EMANUELLE ARAÚJO CORREIA[1]
(orientador)
Resumo: O presente artigo visa compreender os crimes contra a honra praticados no âmbito virtual, apontando as suas previsões na legislação penal pátria e como o legislador tratou no Código Penal Brasileiro as condutas que violam a honra e, por conseguinte, como previu as punições para estes crimes se praticados na internet. Dar relevância e citar as previsões legais dos crimes contra a honra, tornou possível reconhecer a correlação destes crimes e o ambiente virtual, atendo-se a migração das interações entre os indivíduos, mais precisamente para as redes sociais, movimento este que trouxe consigo também, os entraves. Com o advento da era digital, houve o rompimento das fronteiras geográficas e surgiu a possibilidade de comunicação entre os usuários mesmo que separados por quilômetros de distância. Então, caso ocorra a violação da honra de um indivíduo no ambiente digital, em qual jurisdição estará fixada a competência para processamento e julgamento da ação penal, no lugar onde o crime foi praticado ou no local onde a vítima tomou conhecimento das agressões. Diante do problema, na presente pesquisa apresenta-se quais os entendimentos dos tribunais acerca da competência para julgamento dos tipos penais.
Palavra-chave: Crimes. Honra. Virtual. Competência. Internet.
Abstract: This article aims to understand the crimes against honor practiced in the virtual environment, pointing out its provisions in the national criminal legislation and how the legislator treated in the Brazilian Penal Code the conduct that violates honor and, therefore, how it predicted the punishments for these crimes. if practiced on the internet. Giving relevance and citing the legal provisions of crimes against honor, made it possible to recognize the correlation of these crimes and the virtual environment, considering the migration of interactions between individuals, more precisely to social networks, a movement that also brought with it, the obstacles. With the advent of the digital age, there was the breaking of geographic borders and the possibility of communication between users emerged even if separated by kilometers of distance. So, if an individual's honor is violated in the digital environment, in which jurisdiction will the competence to process and judge the criminal action be established, in the place where the crime was committed or in the place where the victim became aware of the aggressions. Faced with the problem, this research presents the understandings of the courts about the competence to judge criminal types.
Keywords: Crimes. Honor. Virtual. Competence. Internet.
Sumário: 1 Introdução. 2 O conceito de crimes contra honra e como são cometidos. 2.1 A tipificação dos crimes contra a honra. 3 A correlação entre os crimes contra a honra e o ambiente virtual. 3.1 Crimes contra a honra e o ambiente virtual. 3.2 Crimes contra a honra no ambiente virtual e suas consequências para as vítimas. 3.3 Crimes contra a hora no ambiente virtual e aplicação da lei penal. 4 Entendimentos dos tribunais acerca da competência para julgamento dos tipos penais. 5 Considerações Finais. 6 Bibliografia.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo científico jurídico tem como ênfase a compreensão dos crimes que agridem a honra do sujeito quando o modus operandi do agente ativo é a utilização do ambiente virtual para a propagação da ofensa à vítima e, por conseguinte, a observância de como a jurisprudência nacional lida com a fixação de competência quanto ao processamento e julgamento desses crimes.
A princípio, apontar quais são os crimes contra a honra positivados na lei penal pátria foi o ponto de partida para identificar tais figuras típicas durante a ocorrência dos entraves sociais presentes nas interações entre os usuários no âmbito virtual. Aqui há de se destacar a evolução das relações interpessoais com o advento da internet no século 21 e a vigência do Código Penal brasileiro desde 1940.
Com o advento da internet e a migração das relações sociais para o ambiente virtual, a correlação entre os crimes contra a honra e o âmbito virtual surge desde que as fronteiras geográficas foram extravasadas e pessoas passaram a interagir mesmo que separadas por muitos quilômetros de distância.
Durante o desenvolvimento da pesquisa, foi possível observar que paira sobre o ambiente virtual uma falsa sensação de que se trata de uma “terra sem lei”, onde criminosos se escondem por trás de perfis fakes e destilam ódio aos seus desafetos.
Utilizando-se da metodologia bibliográfica integrativa, foi possível identificar o entendimento atualizado dos tribunais sobre a fixação da competência para o processamento e julgamento dos crimes contra a honra quando cometidos no âmbito virtual, que busca efetiva aplicação da lei penal e punição do agente ativo do crime.
Desta forma, ao fim da presente pesquisa tem-se como objetivo relatar como o ordenamento brasileiro está lidando com a ocorrência dos crimes em estudo quando praticados no âmbito virtual e também, apresentar o entendimento jurisprudencial atualizado acerca da fixação de competência para o julgamento e processamento de tais crimes e, por fim, descrever se a positivação do legislador penal está munida de real aplicabilidade.
Os crimes contra a honra são as figuras típicas elencadas nos artigos 138 a 140, capítulo V do Código Penal Brasileiro e têm como bem juridicamente protegido a honra.
A honra é imaterial, construída pelo sujeito ao longo da sua existência perante os meios sociais que convive e perante si mesmo, é a sua distinção dos demais seres, formada através da sua personalidade e feitos. A honra carrega em si os indicativos do comportamento do sujeito, perfaz o seu nome e o posiciona na sociedade. Por isso e por tanto, qualquer agressão à honra tem efeitos incalculáveis e ao longo da história o legislador não cuidou tão somente das repercussões na esfera cível, mas também, há a presença de crimes que tipificam as agressões contra a honra nos Códigos Penais o que traduz a significância desse bem.
Guilherme Nucci (2019, p.279) conceitua a honra como:
A faculdade de apreciação ou o senso que se faz acerca da autoridade moral de uma pessoa, consistente na sua honestidade, no seu bom comportamento, na sua respeitabilidade no seio social, na sua correção moral; enfim, na sua postura calcada nos bons costumes.
Sob a ótica doutrinária, há de se entender a honra e, por conseguinte, a repercussão das agressões contra esta por duas searas, a objetiva e subjetiva.
Segundo Damásio de Jesus (2020, p.288), há clara distinção entre as duas classificações:
A honra subjetiva é o sentimento de cada um a respeito de seus atributos físicos, intelectuais, morais e demais dotes da pessoa humana. É aquilo que cada um pensa a respeito de si mesmo em relação a tais atributos. Honra objetiva é a reputação, aquilo que os outros pensam a respeito do cidadão no tocante a seus atributos físicos, intelectuais, morais etc. Enquanto a honra subjetiva é o sentimento que temos a respeito de nós mesmos, a honra objetiva é o sentimento alheio incidido sobre nossos atributos.
As duas classificações possuem aplicação prática, ora vista que através destas há de se visualizar o momento em que os crimes contra a honra previstos pela lei penal brasileira se consumam. Sobre o tema, tão bem exemplificou Rogério Greco (2022, p. 268):
Chamar alguém de mau-caráter, por exemplo, além de atingir a dignidade do agente, macula sua imagem no meio social. Dessa forma, somente podemos considerar a distinção entre honra objetiva e honra subjetiva para identificar a classificação da figura típica, bem como para poder apontar, com mais segurança, o momento de consumação da infração penal pretendida pelo agente.
Por fim, dentre as explicações supracitadas, é possível identificar que a calúnia e a difamação agridem a honra objetiva do sujeito, já a injúria atinge a honra subjetiva.
2.1 A TIPIFICAÇÃO DOS CRIMES CONTRA A HONRA
A Calúnia é elencada como o crime mais grave dentre os crimes contra a honra e, hodiernamente, praticado no ambiente virtual. Tal relevância se apresenta na pena base disposta pelo legislador penal que perfaz em seis meses a dois anos e multa, no regime de detenção.
Segundo Bitencourt (2006, p. 348), “calúnia é, em outros termos, uma espécie de ‘difamação agravada’ por imputar, falsamente, ao ofendido não apenas um fato desonroso, mas um fato definido como crime”.
Doutrinariamente, a calúnia é classificada como um crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoal e não há nenhuma condição especial quanto ao agente passivo. Ademais, resta salientar que além das pessoas físicas vivas, o tipo penal também torna punível a calúnia contra mortos e pessoas jurídicas.
O crime de difamação está tipificado no artigo 139 do Código Penal Brasileiro e consiste na conduta de imputar a outrem fato que ofenda a sua reputação.
Nas redes sociais, é um crime observado com certa frequência, ora vista, a quantidade de usuários que se autodenominam “perfis de fofoca”. Estes usuários buscam visibilidade comentando a vida alheia, destilando comentários vazios e pejorativos. Sobre o tema, Greco (2022, p. 290) comenta que “na verdade, com a difamação pune-se, tão somente, aquilo que popularmente é chamado de “fofoca.” É, outrossim, o crime daquele que, sendo falso ou verdadeiro o fato, o imputa a alguém com o fim de denegrir sua reputação.”.
A difamação pode ser praticada por qualquer pessoa contra qualquer pessoa, seja física ou jurídica, sem critérios de qualidade ou condição especial.
O crime de injúria está disposto no artigo 140 do Código Penal Brasileiro e tipifica como crime a conduta que resulte em ofensa a dignidade ou a decoro de alguém. Disciplina Aníbal Bruno (1976, p. 300):
Injúria é a palavra ou gesto ultrajante com que o agente ofende o sentimento de dignidade da vítima. O Código distingue, um pouco ociosamente, dignidade e decoro. A diferença entre esses dois elementos do tipo é tênue e imprecisa, o termo dignidade podendo compreender o decoro. Entre nós costumava-se definir a dignidade como o sentimento que tem o indivíduo do seu próprio valor social e moral; o decoro como a sua respeitabilidade. Naquela estariam contidos os valores morais que integram a personalidade do indivíduo; neste as qualidades de ordem física e social que conduzem o indivíduo à estima de si mesmo e o impõem ao respeito dos que com ele convivem. Dizer de um sujeito que ele é trapaceiro seria ofender sua dignidade. Chamá-lo de burro, ou de coxo seria atingir seu decoro.
Dentre os crimes contra a honra elencados pela lei penal brasileira, na sua forma simples a injúria é o menos grave, tem como pena a detenção de um a seis meses. No entanto, passa ao status de crime mais gravoso quando praticado em sua forma qualificada, conforme disciplina o §3° do Código Penal Brasileiro “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.
Tanto o polo do sujeito ativo, quanto o do sujeito passivo pode ser ocupado por qualquer pessoa física. No caso da injúria, por ser um atentado a honra subjetiva da vítima, não podem ser vítimas do crime as pessoas mortas e as pessoas jurídicas.
A cerca dos meios pelos quais se pode praticar os crimes contra honra, HUNGRIA (1958, p.38) delimita que: “É praticado mediante linguagem falada (emitida diretamente ou reproduzida por meio mecânico), escrita (manuscrito, datilografado ou impressa) ou mímica, ou por meio simbólico ou figurativo. Verbis, scriptis, nutu et facto.”.
A partir da explicação do doutrinador, é passível vislumbrar que os crimes em debate podem ser praticados no mundo fático através da linguagem verbal e não verbal, e também, no mundo virtual, desde que presentes as elementares do tipo penal, que serão correlacionadas no próximo capítulo.
Para reconhecer a correlação dos crimes contra a honra e a condutas praticadas por usuários no ambiente virtual, é necessário identificar as condutas e, por conseguinte, pontuar a sua tipificação, atentando-se a presença das elementares dos crimes contra a honra, pois é sabido que para uma conduta ser considerada típica, o agente deve praticar as elementares do tipo penal.
Como vislumbra Grego (2022), as elementares são dados substanciais das figuras típicas, por isso, sem a presença destas, a conduta do agente não é reprovável e, há de se falar em atipicidade absoluta ou atipicidade relativa. Assim, para que uma conduta praticada por um sujeito seja tipificada como um crime de calúnia, por exemplo, é preciso que o sujeito impute de forma falsa a alguém fato definido como crime, já no crime de difamação a imputação deve ser de fato ofensivo à reputação da vítima e por fim, na injúria, o agente deve ofender a dignidade e o decoro da vítima.
3.1. CRIMES CONTRA A HONRA E O AMBIENTE VIRTUAL
Desde que presentes os aspectos supracitados, é sabido que os crimes contra a honra podem ser praticados tanto no mundo fático, quanto no mundo virtual. Mas, tendo em vista o imensurável alcance da conduta que transgrede a honra da vítima, o legislador penal cuidou de inserir no capítulo V do Código Penal Brasileiro uma causa de aumento de pena caso o crime contra a honra seja cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais presente na rede mundial de computadores.
Com o advento da Lei 13.964 de 2019, mais conhecida como Pacote Anticrime, em um momento de grande expansão da utilização do ambiente virtual para comunicação e interações sociais, a novidade legislativa trazida pelo parágrafo 2° do artigo 141 do Código Penal, traduz a preocupação do legislador em punir de forma mais gravosa as práticas delitivas na internet. Para Rogério Grego (2022, p. 315), “Aqui, faz-se necessária a aplicação dessa majorante em virtude do alcance de uma quantidade incalculável de pessoas que poderão tomar conhecimento dos crimes praticados pelo agente, potencializando os danos causados à honra da vítima.”
O parágrafo 2° do artigo 141 do Código Penal (Brasil, 1940), disciplina que "Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena”.
3.2. CRIMES CONTRA A HONRA NO AMBIENTE VIRTUAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA AS VÍTIMAS
Assim, não resta dúvidas que o legislador reconhece a facilidade de propagação das agressões no ambiente virtual, devido a velocidade das interações, e que por isso, os danos causados as vítimas são imensuráveis e merecem punições mais gravosas.
Com o advento da era digital e a crescente democratização do uso da internet, nasceu o movimento de migração das interações sociais para o meio virtual. A distância geográfica deixou de ser uma limitação para que pessoas se comunicassem e as mídias sociais passaram a hospedar esses usuários e, por conseguinte, suas manifestações. Observando este cenário, Damásio de Jesus e José Antônio Milagre (2016, p.14), discorrem:
É inerente a esta sociedade que o aceso livre às tecnologias e à rede seja um direito de todos os cidadãos. Mais do que isso, garantias e liberdades constitucionais passam a ser consideras e refletidas à luz dos impactos que as novas tecnologias trazem no dia a dia.
Nesse cenário, junto com o crescente número de adeptos, há de se falar também no crescimento de entreves social, advindo de discursões rasas e infundadas, onde pessoas ofendem umas as outras com a carapaça de um perfil em redes sociais.
Quanto aos danos amargados pelas vítimas dos crimes contra honra, a psiquiatra Marie-France Hirigoyen (2002, p.77), dispõe sobre os seus efeitos:
As consequências especificam, em curto prazo, pelas vítimas são o estresse e a ansiedade, combinado com um sentimento de impotência e humilhação. Destes danos derivam perturbações físicas, como cansaço, nervosismo, distúrbios do sono, enxaqueca, distúrbios digestivos, dores na coluna, entre outros. Dizemos que “tais perturbações seriam uma autodefesa do organismo a uma hiper estimulação e a tentativa de a pessoa adaptar-se para enfrentar a situação.
Logo, há de se destacar que a punição prevista em lei visa coibir a prática dos crimes contra honra e prevenir o possível adoecimento das vítimas, ultrapassando a esfera penal e visando cumprir a função da positivação legislativa, sendo esta, a pacificação social.
3.3. CRIMES CONTRA A HONRA NO AMBIENTE VIRTUAL E APLICAÇÃO DA LEI PENAL
A identificação dos autores dos crimes contra a honra praticados na internet ainda é uma questão problemática e que exige atenção estatal. Criminosos escondidos por trás de perfis falsos em face da capacidade limitada das autoridades policiais, que se dá pela falta de recursos necessários para a investigação e repressão, demonstram que não adianta o legislador penal prevê maiores punições para os infratores, se em contrapartida há a ineficiência estatal em investigar e identificar os criminosos.
Sobre o tema, Clayton Bezerra e Giovani Agnoletto (2019, p.72), disciplinam sobre uma possível prática para melhor investigação dos crimes cometidos no ambiente virtual:
As redes gratuitas de internet permitem o uso por pessoas não identificada, o que gera mais riscos de cometimento de crimes e outros ilícitos, já que dificultam a identificação do autor, devendo ser sempre solicitado um cadastro do usuário para fins de utilização da rede, como forma de se evitar o anonimato para o cometimento de crime.
A sensação de impunidade empodera os criminosos, a falsa ideia de que a internet é uma “terra sem lei” ainda é dominante entre o senso comum, ora vista a vagarosa resposta estatal para fins de coibir, reprimir tais práticas e punir os culpados.
Em virtude dessa falsa sensação de que a internet é uma “terra sem lei”, tornou-se comum a utilização de perfis falsos, difusão de discursos de ódio envolvendo difamação, calúnia e injúria, discriminações e violência. Além disso, devido a globalização, um indivíduo pode comunicar-se com outro que está a quilômetros de distância, o que dá ainda mais a ideia de ser um ambiente totalmente permissivo, visto a dificuldade em chegar-se ao transmissor da mensagem criminosa.
É urgente a necessidade de o Estado aparelhar seus agentes para que haja o efetivo cumprimento da matéria disciplinada pela lei penal e, que o judiciário se prepare para os corretos julgamentos sobre o tema, a fim de aplicar as sanções previstas na lei penal.
4. ENTENDIMENTOS DOS TRIBUNAIS ACERCA DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DOS TIPOS PENAIS
Além das já citadas dificuldades para a identificação dos criminosos, outro entrave dificulta o processamento e julgamento dos crimes contra a honra é o conflito de competência entre os juízos.
Tendo em vista que no âmbito virtual a interação entre os usuários extravasa as barreiras geográficas, podendo assim, uma pessoa ser vítima de um crime contra a honra praticado por um agente que está localizado a quilômetros dela, surge o conflito de competência entre os juízos do local onde a vítima toma conhecimento do fato e do local onde o agente praticou o crime.
À luz do princípio da territorialidade, que disciplina sobre a aplicação da lei penal no espaço, o local do crime deve ser identificado para que haja a aplicação da lei penal. Nesse viés, existem três teorias que buscam definir qual o local do crime para fins de aplicação da lei penal, são elas a teoria da atividade, a teoria do resultado e a teoria mista ou da ubiquidade.
A teoria da atividade considera o local do crime onde há a prática da ação ou omissão, independentemente se a produção do resultado se deu em outro local. Já a teoria do resultado, preconiza que o local do crime é onde houve a produção do resultado da conduta omissiva ou comissiva, independentemente do local onde estas foram praticadas. Por fim, a teoria mista, adotada pelo Código Penal Brasileiro (Brasil, 1940), e disposta no artigo 6°, caput, “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.
Em recente julgamento em um conflito de competência entre juízes de dois estados distintos, de João Pessoa, na Paraíba e de Brasília, no Distrito Federal, distantes um do outro em mais de 2.000 quilômetros, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu por ser competente o juízo na comarca em que a vítima toma conhecimento da ofensa.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. INJÚRIA. INTERNET. UTILIZAÇÃO DO INSTAGRAM DIRECT. CARÁTER PRIVADO DAS MENSAGENS. INDISPONIBILIDADE PARA ACESSO DE TERCEIROS. CONSUMAÇÃO. LOCAL EM QUE A VÍTIMA TOMOU CIÊNCIA DAS OFENSAS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que no caso de delitos contra a honra praticados por meio da internet, o local da consumação do delito é aquele onde incluído o conteúdo ofensivo na rede mundial de computadores. Contudo, tal entendimento diz respeito aos casos em que a publicação é possível de ser visualizada por terceiros, indistintamente, a partir do momento em que veiculada por seu autor. 2. No caso dos autos, embora tenha sido utilizada a internet para a suposta prática do crime de injúria, o envio da mensagem de áudio com o conteúdo ofensivo à Vítima ocorreu por meio de aplicativo de troca de mensagens entre usuários em caráter privado, denominado "instagram direct", no qual somente o autor e o destinatário têm acesso ao seu conteúdo, não sendo para visualização por terceiros, após a sua inserção na rede de computadores. 3. Aplicação do entendimento geral de que o crime de injúria se consuma no local onde a Vítima tomou conhecimento do conteúdo ofensivo, o que, na situação dos autos, ocorreu em Brasília/DF. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 12.ª Vara do Juizado Especial Criminal de Brasília – SJ/DF, o Suscitado.
A decisão supracitada versa sobre o processamento do crime de injúria, onde a consumação do crime acontece no momento em que a ofensa atinge a honra subjetiva da vítima e, é cristalino que a Corte coerentemente seguiu a matéria disciplinada pela teoria do resultado, também seguida pelo Código de Processo Penal (BRASIL,1941) que diz em seu artigo 70 “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.”.
No entanto, a decisão segue a contrassenso dos precedentes do mesmo tribunal, pois este entende que o local de consumação dos crimes praticados na internet é a localidade a qual o autor veicula a ofensa. Tal entendimento, que por hora vem sendo aplicado pacificamente há dez anos, merece ser debatido.
CRIME CONTRA A HONRA PRATICADO PELA INTERNET.NATUREZA FORMAL. CONSUMAÇÃO NO LOCAL DA PUBLICAÇÃO DO CONTEÚDO OFENSIVO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITANTE PARA O CONHECIMENTO E JULGAMENTO DO FEITO. 1. Crimes contra a honra praticados pela internet são formais, consumando-se no momento da disponibilização do conteúdo ofensivo no espaço virtual, por força da imediata potencialidade de visualização por terceiros. 2. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo suscitante para o conhecimento e julgamento do feito." (CC 173.458/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/11/2020, DJe 27/11/2020.).
Ainda que o julgado supracitado verse sobre o processamento e julgamento dos crimes de calúnia e difamação, aqueles que a consumação se dá após a veiculação da ofensa e o acesso desta por terceiros, potencializado através da fácil disseminação de informações na internet, não há dúvidas que o bem jurídico tutelado, a honra objetiva da vítima, é maculada, principalmente, perante o seu ciclo social, dentre os seus familiares, amigos e colegas de trabalho.
Destarte, ao considerar do local da publicação das ofensas a localidade da consumação e, por conseguinte, fixando neste a competência, o Tribunal adota a teoria da atividade, na contramão da lei processual penal brasileira que em seu artigo 70 dispõe sobre teoria do resultado.
Ademais, a partir de toda a reflexão trazida, é possível destacar que o critério de fixação de competência para o processamento e julgamento dos crimes contra a honra influi diretamente na aplicação da lei penal, no acesso das vítimas à justiça e a punição dos criminosos que se valem do distanciamento para com as vítimas e a dificuldade na localização das postagens para seguirem praticando tais crimes, hodiernamente, reverberando a falsa crença de que a internet é uma “terra sem lei”.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base naquilo que foi exposto, caso ocorra a violação da honra de um indivíduo no ambiente digital, estará fixada a competência para processamento e julgamento da ação penal onde a vítima toma conhecimento da ofensa a sua honra, conforme entendimento jurisprudencial atualizado.
Com isso, é possível observar que além da preocupação do legislador penal em punir de forma mais gravosa os crimes contra a honra se praticados no âmbito virtual, os órgãos julgadores também se atentam a necessidade de facilitar o acesso da vítima à justiça, quebrando assim, o ciclo da sensação de impunidade quanto aos delitos praticados na internet.
Conquanto, confirma-se também que sem a estruturação da cadeia investigativa dos órgãos de segurança pública, não há a identificação dos criminosos e sem identificação, não há a aplicação da lei penal e, tampouco o processamento e julgamento.
Ao fim, é correto afirmar que a internet não é uma “terra sem lei” e cabe ao Estado atentar-se a proteção dos bens juridicamente protegidos, dentro e fora do ambiente virtual, demonstrando aos usuários de que suas atitudes enquanto internautas geram consequências jurídicas.
6 REFERÊNCIAS
BEZERRA, Clayton da Silva; AGNOLETTO, Giovani Celso. Combate às fake News: doutrina e prática. 1.ed. São Paulo: Posteridade, 2019.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal (parte especial). 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 2, 585 p.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado,1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 20 ago. 2022.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 20 ago. 2022.
BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 13 out. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm#art810 Acesso em 20 ago. 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça (3. SEÇÃO). CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROCESSUAL PENAL. INJÚRIA. INTERNET. UTILIZAÇÃO DO INSTAGRAM DIRECT. CARÁTER PRIVADO DAS MENSAGENS. INDISPONIBILIDADE PARA ACESSO DE TERCEIROS. CONSUMAÇÃO. LOCAL EM QUE A VÍTIMA TOMOU CIÊNCIA DAS OFENSAS. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO. SUSCITANTE : JUÍZO FEDERAL DA 4A VARA DE CAMPINA GRANDE - SJ/PB SUSCITADO : JUÍZO FEDERAL DA 12A VARA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE BRASÍLIA - SJ/DF. Relatora Min.Laurita Vaz, 09 de fevereiro de 2022. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2133921&num_registro=202103636853&data=20220215&formato=PDF . Acesso em 20 ago. 2022.
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BRUNO, Aníbal. Crimes contra a pessoa. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte especial. 19. ed. Barueri: Atlas, 2022.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal. 24. ed. Barueri: Atlas, 2022
HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: A violência perversa do cotidiano. 2. ed. p. 28. São Paulo: Bertrand, 2002.
JESUS, Damásio de. Direito penal: crimes contra a pessoa a crimes contra o patrimônio. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2020
JESUS, Damásio de; Milagre, José Antionio. Manual de crimes informáticos. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito penal: parte especial. 3. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2019.
[1] Orientadora, possui graduação em Direito pela Faculdade UNIRG-TO; Especialização "lato-sensu" em Direito Processual Civil e Penal (2006) e em Direito Público (2007), pela Faculdade FESURV-GO; Mestrado em Direito pela Universidade de Marília-SP (2010), Doutorado em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Atua como advogada no Estado do Tocantins e como Professora no curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil.
Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ADORNO, ANA CAROLINA DE BRITO. Crimes contra a honra no âmbito digital Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59844/crimes-contra-a-honra-no-mbito-digital. Acesso em: 23 dez 2024.
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