2024.
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