Resumo: O presente artigo tem como ponto central a discussão em torno da possibilidade de execução da pena privativa de liberdade, denominada como “prisão pena", antes do trânsito em julgado, focando-se majoritariamente em sua execução após sentença condenatória proferida em grau de segunda instância, respeitando-se o duplo grau de jurisdição. Para o delineamento dos argumentos expostos na reflexão que se propõe no trabalho a seguir, será necessária a contraposição do tema central discutido diante do princípio da presunção de inocência, indispensável para o devido processo legal dentro da teoria garantista, e dos recursos concomitantes, bem como a revisitação dos principais entendimentos compreendidos e utilizados após a Constituição de 1988 e os julgados pretéritos e recentes da Suprema Corte Brasileira, objetivando, desta forma, compor uma linha do tempo que demonstre a evolução do raciocínio jurídico à luz das normativas vigentes até a contemporaneidade, incluindo, para fins de debate, Propostas de Emenda à Constituição (PEC) e Projeto de Lei com o intuito de modificar-se a legislação.
Palavras-chave: prisão pena. sentença. princípio da presunção de inocência. suprema corte brasileira. constituição.
Abstract: The following article has as it central point the discussion on the possibility of executing a lawful sentence that deprives of liberty, commonly called "prison penalty", before the sentence becomes definitive with the depletion of all appeals, focusing mainly on its execution after a conviction uttered at the second instance level, respecting the double degree of jurisdiction. In order to outline the arguments exposed in the reflection proposed in the article below, it will be necessary to counterpose the central theme discussed in the light of the principle of presumption of innocence, essential for due legal process within the garantist theory, and concomitant appeals, as well as revisiting the main understandings comprehended applied after the Constitution of 1988 and the past and recent judgments of the Brazilian Supreme Court, aiming, in this way, to compose a timeline that demonstrates the evolution of the legal reasoning in the light of current regulations, including, for debate purposes, Proposals for Amendment to the Constitution and Bill of Law with the goal of modifying the legislation.
Keywords: prison penalty. sentence. principle of presumption of innocence. brazilian supreme court. constitution.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 2.1. O Princípio da Presunção de Inocência. 2.1.1. Aspecto histórico. 2.1.2 Evolução constitucional e entendimento atual. 2.2. A Pena Privativa de Liberdade. 2.3 A Constitucionalidade. 2.3.1. Entendimentos pretéritos. 2.3.2 Repercussão e efeitos após o HC 126.292. 2.3.3. Caso Lula. 2.3.4. O julgamento das ADCs 43, 44 e 54 e o entendimento atual. 2.3.5. Mudanças na lei constitucional e infraconstitucional. 4. Considerações Finais. 5. Referências Bibliográficas.
Primordialmente, é importante estabelecer que na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, Inciso LVII, erigiu-se a norma garantidora na qual foi redigida a necessidade do trânsito em julgado de sentença penal condenatória para considerar um réu culpado e, consequentemente, executar a pena privativa de liberdade.
Neste passo, de forma concomitante, foi garantido por meio do princípio da presunção de inocência, positivado no artigo supracitado, o direito à ampla defesa e o contraditório, dentro do devido processo legal.
Não obstante, antes de prosseguir, é importante esclarecer o que se entende por trânsito em julgado, cujo conceito está previsto no parágrafo 3°, artigo 6° do Decreto Lei nº 4.657 de 04 de setembro de 1942. Na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, pode ser observado o que segue:
“Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)”
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957).”
De forma didática, trânsito em julgado pode ser resumido pelo momento processual no qual, após proferida uma sentença, não existe mais a possibilidade de se interpor recursos.
O ordenamento jurídico-penal brasileiro, já há muitos anos tem convivido com os debates midiáticos a respeito da constitucionalidade da possibilidade do cumprimento efetivo da pena privativa de liberdade, comumente denominada como “prisão pena”, antes do trânsito em julgado, mais precisamente, logo após o proferimento de sentença condenatória em segunda instância, tendo o colegiado de Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) apresentado interpretações diferentes do texto legal em algumas ocasiões.
Todavia, o período compreendido entre outubro do ano de 1988, data na qual a Constituição foi promulgada, até o ano de 2009, o egrégio STF ainda não havia sido provocado a manifestar-se sobre a norma do artigo 5°, Inciso LVII da CF, tendo por praticamente duas décadas ficado a cargo do juiz titular de cada caso concreto a responsabilidade de determinar o início do cumprimento da pena privativa de liberdade após proferida a sentença condenatória.
Com efeito, no ano de 2009, após ser provocado a decidir por um julgamento de Habeas Corpus, o STF passou a adotar a interpretação de que o réu só poderia ser encarcerado após o trânsito em julgado, ou seja, depois do esgotamento de recursos a todas as instâncias superiores. Não obstante, após contínuos debates, no ano de 2016 o STF mudou seu entendimento para que um réu condenado em segunda instância já pudesse começar a cumprir a pena privativa de liberdade, podendo ser conduzido ao cárcere mesmo enquanto interpõe recursos as demais instâncias, consequentemente, antes do trânsito em julgado.
Por fim, no ano de 2019, por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal decidiu derrubar decisão anterior que dava a possibilidade da prisão em segunda instância, alterando novamente seu entendimento, este que havia sido adotado em 2016. Esta discussão continua até a data deste artigo cientifico, tendo o tema da discussão deixado de ser exclusividade da esfera jurídica e se encaminhado também ao meio legislativo, com deputados a favor e contra a prisão antes do trânsito em julgado.
Assim, ainda em 2019, foram apresentadas por deputados favoráveis ao tema Propostas de Emenda à Constituição, como a PEC 199/19 por exemplo, para modificar a própria Constituição Federal. Em contrapartida, outros deputados, estes contrários a PEC e que defendem o atual entendimento dos Ministros a respeito do texto constitucional, utilizam o argumento da defesa do princípio de presunção de inocência de todos os cidadãos e a manutenção de recursos especiais e extraordinários que permitam a correção de eventuais erros nos processos de julgamento, bem como o direito a ampla defesa e ao contraditório, cujo o qual sem o princípio supracitado não existiriam.
Diante de tal conjuntura, faz-se necessário esmiuçar as mudanças de interpretações a respeito da constitucionalidade do tema e os pontos nelas defendidos, com o intuito de compreender melhor o estado em que se encontra a atual jurisprudência.
Após promulgada Constituição Federal de 1988, foi positivado o princípio da presunção de inocência, o qual preconiza que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado, todavia, a lei deixou margem a interpretação sobre o trânsito em julgado, tendo o Supremo Tribunal Federal já mudado o entendimento a respeito do tema por três vezes, permitindo a execução da prisão pena antes do trânsito em julgado, mais precisamente após a condenação em segunda instância.
Posteriormente, alguns anos depois, o STF voltou atrás em seu entendimento. Todas essas mudanças de interpretações têm gerado certo caos no âmbito jurídico penal brasileiro, em especial após a última mudança que ocorreu em 2019 com o julgamento das ADCs 43, 44 e 54, no qual retornou-se o entendimento da inconstitucionalidade da execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado.
No mesmo ano, foram realizadas a Propostas de Emenda Constitucional bem como projeto de Lei por deputados favoráveis ao tema com o intuito de conseguir mudar no próprio texto legal da Carta Magna o entendimento, de modo a permitir a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado, trazendo ainda mais controvérsias, e com isso, cabem-se os seguintes questionamentos: quais foram as consequências dessas mudanças constantes de entendimentos a respeito do tema para sociedade, bem como de que forma o tema ainda afeta o sistema jurídico-penal brasileiro?
A análise científica do competente trabalho tem como objetivo geral promover uma abordagem jurídica voltada para a necessidade de compreender melhor o estado em que se encontra a jurisprudência da discussão a respeito da constitucionalidade da execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado em contraste com o princípio da presunção de inocência que garante que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Desta forma, faz-se necessário colocar em pauta de forma destacada as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas quais alteraram o entendimento a respeito do tema algumas vezes, e que geraram efeitos que repercutiram no sistema jurídico-penal brasileiro.
Para tanto, o primeiro capítulo, sob o rótulo: O Princípio da Presunção de Inocência, inicia a pesquisa trançando comentários gerais sobre o aludido princípio, enfocando, em preliminar, seu conceito, na sequência, seu aspecto histórico, e no encerramento do presente capitulo, o preceito é compulsado com mais vagar, mediante o exame de sua abrangência nos dias atuais, como ocorreu uma evolução a forma em que se enxerga o princípio e o Direito propriamente dito a sua volta.
Na sequência, no segundo capítulo, sobre a Pena Privativa de Liberdade: abordagem sobre aspectos que caracterizam uma pena e as espécies de prisão no Brasil, comentando-se a Lei de Execuções Penais como forma reguladora do sistema, em seguida, análise das formas de regime e as formas em que se ocorrem a progressão e regressão de uma pena, finalizando-se o capitulo demonstrando a transformação da pena privativa de liberdade no Direito, que passa de acessório a punição para a forma final de punir, buscando, além disso, reintegrar o preso a sociedade.
A seguir, no capítulo final, sob a rubrica: A Constitucionalidade, pulamos da base necessária para análise do tema que foram criadas nos capítulos anteriores para a debate do tema propriamente dito, iniciando com o contraste entre as forças no quais versam sobre o tema, o Direito Constitucional e o Direito Penal, seguindo-se para discussão dos entendimentos pretéritos ao ano de 2019 pela Suprema Corte Brasileira a respeito do tema, analisando os casos de destaque e os Habeas Corpus julgados, mais precisamente esmiuçando-se o HC 126.292 e suas consequências para o sistema jurídico penal brasileiro, na sequência análise do caso do ex-presidente Lula e a repercussão de seu caso no meio jurídico, após isso, é adentrado o julgamento das ADCs 43, 44 e 54 que definiram o entendimento atual da Corte sobre o tema, estando em voga até a presente data de elaboração deste artigo científico, e, por fim, será analisada a possibilidade de um Projeto de Emenda Constitucional realizado por Deputados que buscam modificar a letra da Constituição de modo a modificar a novamente o entendimento do tema.
A presente pesquisa justifica-se em razão do ansioso desejo da sociedade em ver os réus que foram condenados à prisão em sentença penal condenatória de segunda instância terem a execução de suas penas privativas de liberdade iniciadas antes do trânsito em julgado, com o fim de buscar uma dita melhoria no sistema penal brasileiro.
A esse respeito, é também criticado o sistema recursal, pois, proporciona um julgamento longo e extenso, e que, é utilizado como artifício para retardar o início do cumprimento da pena, levando o processo até a última instância possível, esta sendo o STF, visando o esgotamento máximo dos recursos, e, consequentemente, retardando o trânsito em julgado.
Assim, diante desse contexto, o tema é debatido amplamente pelos maiores juristas do país, existindo ainda muita controvérsia e conflito a respeito de sua constitucionalidade, colocando-se em destaque o princípio da presunção de inocência, positivado na Constituição, que, para muitos operadores e doutrinadores do Direito, a execução provisória da pena privativa da liberdade feriria gravemente este princípio.
De outra sorte, a pesquisa também se afigura importante porque a constitucionalidade do tema atinge diretamente a segurança jurídica dos condenados, e, de certa forma, o cidadão comum no sistema penal, portanto, mister esclarecer se o tema poderia gerar efeitos negativos de repercussão geral e negativos ao sistema carcerário do país.
Para o enfrentamento da questão suscitada, a metodologia empregada na atual pesquisa se vale, essencialmente, do método bibliográfico, procedendo-se à investigação científica através de doutrinas, legislações, jurisprudência e demais fontes escritas. Assim também o histórico-evolutivo, mediante a investigação minuciosa das mudanças de entendimento ocorridas a respeito da possibilidade da execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado desde o período do firmamento do princípio da presunção de inocência no ordenamento jurídico brasileiro, inaugurado por força de princípio constitucional, especificamente uma cláusula pétrea, e bem como pelo exegético-jurídico, para a análise hermenêutica das proposições constitucionais e infraconstitucionais a respeito da temática sugerida.
2. Desenvolvimento
2.1 O Princípio da Presunção de Inocência
É imperativo iniciar o presente trabalho por aquele que talvez seja o aspecto mais importante do tema que se apresentará nas próximas linhas, sendo este aspecto o princípio da presunção de inocência, conhecido também como estado de inocência, ou presunção da não culpabilidade, consagrado por diversos diplomas internacionais.
Este princípio constitucional é um instrumento legal que pode ser considerado o grande cerne da questão, pois é a partir dele que se iniciam as discussões a respeito da constitucionalidade da execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado.
O princípio da presunção de inocência se encontra positivado na forma de cláusula pétrea na Constituição Federal de 1988, no Art. 5º, LVII, a seguir:
“Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (EC nº 45/2004)
LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;”
É um princípio de cunho garantista, o qual visa a segurança jurídica ao réu sub judice de ter pleno direito a todos os meios recursais do devido processo legal.
Desta forma, por se tratar de uma norma definidora do direito e uma garantia fundamental, sua aplicação é imediata, conforme leciona Alexandre de Moraes (2009, p.118). O digníssimo Ministro, é um dos ferrenhos defensores do princípio em comento, considerando-o um princípio basilar do Estado de Direito.
Contudo, nota-se a necessidade de destacar que existe uma interpretação jurídica do texto Constitucional, na qual, de forma implícita, o mesmo não declararia a inocência do acusado, mas sim, demonstra o fato de ele não ser obrigatoriamente culpado pela prática do ato que lhe é imputado.
Por se tratar de um princípio constitucional, é um instrumento que busca salvaguardar os direitos do réu dentro do ordenamento jurídico, sendo seu principal objetivo a proteção da dignidade da pessoa humana, e este princípio alcança este objetivo na forma em que limita o poder punitivo Estatal.
Destarte, fica clara a importância que circunda este princípio constitucional nos dias atuais, e a sua relevância imprescindível ao ordenamento processual penal em que se discutem formas de prevenção no âmbito social e a repressão punitivista à criminalidade.
2.1.1 Aspecto histórico
O princípio da presunção de inocência tem um passado já bem basificado, nos tempos do iluminismo francês, datando de 26 de agosto de 1789, período da Assembleia Constituinte da França revolucionária, que culminou na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (The Declaration of the Rights of Man and of the Citizen), que em seu artigo 9° estabelece que:
“Art. 9.º Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.”
Edilson Mougenot Bonfim (2006, p.44), leciona que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de uma França inspirada nas razões iluministas de intelectuais como Voltaire e Rousseau, posteriormente serviu e foi reafirmada no artigo 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres (American Declaration of the Rights and Duties of Man), em 22 de maio de 1948 que diz:
“Artigo XXVI. Parte-se do princípio que todo acusado é inocente, até provar-se-lhe a culpabilidade. Direito a processo regular.”
Neste sentido, o grande processualista Fernando da Costa Tourinho Filho (2007, p.62) afirma em sua obra que, posteriormente, a mesma proclamação realizada pelos franceses 200 anos antes foi repetida em Paris, na Declaração Universal dos Direitos Humanos (The Universal Declaration of Human Rights), em 10 de dezembro do ano de 1948, na Assembleia das Nações Unidas, preconizando em seu artigo 11° o seguinte:
“1. Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.”
Portanto, não obstante esse princípio só tenha sido positivado no ordenamento jurídico interno ex vi da Carta Magna de 05 de outubro de 1988, sua elaboração é antiquíssima e é estabelecida in solido no contexto histórico de vários países por meio de tratados e declarações diplomáticas, sendo considerado um direito fundamental e de aplicação imediata.
2.1.2 Evolução Constitucional e entendimento atual
O Direito é plenamente mutável e evolui com o aumentar das necessidades da sociedade contemporânea. Em razão disto, a Constituição Federal de 1988 foi redigida a modo de tentar atender todas essas necessidades, buscando um salto evolutivo minucioso, razão pela qual acabou se tornando um texto extenso.
Porém, abrangeu com sucesso diversos princípios fundamentais inerentes ao homem, e que, consequentemente se tornaram princípios constitucionais positivados na Carta Magna, tais como o princípio da presunção de inocência.
Bonfim (2006, p.44-45) sustenta que o termo “presunção de inocência” é utilizado de maneira vulgar, visto que a palavra presunção, em seu sentido técnico, leva a uma dedução lógica, no qual se liga um fato provado ou um indício a outro.
Na realidade, o que se teria é a consagração da não-culpabilidade, porque a Constituição Federal não afirma presumir a inocência, mas sim uma garantia de um “estado de inocência” ou de “não-culpabilidade”, o que seria o equivalente a dizer que ninguém será considerado culpado até que transite em julgada sentença penal condenatória.
Nesta mesma linha de raciocínio, Batisti (2009, p.15), afirma que a Constituição Federal coloca em precedência os princípios fundamentais da república e os direitos e deveres individuais e coletivos, tendo pela primeira vez aparecido nas constituições a presunção de inocência.
Ainda que não se mencione a expressão tradicional "presunção de inocência", considera-se ter sido adotada uma espécie de linguagem inversa, ou malabarismo jurídico para alguns, sendo: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Afirma ainda que apesar de resistências ao enunciado legal, que foi adotado desde cedo como um princípio constitucional, habitualmente não se encontram dentro do Direito indivíduos que se manifestem de qualquer maneira opositiva ao enunciado. Todavia, isto não ocorre quando se trata da população comum, que se encontra alheia a este mundo, e, de forma assustada, observa a crescente violência e aumento da criminalidade na sociedade. Assim, a própria população comum associa o princípio da presunção de inocência à criminalidade, que de forma simultânea, estaria juntamente com outros princípios constitucionais impedindo a repressão ao crime.
2.2 Capítulo 2 A Pena Privativa de Liberdade
Antes de se prosseguir ao cerne da discussão, é importante definir o que é a pena privativa de liberdade, prevista no artigo 32 do Código Penal, em que são definidas as espécies de pena, elencando a pena privativa de liberdade, a pena restritiva de direitos, que poderá ser imposta alternativamente a pena privativa de liberdade caso os requisitos sejam preenchidos, e a multa, em seus incisos I, II e III, respectivamente.
No ordenamento penal brasileiro, são previstos seis tipos de prisão, dentre elas a temporária, a prisão simples para contravenções penais, a preventiva que também pode ser preventiva para fins de extradição, a prisão em flagrante, a prisão para execução de pena e a prisão civil do não pagador de pensão alimentícia.
Neste passo, para o jurista Fernando Capez (2012, p. 357) as penas podem ser vulgarmente divididas em duas modalidades, penal e processual, descrevendo-as da seguinte forma:
“Prisão-pena ou prisão penal, sendo aquela imposta em virtude de sentença condenatória transitada em julgado, ou seja, trata-se da privação da liberdade determinada com a finalidade de executar decisão judicial, após o devido processo legal, na qual se determinou o cumprimento de pena privativa de liberdade.
Por outro lado, a Prisão sem pena ou prisão processual trata-se de prisão de natureza puramente processual, imposta com finalidade cautelar, destinada a assegurar o bom desempenho da investigação criminal, do processo penal ou da futura execução da pena, ou ainda a impedir que, solto, o sujeito continue praticando delitos.”
Para fins do tema tratado neste trabalho de pesquisa, atentar-se-á apenas à prisão para execução da pena. Esta modalidade de prisão é regulamentada pela Lei de Execuções Penais, Lei n° 7.210 de 11 de julho de 1984, que possibilita o sistema de progressão do regime de cumprimento de pena e trata dos direitos e deveres dos presos e das faltas disciplinares. No primeiro artigo da lei é informado seu objetivo, vejamos:
“Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.”
A pena privativa de liberdade poderá ser das seguintes espécies, reclusão para crimes graves, detenção para crimes menos graves e prisão simples para contravenções penais, e, uma vez imposta, fica a cargo do juiz definir o regime inicial da pena, podendo ser o regime fechado, semiaberto ou aberto.
O juiz se terá como critério principal o quantitativo de pena aplicada ao condenado, conforme estabelece o artigo 110 da Lei n° 7210/1984, que diz:
“Art. 110. O Juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade, observado o disposto no artigo 33 e seus parágrafos do Código Penal.”
Concomitantemente com o que é estabelecido no artigo 33, § 1º do Código Penal:
“Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
§ 1º - Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.”
Para fins didáticos, o regime aberto consiste na hipótese em que o apenado teria liberdade durante ao dia, e durante a noite e aos feriados ser recolhido a uma casa de albergado ou recolhido a um local especifico. O regime semiaberto é a possibilidade de o apenado ser transferido durante o dia do presídio para alguma colônia penal agrícola ou industrial e a noite retornar para penitenciária.
Destaca-se que nos últimos anos tem-se visto, nos regimes aberto e semiaberto, a substituição de casas de albergado e colônias penais para as prisões domiciliares com a supervisão de tornozeleiras eletrônicas, visto que não existem tais locais em quantidade no Brasil e consequentemente o número de vagas é insuficiente.
Portanto, conforme Súmula Vinculante 56 do STF, a prisão domiciliar é concedida para que o condenado não seja prejudicado com um regime prisional mais danoso devido à falta de estabelecimento adequado.
O regime fechado, mais notadamente conhecido pelo cidadão comum como prisão propriamente dita, se trata da permanência do apenado na penitenciária por tempo integral, tendo a possibilidade de poder trabalhar internamente durante o dia e dormir à noite.
Importante frisar que é possível a progressão do regime de um preso do regime fechado para o semiaberto, pois, as penas privativas de liberdade são executadas de forma progressiva.
Para alcançarmos tal possibilidade são necessários os preenchimentos dos denominados “requisito objetivo” e “requisito subjetivo”, o requisito objetivo é claro, este é definido apenas se baseando no cálculo da pena, se o período da pena é condizente de forma a contemplar o condenado ao preenchimento do requisito.
Todavia, quando nos referimos ao requisito subjetivo, este já é de mais incerta definição, pois, é necessária uma análise pessoal referente ao próprio apenado, observando o seu bom comportamento emitido pelo Diretor Prisional da penitenciária em que se encontra o preso.
A progressão de regime é regulada pelo artigo 32 do Código Penal, vejamos:
“§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.”
Não obstante, da mesma forma em que é possível a progressão do regime, é possível a regressão, o artigo 118 da Lei de Execuções Penais supracitada regula tais hipóteses de regressão, sendo as seguintes:
“Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111).
§ 1° O condenado será transferido do regime aberto se, além das hipóteses referidas nos incisos anteriores, frustrar os fins da execução ou não pagar, podendo, a multa cumulativamente imposta.
§ 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior, deverá ser ouvido previamente o condenado.”
Assim como no caso da progressão de regime, existem requisitos a serem preenchidos quando se trata da regressão, tendo o condenado o direito aos princípios constitucionais da ampla defesa e ao contraditório, princípios estes que existem com o fim de preservar a dignidade do condenado e ao direito a um justo cumprimento de um tipo de pena que priva a liberdade.
Portanto, neste passo, o criminalista Luís Francisco Carvalho Filho (2002, p.20), é categórico ao afirmar que o cárcere proporcionado pela pena privativa de liberdade sempre existiu, porém, antes se tratava de um instrumento jurídico-penal estatal totalmente punitivista, com a função de reter criminosos e prisioneiros de guerra para o julgamento final, sendo os locais de cárcere, como as masmorras, por exemplo, ambientes insalubres, sem higiene, infectos, no qual a tortura física fazia parte do processo punitivo antes das sentenças que levavam muito comumente a pena de morte.
Somente após o século XVIII que a prisão privativa de liberdade se torna a principal forma de punir, e não apenas um acessório da punição, possuindo agora o fim de recuperar, ressocializar e reintegrar o preso ao meio social, nas palavras de Carvalho Filho (2002, p.21):
“A finalidade do encarceramento passa a ser isolar e recuperar o infrator. O cárcere infecto, capaz de fazer adoecer seus hóspedes e matá-los antes da hora, simples acessório de um processo punitivo baseado no tormento físico, é substituído pela ideia de um estabelecimento público, severo, regulamentado, higiênico, intransponível, capaz de prevenir o delito e ressocializar quem o comete.”
É cristalino que a pena privativa de liberdade se encontra mais do que bem fundamentada no ordenamento penal brasileiro, sendo aplicada aos condenados na conformidade da Lei n° 7210/1984, o Código Penal e o Código de Processo Penal sem qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política, portanto, toda pessoa imputável que praticar um crime pode estar sujeita a pena privativa de liberdade.
2.3 A Constitucionalidade
Ao discutirmos a Constitucionalidade da execução da pena privativa de liberdade antes de sentença transitada em julgado, são postos em analise duas forças do estudo do Direito, o Direito Constitucional e o Direito Penal.
O Direito Constitucional versa sobre a própria base de todo o Estado e de seu funcionamento, das garantias do cidadão, consagrando-se como a Lei Maior do país. O Direito Penal tem o fim de garantir a segurança da população, exercendo a proteção e cumprimento das leis e punição daqueles que praticarem crimes.
Isto posto, desde 1988, data na qual a Constituição foi promulgada, que vemos a Suprema Corte brasileira versar sobre o tema de maneira conflituosa e ambígua, com interpretações divergentes dentro do ciclo dos próprios Ministros que se manifestaram com decisões bem argumentadas e embasadas para a constitucionalidade ou não da execução da prisão.
O mais recente julgado da Suprema Corte brasileira, que tornou inconstitucional a execução para cumprimento da pena privativa de liberdade após condenação em segunda instância, gerou um alvoroço nos operadores de direito, nos doutrinadores no meio acadêmico e do próprio legislativo, de formas contrárias e a favor, porém, a mais perceptível repercussão que é contrária a decisão se deu com a população comum, sendo considerado por muitos como uma forma de vitória da “impunidade” e da “injustiça”.
Contudo, ao se analisar o tema, deve-se realizar um estudo técnico-cientifico com o vigor da razoabilidade do Direito, embasando de forma lúcida, sem pré-julgamentos da validade do dispositivo que versa sobre o tema.
Todavia, antes de se adentrar ao conteúdo do último julgado, é necessária uma recapitulação referente aos entendimentos pretéritos do STF.
2.3.1 Entendimentos pretéritos
Logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o entendimento inicial do STF permitia a possibilidade da execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado, este entendimento majoritário se deu devido ao julgamento de diversos Habeas Corpus que permitiram a execução, a exemplo do HC 68.726/DF (Pleno, j. 28.06.1991). Com isso, o STF editou as Súmulas 716 e 717, que versam:
“S. 716/STF: Admite-se a progressão de regime de cumprimento de pena ou aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. (aprovada na sessão plenária de 24.09.2003)
S. 717/STF: Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial. (aprovada na sessão plenária de 24.09.2003).”
A edição das Súmulas permitiu aos juízes titulares de cada caso concreto fundamentar as execuções da prisão privativa de liberdade, contudo, os magistrados ainda divergiam em suas decisões, acontecendo o que ocorria anteriormente no qual ocorria uma espécie de “escolha” individual de cada magistrado, no qual um juiz poderia decidir pelo cumprimento imediato antes do trânsito em julgado e outro magistrado não entender desta maneira, mesmo se tratando de casos semelhantes.
Desta forma, como tudo indicava, o tema estava longe de ser pacificado e no ano de 2009, com o julgamento HC 84.078/MG (Pleno. Rel. Min. Eros Grau. j. 05.02.2009) o momento em que o STF se manifestou finalmente de forma clara e absoluta a respeito do tema, alterando sua jurisprudência.
Este julgamento é considerado o marco para o início dos debates conflituosos a respeito do tema, pois, nele houve o entendimento de que a possibilidade da execução provisória da pena privativa de liberdade feria o princípio da presunção de inocência, contrariando a própria Constituição em seu artigo 5°, LVII.
O caso deste Habeas Corpus se tratou de um crime ocorrido em 1991, no qual um fazendeiro foi condenado a sete anos e seis meses de prisão por tentativa de homicídio ao atirar 5 vezes contra um homem por motivo fútil. A repercussão se deu, pois, foi o caso em que foram impetrados “inúmeros” recursos, sendo um deles o citado Habeas Corpus, em que a defesa do fazendeiro arguiu pelo princípio da presunção de inocência, no qual o condenado não poderia ser efetivamente preso após a sentença condenatória em segunda instância antes do esgotamento de todos recursos, e, consequentemente, antes do trânsito em julgado.
A votação foi sete votos a quatro, tendo votado a favor de conceder o HC ao condenado os ministros Eros Grau, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes e contra os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie.
Com essa decisão, estabeleceu-se um novo entendimento do STF, de que a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado era inconstitucional.
Destaca-se algo relevante sobre o caso, em 2014, sem ter seu último recurso impetrado julgado, o crime do fazendeiro prescreveu e com isso não foi cumprido um dia sequer da pena em sentença proferida em segunda instância.
Posteriormente, em 17 de fevereiro de 2016 ocorreu o julgamento do HC 126.292/SP, onde, o pleno do STF, decidiu sobre a possibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade a partir da confirmação de sentença proferida por Tribunal de Segundo Grau. Após negada a apelação ao Tribunal de Segunda instância, foi expedido mandado de prisão contra o condenado.
O Habeas Corpus foi impetrado em favor de paciente coautor condenado à pena de 5 anos e 4 meses de reclusão em regime fechado pelo crime de roubo majorado, que o impetrou após ter sua apelação ao Tribunal de Segunda instância negada e o Tribunal expedido mandado de prisão.
Votaram a favor do deferimento HC os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Melo e Ricardo Lewandowski e contra o deferimento os ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes.
O entendimento dos ministros vencedores era de que a presunção de inocência não impediria a prisão decorrente de acórdão que confirma sentença penal condenatória e sustentaram a decisão no argumento de que ao réu foi garantido o duplo grau de jurisdição, e de que somente o recurso de apelação teria o efeito suspensivo, não se aplicando ao recurso especial e extraordinário visto que não se prestam a rediscutir a matéria probatória, e que, portanto, não atingem o pressuposto da presunção de inocência ou a não-culpabilidade.
A partir desta decisão do STF, alterou-se o entendimento, ocorrendo um retorno ao que era a jurisprudência antes do julgamento do HC de 2009.
Este posicionamento gerou muita polêmica e promoveu alterações no sistema carcerário, levantando questões acerca da própria segurança jurídica que esta interpretação traria no Estado Democrático de Direito.
2.3.2 Repercussão e efeitos após o HC 126.292
Posterior ao julgamento HC 126.292, em maio de 2016 foram ajuizadas perante ao STF pelo Partido Ecológico Nacional (PEN, atual Patriota) e o Conselho Federal da OAB, as Ações Declaratória de Constitucionalidade 43 e 44, respectivamente, que buscavam, em suma, reverter o entendimento da Suprema Corte a respeito do tema
Para fins didáticos, Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) é um dispositivo impetrado no STF visando a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, com os legitimados ativos para propor a ação dispostos no artigo 103 da Constituição Federal. As decisões definitivas sobre o mérito desta ação produzem os efeitos ex tunc, vinculante e repristinatório.
No julgamento mencionado, o cerne da discussão foi para declarar a constitucionalidade do artigo 283 do CPP, editado pela lei ordinária 12.403/11, onde os legisladores positivaram de forma concreta na esfera penal a garantia preexistente contida na Carta Magna de 1988 com o princípio da presunção de inocência, tendo o citado artigo disposto o que segue:
“Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”
Na redação acima, definia-se de forma explícita de que a prisão do condenado só poderia ocorrer utilizando-se o instrumento da prisão temporária ou preventiva, não tendo sido abarcada a possibilidade da prisão para execução da pena.
O conflito maior se deu após o STF manter o posicionamento adotado no julgamento do HC 126.292/SP, indeferindo as medidas cautelares pleiteados pelo Partido Patriota e pela OAB nas ADCs 43 e 44, respectivamente, que pretendiam a suspensão das execuções provisórias de penas de privativas de liberdade e a libertação dos apenados presos antes do trânsito em julgado da condenação.
Um dos pontos sustentados pelo Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto para manter a decisão do HC 126.292, foi de que ao mudar seu posicionamento anterior ao HC, o STF estaria inibindo uma interposição ad eternum de recursos com o mero fim de protelar a decisão e consequentemente o início do cumprimento da pena.
Esse posicionamento repercutiu de forma negativa no meio acadêmico, o renomado advogado e jurista Aury Lopes Júnior (2016), opinou de forma contrária a decisão do STF, a se ver:
“O Brasil recepcionou, sim, a presunção de inocência e, como ‘presunção, exige uma pré-ocupação nesse sentido durante o processo penal, um verdadeiro dever imposto ao julgador de preocupação com o imputado, uma preocupação de tratá-lo como inocente. É a presunção de inocência um ‘dever de tratamento’ no terreno das prisões cautelares e a autorização, pelo STF, de uma famigerada execução antecipada da pena é exatamente tratar como culpado, equiparar a situação fática e jurídica do condenado. Não sem razão o artigo 5º, LVII determina (dever de tratamento) que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Significa uma proibição de tratar o acusado de forma igual ou análoga a de culpado, antes do trânsito em julgado.”
Lênio Luiz Streck (2016) vai além e afirma que a decisão do STF nada mais foi do que ativismo judicial, pois, inexiste qualquer fundamento jurídico constitucional que sustente tal decisão.
O renomado jurista e político brasileiro, Fernando Capez (2015, p 224), já havia sido categoricamente contrário a este tipo de posicionamento, cita-se:
“(...) uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado, e, isto, sim, violaria o princípio da presunção da inocência. Sim, porque se o sujeito está preso sem que haja necessidade cautelar, na verdade estará apenas cumprindo antecipadamente a futura e possível pena privativa de liberdade.”
2.3.3 Caso Lula
Avançando no tempo, chega-se em 18 de abril 2018, data na qual o Partido Comunista do Brasil ingressou com a ADC 54, tendo como Relator o Ministro Marco Aurélio Mello, com o intuito de que fosse concedida a liminar tornando irregular a decisão pretérita que permitia a execução provisória automática da pena privativa de liberdade após condenação em segunda instância.
É importante destacar que o intuito real do partido era buscar a liberdade do ex-presidente do país, Luís Inácio Lula da Silva, no caso midiático e de grande repercussão nacional em que o ex-presidente foi acusado pelo Ministério Público de receber propina da empresa OAS. Com a suposta vantagem teria realizado a aquisição de um triplex em Guarujá, em São Paulo, sendo percebido como ocultação de patrimônio pela Justiça.
Na data de 12 de julho de 2017 o juiz Sérgio Moro, grande nome da Operação Lava-Jato no qual atuou contra o ex-presidente, condenou o mesmo a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro relacionado ao processo do triplex do Guarujá.
Em 4 de abril de 2018 o Tribunal Regional Federal da 4ª Região analisou a apelação da defesa do ex-presidente, tendo decidido não só por manter a condenação em primeira instância bem como majorar a pena inicial, que passou para 12 anos e um mês de prisão, com início em regime fechado.
Destarte, a defesa do ex-presidente impetrou o Habeas Corpus 152.752/PR ao Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de que os efeitos da condenação só se concretizassem após esgotados todos os recursos, tendo durante a sessão de julgamento do HC, a defesa arguido solicitando que fosse concedida medida liminar para garantir a liberdade do ex-presidente até que fossem julgadas as ADCs 43 e 44, quando os ministros deveriam rever a questão da execução antecipada e possibilidade de prisão após condenação em 2ª instância, porém, o pedido foi negado pela maioria dos ministros.
O HC impetrado pelo ex-presidente foi negado por 6 votos a 5, mantendo-se o posicionamento adotado no julgamento do HC 126.292, tendo votado contra o deferimento os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luíz Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia; e a favor, os ministros Gilmar Mendes, Diaz Toffoli, Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
Logo após esta decisão de denegar o HC impetrado pela defesa do ex-presidente, em 05 de abril de 2018, o juiz federal Sérgio Moro decretou a prisão do ex-presidente Lula, dando o prazo até às 17h da sexta-feira seguinte para que o ex-presidente se entregasse.
Durante o voto do Ministro Gilmar mendes, o mesmo se manifestou a respeito da mudança do seu entendimento:
“Essas prisões automáticas em 2º grau, que depois se mostraram indevidas, fizeram-me repensar aquela conclusão a que se chegou no HC 126.292. Fiz essa mudança, como já demonstrei, por reflexão.”
Em 8 de março de 2021, o Ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, decidiu que a 13ª Vara Federal de Curitiba, cujo o ex-juiz Sergio Moro era o titular, era incompetente para processar e julgar o ex-presidente Lula nos casos do tríplex do Guarujá, do sítio de Atibaia, e em duas ações envolvendo o Instituto Lula, anulando assim as condenações e devolvendo ao ex-presidente seus direitos políticos, inclusive com a possibilidade do mesmo de disputar eleições. O Plenário do Supremo Tribunal Federal em 15 de abril de 2021, por 8 votos a 3, confirmou a decisão do ministro.
Ainda em 23 de março de 2021, em sessão da 2ª Turma do STF, por 3 votos a 2, o colegiado decidiu pela suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. O Plenário do Supremo Tribunal Federal confirmou em sessão em 23 de junho de 2021, por 7 votos a 4, a decisão da 2ª Turma, levando à anulação do recebimento das denúncias contra o ex-presidente a exemplo das condenações referentes ao sítio de Atibaia e do caso do Triplex do Guarujá.
Diante destes fatos, o período de 580 dias de pena cumpridos na sede da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, pelo ex-presidente perdeu seu sentido ao se concluir pela anulação de suas condenações, que respeitaram o duplo grau de jurisdição, contudo, não o esgotamento do trânsito em julgado, conforme preza o princípio da presunção de inocência, demonstrando já, num grande caso midiático um efeito negativo acarretado pela mudança da interpretação pelo Pleno do STF.
2.3.4 O julgamento das ADCs 43, 44 e 54 e o entendimento atual
Retornando-se a ADC 54, está possui o mesmo objeto das ADCs 43 e 44, no qual o partido utiliza o argumento de que desde a jurisprudência adotada no HC 126.292, após confirmação da condenação em segunda instância às prisões se tornaram automáticas, tendo as três ADCs o pedido principal para que o STF declare a constitucionalidade do artigo 283 do CPP com efeito vinculante, ou seja, de observância obrigatória em todas as instâncias.
Devido ao fato das ADCs 43 e 44 estarem aguardando julgamento do mérito, decidiu-se em juntá-las por prevenção em 18 de abril de 2018 com a ADC 54, e o tema foi reaberto para o julgamento da Suprema Corte.
O julgamento que gerou o entendimento atual acerca da constitucionalidade da matéria se deu em 16 de outubro de 2019 com o STF iniciando a sessão de julgamento que levou várias horas, e após várias sessões de julgamento, o pleno da Suprema Corte decidiu em 7 de novembro de 2019 de que ninguém poderá ser preso para começar a execução da pena até o esgotamento de todos os recursos que possibilitassem o reexame da matéria, ressalvando-se apenas a possibilidade da prisão preventiva ou temporária.
Desta forma, os ministros argumentaram que a jurisprudência anterior feria o artigo 5°, LVII, da Constituição Federal de 1988, prezando-se o entendimento no qual ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado e que a execução provisória da pena privativa de liberdade, simultaneamente fere o princípio da presunção de inocência, portanto, votaram por declarar a constitucionalidade do artigo 283 do CPP, concretizando os ministros que a interpretação anterior do artigo 5°, LVII da CF que versa sobre o trânsito em julgado, bem como do dispositivo processual penal supracitado, resultou na denominada fraudem legis e com a decisão proferida teria sido reestabelecida a garantia fundamental do cidadão ser considerado inocente até o esgotamento dos recursos.
A decisão teve efeito erga omnes e vinculante, valendo de forma automática somente para os casos de presos condenados em segunda instância, e de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cerca de 5 mil presos foram beneficiados de maneira imediata pela mudança de entendimento, com exceção aos casos que se tratavam de prisão preventiva ou temporária. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na Operação Lava-Jato, foi um dos beneficiados pela decisão.
Para as demais instâncias do Judiciário a decisão não se deu de forma automática, coube a cada juiz analisar o caso concreto e a situação processual dos presos que poderiam ser beneficiados com a soltura, e houve o entendimento de que se o preso fosse perigoso, por exemplo, ele poderia ter a prisão preventiva decretada.
A Corte versou sobre a possibilidade dos recursos, concluindo que é necessária uma alteração na legislação para acelerar o fim dos processos, e decidindo por obedecer ao princípio da presunção de inocência, independente de que isso signifique que todo processo vá parar na Suprema Corte Brasileira.
A votação foi de 6 votos a 5 pela a constitucionalidade do artigo 283 do CPP e de que um réu só poderá ter a execução da pena após o trânsito em julgado.
Os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia votaram contra a constitucionalidade; e a favor, votaram os ministros Marco Aurélio Mello (relator do caso), Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, que finalizou dando o voto de minerva.
Nesta linha, se faz necessário destacar dois votos explicitamente contrários e de argumentos que podem ser considerados “espelhados”, o voto do Ministro Luís Roberto Barroso e o do Ministro Diaz Toffoli.
O primeiro, votou a favor e reafirmou seu entendimento que teve no último julgado, e foi categórico ao dizer que a mudança da interpretação do STF sobre o tema, em 2016, repercutiu de forma a gerar uma possibilidade real de punição por crimes e possibilitou delações. O ministro afirmou em seu voto de que as absolvições após condenações em segunda instância são abaixo de 1%, apresentou dados e alegou que a medida não prejudica a camada da população mais humilde.
Na visão do ministro a decisão de 2º grau é de que, após a mesma já não haveria mais dúvida acerca da autoria e da materialidade delitiva, nem caberia mais discutir fatos e provas, nas palavras do ministro a execução da pena é uma exigência de ordem pública para a preservação da credibilidade da justiça.
Em contra partida, o ministro Diaz Toffoli votou contra e também reafirmou o entendimento pretérito que teve no julgado de 2016, ao proferir seu voto de minerva, o mesmo citou que é dever do Congresso alterar a letra da Lei que versa sobre as execuções penais, sendo enfático de que é dever do juiz respeitar o que é compatível com o princípio constitucional da presunção de inocência, e ao contrário do que disse o ministro Barroso, Toffoli foi firme ao dizer que em sua maioria os crimes no Brasil não são solucionados, citando que os homicídios que ocorrem não são resolvidos pela prisão em segunda instância, cite-se:
“É uma impunidade do sistema de investigação. E aqui, não há dúvida nenhuma, a vítima é a periferia, o pobre, o trabalhador indo para seu trabalho...Não é prisão após segunda instância que resolve esses problemas, que é panaceia para resolver a impunidade.”
Para o jurista Lenio Luiz Streck (2019), que atuou como amicus curae na decisão do STF supracitada e defendeu de forma veemente o princípio da presunção de inocência, afirmou o que segue:
“Vejam: quem é a favor da prisão em segunda instância deve provar que a frase “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” torna obrigatória a prisão em segunda instância e que o artigo 283 é inconstitucional.”
Na visão do jurista, qualquer entendimento diferente do que está positivado na constituição, seria ceder a denominada “voz das ruas”, advinda do clamor popular, o jurista é categórico ao afirmar que está voz, se existir, não possui autoridade, a autoridade é do Direito.
Contudo, faz-se necessário destacar que a defesa desse entendimento não é unânime no meio jurídico, um opositor a tal pensamento é o do advogado Dr. Roberto Beijato Júnior (2018), que defende a presunção da inocência como uma garantia da inversão do ônus da prova, ou seja, acabe a acusação provar a culpa do réu, em suas palavras:
“(...) o constituinte previu sim a presunção de inocência como um direito fundamental, contudo, tal direito fundamental fora previsto num cenário constitucional de absoluta excepcionalidade de acesso a Tribunais Superiores e à própria Corte Constitucional. Banalizar o acesso a tais tribunais - como se faz hodiernamente - é banalizar o próprio texto constitucional e, assim, lograr argumentos para defender o absolutismo de um direito que longe se encontra de sê-lo... Ainda que se discuta, doutrinariamente, a possível natureza de fundamentalidade do direito ao duplo grau de jurisdição, por força da cláusula de abertura constante do parágrafo 2º, do art. 5º da Constituição, extraindo-o da ampla defesa (inciso LV, do art. 5º), fato é que o nome bem diz, se trata de um direito ao duplo grau de jurisdição e, não de triplo ou quádruplo grau. Aferir as Cortes Superiores como uma terceira ou quarta instância se tornou uma excrescência brasileira.”
Em contrapartida, o renomado jurista Pedro Lenza (2019, p. 1259), vai na contra mão deste argumento, ao afirmar que o princípio da presunção de inocência garante que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Neste passo, é o caminho normal de que se ocorra a inversão do ônus da prova, ou seja, a inocência será sempre presumida, cabendo ao Ministério Público ou à parte acusadora (na hipótese de ação penal privada) provar a culpa e caso não o faça, o resultado da ação penal será de improcedência, escorando-se no referido princípio e de forma favorável a decisão que versou sobre a constitucionalidade do tema.
2.3.5 Mudanças na lei constitucional e infraconstitucional
Durante todo o imbróglio que as diversas mudanças no entendimento a respeito do tema causaram, e após uma considerável insatisfação popular, foi proposta o projeto de lei nº 166/2018, de autoria do Senador Lasier Martins do PSD/RS, que hoje tramita no Senado Federal, com o objetivo de pacificar o entendimento e evitar insegurança jurídica, tendo em vista tantas divergências e mudanças de posicionamento na Suprema Corte, começou a elaborar projeto de lei de nº 166/2018 para alterar o art. 283 do CPP, a principal mudança encontra-se no §3º que trará a seguinte previsão:
“A prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente decorrente de juízo de culpabilidade poderá ocorrer a partir da condenação em segundo grau, em instância única ou recursal.”
Simultaneamente, tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de nº 410/2018, de autoria do Deputado Federal Alex Manete do Cidadania/SP, com o objetivo de alterar o art. 5º, LVII para modificar o momento em que alguém pode vir a ser considerado culpado, afirmando o inciso de que ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso
Em 2019, o referido Deputado Federal Alex Manete, apresentou uma nova PEC, de n° 199/99, com o objetivo de acabar com os recursos extraordinário e especial ao STF e ao STJ, previstos nos artigos 102 e 105 da Constituição. O motivo foi de que a PEC 410/18, foi alvo de altas críticas por deputados opositores por alterar o artigo 5°, inciso LVII que versa sobre o princípio de presunção de inocência, sendo uma garantia individual e considerada cláusula pétrea, ou seja, não pode ser alterada por emenda constitucional.
O Deputado Alex Manete (2019), justifica o motivo da proposta, cite-se:
“O Supremo Tribunal Federal já modificou quatro vezes esse entendimento. Atualmente, a pessoa pode postergar as suas condenações até o trâmite em julgado na quarta instância. Infelizmente, só ricos e poderosos conseguem postergar as suas condenações. O cidadão comum não consegue chegar às terceira e quarta instâncias. E sempre são instrumentos apenas postergatórios.”
O jurista José Roberto Batochio (2019) é categoricamente contra as ditas PEC, e afirma que desde 1988 que nenhum inciso que do artigo que versa sobre as garantias individuais sofreu alteração, e que a possibilidade de isto ocorrer reascenderia a discussão do tema na própria Suprema Corte, em suas palavras:
“(...) todo o título II é uma vasta e intocável cláusula pétrea. Causa espécie, portanto, que viceje no Congresso Nacional a ideia estapafúrdia de apresentação de uma proposta de emenda anuladora do inciso LVII do artigo 5º: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.” Quem coteja os 78 incisos e quatro parágrafos desse artigo constata que nenhum foi emendado desde 1988, mas apenas quatro regulamentados por exigência da própria Carta Magna... Se a cartada virar lei, o tema voltará a dividir o Supremo, pois certamente a corrente mais comprometida com a ordem constitucional arguirá a extravagância do novo dispositivo que já contaria com apoio de cinco ministros que votaram contra prisão somente após o trânsito em julgado da condenação.”
Até a data de elaboração do presente trabalho, ambas as propostas de alteração infraconstitucional e propostas de emenda constitucional estão seguindo o seu trâmite nas Casas Legislativas, não podendo ser garantida a aprovação ou não, bem como se não haverá manifestação do STF para versar a respeito da constitucionalidade das modificações de forma favorável ou não.
3. Considerações Finais
A constitucionalidade da execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado, foi, e, ainda é uma questão muito debatida, e que, de certa forma, atormenta o âmbito jurídico penal brasileiro, provando-se ser um conflito de complexa resolução, no qual as interpretações se divergiram em entendimento inúmeras vezes com o passar dos anos e com operadores do direito, juristas, magistrados e os próprios ministros defendendo interpretações divergentes.
Destaca-se que, apesar de até a presente data deste trabalho cientifico a interpretação atual estar solidificada após o julgamento das ADC’s 43, 44 e 54 com o entendimento de que ninguém poderá ser preso para começar a execução da pena até o esgotamento de todos os recursos que possibilitem o reexame da matéria, ainda remanescem de forma ativa aqueles que são contrários a esta interpretação do pleno da Suprema Corte, com Deputados manifestamente contrários a este entendimento já tendo apresentado Propostas de Emendas Constitucionais para alterar o Artigo 5°, inciso LVII que versa sobre o princípio de presunção de inocência e Projeto de Lei para alterar o Artigo 283° do Código de Processo Penal.
A sociedade brasileira reagiu de forma distinta a todas as alterações de entendimento que ocorreram ao longo dos anos, com uma polarização que se mantém acerca da possibilidade do tema, porém, desta mesma forma, e diante de um contexto global do âmbito garantista, a defesa da não constitucionalidade do tema reflete diretamente na população comum, e não só naqueles que se encontram enfrentando um processo penal, e ocorre de maneira positiva quando os direitos e princípios fundamentais são defendidos e respeitados pelas autoridades máximas judiciárias do país, garantindo que um cidadão comum inocente que se encontre em uma situação no qual vá a julgo por um crime que não o cometeu, não seja submetido a uma prisão antes do encerramento do processo, assegurado a garantia máxima do princípio da presunção de inocência.
Em que pese a cristalina interpretação positiva a respeito do tema, existe a necessidade de se pôr em evidência a realidade fática social do outro lado do espectro, o lado negativo, no qual muitos indivíduos se beneficiaram da morosidade e atendimento ao devido processo legal que impede a execução da pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado, mesmo que já exista uma condenação em segunda instância, ou seja, em que se respeite o duplo grau de jurisdição, como foram os casos dos próprios HCs que reacenderam o debate do tema nos anos anteriores, com os infratores não chegando a cumprir um dia sequer da pena na qual foram condenados.
Nesta perspectiva positiva e negativa, muito do grande conflito surgiu, e com este conflito, surgiram também as interpretações divergentes, contudo, apesar de não ser uma forma perfeita, e que, permite sim, que mais do que ocasionalmente alguns se beneficiem do sistema penal para retardar o cumprimento ou sequer cumprir a pena, a Constituição deve ser respeitada, e principalmente, um princípio fundamental, de suma importância, considerado cláusula pétrea, e que gera uma interferência direta e radical na vida de todos os cidadãos, portanto, o mero risco de pôr em cheque a aplicação desse princípio para com um cidadão, inocente ou não, coloca em risco todos os cidadãos, não apenas aquele que está sendo julgado.
Portanto, mesmo que nos próximos anos o Pleno da Suprema Corte seja provocado a realizar um novo julgamento, reabrindo o tema e até mesmo alterando a interpretação, é sensato concluir que o entendimento atual é o que se encontra em mais proximidade de harmonia com o a Lei Maior do país, um entendimento garantista que visa a proteção do cidadão inocente e a proteção da dignidade da pessoa humana.
Desta forma, a decisão é sólida e tem capacidade de ser duradoura, porém, sem um fortalecimento ao combate à desigualdade social e a criminalidade, e, sem uma melhora na educação da própria sociedade, no que tange a uma solução definitiva para um problema que é apenas suavizado através de decisões, esta, em verdade, nunca ocorrerá, e dificilmente será visto um encerramento final dos conflitos e debates acerca do tema.
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STRECK, Lenio Luiz. Teori do STF contraria Teoria do STJ ao ignorar lei sem declarar inconstitucional. 2016. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-fev-19/streck-teori-contraria-teori-prender-transito-julgado Acessado em 08 de abril de 2021.
STRECK, Lenio Luiz. Lendas e mitos do senso comum sobre a presunção da inocência. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-out-21/streck-lendas-mitos-senso-comum-presuncao-inocencia Acessado em 11 de maio de 2021.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 29ª ed. São Paulo: Saraiva. Vol. I. 2007, p. 62.
Advogado. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Internacional Signorelli - UNISIGNORELLI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Renan Araujo. A constitucionalidade da execução da pena privativa de liberdade. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2022, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59510/a-constitucionalidade-da-execuo-da-pena-privativa-de-liberdade. Acesso em: 24 dez 2024.
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