RICARDO ALEXANDRE RODRIGUES GARCIA
(orientador)
Resumo: O presente artigo tem como objetivo levantar sobre a educação responsável para crianças e adolescentes, respeitando os princípios básicos descritos na Constituição Federal e na Lei da Infância e Juventude, a fim de garantir o desenvolvimento saudável dos filhos menores e coibir qualquer forma de negligência, principalmente afetivamente. Foi realizada pesquisas bibliográficas, em sites, doutrinas e jurisprudência para um melhor entendimento sobre o tema tanto do campo do direito quanto da psicologia. O objetivo do artigo é explanar de maneira clara e concreta sobre abandono afetivo e a responsabilidade civil dos pais desde que comprovado o dano à integridade psíquica e moral dos filhos segundo o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Entretanto, há uma análise da questão da responsabilidade civil e a discussão de sua frequência nas relações afetivas, especialmente nas relações pai-filho, apresentando os posicionamentos favoráveis e contrários da doutrina e da jurisprudência sobre o assunto.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Abandono Afetivo. Criança e Lei.
Abstract: This article aims to survey responsible education for children and adolescents, respecting the basic principles described in the Federal Constitution and in the Childhood and Youth Law, in order to guarantee the healthy development of minor children and to curb any form of neglect, especially affectively. Bibliographic research was carried out on websites, doctrines and jurisprudence for a better understanding of the subject both in the field of law and psychology. The objective of the article is to explain in a clear and concrete way about affective abandonment and the civil responsibility of the parents since the damage to the psychic and moral integrity of the children is proven according to the Civil Code and the Statute of the Child and Adolescent. However, there is an analysis of the issue of civil liability and a discussion of its frequency in affective relationships, especially in parent-child relationships, presenting the favorable and contrary positions of doctrine and jurisprudence on the subject.
Keywords: Civil responsability. Affective Abandonment. Child and Law.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal garante às crianças e aos jovens o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à qualificação profissional, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à família e à comunidade com absoluta prioridade e os protege de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A transição da família como unidade econômica para uma compreensão solidária e afetiva voltada à promoção do desenvolvimento pessoal de seus membros traz consigo a afirmação de uma nova característica, agora pautada na ética, no afeto e na solidariedade.
Com o desenvolvimento da doutrina da proteção integral, que transformou a criança em sujeito de direitos, destinatário de tratamento especial, o conceito de poder familiar ganhou um novo significado e deixou de sentir predominância, sinônimo de proteção, com mais características de deveres e obrigações dos pais para com seus filhos menores do que direitos para com eles.
O princípio da proteção integral da criança e do jovem está indissociavelmente ligado aos princípios da dignidade humana, da paternidade responsável, da convivência familiar e do afeto e são diretrizes destinadas a orientar o comportamento dos pais na formação da educação e educação de seus filhos.
Apoiando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, muitas crianças atualmente recorrem à justiça para buscar reparação civil de seus pais pelos danos psicológicos que lhes foram causados pela privação de afeto e educação para a convivência.
2. A FAMÍLIA NA PERSPECTIVA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
No Brasil, desde o período colonial até meados do século XIX, as famílias brasileiras eram numerosas, incluindo não só o casal e seus filhos, mas também parentes e até escravos. O grande número de pessoas nas casas dificultava a aproximação sentimental de seus membros, dificultava a privacidade familiar e desestimulava vínculos afetivos.
Portanto, não houve maior proximidade entre pais e filhos, nem preocupação com a subjetividade ou individualidade das crianças, pois seus direitos, como os das mulheres, foram reduzidos pela inegável prevalência do pai/cônjuge sobre os outros membros da família.
Com a industrialização houve migração da população para os centros urbanos e aumento da necessidade de mão de obra, levando as mulheres a ingressarem no mercado de trabalho. A família passou a ocupar espaços menores, tornou-se nuclear, formada essencialmente por pais e filhos, provocando uma reaproximação entre seus membros e a valorização dos vínculos afetivos entre eles.
Os avanços tecnológicos e culturais que se seguiram à Revolução Industrial provocaram mudanças nos costumes e a formação de novos núcleos familiares ao lado dos já existentes. E a Constituição Federal de 1988 reflete a sociedade atual moldada por esses avanços.
Contudo, diante das novas aspirações da sociedade, sentiu-se a necessidade de incluir em seu texto, matérias até então sujeitas à legislação civil ordinária, como os institutos da família, da propriedade, dos contratos, entre outros.
À época, a Carta Magna tinha a tarefa de unificar o sistema, superando a dicotomia entre direito público e direito privado e estabelecendo princípios que abrangiam todas as áreas do direito.
Assim, princípios como dignidade humana, solidariedade social e igualdade passaram a demarcar os limites da autonomia privada, direcionando relações que até então eram tratadas exclusivamente no âmbito do direito privado, estabelecendo os parâmetros básicos de interpretação, promovendo uma verdadeira reconstrução da dogmática jurídica (ROSENVALD, 2006).
De fato, a Constituição brasileira de 1988 deu oxigênio aos institutos e conceitos do direito civil, reformulou-os em sua estrutura e, consequentemente, reorganizou os parâmetros que sustentavam a família do Código Civil que perdeu seu caráter hereditário e passou a valorizar as pessoas que compunham o seu corpo e para proteger a dignidade da pessoa humana, que se estabeleceu como fundamento da República. Rosenvald ensina (2010, p.32):
Percebe-se que o Direito Constitucional afastou-se de um caráter neutro e indiferente socialmente, deixando de cuidar apenas da organização política do Estado para avizinhar-se das necessidades humanas reais, concretas, ao cuidar de direitos individuais e sociais.
A família passou a ser vista como um instrumento de auto realização humana colocado no cerne do ordenamento jurídico (DIAS, 2009).
A Carta Magna equilibra os direitos do homem e da mulher, trata-se dos filhos nascidos do casamento ou não, e passa a reconhecer implicações legais para outros modelos de família, além do casamento e separando a família do casamento, conforme previsto no artigo 226, § 3º a 5º e art. 227, §6º, in verbis:
Art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado (...)
§3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos igualmente pelo homem e pela mulher
Art. 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...)
§6º Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
A família tornou-se plural, solidária, lugar de realização dos desejos e aspirações de seus membros, unidos no objetivo da felicidade (DIAS, 2009).
Entretanto, não faz mais sentido defender a constituição da família por outros motivos que não a busca da realização de seus membros (compreensão eudemonística da família). Deu a evolução da ideia de instituição familiar, com proteção justificada por si mesma, ao conceito de família, instrumento de desenvolvimento da pessoa humana, na medida em que promove dignidade, igualdade material e proteção.
3. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
Na organização jurídica da família, ganha dimensão e importância o princípio jurídico do afeto, que é o grande norteador do direito de família contemporâneo (DIAS, 2009).
Embora a palavra afeto não esteja expressamente incluída na Constituição Federal de 1988, o princípio jurídico do afeto se manifesta em diversas passagens do texto constitucional, como por exemplo, 226, parágrafo 8º, que dispõe que: O Estado prestará assistência à família na pessoa de cada membro e estabelecer mecanismos para coibir a violência em seus relacionamentos.
Como já mencionado, houve uma mudança significativa na concepção de família, de abrangente, patrimonializada e hierarquizada para nuclear, igualitária, pluralista, solidária e baseada no afeto.
Hoje, a família é compreendida como um espaço de promoção da personalidade e desenvolvimento de seus membros com base no afeto e na solidariedade, ou seja, a unidade familiar atual deve ser vista como um grupo social que se baseia essencialmente no afeto (ROSENVALD, 2010).
Contudo, para Dias (2009), a consagração do afeto o torna um verdadeiro direito fundamental que norteia os direitos das famílias.
Sobre a importância do afeto nos relacionamentos familiares, discorre Madaleno (2009, p. 65):
O afeto é mola propulsora dos relacionamentos familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão-somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto.
E esse carinho expressa a confiança esperada dos familiares e o respeito à sua dignidade, tornando suas vidas mais intensas e genuínas. Assim, os membros de uma família nuclear, e aqui entendido o termo plural família, devem agir eticamente de modo a respeitar as peculiaridades de seus membros e não violar a confiança natural no outro.
Em outras palavras, a confiança é um elemento essencial da vida social e da ordem jurídica, e é do interesse do sistema jurídico protegê-la impondo uma obrigação legal de não se envolver em comportamentos contrários aos interesses e expectativas levantadas em outros.
A afetividade deve, portanto, ser acompanhada da lealdade de seus membros, boa-fé e confiança, o que implica respeito e consideração mútuos (ROSENVALD, 2010).
Segundo lição de Teixeira (2009, p.38):
O principio da afetividade funciona como um vetor que reestrutura a tutela jurídica do Direito de Família, que passa a se ocupar mais da qualidade dos laços travados nos núcleos familiares do que com a forma através da qual as entidades familiares se apresentam em sociedade, superando o formalismo das codificações liberais e o patrimonialismo que delas herdamos.
Com base nesse princípio, as distinções discriminatórias entre os filhos não mais se justificam, pois a nova família deve representar uma comunidade de afetos, baseada na tolerância de seus membros, na pluralidade, na diversidade.
Afinal, hoje não são os laços de sangue que determinam o verdadeiro pertencimento, mas o afeto construído, pois a verdade biológica pode não expressar a verdadeira paternidade e a existência desse parentesco socioafetivo pode ser constatada a partir da comprovação dos pré-requisitos para possuir o status de filho (nome, tratamento e fama).
4. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL A CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O artigo 227 da Constituição Federal confere às crianças e aos jovens o direito absoluto à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à formação profissional, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, bem como à proteção contra todas as formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A doutrina da proteção integral da criança e do jovem fez da criança um sujeito de direito e lhe conferiu um tratamento especial que merece absoluta prioridade por parte da família, da sociedade e do Estado. Esse princípio está intimamente ligado aos princípios da dignidade da pessoa humana da paternidade responsável e do planejamento familiar, diretrizes que devem nortear o comportamento dos pais na criação de seus filhos.
Hoje, a criança é considerada um sujeito de direito, uma pessoa em desenvolvimento, portadora dos direitos fundamentais previstos na Carta Magna e, portanto, merece proteção especial. Seus interesses devem ser priorizados pelo Estado na promoção de políticas públicas voltadas para esse público, pelos órgãos de aplicação da lei na decisão de que melhor satisfaça esses interesses, pela família e pela sociedade, respeitando sua condição de pessoa em desenvolvimento (MADALENO, 2009).
Sobre este principio, discorre Dias (2009, p. 546-547):
A maior atenção as pessoas até os 18 anos de idade ensejou uma sensível mudança de paradigma, tornando-se o grande marco para o reconhecimento dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Visando a dar efetividade ao comando constitucional, o ECA é todo voltado ao melhor interesse de crianças e jovens, reconhecendo-os como sujeitos de direito e atentando mais às suas necessidades pessoais, sociais e familiares, de forma a assegurar seu pleno desenvolvimento.
O referido princípio se manifesta em diferentes momentos, por exemplo, quando se encontram os direitos de guarda ou visitação, além dos requisitos para sua formação e desenvolvimento da personalidade em geral.
5. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
Para a vida em sociedade, o ordenamento jurídico estabelece uma série de regras e obrigações, cuja violação constitui o ilícito e, portanto, a obrigação legal de reparar em caso de dano.
Segundo Diniz (2007), o problema da responsabilidade civil surge a todo o momento, pois qualquer atentado que o homem sofra em relação à sua pessoa ou ao seu patrimônio constitui um desequilíbrio moral ou patrimonial que permite a criação de soluções ou remédios através do ordenamento jurídico legal, uma vez que a lei não pode tolerar crimes irremediáveis.
Segundo Cavalieri Filho (2008), a responsabilidade pressupõe uma obrigação legal existente, uma obrigação descumprida. Assim, qualquer comportamento humano que cause dano a outrem em violação de um dever legal originário é fonte de responsabilidade civil.
Essa obrigação é amparada pelo princípio do não dano neminem laedere previsto no direito romano, que representa o limite da liberdade individual na vida social.
A responsabilidade civil representa, portanto, uma obrigação derivada, uma obrigação legal sucessiva de assumir as consequências jurídicas de um fato, cujas consequências (reparação pessoal e/ou punição pessoal do agente) podem variar de acordo com os interesses lesados (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2011, p.45).
O Código Civil de 2002 reproduz a obrigação de indenizar no art. 927, in verbis:
Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
O delito ocorre quando alguém causa danos a outros por meio de ato ou omissão intencional (conduta dolosa), negligência (incumprimento de um regulamento que exige agir com cuidado), má conduta (incapacidade de realizar um ato específico) ou descuido (conduta cuidadosa).
De acordo com o disposto no art. 186 do Código Civil de 2002, textualmente:
Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Desta forma, pode ser visto a partir da leitura da artigo 927 parágrafo único do Código acima mencionado, que o conceito de reparação é mais amplo do que o de responsabilidade civil, uma vez que há casos de indenização de prejuízos com base no risco objetivamente considerado.
Com base nestas considerações, Diniz (2007, p.34) define a responsabilidade civil como:
A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de fato de coisa ou animal sob sua guarda, de pessoa por quem ele responde, ou ainda, de simples obrigação legal.
Essa definição retém em sua estrutura a ideia de culpa ao considerar a existência de um ato ilícito (responsabilidade subjetiva) e a de risco, ou seja, responsabilidade sem culpa, sendo esta última impensável na antiguidade, conforme análise histórica a seguir.
6. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
A responsabilidade civil divide-se em responsabilidade contratual e extracontratual. O contratual é uma pré-vinculação, uma relação jurídica entre as partes que as obriga a cumprir obrigações anteriormente assumidas. Isso significa que há uma violação de dever decorrente de um negócio jurídico celebrado entre as partes contratantes.
Em caso de incumprimento total ou parcial da obrigação, bem como em caso de incumprimento, o devedor responderá pelos danos sofridos, salvo se a sua culpa não puder ser comprovada. No caso de responsabilidade contratual, a culpa é geralmente presumida e o ônus da prova é invertido. Se o credor pede indenização, não precisa provar, basta encontrar o devedor em mora (DINIZ, 2007).
Dependendo do tipo de obrigação assumida no contrato, no entanto, a compensação deve ser feita. Se o empreiteiro assumiu a obrigação de alcançar determinado resultado (obrigação de resultado), como no exemplo do construtor que se comprometeu a realizar uma obra determinada e determinada e não obteve êxito, a culpa é presumida e o credor apenas para provar, que o trabalho não foi realizado para reclamar danos.
Nestes casos, se a obrigação não for cumprida e o resultado não for alcançado, o devedor é obrigado a reparar o dano. Quanto à obrigação de meios, como o médico (com exceção do cirurgião plástico, pois a jurisprudência nestes casos entende que a obrigação que assumem é de resultado) quem se obriga a cuidar do paciente não está relacionado com a curando, portanto, com o resultado, cabe à vítima provar a culpa, ou seja, que o resultado pretendido não ocorreu porque o contratante não executou os cuidados a que estava obrigado (CAVALIERI FILHO, 2008).
7. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA
A responsabilidade subjetiva não tem sido capaz de dar conta de todas as situações do cotidiano, principalmente após a Revolução Industrial, os avanços tecnológicos, a produção em massa e o crescimento demográfico das cidades, que culminou na proliferação dos acidentes de trabalho, no transporte e indústria, o que torna cada vez mais difícil provar a culpa.
Todavia, criando responsabilidade civil objetiva para prevenir injustiças e possibilitar que mais vítimas sejam indenizadas sem prova de culpa (NADER, 2010). Foi determinado que certas atividades, por serem potencialmente danosas, não exigem prova de culpa para estabelecer a compensação. Nesses casos, se uma determinada pessoa sofrer mais danos do que o resto da comunidade, ela deve ser indenizada.
Esta modalidade de reparação sem culpa, segundo o ensinamento de DINIZ (2007, p.50-51): “baseia-se num princípio de equidade que existe desde o direito romano: quem lucra com uma situação deve responsabilizar-se pelo risco ou pelas desvantagens resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda)”.
Com tal responsabilidade baseada no risco da atividade, o lesado não tem que provar culpa apenas o dano e o nexo de causalidade. Nessas situações, para Cavalieri Filho (2008, p.536), não há que se falar em responsabilidade civil, pois o representante não descumpre nenhuma obrigação legal, mas a lei age de acordo. Nesses casos, existem danos equitativos, pois não se considera justo permitir que o lesado seja sacrificado sem indenização para satisfazer um direito do agente.
Um exemplo de atividade lícita que gera a obrigação de indenizar o dano é o estado de aflição, porque quando o autor age nesta situação, a pessoa que sofre o dano não é quem dá direito à pessoa que causou o perigo a indenização, e o autor do ato é livre para atribuir retroativamente ao perigo terceiro a importância que ele atribuiu ao lesado. Outro exemplo é o do art. 188, I e 930, parágrafo único do Código Civil.
A responsabilidade subjetiva encontra sua justificativa na culpa ou má-fé em ato ou omissão que lesa determinada pessoa. Assim, para que surja a obrigação de remediar a situação, é necessário que haja culpa do intermediário, ou seja, cabe ao lesado provar que o lesado agiu de forma descuidada, negligência ou imperícia (DINIZ, 2007).
Nota-se que da pena de Talião à teoria do risco dos dias atuais, a evolução da responsabilidade civil parece ter sido lenta e gradual, sempre com o objetivo de remediar as injustiças e permitir o pagamento de indenizações às vítimas. O conceito de dano, que antes se limitava ao aspecto material e agora se estende ao dano imaterial, inclusive na esfera familiar, também é de grande importância para o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana, expresso por o respeito aos direitos inerentes à personalidade como guia de interesses até então inimagináveis.
8. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS GENITORES PELO ABANDONO AFETIVO
Os direitos da criança são constitucionalmente protegidos na forma de princípios: dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da Constituição Federal), direito à convivência familiar (art. 227, caput), responsabilidade dos pais, planejamento familiar (art. 226 § 7 B-VG) e prioridade absoluta para crianças e jovens.
Com pais separados, ou mesmo que nunca tenham morado juntos (pais ou mães solteiros), muitos pais, apesar das responsabilidades de poder familiar inalterada, negligenciam seus filhos, apenas se preocupam com o pagamento de pensão alimentícia e os abandonam de maneira afetiva.
Esta situação de negligência pode causar traumas e danos psicológicos nas crianças, que ao longo do tempo são difíceis de eliminar, uma vez que as leis civis e de família possuem mecanismos próprios para punir os pais que não cumprem a autoridade parental, como a pena de perda ou suspensão do poder familiar.
No entanto, essas vítimas de abandono afetivo têm demandado com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, do afeto e da paternidade responsável para obterem indenização civil de seus pais pelos danos psicológicos causados pela privação de afeto e convivência. em sua educação. E este capítulo se propõe a analisar detalhadamente se essa questão pode ser resolvida no campo da responsabilidade civil.
9. DEVERES DOS GENITORES NA FORMAÇÃO DOS FILHOS
Conforme já analisado, do ponto de vista Constitucional, a família possui uma conotação solidária e afetiva que tende a favorecer o desenvolvimento pessoal e o respeito aos direitos fundamentais de seus membros. Precisa criar um espaço de realização da afetividade onde seus membros se sintam acolhidos e amados.
Na relação pai-filho, o afeto encontra refúgio na regulamentação constitucional do direito à dignidade do menor, da convivência familiar e da proteção integral da criança e do jovem. Não se trata, portanto, de uma mera recomendação ética, mas de uma diretriz destinada a orientar as relações entre pais e filhos e jovens, que, justamente pela natureza do homem em sua gênese, merecem essa atenção especial da personalidade.
De fato, a validade e a realização das emoções dependem das condições, e é essa convivência que permite que esses vínculos se desenvolvam e saiam do plano da subjetividade individual para estabelecer a intersubjetividade. Portanto, deve ser dada a importância da convivência, que está em consonância com os direitos de personalidade dos menores e confirmadas na constituição Regulamentação Federal e da Criança e do Adolescente e Assuntos Relacionados à Custódia de Menores (GROENINGA, 2010).
A convivência não representa apenas a intimidade, a presença física, mas também tem significado substancial ou qualificado na prestação de atenção, afeto, amor e, em suma, direção do afeto (ROSSOT, 2009).
O reconhecimento e importância do afeto no ordenamento jurídico também está no art. § 28 par. 2 Lei da Infância e Juventude, que estabelece a seguinte redação em caso de pedido de colocação em família substituta: Na apreciação do pedido, deve ter-se em conta o grau de parentesco e de parentesco ou afetividade, a fim de evitar ou reduzir a consequências da medida.
Estabelece-se que não basta fornecer bens materiais aos filhos, para alimentá-los, é preciso fornecer-lhes outros componentes igualmente ou mais importantes para a formação saudável de uma pessoa, como cuidado, afeto, atenção (NADER, 2010).
No exercício do papel de pai e mãe, devem agir de forma ética e responsável em benefício dos filhos, de modo a assegurar o respeito dos direitos fundamentais da dignidade, da convivência familiar e da proteção integral, de modo a promover a educação e o desenvolvimento não em perigo as crianças.
Nas palavras de Pereira (2011, p. 117): ser pai/mãe exige parentalidade, disciplina, convivência e respeito. A paternidade é uma função na qual se insere a construção do amor paterno-filial, com base no físico, desenvolvimento mental, moral, intelectual, cultural e social da pessoa que está sendo treinada.
Mesmo a dissolução da aliança dos pais não é adequada para alterar a relação entre pais e filhos e o cuidado parental na acepção do art. 1.632 do Código Civil, literalmente: a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável alteram a relação entre pais e filhos.
Esse dispositivo reafirma a preocupação do ordenamento jurídico constitucional e ordinário em proteger as relações entre pais e filhos, a fim de preservar e promover a convivência entre eles.
A fim de salvaguardar o direito à convivência familiar e, assim, proteger o pleno desenvolvimento físico, mental e psicológico das crianças, a legislação nacional prevê alguns mecanismos a serem utilizados no caso de pais que não estejam sob o mesmo teto. São eles a regulamentação dos direitos de contato e o estabelecimento da guarda em benefício da criança/adolescente.
10. ABANDONO AFETIVO
A responsabilidade parental nem sempre é bem compreendida, levando muitos pais a distanciarem-se conscientemente dos filhos após a separação do casal, negligenciando os deveres de apoio moral, psicológico e afetivo.
Mesmo em situações em que a relação parental nunca existiu (famílias monoparentais), muitos pais abandonam afetivamente os filhos sem exercer o direito de visita e os negligenciam na sua criação e estilo de vida.
Acerca do abandono moral dos genitores, Madaleno (2009, p. 310) disserta:
Dentre os inescusáveis deveres paternos figura o de assistência moral, psíquica e afetiva, e quando os pais ou apenas um deles deixa de exercitar o verdadeiro e mais sublime de todos os sentidos da paternidade, respeitante a interação do convívio e entrosamento entre pai e filho, principalmente quando os pais são separados ou nas hipóteses de famílias monoparentais, onde um dos ascendentes não assume a relação fática de genitor, preferindo deixar o filho no mais completo abandono, sem exercer o direito de visitas, certamente afeta a higidez psicológica do descendente rejeitado.
Várias situações podem caracterizar esse abandono: alguns pais ainda acreditam que sustentar seus filhos pagando pensão é suficiente para eliminá-los da responsabilidade sem se preocupar em visitá-los, supervisionar sua criação ou dar-lhes carinho. Outros, muitas vezes por nunca terem morado com a mãe/pai da criança, acreditam que se não moram com a criança, estão isentos das responsabilidades alimentares.
Em outros casos, à medida que os casamentos se desintegram e ocorrem as uniões estáveis, os pais não guardiões ignoram seus filhos à medida que os filhos emergem dessas relações e passam a exercer a paternidade sobre o novo parceiro ou os filhos do novo parceiro de maneira mais efetiva. Muito melhor do que estar com seus filhos biológicos, deixando-os abandonados.
Além disso, a omissão intencional dos pais não guardiães em visitar o filho, muitas vezes motivada por um sentimento de vingança contra o ex-cônjuge, pode representar uma hipótese de abandono afetivo, levando os filhos a se sentirem rejeitados e autodestrutivos. Apreciação (NADER, 2010).
Em todas essas situações percebe-se o traço distintivo do abandono afetivo, que consiste no descaso consciente com a criação, educação e convivência com os filhos, o que pode ser prejudicial ao desenvolvimento dessas crianças (Madaleno, 2009).
De fato, a psicologia mostra que o fracasso e o afastamento do pai podem desenvolver sintomas de rejeição, baixa autoestima, insucesso escolar e consequências ao longo da vida que afetam a vida profissional e social desses futuros adultos.
Sobre as consequências da conduta de pais negligentes, Gomide (2004, p.69), constata:
A negligência é considerada um dos principais fatores, senão o principal, a desencadear comportamentos antissociais nas crianças. E está muito associada à história de vida de usuários de álcool e outras drogas, e de adolescentes com o comportamento infrator.
Ainda de acordo com o autor acima, a criança negligenciada é insegura e por não ter recebido carinho, é frágil. Alguns se comportam de forma apática, outros de forma agressiva, mas nunca uniformemente (GOMIDE, 2004).
Conforme Nader (2010, p. 262):
A vida na idade adulta e a formação deste ser resultam de experiências vividas ao longo da vida, mormente no ambiente familiar, especialmente na infância e adolescência (,,,) Se a criança cresce em um ambiente sadio, benquista por seus pais, cercada de atenção, desenvolve naturalmente a autoestima, componente psicológico fundamental ao bom desempenho escolar, ao futuro sucesso profissional e ao bom relacionamento com as pessoas.
Segundo Diniz (2010), para muitas crianças, a falta de um dos pais significa perda de proteção, companheirismo, afeto e recursos econômicos, o que pode levar à delinquência juvenil, ao fracasso escolar e ao uso de drogas.
11. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ABANDONO AFETIVO
Conforme previsto no art. 1.637 e 1.638 do Código Civil de 2002, se os pais não dirigirem a educação dos filhos menores de forma responsável, sem respeitar o disposto na Constituição, poderão ser punidos com a destituição ou suspensão do poder familiar:
Art. 1637: Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou ao Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
O questionamento que se faz é se estas medidas não acabariam por premiar o genitor infrator, prejudicando e deixando sem resposta a questão da reparação civil por abandono, pois como já se viu aos filhos em formação é de fundamental importância o convívio saudável com seus genitores, o afeto, o sentimento de acolhimento.
12. CONCLUSÃO
A Carta Magna de 1988 atualizou fundamentalmente o conceito jurídico de família brasileira, com as mudanças mais importantes incluindo igualdade entre cônjuges, filhos que podem ou não ser produzidos por casamento, reconhecimento de parcerias de longa duração e famílias monoparentais, e plena Proteja as crianças e os jovens.
A paternidade deve ser entendido com responsabilidade como um ato consciente de proteção dos direitos da criança garantidos constitucionalmente, pois o ser humano é formado a partir de vivências no ambiente familiar, principalmente na infância e adolescência.
Portanto, há a necessidade de restabelecer a parentalidade responsável para trazer uma mudança cultural em uma sociedade onde muitos pais só cuidam nos finais de semana e, quando o fazem, negligenciam seus próprios filhos, muitas vezes em benefício dos filhos dos pais, novos parceiros.
O planejamento familiar e a paternidade responsável devem ser encorajados e bem compreendidos para que crianças inocentes não sejam negligenciadas por aqueles que não querem ou não estão interessados em ser pais. Esta consciência do verdadeiro papel dos pais na educação das crianças e dos jovens irá certamente ajudar a proteger o bem-estar e o desenvolvimento das crianças num ambiente saudável e equilibrado, tornando-as melhores adultos.
Por derradeiro, a reparação tem o poder de indenizar a criança ofendida, ao mesmo tempo em que pode atuar como sanção para o genitor causador do dano e alertar os demais pais sobre tal abuso para diminuir a ausência da afetividade, promovendo assim uma nova compreensão da família e da sociedade.
13. REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição. República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF. Senado Federal, 1988. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 14 set. 2022.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 7º volume: responsabilidade civil, 21 ed, São Paulo:Saraiva,2007.
ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves. Direito das Famílias. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Iures, 2010.
ROSSOT, Rafael Bucco. O afeto nas Relações Familiares e a Faceta Substancial do Princípio da Convivência Familiar. In: Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões/Edições/09 – Abril/Maio 2009 – Porto Alegre: Magister.
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NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Vol. 7: Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
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bacharelando em Direito pela UNIFUNEC - Centro Universitário de Santa Fé do Sul
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FOSCHI, Leonardo de Souza. Responsabilidade Civil ao Abandono Afetivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59306/responsabilidade-civil-ao-abandono-afetivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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