ODI ALEXANDER ROCHA DA SILVA[1]
(coautor)
RESUMO: Este estudo tem como objetivo principal examinar de que maneira a legislação brasileira vem tentando encontrar formas para regulamentar o uso das criptomoedas no país. O assunto será discutido baseado no Projeto de Lei 4401/2021 que até a data da escrita deste trabalho está sujeita à apreciação do plenário. A razão para elaboração desta pesquisa é o crescimento da utilização e investimentos nos ativos virtuais e a inexistência de regulamentação específica no âmbito jurídico. Diante da intensificação do uso das criptomoedas no Brasil faz-se necessário um olhar direcionado para esse ramo visto que afeta diversas áreas jurídicas, desde Direito Financeiro ao Direito Penal. A pesquisa realizada foi jurídico-teórica uma vez que o conteúdo foi buscado a partir de análise do Projeto de Lei 4401/2021, além da pesquisa bibliográfica em livros e artigos relacionados ao assunto. Quanto à abordagem foi considerada qualitativa e quantitativa por ter sido procedida através da análise dos conteúdos das teorias existentes publicadas. Quanto à técnica utilizada definiu-se como a documental direta e indireta, visto que foram utilizadas fontes secundárias conforme obras elencadas nas referências.
Palavras-chave: Criptomoedas. Ativos financeiros. Regulamentação. PL 4401/2021.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Das moedas à criptomoedas. 2.1. A história da moeda. 2.2 Criptomoedas. 3.O caráter descentralizado das criptomoedas - um olhar sobre o mundo. 3.1. Descentralização dos ativos digitais. 3.2. As criptomoedas pelo mundo. 4. A tentativa de regulamentação das criptomoedas no Brasil de acordo com o Projeto de Lei 4401/2021. 4.1 Breve análise sobre o Projeto de Lei 4401/2021. 5. Conclusão. Referências.
Ao longo da linha do tempo da humanidade é possível observar que as evoluções tecnológicas tendem a trazer para o mundo a melhora e a facilidade na vida das que a utilizam. É fato que essas inovações alteram a maneira que interagimos, lidamos e pensamos na sociedade. Um exemplo disso foi a substituição dos e-mails e SMS pelos aplicativos instantâneos de mensagens como o WhatsApp e Telegram que, encurtando distâncias, contribuíram para a melhora da comunicação entre as pessoas. Outro notável exemplo são as formas de pagamento que passaram por uma grande evolução como será estudado ao longo deste trabalho.
Estas inopinadas mudanças para um mundo totalmente digital trazem consigo questões econômicas, sociais e jurídicas. Questões jurídicas estas que demandam das ciências do direito a necessidade de adaptar-se ao novo mundo e se empenhar para cumprir o seu papel na sociedade, de regulamentadora e mediadora.
No presente momento, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei que inaugura uma discussão sobre as corretoras que irão operar os ativos financeiros e as alterações que essa tecnologia irá promover em outras leis, como o Código Penal. Essa pesquisa visa analisar como ocorre o relacionamento dos países com as criptomoedas e verificar de qual maneira o Brasil procede nos processos de regulamentação das moedas virtuais além de elucidar alguns artigos do projeto de lei 4401/2021 analisando como o legislador está iniciando a sua visão sobre as criptomoedas.
A discussão se estrutura da seguinte forma: Em um primeiro momento, aborda-se a história da moeda no mundo e a evolução ao longo das décadas, desde o escambo ao dinheiro digital. E mais adiante, uma conceituação acerca das criptomoedas e a origem do bitcoin.
Em um segundo momento, busca-se abordar o caráter descentralizado das criptomoedas e uma breve visão de como alguns países estão lidando com a regulamentação dos ativos virtuais desde a total liberação como o El Salvador ou com proibição como a China.
Por fim, discorremos sobre a tentativa de regulamentação baseada no projeto de lei 4401/2021 que está tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado. Esta parte do trabalho expõe alguns artigos da nova lei e comenta sobre a alteração no Código Penal.
2.1 A HISTÓRIA DA MOEDA
Após o advento do nomadismo, nos primórdios da humanidade como seres sociáveis ocorria a prática de uma atividade conhecida pelos historiadores como escambo. Segundo o economista austríaco Carl Menger (apud PIASKOWSKI, 2021, p. 4):
Nesta etapa, o ser humano trocava mercadorias de forma direta, isto é, a troca de um bem para outro no intuito de consumir o bem adquirido imediatamente, para suprir as suas necessidades.
Para ilustrar a troca direta pode-se relatar casos como o de agricultores que cultivavam espécies de grãos e possuíam estes produtos em excesso, com a necessidade de variações para seu cardápio efetuavam trocas de sacas de grãos por coelhos que pertenciam a um caçador. Porém, nestas situações, era necessário que houvesse um acordo em relação à quantidade de produtos a serem trocados por cada parte, já que não existia ainda uma equivalência de valores entre as mercadorias.
Mesmo sem o envolvimento de moedas ou outro tipo de padronização quantitativa ou valorativa entre os produtos, essa permutação deu origem às primeiras fases da economia e ao surgimento do comércio. Com o passar do tempo, Menger (2009, p. 17) argumenta que passam a surgir bens que possuem uma maior “negociabilidade” quando comparada com a de outros produtos. Isso porque algumas mercadorias não interessavam certos grupos de mercadores e para que determinadas trocas acontecessem deveria haver um produto em comum que todos desejavam possuir tanto para o uso ou para efetuar trocas futuras. Neste contexto adveio os meios de troca.
De acordo com Fernando Ulrich (2014, p. 48):
Meio de troca é um bem econômico utilizado nas trocas indiretas que soluciona o problema da dupla coincidência de desejos das trocas diretas, ou escambo. O padeiro quer leite, enquanto o leiteiro quer um sapato. Como resolver o problema? O padeiro também tem sal e sabe que o sapateiro e outros produtores também o demandam. Logo, o leiteiro, em troca de seu leite, aceita o sal, não para consumi-lo, mas para trocá-lo no futuro pelo sapato do sapateiro. À medida que mais indivíduos passam a usar o sal nas trocas indiretas, a mercadoria torna-se, consequentemente, um meio de troca.
No decorrer desse período, com a expansão do comércio, os meios de troca foram evoluindo para a melhor comodidade dos negociantes, visto que sacas de sal, trigo e outros grãos não eram muito práticos para carregar durante as viagens.
Para reverter esses percalços, baseado nos estudos de Alexandre Versignassi (2011 p. 20) foi criado o seguinte método: “você depositava os sacos de grãos que recebia em silos de armazenamento mantidos pelo rei (os Bancos) e ganhava em troca um tablete de argila em que vinha gravada a quantidade de mercadorias deixada lá. Esses tabletes eram as “cédulas” e com elas você poderia comprar o que quisesse.”
Posteriormente foi assomado o óbice do caráter perecível dos grãos; visto que o lastro é uma garantia de um determinado ativo, estes não poderiam ser perecíveis pois perderia a precaução dos valores que circulavam em forma as cédulas. Sendo assim, seria necessário substituí-los pelos metais e, logo, o processo evoluiu para o surgimento da moeda que acabou por se tornar um bem e meio de troca universal.
Corroborando o que foi dito, Niall Ferguson (2009, p. 22) expõe os requisitos necessários e as vantagens do dinheiro com a função de meio de troca:
É costume dizer que o dinheiro é um meio de troca, que tem a vantagem de eliminar as ineficiências do escambo: uma unidade de valor, que facilita a avaliação e o cálculo; e um recipiente de valor, que permite que as transações econômicas sejam conduzidas durante longos períodos e também a despeito das distâncias geográficas. Para desempenhar todas essas funções da melhor maneira, o dinheiro tem que estar disponível, e ser durável, fungível, portátil e confiável.
A partir do estabelecimento e aceitação da moeda dentro de determinados territórios o Estado pôde influenciar e impor regras sobre esse processo. A função do Estado, para Menger, é a de regular e a de aperfeiçoar a moeda, como no caso dos metais preciosos, cunhando moedas e certificando o dinheiro como sendo confiável. (apud PIASKOWSKI, 2021, p. 5).
Didaticamente pode-se elucidar a evolução das fases da moeda, de acordo com Fernando Nogueira Costa, em seu livro Economia monetária e financeira (2020, p.74), da seguinte forma: a moeda mercadoria, os metais cunhados, logo após veio o papel-moeda, a moeda fiduciária e as moedas bancárias, que são aquelas “invisíveis” pois não possuem forma física. Nota-se, segundo o autor, que há evolução da moeda no sentido de desmaterialização e que a necessidade de verificação das reservas bancárias pelos clientes não é mais solicitada, ou seja, o lastro deixou de ser uma preocupação para os cidadãos.
Juridicamente falando, a moeda é o meio de pagamento prescrito pela legislação nacional e também qualificando-as como símbolo nacional. Porém não usaremos essa definição para o entendimento do trabalho. Segundo Fernando Urichi (2014, p. 50):
Essa noção deriva da visão do meio de troca como uma criatura do estado a que a ele pertence. A moeda não é propriedade do soberano, nem de nenhum governo. Embora tenha estado sob controle de governos em grande parte da história, sua origem é cataláctica, independentemente das disposições legais em certo tempo e lugar.
Sendo assim, ao tratar-se de criptomoedas ao longo do trabalho, descartar-se-á a teoria acatalática e adotar-se-á a teoria catalática que explica os fenômenos monetários baseados na lei de oferta e demanda (URICHI, 2014).
2.2 CRIPTOMOEDAS
Com as inovações tecnológicas surgindo a todo momento o mundo está cada vez mais desligando-se do físico e evoluindo para o meio digital. Tal como citado anteriormente o dinheiro passou por mudanças e na presente época a sua grande parte é imaterial, ou seja, não é físico e nem palpável. Atualmente a maior parcela do dinheiro encontra-se guardado em ambientes virtuais, especificamente em wallets (carteiras digitais), bancos virtuais ou digitais. Nesta mesma perspectiva Nathur Cardoso (2018, p. 22) relata:
A possibilidade de acesso à internet propiciado pela criação da world wide web e seus protocolos foi responsável por um novo capítulo na história das moedas. Além de possibilitar o aumento da velocidade da transação de informações que resultou na digitalização das instituições bancárias, a internet viabilizou a criação de uma outra forma de moeda: a moeda virtual.
Ainda de acordo com o autor: “As moedas virtuais são uma parte dos reflexos gerados pela evolução da tecnologia de bancos de dados ocorrida desde a década de 1980 e que resultou na criação das criptomoedas”. (2018, p. 23) A conceituação de criptomoeda segundo o site Investing é que uma criptomoeda é um ativo virtual criptografado que pode ser usado como meio de troca ou reserva de valor. A criptografia única, ou código computacionalmente seguro, de cada criptomoeda controla sua oferta monetária para evitar sua desvalorização, bem como o meio pelo qual as unidades podem ser criadas, armazenadas e transferidas com segurança.
A Definição de criptomoeda segundo Segendof sobre a primeira e mais famosa moeda virtual do mundo, é que a bitcoin, “corresponde a um sistema de dinheiro digital de ponto a ponto sem nenhum intermediário e com transações irreversíveis” (2014, p. 1).
Para elucidar de maneira correta o que é uma criptomoeda usaremos como exemplo a bitcoin que é a mais conhecida mundialmente e contém mais estudos sobre seu funcionamento e uso.
Considerada a primeira moeda digital global descentralizada, constituída por um sistema econômico alternativo, a bitcoin foi apresentada para mundo em 2008 em uma lista de discussões no The Cryptography Mailing, por um grupo de programadores sendo seu supervisor e criador denominado Satoshi Nakamoto um pseudônimo, ou seja, não se sabe se essa é a sua verdadeira identidade como pessoa, ou se esse nome representa um grupo de pessoas. (FREITAS, 2019 p.14)
Sagendorf esclarece sobre bitcoin:
A Bitcoin é uma criptomoeda descentralizada com fluxo bidirecional, ou seja, é uma moeda virtual cujas movimentações são protegidas por criptografia, os registros destas movimentações não são centralizados em nenhuma instituição e ela pode ser trocadas por outras moedas assim como outras moedas podem ser trocadas por Bitcoins (2014, p. 73)
Para o criador da criptomoeda, uma das principais vantagens da criptomoeda é a desnecessidade de um terceiro como bancos ou até mesmo o Estado em suas relações. Para Satoshi Nakamoto
necessário um sistema de pagamento eletrônico baseado em prova criptografia em vez de confiança, permitindo a quaisquer duas partes dispostas a transacionar diretamente uma com a outra sem a necessidade de um terceiro confiável (2008, p. 1).
Assim surgiu o bitcoin.
Outro grande proveito seria a descentralização da bitcoin, pois a moeda não é controlada por nenhum órgão governamental em nenhum dos países que ela se encontra, sem nenhuma interferência estatal. Sobre isso, Fernando Urichi discorre que o bitcoin “não depende de uma autoridade central''. Entre muitas outras coisas, o que faz o Bitcoin ser único é o fato de ele ser o primeiro sistema de pagamentos global totalmente descentralizado” (2014, p. 17).
3.O CARÁTER DESCENTRALIZADO DAS CRIPTOMOEDAS - UM OLHAR SOBRE O MUNDO
3.1 DESCENTRALIZAÇÃO DOS ATIVOS DIGITAIS
Dado que o Brasil possui um sistema monetário dependente de instituições financeiras, estas desempenham o papel de terceiros mediadores confiáveis para efetuar transações entre indivíduos. Por esta dependência acarretar custas, taxas e limitações para as partes que irão efetuar ou receber as transações surgiu a ideia vindo do criador do bitcoin de idealizar uma moeda que não houvesse a necessidade de interferência de alguém além das partes interessadas. Neste sentido, Satoshi Nakamoto propôs um sistema de transações eletrônicas, sem depender de confiança.
O Bitcoin é a primeira moeda descentralizada criada. Segundo Jon Matonis o Bitcoin é, “em realidade, uma forma de impedir a tirania monetária. Essa é a sua verdadeira razão de ser” (2012). Em conformidade com o economista Walter José (2017 p. 26):
O Bitcoin é uma moeda descentralizada que está imune às políticas monetárias feitas pelos governos centrais, está moeda é revolucionária por propiciar aos indivíduos o controle sobre suas finanças, não dependendo, portanto, de um governo central, ou de instituições financeiras para intermediar as suas transações, permitindo que os indivíduos sejam livres para fazer suas escolhas e que os mesmos não sejam sacrificados em prol das políticas do estado.
Para que essa descentralização aconteça foi usada uma tecnologia subjacente denominada de Blockchain. Esta tecnologia oferece a oportunidade para qualquer usuário tornar-se um processador de pagamento pertencente à rede, dificultando dessa forma o ataque de hackers ou de controle governamental uma vez que pode existir um operador em qualquer ponto do planeta.
Por ser uma moeda descentralizada, advém ao Bitcoin, a dificuldade no que diz respeito a sua regulamentação. Posto que não está sob um poder governamental, sequer um núcleo central de controle sendo o que resta são tentativas individuais de cada país para a regulamentação desta e das criptomoedas em geral. Pode-se observar a seguir que as regulamentações podem ser divergentes de cada país. Muitas autoridades financeiras centrais não reconhecem o Bitcoin como moeda e o regulam, em vez disso, como um ativo. Muitos dos regulamentos relacionados ao Bitcoin não são feitos diretamente para controlá-lo, mas para gerenciar todas as criptomoedas, sendo o Bitcoin uma delas.
3.2 AS CRIPTOMOEDAS PELO MUNDO
Ao longo das pesquisas observa-se como alguns países estão criando tentativas de regulamentar ou até mesmo inserir as criptomoedas ao governo.
A abordagem dos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, foi a de se prepararem para emitir licenças federais para os provedores de serviço de ativos virtuais e a criação de um ambiente favorável para a mineração de criptomoedas com o objetivo de atrair empresas de cripto para o país. Segundo o site Coindesk, após considerar as abordagens feitas pelos Estados Unidos, Reino Unido e Cingapura, os Emirados árabes adotarão uma abordagem híbrida, deixando o Banco Central e a Autoridade de Valores Mobiliários e Commodities, responsáveis pela regulamentação, emissão e procedimentos das licenças, junto com os centros financeiros regionais. Ainda de acordo com o site, o país do Oriente Médio está se preparando para se tornar um hub global de criptomoedas.
Na Índia a ministra das finanças anunciou uma taxação de impostos sob as transações de criptomoedas, gerando entusiasmo e confusão dos cidadãos interessados no assunto. De acordo com o site Coindesk (2022) no projeto de lei anunciado, o governo pretende cobrar um imposto de 30% sobre qualquer transação de criptomoedas e um outro imposto de 1% na fonte sobre todas as transações, entretanto ainda não irá regulamentar e nem confirmar a legalidade das criptomoedas. Neste caso será autorizado as transações de criptos de maneira legal, porém as criptomoedas como o Bitcoin não serão reconhecidas como moeda no país.
Corroborando a fala acima:
...o projeto de lei que dá legitimidade à criptomoeda ou a torna legal levará tempo para chegar, mas o governo não está esperando que isso aconteça para taxar as pessoas. E depois de aprovada por ambas as casas para estabelecer se a criptomoeda é legal, o que significa que pode ser aceita como um ativo especulativo diário ou como qualquer coisa, menos uma moeda legal ou forma de dinheiro para comprar e vender qualquer coisa.
Mesmo sem reconhecimento como moeda e sem nenhuma perspectiva sobre a regulamentação das criptos, a vantagem deste novo projeto de lei indiano é a de que o investidor não correrá o risco de ser preso por possuir criptomoedas.
Na China há um posicionamento totalmente proibitivo em relação às criptomoedas e sua mineração, no país o governo Chinês proibiu qualquer movimentação de bitcoins ou outras criptos que não fosse a oficial do país.
O site Tecmundo relata que:
O Banco Popular da China proibiu bancos e instituições financeiras de oferecerem quaisquer serviços relacionados a criptomoedas, incluindo transações entre os ativos digitais e moedas fiduciarias, no país. A medida se estende até mesmo as corretoras que operam fora do território chinês, bem como aos seus colaboradores, sejam nativos ou não. Os indivíduos participantes nestas atividades estarão sujeitos a processos legais, caso descobertos. (ADRIANO CAMACHO, 2022, on line)
De acordo com Cláudio Gradilone, escritor da revista Isto É:
essa decisão de banir as criptomoedas é mais uma vantagem para que o governo abra espaço para sua própria moeda digital, chamada de yuan digital, para que possam fazer mercado com entes internacionais sem abrir mão da sua soberania.
Por outro lado, o país El Salvador foi o primeiro país da américa Central a adotar o Bitcoin como moeda oficial junto ao dólar, com a maioria do congresso do país aprovando o projeto de lei, o presidente anunciou que a Lei Bitcoin seria uma modernização para a economia do país visando aumento dos investidores internacionais.
Porém, segundo o jornal Finanças, Direito e Renda (FDR), ainda não há informações se haveria impostos ou taxas sobre os bitcoins. Na Indonésia, por exemplo, assim como na Índia, o Bitcoin e outras criptomoedas podem ser usados apenas como commodities, e o governo local cogita taxar todas as criptomoedas (JHENIFFER FREITAS, Jornal FDR).
4.A TENTATIVA DE REGULAMENTAÇÃO DAS CRIPTOMOEDAS NO BRASIL DE ACORDO COM O PROJETO DE LEI 4401/2021
Nos últimos anos as criptomoedas vem sendo um tema abundantemente discutido nos países. No Brasil o tema ainda é tratado como uma novidade e aguarda a regulamentação específica para tais ativos. Apesar de terem nome e características definidoras de moedas, o bitcoin e outras criptos não podem ser considerados como tais pois na prática a moeda é ligada à economia estatal e a principal característica destes ativos é a descentralização com o estado. De acordo com a Constituição Federal, “a competência da união para emitir moeda será exercida exclusivamente pelo banco central”. (Art.164 CF) Razão pela qual as criptomoedas não são classificadas como moeda.
Por ser de sua competência a emissão das moedas do país o Banco Central do Brasil, com o intuito de alertar a população, emitiu o Comunicado n° 31.379 de 16 de novembro de 2017:
Considerando o crescente interesse dos agentes econômicos (sociedade e instituições) nas denominadas moedas virtuais, o Banco Central do Brasil alerta que estas não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária, por isso não têm garantia de conversão para moedas soberanas, e tampouco são lastreadas em ativo real de qualquer espécie, ficando todo o risco com os detentores. Seu valor decorre exclusivamente da confiança conferida pelos indivíduos ao seu emissor.
O Banco evidencia a distinção da moeda virtual e da moeda eletrônica que é tratada na Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013. Segundo o decreto já mencionado, são consideradas moedas eletrônicas “os recursos em reais armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento”. As moedas virtuais, por sua vez, não são baseadas em moedas estabelecidas pelo governo.
Todavia com o avanço da tecnologia é improvável que o Brasil não se adeque aos novos meios. À vista disso, a jurisprudência brasileira também deve se amoldar à nova realidade. Não se atualizar em relação às criptomoedas e suas ferramentas pode ser considerada uma involução para o sistema jurídico brasileiro visto que o uso das criptos já fazem parte do dia a dia da sociedade. Como exemplo, apesar de ainda serem poucas, algumas lojas de variados segmentos no Brasil já aceitam pagamento em criptomoedas, a título de exemplo a marca de moda Calvin Klein anunciou que aceitaria em suas lojas de luxo em São Paulo o pagamento em bitcoins. Ramos como hotelaria, mercado imobiliário e varejo já seguem o mesmo caminho.
Um movimento ainda mais próximo para tornar realidade a inserção das criptomoedas no Brasil foi quando a cidade do Rio de Janeiro decidiu analisar a possibilidade da criação do Comitê Municipal de Cripto Investimentos onde será possível pagar alguns impostos por meio de ativos virtuais. Seguindo ainda mais além, a prefeitura visa criar sua própria moeda digital visando atrair investidores e empresas para a cidade.
Progressivamente, com a inserção das moedas virtuais, os legisladores brasileiros perceberam a necessidade da criação de algo para regulamentar essas questões. Sobre os posicionamentos adotados no cenário nacional, Saturno (2018) discorre:
Há um projeto de lei tramitando desde julho de 2015, que inicialmente visava proibir o uso de bitcoins nos programas de milhagens aéreas, como o Smiles. Porém, através de um parecer emitido por Expedito Netto, deputado federal pelo PSD de Rondônia, o projeto de lei passou a proibir toda e qualquer operação com moedas digitais em todo o território nacional. Projeto de lei 4401/2021 que dispõe, além dos programas de milhagens, sobre as moedas virtuais.
Segundo a ementa, o projeto de lei 2303/2015 pretendia dispor sobre a inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aérea na definição de "arranjos de pagamento" sob a supervisão do Banco Central.
Recentemente a ementa e o número do projeto foram alterados. A nova ementa refere-se à prestadora de serviços de ativos virtuais; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 7.492, de 16 de junho de 1986, e 9.613, de 3 de março de 1998, para incluir a prestadora de serviços de ativos virtuais no rol de instituições sujeitas às suas disposições. Até a data da escrita deste trabalho está pronta para a pauta do plenário. Logo após a votação na Câmara dos Deputados será encaminhado para ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro.
4.1 BREVE ANÁLISE SOBRE O PROJETO DE LEI 4401/2021
Preliminarmente, o Projeto de lei 4401/2021 proposto pelo Deputado Federal Aureo Ribeiro e, reformulado pelo Deputado Arthur Lira, tem a finalidade de regulamentar o mercado das criptomoedas. “O projeto traz diretrizes para nortear a regulamentação infralegal, a proteção e defesa do consumidor, a transparência das operações e o combate a crimes financeiros relacionados.” (CONSULTOR JURÍDICO, 2022)
O texto traz imprescindivelmente no seu artigo 3º a conceituação do que será considerado ativo virtual.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para a realização de pagamentos ou com o propósito de investimento…
Observa-se que o legislador com esta conceituação usou o termo ativo virtual estrategicamente para deixar o mais amplo possível a cobertura da lei, que abrange as criptomoedas, incluindo o Bitcoin. Resumindo, são moedas que serão negociadas exclusivamente pela internet. Porém o parágrafo único do artigo disserta que caberá ao ente regulador listar quais são os ativos financeiros que serão regulados pela lei.
Ademais, o artigo exclui algumas hipóteses que não serão consideradas ativos virtuais, como as moedas nacionais, as estrangeiras tal qual o dólar, pontos de recompensa e programas de fidelidade como milhas e as NTFs que são os tokens não fungíveis.
De acordo com o artigo 1º do projeto, essa lei não modificará a competência da Comissão de Valores Imobiliários e não se aplicará aos ativos mobiliários.
Conforme a lei no artigo 2º, será designado um órgão federal para a regulamentação do mercado deste setor de criptomoedas e para que as empresas de comercialização funcionem devem ter autorização do ente competente. Além disso, essa entidade pública também ficará responsável pela delimitação dos parâmetros desta autorização. O artigo 9º acrescenta que as empresas terão um prazo não inferior de 6 meses para se regularizarem e entrarem de acordo com a lei para a sua atuação.
Para complementar a lei, o legislador decidiu agregar ao texto o papel das prestadoras de serviços de ativos digitais que são como as corretoras que já atuam no mercado de ações. Conforme o artigo 5º do PL 4401/2021 algumas delas são:
Art. 5º Considera-se prestadora de serviços de ativos virtuais a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como:
I - troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira;
II - troca entre um ou mais ativos virtuais;
III - transferência de ativos virtuais;
IV - custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais;
V - participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.
A lei também prevê as competências do órgão que irá regular, além de autorizar as instituições licenciadas pelo Banco Central do Brasil a prestar exclusivamente o serviço de ativos virtuais, ou acumulá-lo com outras atividades, na forma da regulamentação.
Para finalizar o projeto de lei o texto comunica o acréscimo do artigo 171-A no Código Penal criando o crime de “Fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros” com a seguinte redação:
Art. 171-A. Organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações que envolvam ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento.
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.”
Essa alteração no Código Penal se deve ao crescimento das transações de ativos virtuais e a preocupação do uso desse meio para atos ilícitos como lavagem de dinheiro. Segundo Cido Coelho, “só no Brasil, em 2021, os brasileiros movimentaram R$215 bilhões para compra e venda do ativo digital. O uso da criptomoeda como método de pagamento cresceu 6% no último ano.” (SBT NEWS, 2022)
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em conformidade com o que foi apresentado constata-se que ao longo da história, a sociedade contou com diversificadas espécies de moedas que ao evoluírem transformaram também a coletividade, modificando os meios de compra e venda, as tributações e especialmente o direito. Aqui nas considerações finais não há a necessidade de apresentar resumo.
A partir das evoluções, o surgimento do Bitcoin (dentre outras criptomoedas), trouxe dúvidas a população e principalmente aos legisladores. Para que seja criada uma regulamentação é necessário um amplo estudo sobre a tecnologia que é usada e como as criptos podem incidir no direito. A inexistência de uma lei específica facilita os crimes e ocasiona conflitos nas legislações vigentes.
Como consequência da aderência dos ativos virtuais pela população mundial alguns países já se posicionaram em relação ao assunto. É perceptível que o Brasil ainda não conseguiu formar um parecer concreto sobre o tema. A tentativa de regulamentação do projeto de lei 4401/2021 engloba somente uma pequena parte do vasto universo dos ativos virtuais. A lei que está tramitando nas casas legislativas aborda a regulamentação das corretoras que prestarão serviço a terceiros e a inclusão de um tipo penal envolvendo as novas empresas nesse mercado. Todavia, é compreensível a dificuldade na regulamentação de todo o assunto que envolve os ativos virtuais dado que, como já citado, são totalmente descentralizados, não tendo uma sede, ou um processador específico para assumir uma responsabilidade.
Além disso, será necessário para o direito brasileiro criar normas que disciplinam operações com criptomoedas entre indivíduos, normas tributárias e novos tipos penais para preservar-se dos inúmeros golpes que surgem com a nova tecnologia.
É explícito que as criptomoedas e seus processos ainda estão longe de uma efetiva regulamentação e que as discussões ainda irão perdurar por mais alguns anos em todo o mundo. A principal vantagem das criptomoedas para seus usuários é o seu caráter anônimo proporcionado pelas blockchains, e devido a sua valorização e por não estarem ligadas a nenhum governo os usuários acreditam que uma regulamentação estatal pode obstaculizar as transações. Porém a realidade é que os ativos virtuais estão se popularizando e cada vez mais surgindo novas dúvidas em todos os ramos do Direito para serem estudadas cabendo aos legisladores criarem as soluções para o judiciário resolver os conflitos.
REFERÊNCIAS
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[1] Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Docente no curso de Direito da Universidade Estadual do Tocantins (Unitins).
Bacharelanda do curso de Direito pela Universidade Estadual do Tocantins – UNITINS em Palmas/TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Daniela de Sousa. Um breve ensaio acerca da abordagem do país no que concerne a regulamentação das criptomoedas na legislação brasileira de acordo com o projeto de Lei 4401/2021 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2022, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60008/um-breve-ensaio-acerca-da-abordagem-do-pas-no-que-concerne-a-regulamentao-das-criptomoedas-na-legislao-brasileira-de-acordo-com-o-projeto-de-lei-4401-2021. Acesso em: 23 dez 2024.
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