TANIRA ALVES NOVAES DE OLIVEIRA
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo teve como objetivo analisar a influência dos meios de comunicação sobre os julgamentos pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. Neste contexto, questiona-se quais as principais implicações que a veiculação e os excessos da mídia podem ser preponderantes quanto a sua influência nas decisões proferidas no Tribunal do Júri? A proposta empregada para tanto, possui natureza bibliográfica, fundamentada a partir de doutrinas, artigos jurídicos, revistas e legislação vigente Constituição Federal de 1988. Diante da revisão de literatura, constatou-se que os tribunais do júri são formados por leigos que devem ser imparciais, mas sua decisão é muitas vezes influenciada pela opinião pública formada pela mídia. Em nosso país, a liberdade de expressão é um direito fundamental, mas o uso deste direito às vezes tem consequências negativas para o direito penal. Existe um sério conflito entre a liberdade de expressão e o princípio da presunção de inocência. Portanto, pode-se concluir que a influência da mídia na sociedade é tão grande que a liberdade de imprensa deve ceder para que os direitos fundamentais não sejam violados e o processo criminal não seja afetado pela constante busca do lucro. Portanto, o Judiciário não deve permanecer inerte diante desta influência, medidas urgentes devem ser tomadas, não somente a nível do júri, mas de todo o sistema judiciário.
Palavras Chave: Tribunal do júri. Imprensa. Julgamentos.
Hodiernamente, é indubitável a capacidade que os meios de comunicação detêm sobre o processo de formação da opinião pública. Devido às transformações tecnológicas, as relações interpessoais ganharam novas formas, e sobretudo os meios de comunicação como por exemplo: jornais, revistas, televisão, internet, etc., se utilizam dessa nova forma de transmissão de informações, cuja característica precípua é o alcance e a velocidade apta a alcançar os telespectadores em fração de segundos.
Neste contexto, desde o início da vida em sociedade, as pessoas estão fascinadas por notícias e fatos socialmente condenáveis, concentrando-se nas sanções e sentenças impostas aos infratores, e parecem gostar de assistir as mazelas dos outros (CORRÊA, 2017). O confronto entre os envolvidos em processos judiciais e a imprensa é inegável, este debate existe há muito tempo em nossa sociedade e o impacto negativo da mídia sobre a imagem do acusado não está em dúvida.
Os meios de comunicação, especialmente aqueles que sensacionalizam, acabam suprimindo o princípio constitucional da presunção de inocência e dificultando a defesa em geral, levando à condenação mesmo antes da investigação policial ou do veredicto judicial final (DIANA, 2020).
Desse modo, o artigo 2º da Constituição Federativa Brasileira estabelece que o Executivo, o Legislativo e o Judiciário são os poderes da União, independentes e coerentes entre si. O artigo 5º da Carta Magna define os direitos e estabelece os deveres dos patriotas desta nação.
Neste ínterim, o Tribunal do Júri foi estabelecido como o principal meio de julgar crimes contra a vida, ou seja, um meio de assegurar que os acusados sejam julgados por seus pares em circunstâncias iguais, protegendo-os assim de possíveis excessos do poder do Estado. No entanto, a verdade é que a influência da mídia nos julgamentos não foi prevista e, quando sem escrúpulos, é fatal para os direitos e garantias do acusado.
Nesta seara, questiona-se: quais as principais implicações que a veiculação e os excessos da mídia podem ser preponderantes quanto a sua influência nas decisões proferidas no Tribunal do Júri?
Para tanto, trata-se de um tema de suma relevância, visto que o Direito, sobretudo em sua esfera penal, sempre foi objeto de interesse e curiosidade da população. Essa problemática leva à questão sobre até que ponto as decisões judiciais proferidas pelo Tribunal do Júri estariam sendo influídas pelos posicionamentos expostos na mídia, sendo este formado, via de regra, por pessoas que não têm o conhecimento técnico da área jurídica.
Nesse sentido, os meios de comunicação, ao desconsiderarem os preceitos constitucionais, em alguns casos, condenam o réu antes mesmo de seu julgamento, não raras vezes contribuindo para um julgamento antecipado em virtude da (des)informação propagada por meios midiáticos, além de aumentarem o risco de um possível erro judiciário e gerar insegurança jurídica. Essa massificação midiática, bem como a ausência de conhecimento por alguns profissionais, advém em distorção dos acontecimentos, o que influencia gravemente no processo penal, porquanto a coletividade passa a adotar a visão de uma justiça deturpada, punitivista e não garantista.
O objetivo deste artigo foi analisar a influência dos meios de comunicação sobre os julgamentos pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri. Para chegar a esta conclusão, são necessários objetivos específicos, como analisar a origem e evolução histórica do Tribunal do Júri no Brasil, relatar a relação da mídia com as decisões do tribunal do júri, analisar a possibilidade de manipulação da opinião pública pela mídia nas decisões do Tribunal do Júri, e, por fim, elaborar uma breve explanação de alguns julgados do Tribunal do Júri que podem ter sido influenciados pela mídia, considerando o choque entre os princípios da liberdade de expressão e liberdade de imprensa.
Portanto, diante do que foi exposto, vislumbra-se a importância do tema em questão, tanto para profissionais na área do Direito, como para a sociedade em geral, pois é um tema que precisa ser difundido com mais clareza e cautela, além colocar em evidência o conflito entre a liberdade de expressão e o direito à informação. De igual forma, objetiva-se analisar como a mídia exerce papel fundamental na formação da convicção do ideário daquelas pessoas que, posteriormente, serão chamadas a compor o Conselho de Sentença, já que enquanto cidadãos do povo são mais suscetíveis de serem influenciados pelas informações difundidas pelos meios de comunicação.
Além disso, a proposta utilizada para este fim é de natureza qualitativa, pois se baseia em dados qualitativos para sustentar as hipóteses levantadas durante os trabalhos. Além disso, a revisão literária é referida como um estudo bibliográfico e é utilizada como parâmetro para encontrar respostas. Será realizado um estudo exploratório de autores que trabalham no campo do Direito Penal.
O Tribunal do Júri é uma instituição antiga, anterior a Cristo e que remonta aos povos antigos. Portanto, Ruy Barbosa (1950) rejeita a hipótese de que suas origens sejam na Inglaterra. Segundo Távora e Alencar (2017, p. 1231), "suas origens estão tanto em Roma quanto na Grécia, onde a religião era a base de tudo, onde a divindade era buscada, carecendo de apoio e proteção, tal como o julgamento de Jesus Cristo". De acordo com Tucci (2019), as origens dos julgamentos dos jurados estão na lei de Moisés, mas ele não descarta que ele teve origem na Inglaterra, por volta de 1915, e depois se espalhou para os Estados Unidos e outros continentes.
Na Inglaterra, os tribunais do júri só apareceram depois que o rei João Sem Terra assinou o documento que deu origem à Carta Magna, o documento legal original que estipulava, nos parágrafos 20 e 21, que o júri era composto de pessoas acusadas de processos, que seriam então julgadas por juízes chamados de bons homens, compostos de 12 pessoas que decidiriam; na Inglaterra, o povo conquistou o direito de julgar seus semelhantes, de modo que o julgamento do júri se deslocou rapidamente para a França e se espalhou pelo mundo (FRAGOSO, 2016).
No Brasil, o Tribunal do Júri foi incorporado à legislação brasileira em 18 de junho de 1822 pelo Príncipe Regente Dom Pedro para tratar de crimes de imprensa, e era composto por 24 (vinte e quatro) cidadãos honestos, competentes e nacionalistas, nomeados pelo Corregedor para crimes de Tribunal e Câmara, com o único desejo de preservar a imprensa brasileira (NUCCI, 2018).
Em seguida, o tribunal do júri foi incorporado nos artigos 151 e 152 da Constituição Imperial de 1824 (BRASIL, 1824) e passou a fazer parte de um sistema judicial que se tornou autônomo, formado por juízes e júris, com o júri decidindo as situações e os juízes aplicando as leis, tanto civis quanto penais (NUCCI, 2015).
Neste segmento, a Constituição do Império de 1824 incluiu o julgamento pelo júri como autoridade judicial, mas não foi incluída na lista de direitos e garantias fundamentais (PORTO, 2017).
Explica Fragoso (2016) que, em 1832, depois da reestruturação, o julgamento do júri foi desenvolvido seguindo o modelo inglês, criando dois júris, um composto de 24 jurados que faziam parte da acusação e outro de 12 que emitiam o veredicto e que só podiam constituir como jurados "homens" com direito a voto, mas em 1841, pela Lei 261, o júri da acusação foi eliminado e apenas o júri do veredicto permaneceu.
Ao abordar o assunto e considerar o impacto negativo da mídia, deve-se primeiro conceituá-lo. A mídia é a principal responsável pelas consequências sociais, este é um fato quase irrefutável, pois basta ver que ela transforma crimes em novelas e filmes, cujo resultado o público aguarda ansiosamente. Chama-se isso de medo das repercussões sociais.
A priori, o termo "mídia" tem vários significados. Hoje, é considerado o principal meio de transmissão de informações sobre diversos tópicos e fatos, do remetente ao receptor. A mídia utiliza muitas ferramentas, seja mídia impressa, televisão, programas de rádio, outdoors, Internet, cinema, telefonia e outras. Esta é um meio de disseminação de informações que fornece uma forma intermediária de expressão através do qual as mensagens podem ser transmitidas, são utilizados meios de comunicação de massa (KELLNER, 2021).
Entretanto, o ponto de partida para a compreensão do assunto não se limita a definições semânticas. A palavra meio vem do latim: "o meio é o meio, o modo, a maneira, o modo, o estado em que uma tarefa é realizada". Na linguagem técnica de comunicação, o meio se refere ao canal pelo qual o remetente transmite sua mensagem para o receptor, que é chamado de audiência. Por outro lado, a palavra mídia vem da palavra inglesa media, que pode ter duas definições: meio de transmissão de algo e também centro e ponto de equilíbrio entre os dois extremos (FRAGOSO, 2016).
A partir da concepção da mídia como um veículo, pode-se afirmar que sua função é organizar, produzir e disseminar informações que servem para entender e/ou transformar certos fatos sociais. Em contrapartida, a partir da concepção da mídia como um centro, pode-se imaginar que ela cumpre (ou pelo menos deveria cumprir) a função de difusor de equilíbrio.
Destarte, entende-se que a mídia é um meio que pode contribuir para um equilíbrio entre os diferentes componentes da sociedade através da disseminação da informação. Portanto, pode-se esperar que os meios de comunicação promovam o diálogo.
Kellner (2021) relata que, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o termo "mídia" não era amplamente utilizado no Brasil, a palavra ainda era vista de forma limitada por publicitários e jornalistas para se referir à disseminação de informações através da mídia. Até os anos 1980, as palavras-chave intelectuais eram mídia de massa, cultura de massa, indústrias culturais e, com menos frequência, tecnologia de comunicação. De acordo com Douglas Kellner (2021),
Rádio, televisão, cinema e outros produtos culturais fornecem modelos do que quer dizer gênero masculino ou feminino, ser bem-sucedido ou fracassar, ser forte ou fraco. A cultura da mídia também oferece o material através do qual muitas pessoas constroem seu senso de classe, etnia, raça, nacionalidade, sexualidade, "nós" e "eles". Ela ajuda a moldar a visão de mundo dominante e os valores subjacentes: ela determina o que é considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral (KELLNER, 2021, p 9).
Diante da citação de Kellner, pode-se ver que a mídia tem uma grande influência na construção de modelos sociais e na imagem difundida para o público em geral.
Quanto a relação da mídia com as decisões do tribunal do júri, tendo dado o conceito da mídia, agora é necessário considerar a influência da mídia nas decisões dos juízes. Sobre esta questão, a promotora Ana Lucia Menezes Vieira (2018, p. 52-53) cita:
A linguagem sensacionalista, caracterizada pela falta de restrições, procura chocar o público, provocar um impacto e exigir seu envolvimento emocional. Desta forma, a imprensa e a mídia televisiva constroem um modelo de informação que esbate os limites da realidade e da fantasia. Nada que uma pessoa vê (imagem televisiva), ouve (rádio) e lê (imprensa jornalística) deixa o consumidor de notícias sensacionalistas indiferente. As fortes emoções evocadas pela imagem são sentidas pelo telespectador. O assunto não se afasta das notícias, mas faz parte delas. A mensagem agarra o destinatário e permite que ele escape da vida cotidiana, nem que seja só por um momento. A imaginação é atraída para este mundo e o leitor ou espectador se torna inerte, incapaz de colocar uma barreira aos sentidos, de distinguir entre o real e o sensacional.
Esta incapacidade do receptor de distinguir acarreta grandes problemas e simultaneamente o maior poder para a mídia, pois, se o espectador fosse capaz de filtrar racionalmente as informações que lhe são transmitidas, ele ficaria frustrado com o sensacionalismo. Mas a mídia conhece os pontos fracos de seus receptores e os explora a seu favor.
A manipulação e interferência da mídia na esfera social é tão forte que tem consequências sociais e move a população em todas as direções: da tristeza por um incidente isolado à raiva e à necessidade urgente de tomar a justiça em suas próprias mãos ou de pressionar o próprio sistema judiciário, com implicações para o sistema penal.
Neste diapasão, a liberdade de informação é garantida por várias disposições constitucionais, tais como o Artigo 5º, parágrafos IV, IX e XIV, e o Artigo 220. Sérgio Ricardo de Souza (2018, p. 103) ressalta que:
De fato, a informação como meio de adquirir conhecimento, de conter os acontecimentos que advêm no local em que a pessoa atua, é agora mais do que um direito: é uma necessidade inegável, sem a qual não existe conhecimento, não há liberdade, a igualdade se desmorona, a existência da democracia é impedida, e a possibilidade de se alcançar uma sociedade justa e participativa é suprimida, fornecendo uma exceção indesejada e até inaceitável - de excluir a capacidade do indivíduo de interagir socialmente de uma forma que permita compreender a própria sistemática de funcionamento social e de atuar de forma crítica, tornando-se um insulto a Constituição Brasileira em seus próprios fundamentos.
O que Sergio Ricardo aponta são as diversas violações dos princípios constitucionais implícitos e explícitos devido à influência da mídia. Pode-se dizer com certeza que o problema está longe de ser conclusivo, pois a própria mídia condena a priori qualquer cidadão envolvido em um crime, horrível ou não, eliminando garantias individuais e aumentando a criminalidade, mesmo indiretamente, fazendo o público acreditar que as leis não funcionam, e as autoridades estabelecidas fazem seu trabalho, aumentando o sentimento de pânico e insegurança jurídica, enquanto o legislador opta por “malhação do Judas”, que corrige a lei sem reservas (SOUSA, 2018).
Ainda segundo os ensinamentos de Sousa, o dia fatídico chegará e os "culpados" serão finalmente derrotados, primeiro pela própria mídia, que será a primeira a cometer a traição e condenar os acusados, depois por uma população já enfurecida e cega, porque não vê o prometido efeito calmante, e finalmente pelos operadores da lei, que têm diante de seus olhos muitas brechas e rachaduras de inconstitucionalidade.
Um excelente exemplo a ser dado de toda a influência e ideia que o estado de exceção tem é a Lei de Crimes Hediondos, baseada em suas penas excessivamente severas, o que fez o acusado, agora condenado sem o benefício de um regime progressivo, acreditar que a maré de crescimento do crime seria estancada. Mas, o que tem sido esquecido é a obsolescência dos instrumentos, incluindo o aparelho policial judicial, e a ineficácia das instituições penitenciárias, que acabaram se saturando, dando origem a outras formas de organizações criminosas dirigidas a partir das mais diversas prisões do país. Deve-se notar também que as prisões se tornaram grandes "escolas do crime" que perderam sua função ressocializadora (SILVA, 2022).
Sem palavras minuciosas, pode-se dizer que a Lei de Crimes Hediondos é nada menos que um exemplo deplorável da tendência moderna para a política criminosa de mercado, alimentada pelas notícias, ou frutos da mídia, que obviamente pagam dividendos eleitorais.
É surpreendente como a mídia consegue interferir desta forma com as opiniões de indivíduos e advogados. Às vezes, o apelo emocional acrescentado às reportagens não é apenas um risco, mas também uma clara intenção de distorcer os fatos tornados públicos. Isto é altamente insensato em relação a incidentes que serão objeto de julgamentos criminais, pois pode criar uma série de conflitos entre os valores legais.
A cobertura repetida dos crimes, concentrando-se no suposto autor, apresentando o acusado como um bandido ou um "inimigo do Estado", cria uma tensão entre o direito à liberdade de expressão e os direitos individuais do acusado, ambos constitucionalmente importantes (SILVA, 2022).
Destarte, o que mais consterna é que antes que a mídia tivesse tanta credibilidade diante do povo, eles só se tornaram aliados, o que tornou a mídia cada vez mais influente e, com uma reação social, contribuiu para o desequilíbrio de nosso sistema judiciário, o que é confirmado pelo contágio de ideias seculares e ainda mais desequilíbrio.
Assim, resta saber se um juiz com poder de decisão, ou o que pode-se chamar de veredicto de livre motivação, pode realmente cair sob a influência de negligência da mídia e ressonância pública, sentindo uma pressão direta ou indireta para punir este réu mais severamente, tratando-o com a mesma opinião que a mídia amplamente divulgou, privando-se assim de imparcialidade e "livre convicção" (NUCCI, 2018).
Ainda sobre a questão da influência, a mídia molda a opinião pública, criando medo, terror, incerteza e a falsa realidade de um momento social vivido.
Além disso, confirmam uma atmosfera de indignação, convulsão social, agitação popular e pressão sobre os envolvidos no processo, causando danos irreparáveis ao acusado como exclusão social, prisão injustificada, ou seja, a punição por seu suposto crime já começa a fluir no momento da acusação, do julgamento preliminar e finalmente da condenação do acusado com o princípio constitucional de julgamento justo e ampla proteção.
É necessário citar in verbis Jadson Pereira de Almeida sobre o impacto da coleta de informações sobre o sistema de justiça criminal e o julgamento justo:
Na sociedade brasileira contemporânea, a justiça criminal e a mídia têm uma relação muito estreita. As pessoas estão interessadas em informações sobre o contorno das regras penais. Assim, a imprensa não pode ficar alheia aos interesses por trás do crime, mesmo que seja o "olho da sociedade". Jornais, revistas e programas noticiosos de televisão e rádio dedicam muito espaço a este tipo de notícias. A revelação dos crimes e o sensacionalismo de certas mídias tendem a reforçar o clima de medo e insegurança. O crime atinge seu auge e a sociedade começa a acreditar que está sofrendo com o crime. Cria-se uma falsa realidade que evita os verdadeiros números do crime (ALMEIDA, 2017, p. 33).
A mídia, com todas as suas intervenções, acaba sendo um tribunal popular cheio de traumas constitucionais e veredictos arbitrários.
O poder da mídia é tão conhecido que tem sido chamado de quarto poder de governo, juntamente com os poderes legislativo, executivo e judiciário (BRITO, 2019). Nos últimos anos, a imprensa tornou-se tão poderosa que é difícil acreditar que tenha sido censurada, ou ainda seja, em algumas partes do mundo. É muito notável sua importância para a própria sociedade, pois a mídia é verdadeiramente indispensável hoje em dia, mas ela deve se limitar a retratar os acontecimentos com precisão, sem atrasos desnecessários ou sensacionalismo. O principal problema com isto é a falta de ética profissional e de lealdade à informação.
Esta ideia da mídia como quarto poder surgiu há muitos anos, como diz Auriney Uchôa de Brito:
A ideia da mídia como “quarto poder” nasceu na Inglaterra no início do século XX, quando uma galeria foi instalada no prédio do Parlamento inglês para abrigar os repórteres encarregados de monitorar as decisões dos três poderes: secular, clerical e comunal. Assim, a presença daqueles que tornam essas decisões conhecidas é conhecida como o "quarto estado". O termo tornou-se popular nas democracias ocidentais até se associar com os poderes conhecidos: o legislativo, o executivo e o judiciário. Até então, os responsáveis pela visibilidade dos assuntos públicos constituíam o poder de controle e eram necessários para garantir a possibilidade de expressão do pensamento e a liberdade de expressão dos cidadãos. Trata-se de controlar os cidadãos para o pleno exercício da democracia (BRITO, 2019, p.12).
Assim, nota-se que a mídia teve sua influência por muito tempo, a questão que surge agora é se esta influência pode ser usada em benefício do poder legítimo ou não. Obviamente, pode-se responder que não é para melhor, pois várias consequências negativas das atitudes da mídia foram listadas. Logo percebe-se que o termo "quarto poder" vem do poder e influência que a mídia exerce sobre a população em geral, manipulando e sensacionalizando notícias e fatos, o que em última instância leva a "construir" sua verdade ou o que eles acreditam ser a verdade, de modo que as pessoas se alienam e reproduzem fielmente o que foi vendido (BRITO, 2019).
As pessoas alienadas se tornam marionetes porque são fáceis de manipular, fáceis de tratar e fáceis de fazer reproduzir o que querem. E infelizmente, é fácil verificar que a população em geral não questiona as informações transmitidas pela mídia, essas informações são facilmente assimiladas e consequentemente plantadas na mente dessas pessoas, que sem mais delongas começam a reproduzir o que lhes foi dito, ou mesmo sem questionar se as notícias que lhes são dadas são justificadas ou não.
O exagero nas ações e reportagens da mídia muitas vezes cruza a linha de consideração e ética e se torna distorcido, por exemplo, quando um jornalista investigativo começa a deflagrar uma operação policial amadora, age politicamente ou mesmo julgando, fabricando vítimas e suspeitos em suas histórias (BUDÔ, 2016). Neste caso, a mídia muitas vezes esquece os direitos individuais em nome de um direito perverso à informação. Claramente, a grande maioria dos casos diz respeito aos direitos dos acusados que, diante do direito constitucional à liberdade de imprensa, acabam por ignorá-lo.
Nos comentários de Juliana Câmara (2022),
Ao relatar os desenvolvimentos no sistema de justiça criminal, o funcionamento deste mecanismo de disseminação de informações entra em conflito com os direitos individuais explicitamente protegidos pela Carta Magna (CAMÂRA, 2022, p. 58).
O enfraquecimento dos direitos e garantias fundamentais veiculados pela mídia significa que, em última análise, é a opinião individual de cada cidadão que, não tendo pleno acesso a informações confiáveis sobre os fatos relatados nas notícias, acaba acreditando no que é veiculado. Tal circunstância pode constituir uma violação real das garantias fundamentais quando os réus são julgados por seus pares em um julgamento de júri, como estabelecido constitucionalmente no Artigo 5º, parágrafo XXXVIII.
Livrar-se de preconceitos, ideias preconcebidas e experiências passadas não é uma tarefa fácil hoje, dada a atração da mídia por crimes deliberados contra a vida. Como são as pessoas, em sua maioria não iluminadas, visadas pela mídia, que decidirão a liberdade de seus pares em casos perante o júri popular, todas as informações veiculadas pela mídia podem influenciar muito a decisão do júri, fazendo com que o júri aja mais com base nas emoções e preconceitos propagados pela mídia do que com base na razão e imparcialidade na avaliação das informações fornecidas a eles durante o julgamento (LEITE, 2021).
Desse modo, um réu que não é realmente responsável por um crime contra a vida pode ser considerado culpado no final do julgamento, graças a uma verdade inventada pela mídia e transmitida às massas através de informações jornalísticas incessantes e ações inúteis da mídia política. Quanto ao discurso criminalista da mídia brasileira de hoje, que influencia a opinião pública dividindo o bem e o mal de uma forma maniqueísta, Budó (2016), explica:
Além disso, a mídia também contribui para reforçar os sentimentos de medo e insegurança que desvalorizam o sistema de justiça criminal. Isto acontece através da disseminação de discursos que incentivam a punição sem destacar as deficiências do sistema de justiça criminal (BUDÓ, 2016, p. 59).
Outra forma de contribuir para a intensificação do sistema de justiça criminal é a destruição conceitual dos direitos e garantias básicas de suspeitos, réus e condenados, reduzindo o ideal do fiador a uma ilusão de "tolerância ao crime" (PEREIRA NETO, 2019, p.10).
As ações da mídia podem pôr em perigo os direitos e garantias fundamentais e invioláveis dos cidadãos, expondo constantemente os envolvidos em crimes de alta visibilidade e influenciando e manipulando as decisões do povo nos casos em que eles, através de um tribunal popular, decidem sobre o futuro de seus semelhantes, com base nas informações transmitidas pela mídia. Neste sentido, dois casos reais e recentes merecem ser mencionados como ilustração, nos quais a constante interferência da mídia na cobertura dos crimes acabou dando comoção nacional ao fato, criando uma situação de mal-estar e um clamor geral da sociedade.
O caso de Isabella Nardoni, a menina que morreu após ter sido jogada de uma janela do sexto andar por seu pai e madrasta no início de 2008, é um dos crimes mais comentados nos últimos anos, especialmente por causa das circunstâncias do caso. A vítima tinha apenas cinco anos na época e a forma como foi morta foi brutal e fria. A notícia foi constantemente atualizada para que todos pudessem ter acesso ao caso e acompanhar o progresso da investigação e a vida das pessoas envolvidas na morte de Isabella.
Um dos jornais mais respeitados e lidos no país, a Folha de São Paulo, publicou diariamente notícias, às vezes vários artigos por dia, sobre o caso de Isabella desde 29 de março, data do incidente, até vários meses depois, basta fazer uma rápida busca das notícias no site oficial do jornal (MANZINI, 2008). Todos acompanharam de perto os resultados dos exames, o conteúdo dos testemunhos, os interrogatórios e os comentários dos especialistas, assim como a vida dos dois suspeitos.
Com relação a este último, deve-se notar que, desde o início, embora os relatos se referissem a eles como "suspeitos" ou "investigadores", havia muitos relatos identificando o pai e a sogra da vítima como os verdadeiros culpados, seja através de declarações de advogados, jornalistas ou mesmo de artistas influentes.
Para confirmar isto, dezenas de pessoas se reuniram em diferentes lugares para protestar contra o casal acusado, exigindo justiça, chamando-os de "assassinos" e até mesmo incitando a um linchamento público dos acusados. Em março de 2010, o pai e a madrasta de Isabella foram considerados culpados por um tribunal da morte de uma criança e condenados a 31 anos, 1 mês e 10 dias e 26 anos e 8 meses de prisão, respectivamente, o que chamou a atenção de muitas pessoas, inclusive em público (MANZINI, 2008).
Muniz Sodré, ao destacar a importante interferência da mídia no caso Nardoni, sublinha e identifica uma característica desta interferência: a ausência de "ouvir as vozes a favor", como ele diz, do casal acusado. Ele acrescenta:
No entanto, a mídia não é um julgamento do júri. Sua função é relatar os fatos e o processo, mas não julgar, apesar do que parece óbvio para todos. Seria útil para o jornalismo ouvir declarações de pessoas próximas ao acusado, tais como pais, irmãos, etc. Isto poderia lançar luz sobre o caso e os fatos. Isto poderia lançar luz socialmente útil sobre distorções perversas da consciência, sobre o que é conhecido em português do século XVI como maleza (SODRÉ, 2010, ed. 583).
Outro caso interessante de impacto social, muito semelhante ao anterior, é o desaparecimento de Elisa Samúdio, amante do ex-goleiro do Flamengo Bruno, em 2010. O esportista teve um caso com Elisa, uma relação de curta duração, mas que permitiu à então modelo e atriz ter um filho com Bruno, que não reconheceu a paternidade da criança. Segundo relatos, antes de seu desaparecimento, Eliza disse à família que, a pedido de Bruno, ela iria a uma fazenda de goleiros perto de Contagem, Minas Gerais, para que eles pudessem conversar. A vítima desapareceu desde então e ainda não foram encontrados restos mortais para provar a morte de Eliza, mas para a defesa, esta foi uma suposição, uma vez que os participantes do crime a admitiram.
Camargo (2011) relata que o tribunal condenou o ex-atleta a 22 anos e três meses de prisão, além de penas de prisão para outros participantes e cúmplices do goleiro, que deram detalhes de como capturaram Eliza, a mataram e esconderam seu corpo. Desde o início da investigação, a imagem de Bruno e Eliza na mídia mudou. No início, Bruno foi apenas uma vítima do mistério do desaparecimento de Eliza, depois de algumas revelações policiais, Bruno passou de um esportista excitado a um assassino violento, assim como a vítima mortal passou de prostituta a modelo e uma jovem mulher com sonhos interrompidos.
Na ausência de informações sobre o caso, a problemática relação do goleiro com várias mulheres e o filho do casal foram objeto de dois artigos no Último Segundo, que podem ser considerados exemplos da influência e irresponsabilidade da mídia no planejamento e enquadramento de histórias que, além de controversas, podem ter um impacto negativo, julgando injustamente as pessoas e usando o espetáculo para atrair o público, alcançando assim o que às vezes parece ser o único objetivo (CAMARGO, 2011).
Os comentários de Luciano Martins Costa em julho de 2010 também mostraram a obsessão da mídia com o caso e a iminente condenação dos suspeitos:
Os jornais semanais já haviam publicado a história do desaparecimento de Elisa Samúdio em suas primeiras páginas, mas só na quarta-feira (7/7) é que a imprensa teve acesso aos detalhes horripilantes do crime. Ao final da semana, a polícia não tinha dúvidas e a imprensa já havia dado seu veredicto (COSTA, 2010).
Os exemplos acima demonstram que o papel da mídia em muitos casos de crime de alto impacto vai além da mera reportagem, e que a mídia efetivamente manipula os fatos de forma seletiva e planejada, identificando e condenando os perpetradores, influenciando assim fortemente as opiniões daqueles que não têm acesso a informações confiáveis.
Ao término deste estudo, pôde-se perceber que, na atual era da informação, a popularização da mídia, como a televisão e a Internet, significa que todo tipo de informação atinge quase todos os brasileiros, inclusive as classes mais baixas, que carregam pouco ou nenhum conhecimento técnico. E que, dada a forte influência da mídia na sociedade, é urgente reformar o tribunal do júri para assegurar os direitos e garantias augurados na Constituição Brasileira.
É bem conhecido que hoje a mídia vai além de seu papel de mera informação e influencia o sistema judicial e as decisões dos jurados, que se sentem pressionados a julgar de acordo com o que a mídia dita. Um jurado, como pessoa sem conhecimento legal, assistindo às notícias e sendo bombardeado de emoções, não pode ser imparcial durante um julgamento.
Notou-se também que os jurados não devem ser influenciados de forma alguma, pois é assim que o júri expressa seu livre-arbítrio. Mas, diante disso questiona-se como a mídia pode relatar fatos criminosos como se eles fossem verdadeiros? A imparcialidade das decisões do júri deve ser garantida para que o princípio da presunção de inocência não seja violado. Devem ser encontradas formas de impedir que a mídia interfira e influencie o processo criminal.
Os membros do tribunal do júri devem desconsiderar o que foi publicado na mídia e manter o foco apenas ao que foi dito pela acusação e pela defesa e confiar na verdade real. A mídia tem interesse declarado em influenciar o público com suas sensacionais notícias com o único propósito de lucro.
Assim, este artigo concluiu que a influência da mídia na sociedade é tão grande que a liberdade de imprensa deve ceder para que os direitos fundamentais não sejam violados e o processo criminal não seja afetado pela constante busca do lucro. Portanto, o Judiciário não deve permanecer inerte diante desta influência, medidas urgentes devem ser tomadas, não somente a nível do júri, mas de todo o sistema judiciário.
ALMEIDA, Judson Pereira de. Os meios de comunicação de massa e o Direito Penal: a influência da divulgação de notícias no ordenamento jurídico penal e no devido processo legal. Vitória da Conquista-BA: 2017. Monografia Científica em Direito na FAINOR-Faculdade Independente do Nordeste.
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graduanda do curso de Direito pela Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão – UNISULMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Maria Eduarda Moreira. A mídia como o quarto poder e sua influência no Tribunal do Júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59813/a-mdia-como-o-quarto-poder-e-sua-influncia-no-tribunal-do-jri. Acesso em: 23 dez 2024.
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