SUZIDARLY RIBEIRO TEIXEIRA FERNANDES[1]
(coautora) ²
RESUMO: O estudo tem por objeto os novos contornos da terceirização trabalhista, instituto que recebeu importantes modificações legislativas e que pressupõe o repasse de atividades de uma para outra empresa, sem que haja vínculo empregatício entre trabalhador e tomador dos serviços. Objetivando compreender o arcabouço normativo e jurisprudencial referente ao tema, realizou-se revisão bibliográfica, com pesquisa descritiva, abrangendo doutrina especializada, legislação e julgados, empregando-se abordagem qualitativa e o método dedutivo nas análises realizadas. A investigação evidenciou que o dever imposto à tomadora dos serviços de fiscalizar a correta prestação dos serviços pela empresa contratada, inclui a observância da legislação trabalhista. Sem prejuízo de novas reflexões, entende-se que é possível afirmar que as recentes alterações legais e jurisprudenciais aplicáveis à terceirização trabalhista acarretaram redução da proteção dos direitos dos empregados terceirizados, na medida em que os casos concretos mostram uma falta de fiscalização, pelo tomador dos serviços, do cumprimento dos direitos trabalhistas básicos dos obreiros.
Palavras-chaves: Trabalho. Terceirização. Fiscalização, Responsabilidade Subsidiária.
ABSTRACT: The study has as its object the new contours of labor outsourcing, an institute that has received important legislative changes and that presupposes the transfer of activities from one company to another, without there being an employment relationship between worker and service taker. Aiming to understand the normative and jurisprudential framework related to the subject, a bibliographic review was carried out, with descriptive research, covering specialized doctrine, legislation and judgments, using a qualitative approach and the deductive method in the analyzes carried out. The investigation showed that the duty imposed on the service taker to supervise the correct provision of services by the contracted company includes compliance with labor legislation. Without prejudice to further reflections, it is understood that it is possible to affirm that the recent legal and jurisprudential changes applicable to labor outsourcing have led to a reduction in the protection of the rights of outsourced employees, insofar as the concrete cases show a lack of supervision, by the policyholder of the services, compliance with workers' basic labor rights.
Keywords: Job. Outsourcing. Oversight.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Subcontratação no Ordenamento Jurídico 1.1 Generalidades e Contexto Histórico 1.2 Denominações e Insubsistência da Súmula 331 do TST 2. Terceirização em novas roupagens 2.1 Superação da dicotomia atividade-meio x atividade-fim 2.2 Alcance e limites do novo modelo 3. Responsabilidade do Tomador de Serviços 3.1 Responsabilidade contratual e extracontratual 3.2 Terceirização em juízo (julgados selecionados); Considerações Finais; Referências.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa aborda os novos contornos da terceirização trabalhista brasileira, trazidos por recentes alterações legislativas. Com essa temática, pretende-se traçar reflexões sobre os avanços e os retrocessos das inovações normativas.
Na terceirização, há transferência de serviços de uma empresa (tomadora dos serviços ou contratante) para outra empresa (contratada, terceirizada ou prestadora de serviços), incumbindo a esta a responsabilidade de admitir e gerenciar a mão de obra, disponibilizando-a para a contratante.
Essa transferência visava diminuir a estrutura organizacional da tomadora de serviços para que esta pudesse se concentrar nos objetivos empresariais principais, sendo uma estratégia inicialmente trazida pelas ciências da economia e da administração. Com o passar dos anos, porém, a terceirização tornou-se uma forma de reduzir custos com empregados e de obter maior liberdade na alteração dos prestadores do serviço. Por isso, a terceirização tornou-se um fenômeno de interesse também do Direito do Trabalho.
O fenômeno social estudado neste artigo era regido por leis esparsas, referentes a serviços específicos passíveis de transferência para outra empresa, como ocorria com o trabalho de vigilância em instituições financeiras.
A discussão acerca dos limites da terceirização chegou aos Tribunais Trabalhistas, que tiveram que se debruçar sobre dúvidas acerca de quem e o que poderia ser terceirizado, por quanto tempo e a que título jurídico. O número crescente de demandas judiciais sobre terceirização e o dissenso entre os julgados sobre a matéria compeliram o Tribunal Superior do Trabalho a uniformizar a jurisprudência pátria, editando a Súmula 331 e estabelecendo limites para a transferência de serviços a partir dos conceitos de atividade-meio e atividade-fim.
Embora o mencionado entendimento jurisprudencial tenha pacificado a matéria por alguns anos, certo é que as empresas ansiavam por maior liberdade no repasse de serviços, reivindicado uma legislação específica. Desse modo, o legislador brasileiro houve por bem editar a Lei nº 13.429/2017, alterando a quase totalidade da Lei nº 6.019/1974, também conhecida como Lei da Terceirização por ser o primeiro diploma normativo a tratar esse fenômeno de forma ampla. Com a nova lei, passou a ser permitida uma transferência ampla de serviços, ainda que se refiram à atividade-fim da tomadora dos serviços. Apesar de objetivar o fim das discussões sobre essa prática empresarial, a alteração legislativa trouxe inquietação e dúvidas.
Desse modo, o estudo mostra-se relevante cientificamente por se debruçar sobre um fenômeno jurídico social recente, que afeta uma elevada parcela da sociedade, e sobre o qual ainda pairam indagações não respondidas.
Nesse panorama, a pesquisa pretende responder a seguinte problemática: É possível afirmar que as recentes alterações legais e jurisprudenciais aplicáveis à terceirização trabalhista acarretaram redução da proteção dos direitos dos empregados? Para responder esse questionamento, o artigo tem como objetivo analisar o arcabouço normativo e jurisprudencial referente à terceirização trabalhista sob a perspectiva da proteção aos direitos dos empregados.
Como contextualização oferecida ao leitor, abordar-se-á a subcontratação no ordenamento jurídico brasileiro. Aspectos como conceituação, origem, evolução e regulamentação do instituto no ordenamento jurídico brasileiro fazem parte dessa primeira parte do estudo. No capítulo seguinte, o olhar se volta para a terceirização em novas roupagens, para a distinção entre atividade-meio e atividade-fim e a análise do alcance e limites do novo modelo vigente.
Temática recorrente nos processos trabalhistas, a responsabilidade do tomador dos serviços merece especial destaque na medida em que se mostra de grande utilidade prática para os estudiosos e militantes do Direito do Trabalho. Responsabilidade solidária e subsidiária e julgados selecionados integram esse último capítulo. Com o propósito de oferecer um panorama jurisprudencial, serão examinados julgados de tribunais trabalhistas, com ênfase no Tribunal Regional do Trabalho da 10ª região, cuja jurisdição abriga o Distrito Federal e o Estado do Tocantins.
Para o desenvolvimento do estudo procedeu-se à revisão bibliográfica, com pesquisa descritiva, abrangendo doutrina especializada e legislação, empregando-se abordagem qualitativa e o método dedutivo nas análises realizadas. O trabalho procura trazer uma contribuição na área do direito do trabalho, especificamente sobre a terceirização e suas modificações decorrentes de recentes alterações legislativas.
1 SUBCONTRATAÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
1.1 Generalidades e Contexto Histórico
A Terceirização, Subcontratação ou “Outsourcing”, é definida como aquisição de produtos ou serviços externos à organização (LANKFORD, 1999 apud LEITE, 2008). É o modo de contratação da força de trabalho em que o empregador não tem relação jurídica direta com o empregado, mas com outro empresário (MOLITOR, 2021).
Quando a empresa possui uma ou mais atividades principais e outras tarefas, consideradas secundárias ou acessórias, a organização busca focar na atribuição que agrega mais valor para a empresa, surgindo a terceirização, com transferência de serviços para uma outra empresa, especializada no mesmo ramo e que poderá executar as funções. Logo, a terceirização pode ser entendida como tudo que não é considerado essencial ao negócio e é confiado a terceiros, tendo como resultado pretendido a diminuição da mão de obra e aumento da produtividade (LEITE, 2008).
A terceirização é conhecida como a “nova” subcontratação, com a desverticalização das atividades dentro das empresas, com foco no produto principal, redução de custos fixos e maior eficiência. Evitam a manutenção de trabalhadores desnecessários na produção do produto principal (LIMA, 2010).
Essa forma de contratação de trabalhadores faz parte da alteração da gestão capitalista, conhecida como toyotismo, que surgiu no Japão em 1970, tendo como característica o sistema just-in-time, ou seja, produção de produto de acordo com a demanda. Esse sistema fortaleceu uma rede de subcontratação entre empresas, gerando desverticalização (redução de níveis hierárquicos) e terceirização, com intensificação da força de trabalho e utilização de processos de trabalho que atribui ao trabalhador uma diversificação de tarefas (PINTO, 2012; MOLITOR, 2021).
As origens da terceirização vêm do capitalismo industrial, em que se negavam as diferenças entre força de trabalho e o trabalho originado dela, buscando comprar a força de trabalho da mesma forma que compravam a matéria-prima. Nesse sistema de subcontratação, através do trabalho domiciliar no setor têxtil, de metal, de couros, o trabalhador era subcontratado por agentes em comissão ou empregado subcontratador. Esse processo permaneceu até o final do século XIX (DRUCK; OLIVEIRA, 2021). Logo, a subcontratação tem suas origens na própria indústria capitalista, principalmente nos setores têxtil e de vestuário, com realização de trabalhos no próprio domicílio dos trabalhadores, assim como o fornecimento de peças e componentes para as empresas automobilísticas, fábricas e montadoras que impuseram rede complementar de empresas (LIMA, 2010).
Em países como Inglaterra e França, no século XVI, existia disputa entre mercadores e empregadores que pressionavam artesões para se submeterem à subcontratação.
No Brasil, podem ser identificadas as raízes da terceirização no trabalho rural, com contratação de trabalhadores que vêm de diversas regiões do país, aliciados por “gato ou turmeiro” para trabalho sazonal (temporário) nos empreendimentos rurais, sistema no qual que permanece até os dias atuais (DRUCK; OLIVEIRA, 2021), com a contratação de trabalhadores braçais, os conhecidos “boias-frias”, para laborar em fazendas.
Até o final da década de 1980, a subcontratação no Brasil era legalmente restrita a algumas necessidades das empresas, como a substituição de trabalhadores no período de férias e atividade de segurança patrimonial. Segundo Costa (2017), a terceirização no Brasil constitui o principal mecanismo na redução de custo do trabalho, permitindo a transferência para terceiros as responsabilidades legais da contratação.
A terceirização no setor público brasileiro teve seu primeiro avanço legislativo no período ditadura militar, através do Decreto-Lei nº 200/1967, sobre a organização administrativa da União e introdução da descentralização administrativa, com distanciamento entre o trabalhador e o Estado. A União passou a contratar empresas da iniciativa privada, institucionalizando a triangulação entre tomadora de serviços e trabalhador. Já na inciativa privada, o início ocorreu no setor bancário, também no período de ditadura militar, através do Decreto-Lei nº 1.034/1969, possibilitando a contratação de vigilantes por meio de empresas especializadas (MAEDA, 2016). Com a Lei nº 7.102/1983, a terceirização de serviços de vigilância bancária foi autorizada de forma permanente (TAVARES; CIRINO; TAVARES, 2014).
Druck (1999) listou os tipos de terceirização: trabalho doméstico ou domiciliar, que é uma subcontratação de trabalhadores autônomos, sem contrato formal; empresas fornecedoras de componentes e peças; serviços de apoio e periféricos; subcontratação de empresas ou trabalhadores autônomos em áreas produtivas ou de manutenção; quarteirização, empresas que geram contratos com as terceiras (apud DRUCK; FRANCO, 2008). Contradizendo a um tipo de terceirização listado por Druck (fornecimento de componentes e peças), os autores Marcelino e Cavalcante (2012) argumentam que a terceirização não deve ser confundida com fornecimento de insumos e matérias-primas de uma empresa para outra, isso porque não existe contratação de trabalhadores, mas sim o processo de produção, com divisão capitalista do trabalho entre empresas.
Na subcontratação, segundo Ribas (2010), existe uma relação de dependência do contratado para com o contratante, o que faz o trabalho subcontratado um tipo ambíguo de ocupação, com características de assalariamento, com imposição de produção, mas se assemelhando ao trabalho autônomo em alguns aspectos, pela inexistência de vínculo empregatício com o tomador dos serviços. Assim, o trabalho autônomo é uma forma de subcontratação, mas não de terceirização (MARCELINO; CAVALCANTE, 2012).
A autonomia na prestação de serviços é comumente vista em atividades desenvolvidas por profissionais liberais, como serviços de corretagem, representação comercial, dentistas, médicos, engenheiros e outros. Na doutrina de Aragon (2018), nesses serviços não existe subordinação, ou seja, realização da atividade conforme as ordens do tomador do serviço.
Conforme Costa (2017), a subcontratação aumentou o número de pequenas e médias empresas com baixo poder econômico, tornando mais difícil a sindicalização. Para essa autora, a subcontratação é um “produto de um processo mais amplo de reprivatização ou despolitização das relações de trabalho” (p.121). Ela ainda afirma que a subcontratação é uma forma de o capital flexibilizar o trabalho, gerando precariedade, incerteza e instabilidade.
Na atualidade, como se observou dos autores citados, grande parte da doutrina especializada entende que a terceirização traz impactos significativos na precarização das condições e relações de trabalho, na redução dos contratos por tempo indeterminado, prejudicando diretamente os trabalhadores e seus dependentes na organização e planejamento da vida pessoal e familiar. Sua adoção generalizada impacta no desemprego (com curta duração dos contratos) e na intensificação do trabalho, em que se trabalha mais com menos trabalhadores, gerando maior vulnerabilidade social (LIMA, 2010).
1.2 Denominações e Insubsistência da Súmula 331 do TST
A Súmula n° 331 do Tribunal Superior do Trabalho (BRASIL, 2011), realizando interpretação das normas então vigentes, trazia limitações às hipóteses de terceirização e regulava as responsabilidades da subcontratação (TAVARES; CIRINO; TAVARES, 2014). Ela cristalizou o entendimento dominante nos tribunais trabalhistas do país, e considerava permitida a terceirização de serviços de atividade-meio da tomadora, aquela atividade que não é preponderante para o empreendimento (MATSUMOTO; FONTENELLE, 2021). Segue na íntegra os termos da referida Súmula:
331. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.
(BRASIL, 2011).
De acordo essa Súmula, a terceirização somente seria lícita para as atividades-meio, para aquelas que não tinham relação com o objeto social da empresa, e, por consequência, a terceirização da atividade-fim era considerada ilícita.
A Súmula nº 331 do TST, antes de suas recentes alterações, autorizava a contratação de trabalhadores terceirizados por empresa interposta somente nos casos de trabalho temporário (I). No item II, indicava que a contratação irregular de trabalhadores terceirizados pelos órgãos da administração pública não era suficiente para gerar vínculo empregatício com o Poder Público. O terceiro item autorizava a contratação de trabalhadores terceirizados para serviços de conservação e limpeza, serviços de vigilância e ligados à atividade-meio da empresa tomadora de serviços. E, no item IV, a Súmula ressaltava a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços, quando a empresa fornecedora de mão de obra não arcava com suas obrigações trabalhistas (FERREIRA, 2019).
A Lei nº 13.429/2017 alterou os dispositivos da Lei nº 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas, e traçou regras para as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Ela foi editada em março/2017, um pouco antes da Lei nº 13.467, de julho/2017, que promoveu ampla modificação na legislação trabalhista e é conhecida como Lei da Reforma Trabalhista. Pela proximidade temporal das normas, ambas podem ser consideradas integrantes desse movimento reformista que se abateu sobre a CLT e leis esparsas.
Na Lei nº 13.429/2017, restou autorizada a terceirização da atividade-fim, ao contrário do que dispunha a Súmula 331 do TST. Nesse contexto, a legislação permitiu a contratação de trabalhadores terceirizados para serviços específicos, sem distinção entre atividade-meio e atividade-fim (MAGISTER, s.d.), como dispõe seu Art. 2º, que acrescentou o Art. 4-A à Lei nº 6.019/1974:
Art. 4º-A. Empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante serviços determinados e específicos.
§ 1º A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços.
§ 2º Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante (BRASIL, 1974).
Havendo conflito entre o enunciado da Súmula e a nova Lei, a questão foi submetida ao Supremo Tribunal Federal (STF), que invalidou os trechos da Súmula 331 do TST referentes à vedação da terceirização da atividade-fim do tomador dos serviços. No julgado, fixou-se a seguinte tese: “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante” (MAGISTER, s.d.).
Cumpre notar que, conquanto tenha permitido uma terceirização ampliada, a nova norma também deixou expressa a existência da responsabilidade entre as empresas contratantes, significando que se a prestadora de serviços não conseguir pagar o que é devido, a tomadora será responsabilizada (RBA, 2022).
O item I da Súmula 331 do TST não mais subsiste após o STF declarar legal a contratação de empresa terceirizada por qualquer empresa, sem distinção do serviço contratado, se é uma atividade-fim ou outra atividade instrumental. O item II, aplicável à administração pública, refere-se uma contratação “irregular” pelo ente público, ou seja, um trabalhador que, embora atenda a todos os requisitos para ter reconhecido o vínculo empregatício, não se submete a um concurso público, formalidade essencial para a admissão na Administração Pública direta, indireta ou fundacional, conforme exigência constitucional (art. 37, II, da CF/1988).
No tópico III da supramencionada Súmula, a disposição de que “não forma vínculo de emprego [...] desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta” foi atingida pela Lei da Terceirização, que afastou a existência do vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador dos serviços. Na disciplina anterior, se houvesse escolha de um trabalhador ao invés do outro, devido às características pessoais do primeiro, isso configuraria uma relação de pessoalidade com o tomador e, consequentemente, poderia haver reconhecimento da relação de emprego com aquele trabalhador (RIGOLIN, 2018).
Em seu item IV, a Súmula 331 do TST traz a possibilidade de se atribuir uma responsabilidade subsidiária do tomador de serviço, quando se aceita o pedido do terceirizado reclamado de denunciação à lide do tomador, que passa a ser réu da ação ou reclamado (RIGOLIN, 2018).
A análise supra permitiu verificar que, diante da Lei nº 13.429/2017, não mais subsistem os termos da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, sendo oportuno ressaltar que a nova lei entrou em vigor somente em 31/03/2017. É dizer, antes de sua vigência, nada impede a aplicação do entendimento jurisprudencial consolidado na citada Súmula.
2 TERCEIRIZAÇÃO EM NOVAS ROUPAGENS
2.1 Superação da dicotomia atividade-meio x atividade-fim
A terceirização de atividade-fim diz respeito aos serviços subcontratados que se inserem na atividade principal do tomador, como a substituição de pessoal regular e permanente. A transferência da atividade-meio ocorre quando a exteriorização de mão de obra incide em serviços de apoio à atividade principal, podendo ser citado o serviço de vigilância (FEIJÓ, 2011).
No ano de 1998, o presidente Fernando Henrique Cardoso apresentou ao Congresso Nacional o projeto de lei que autorizava a terceirização na atividade-fim. Em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva requereu a retirada do projeto e este perdeu a sua força. A partir de 2014, o STF passou a ser fórum de discussão da questão e, em 2018, o Supremo desconstruiu a baliza hermenêutica contida na jurisprudência consolidada pelo TST, com tese aprovada de que é “lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada” (GRILLO; CARELLI, 2021). No entendimento do STF, a terceirização na atividade-fim estimula o aumento do número de postos de trabalho, reduzindo custos do produto ao consumidor final, o que ajudaria no crescimento da economia (REIS, 2019).
Os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia, que votaram positivamente a mencionada tese, tiveram seus argumentos orientados para o sentido de que não existe delimitação jurídica para a diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, considerando também que a Constituição Federal atual não traz proibições para a subcontratação. Já o ministro Marco Aurélio Mello, que votou contra, argumentou que essa forma de contratação compromete direitos e garantias trabalhistas, existindo “tratamento inferior, a desigualdade, a rotatividade, a diminuição da capacidade de organização e reivindicação, as menores remunerações” (DUTRA, MATOS, 2019).
A partir da Lei nº 13.429/17, o ordenamento jurídico expressamente autorizou a terceirização de mão de obra para atividade-fim, com possibilidade de redução e exoneração de encargos trabalhistas. Abriu-se espaço para a demissão de trabalhadores contratados diretamente pelo tomador de serviços e readmissão posterior, com o intuito de descaracterizar o vínculo de emprego. Os legisladores tentaram implementar uma realidade social e legislativa diferente, mas não houve a consideração dos danos às pessoas menos favorecidas da sociedade. Algumas alterações vieram silenciosas, quase não notadas. Na Sumula 331 do TST, era permitida somente o repasse da atividade-meio, sendo considerada fraudulenta a transferência da atividade-fim (FRANZO; RIGOLDI; MACHADO, 2020). Vigorava o entendimento de que a CLT pregava uma relação direta entre o tomador e o prestador dos serviços, como prevê seu art. 3º ao trazer a regra de que é “empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (BRASIL, 1943).
No entendimento de Ferreira (2019), ao analisar art. 3º da CLT, a legislação traz a cumulação dos requisitos de pessoalidade (pessoa específica que deve realizar o trabalho), onerosidade (retribuição pecuniária), não eventualidade (contrato de duração), subordinação (poderes do empregador, de forma diretiva hierárquica e disciplinar sobre o empregado). A conjugação desses elementos conduziria ao reconhecimento da relação de emprego, existindo responsabilidades jurídicas e trabalhistas nessa relação.
A nova Lei foi aprovada, trazendo ao mundo jurídico brasileiro a permissão para um amplo e irrestrito o repasse da atividade-fim de uma empresa, com o deslocamento de um trabalhador protegido pelas leis trabalhista para um campo desconhecido, que é a mão de obra terceirizada. Na novel realidade, ocorre um distanciamento entre trabalhador e empresa tomadora de serviços, tornando mais difícil a responsabilização desta (FRANZO; RIGOLDI; MACHADO, 2020).
Como mencionado, disciplina anterior impunha limitações para o repasse da atividade-fim da empresa tomadora dos serviços. Como exemplo, pode ser pensado o trabalho do professor numa escola. Antes da alteração legislativa, a instituição de ensino não poderia terceirizar essa mão de obra, por ser sua atividade principal. Atualmente, com a superação da dicotomia entre atividade-meio e atividade-fim, nada obsta que se tenha uma escola com nenhum professor empregado.
2.2 Alcance e limites do novo modelo
A ordem constitucional e o arcabouço legal vigentes impõem limites à terceirização. Na análise desses limites, a doutrina trabalhista distingue a terceirização lícita da terceirização ilícita. A lícita obedece aos preceitos legais relacionados aos direitos dos trabalhadores, de forma que não ocorra fraude e não os distancie da relação de emprego. Já a terceirização ilícita está relacionada a locação permanente de mão de obra, o que pode gerar fraude e prejuízo aos trabalhadores (MARTINS, 2017 apud CORRÊA, 2018).
A falta de Lei que fixe os limites e alcance da terceirização traz insegurança jurídica, devido à inexistência de parâmetros objetivos e claros para delimitar os contornos da atividade-fim, dependendo sempre do modo de organização empresarial e, mesmo com a promulgação da nova Lei nº 13.429/17, não se alcançou os objetivos de segurança jurídica, por causa da omissão em alguns casos (SIMON; BRAGHINI, 2019).
A Lei nº 13.429/2017 e, posteriormente, a Lei nº 13.467/2017 alteraram as normas sobre trabalho temporário e regulamentaram as relações trabalhistas envolvendo os serviços terceirizados. A seguir, faz-se a análise dessa nova regulamentação, constante na Lei nº 6.019/1974, com as alterações trazidas pelas citadas Leis.
Segundo o Art. 2º da Lei 6.019/1974, chama-se trabalho temporário aquele realizado em substituição transitória de pessoal permanente ou de atividades complementar de serviços, sendo proibida a substituição de trabalhadores em greve (§1º). A empresa deve ser cadastrada no Ministério do Trabalho, com CNPJ registrado na Junta Comercial e capital igual ou superior a R$100 mil (BRASIL, 1974).
A referida Lei estabelece critérios de distinção entre terceirização e trabalho temporário. A terceirização diz respeito à prestação de determinados serviços por empresas especializadas. Já no trabalho temporário, existe o fornecimento de mão de obra à tomadora de serviços por meio de empresa de trabalho temporário, nas hipóteses admitidas pelo sistema jurídico (SIMÕES; FIOR, 2020).
Na disciplina do Art. 9º da citada norma, o contrato entre empresa de trabalho temporário e tomadora de serviços deverá ser por escrito, contendo:
II - Motivo justificador da demanda de trabalho temporário;
III - prazo da prestação de serviços;
IV - Valor da prestação de serviços;
V - Disposições sobre a segurança e a saúde do trabalhador, independentemente do local de realização do trabalho (BRASIL, 1974).
De acordo Art. 9º, § 1º e § 2º, da Lei nº 6.019/1974, a empresa contratante precisa garantir nas dependências ou no local de trabalho as mesmas condições de segurança, higiene e salubridade aos trabalhadores. A empresa de trabalho temporário deverá, ainda, assegurar aos trabalhadores contratados o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, quando o trabalho for executado nas dependências da tomadora. No §3º, estabelece-se que o contrato temporário pode versar sobre atividades-meio e atividades-fim em empresa tomadora de serviços (BRASIL, 1974).
Em relação à terceirização, e de acordo o Art. 4º-A, § 2º, da referida Lei, não há vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços e a empresa contratante, independentemente do ramo de atividade. A empresa de prestação de serviços a terceiros precisa cumprir alguns requisitos para funcionamento, como ter CNPJ inscrito na Junta Comercial e capital social compatível com o número de empregados, em que empresa com até dez funcionários precisa ter capital mínimo de R$ 10.000,00; de dez a vinte funcionários, o capital de R$ 25.000,00; de vinte até cinquenta, o capital mínimo de R$ 45.000,00 e, mais de cem funcionário capital mínimo de R$250.000,00 (BRASIL, 1974).
Antes da Lei de 2017, não existiam exigências de que a empresa tomadora de serviços comprovasse capital mínimo, o que determinará a responsabilidade dos sócios perante credores e terceiros (MAURÍCIO; SCHORRO, 2017).
Com o objetivo de evitar dúvidas a respeito do limite e alcance da terceirização no Brasil, a Lei nº 13.467/2017 trouxe novas alterações para a Lei nº 6.019/1974, dando nova redação ao seu Art. 4-A, que dispõe, in verbis:
Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (BRASIL, 2017).
Percebe-se a intenção legislativa em autorizar a terceirização na atividade principal do contratante (tomador dos serviços) (CORRÊA, 2018).
A Lei nº 6.019/1974, Art. 4º-A, §1º, ao dispor que “a empresa prestadora de serviços contrata, [...], ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços”, abre espaço para uma ‘quarteirização’ de serviços, ou seja, a execução de serviços por uma segunda empresa terceirizada (BRASIL, 1974).
Entende-se que esse novo Art. 4-A deve ser analisado de forma restritiva, observando graus de restrições legais e constitucionais sobre a terceirização da atividade-fim das empresas tomadoras de serviços. A quarteirização poderá ser possível, sem violar o ordenamento pátrio jurídico, no caso da necessidade de um serviço mais especializado do que o terceirizado, sendo uma especialização incluída na outra (SILVA, 2017 apud CORRÊA, 2018).
O parágrafo 1º do citado Art. 4º-A define que a empresa prestadora de serviços a terceiros como pessoa jurídica de direito privado que “contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores [...]”, deixando claro que, na contratação dos empregados, a prestadora de serviços tem o comando da direção sobre os funcionários, estando estes submetidos ao seu poder de mando e gestão. Ela é a empregadora, mesmo que o local de trabalho seja nas dependências da tomadora de serviços ou em outro local determinado para execução de serviços (SILVA, 2017 apud CORRÊA, 2018).
Ainda para buscar segurança jurídica para os envolvidos, evitando que sejam dispensados e contratados por terceirizados, é vedada a recontratação de ex-empregado pela mesma empresa prestadora de serviço pelo prazo de dezoito meses a partir da sua demissão, de acordo com o Art. 5º-D da mencionada Lei (BRASIL, 2017).
As oposições ao novo modelo decorrem da constatação de que os profissionais terceirizados recebem salários menores do que os empregados contratados diretamente pela instituição tomadora de serviços, visto que a prestadora de serviços não repassará aos terceirizados o valor integral firmado com o tomador, pois estão envolvidos lucros do prestador, impostos e outros (PINTO; FERREIRA, 2021). Aliás, o aumento da terceirização tem gerado preocupações em relação à proteção ao trabalhador, devido à precarização das condições de trabalho e uma possível elevação do trabalho análogo ao escravo (SAKAMOTO, 2022).
Percebe-se que houve mudanças significativas na terceirização, mas ainda será necessário avaliar as repercussões sociais dessa nova sistemática, de modo a assegurar a proteção aos trabalhadores e a segurança jurídica dos envolvidos nas negociações de trabalho terceirizado.
3 RESPONSABILIDADE DO TOMADOR DE SERVIÇOS
3.1 Responsabilidade contratual e extracontratual
O tomador de serviços na terceirização é aquele que contrata empresa para intermediar a prestação de laboral e disponibilizar a mão de obra para o cliente. A relação de emprego é estabelecida com a empresa prestadora de serviço (PINTO, 2004).
A professora Maria Helena Diniz define a responsabilidade civil como “a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano causado a terceiros, seja de atos praticados por ela mesma, por quem ela responde ou a ela pertencente ou por imposição legal” (DINIZ, 2003, p. 34).
A responsabilidade civil contratual acontece no caso em que as obrigações presentes no contrato não foram cumpridas por uma das partes. Está prevista no Art. 389 do Código Civil (CC), que determina que o devedor deve responder por danos e perdas, considerando acréscimos de juros e correção monetária, segundo os índices oficiais, juros e honorários advocatícios (BRASIL, 2002). Já na extracontratual, não existe vínculo contratual, no entanto, existe vínculo legal, com base em obrigações derivadas da lei ou do ordenamento jurídico, em que o descumprimento do dever legal, ocasiona dano a uma das partes envolvidas. Essas responsabilidades estão fundamentadas no Art. 186 do Código Civil, cujo texto segue abaixo.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito (BRASIL, 2002).
Percebe-se que a responsabilidade contratual existe em razão de um contrato que vincula as partes, e a extracontratual, a partir de um descumprimento de dever legal. Nesse sentido, José Affonso Dallegrave Neto ensina que a responsabilidade civil extracontratual é:
[...] conhecida como aquiliana, tem-se aquela decorrente de violação dever geral previsto em ou lei ou na ordem jurídica; é o ato ilícito que, por si só, dá origem à relação jurídica obrigacional, criando para o causador do dano, o dever de indenizar a vítima. Ao revés, a chamada responsabilidade civil contratual é aquela proveniente de um contrato mantido previamente entre as partes (ofensor e vítima), a qual pode se manifestar de forma objetiva (sem culpa) quando o dano do empregado decorrer da simples, regular e ordinária execução do contrato de trabalho (risco assumido) ou, como geralmente sucede, de forma culposa, em face da inexecução de obrigação principal ou secundária ou de um dever anexo de conduta [...] (DALLEGRAVE, 2005, p.78 e 79).
Nesse contexto, a responsabilidade do tomador de serviço se torna extracontratual, devido a não observância de um dever geral de cautela (ROSSATTI; LIMA, 2016). Vólia Bomfim Cassar leciona que:
[...] o empregador que sonega direitos trabalhistas de seu empregado comete ato ilícito, e o tomador dos serviços abusa do direito de terceirizar, pois deveria fiscalizar o cumprimento do contrato e escolher melhor as empresas intermediadoras de mão de obra (CASSAR, 2014, p. 508).
Assim, o tomador de serviço pode ser responsabilizado por não fiscalizar o contrato (culpa in vigilando) e por não saber escolher prestadora de serviço (culpa in contrahendo), de acordo Art.186, 187 e 927 do Código Civil (ROSSATTI; LIMA, 2016).
O contrato entre empresa tomadora de serviços e empresa prestadora de serviços deverá ser escrito, de acordo com o Art. 5º-B, inciso I a IV, Lei nº 6.019/1974, e com descrições das qualificações das partes, especificação do serviço a ser prestado, prazo para a realização dos serviços, caso for necessário, e valor (BRASIL, 1974).
Os empregados da prestadora de serviços, de acordo Art. 4°-C da citada Lei, devem ter as mesmas garantias, direitos e condições de trabalho dos empregados da contratante, como alimentação em refeitórios, serviços de transporte, atendimento médico ou ambulatorial, treinamento adequado fornecido pela contratada, proteção à saúde e segurança do trabalho e instalações adequadas para a prestação do serviço. Ainda, de acordo entendimento entre contratante e contratada, podem ser estabelecidos que os funcionários da contratada recebam salários e outros direitos equivalentes ao pago aos empregados da contratante. Na mobilização de empregados da contratada, com número igual ou superior a 20% dos empregados da contratante, esta poderá oferecer serviços de alimentação e atendimento ambulatorial em outro local, mantendo o mesmo padrão de atendimento (BRASIL, 1974).
A empresa tomadora de serviços será responsabilizada subsidiariamente pelos valores e direitos trabalhistas, caso a prestadora de serviços não cumpra com suas responsabilidades perante o empregado, de acordo com o Art. 5°-A, §5º, da Lei nº 6.019/1974 (BRASIL, 1974). Isso porque, a tomadora de serviços tem o dever de fiscalizar as obrigações trabalhistas da empresa terceirizada. Logo, o trabalhador que se sentir prejudicado poderá recorrer à Justiça do trabalho, caso a devedora principal (prestadora de serviços) não cumpra suas obrigações, devendo então a tomadora de serviço arcar os valores devidos de forma subsidiária. Por isso, é importante que a tomadora de serviços fiscalize a empresa prestadora de serviços, e ainda tenha um contrato bem estruturado da prestação de serviços, para que haja uma possibilidade de requerer os gastos com débitos trabalhistas que fora condenada a pagar.
Na responsabilidade solidária, tanto o tomador quanto a empresa prestadora dos serviços, ambos respondem conjuntamente. Como exemplo, tem-se eventos relacionados à falta de segurança no trabalho e consequentemente a ocorrência de acidentes laboral, em que as duas empresas devem ser responsabilizadas. (MAYER; SCHORR; LOCATELLI, 2019).
De acordo o Art. 264 do Código Civil, existe solidariedade “quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda”. A solidariedade não pode ser presumida, mas “resulta da lei ou da vontade das partes” (BRASIL, 2002). Já na responsabilidade subsidiária, existe uma ordem a ser observada para cobrança de dívida, em que o devedor secundário só pode ser acionado após a dívida ser cobrada do devedor principal (LEITE, 2021).
3.2 Terceirização em juízo (julgados selecionados)
A aplicação da norma em casos práticos revela o alcance da norma e suas particularidades. Por isso, seguem alguns julgados que versam sobre a responsabilização do tomador dos serviços terceirizados, cuja análise contribuirá para o estudo.
Em julgado da Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho 10° Região (TRT10), foi reconhecida a responsabilidade subsidiária do tomador de serviço. Embora a segunda reclamada tenha afirmado que era apenas cliente da primeira reclamada, houve sua condenação, com base também na nova legislação, como se observa dos fundamentos abaixo transcritos:
A responsabilidade subsidiária do Tomador de Serviços, empresa de construção civil, está amparada não somente na jurisprudência sumulada do TST, fonte do Direito do Trabalho, a teor do art. 8º da CLT, mas também na legislação positiva (art. 455 da CLT e art. 5º-A da Lei nº 13.429/2017).
Incontroverso, por diversos outros Processos, já julgados, a exemplo do Processo 0000703-55.2018.5.10.0111 e 0000680-12.2018.5.10.0111 que a prestação dos serviços, especialmente aqueles que trabalharam em Uberlândia, se deu única e exclusivamente em prol da segunda reclamada, não podendo este Juízo adotar julgamento diverso para a mesma situação fática, à luz dos Princípios da Unidade de Juízo e Convicção. (...)
Declaro a responsabilidade subsidiária da 2ª reclamada, para responder subsidiariamente para responder pelas obrigações inadimplidas pela 1ª reclamada, a teor dos itens IV, V e VI da Súmula 331 do C. TST, art. 455 da CLT e art. 5º-A da Lei nº 13.429/2017, exceto quanto à obrigação de anotar a CTPS, assegurado o benefício de ordem em relação ao patrimônio da 1ª reclamada. Defere-se o item" 3 "," caput ", no particular" (id. 24D7c93). (TRT 10° Região, Primeira Turma, RO nº 0000686-19.2018.5.10.0111, Rel. Desembargador Dorival Borges, acórdão publicado em 09/03/2019).
Em outro caso julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho 10° Região (TRT10), houve a condenação subsidiária da segunda reclamada (tomadora de serviços) ao pagamento de valores devidos ao trabalhador, sendo afastado, inclusive, o solicitado benefício de ordem, conforme ementa abaixo.
TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR. RESCISÃO INDIRETA. A jurisprudência pacificada no col. TST quanto à responsabilização subsidiária do tomador de serviços subsiste mesmo após o julgamento do RE nº 958252 pelo ex. Supremo Tribunal Federal. Assim, incontroverso o inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empregadora, devida a condenação subsidiária do tomador por todas as parcelas objeto da condenação (Súmula nº 331, IV, do TST). (…) RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO. BENEFÍCIO DE ORDEM. Nos termos do Verbete nº 37 do TRT10: “Frustradas as medidas constritivas contra a devedora principal, é lícito o redirecionamento da execução contra a devedora subsidiária, independentemente de tentativa expropriatória em relação aos sócios da empregadora”. (TRT da 10ª Região, Terceira Turma, RO nº 0000025-39.2021.5.10.0821, Rel. Desembargador Ricardo Alencar Machado, acórdão publicado em 06/06/2022).
Em primeiro grau, a magistrada que prolatou a decisão, Juíza do Trabalho Regina Célia Oliveira Serrano, destacou o reconhecimento da culpa in vigilando da contratante, que não fiscalizou o cumprimento dos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados. Segue fragmento da decisão primária.
(…). E, ainda que assim não fosse, a condenação subsidiária decorre da culpa in vigilando, prevista nos artigos 186 e 927, parágrafo único, do Código Civil vigente, aplicado subsidiariamente por força da disposição contida no parágrafo único do artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo claramente visualizada nos autos, pois sequer havia controle dos empregados que atuavam em seu benefício, não fazendo qualquer fiscalização relativa ao adimplemento das obrigações trabalhistas. (...)
Outrossim, no sentido de persistir a responsabilidade subsidiária quanto aos empregados terceirizados, a decisão do STF na ADPF 234 assim orienta, no item 4 da ementa: “Para evitar tal exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador, cabendo à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias”. Dessa forma, entendo cabível a declaração de responsabilidade subsidiária (…).
Como se nota no julgado acima, a parte questionou a constitucionalidade da norma que prevê a responsabilidade do tomador dos serviços. Ao enfrentar a matéria, o STF reconheceu que é constitucional essa responsabilização ao julgar o RE 958.252 e a ADPF 324, trazendo as teses de que é lícita a terceirização e que deve ser mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante, competindo a esta verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada.
Percebe-se que a tomadora de serviços teve reconhecida sua responsabilidade subsidiária, devendo arcar com o pagamento de verbas aos empregados da prestadora de serviços. No acima indicado caso concreto, os trabalhadores estavam desamparados, sem acesso ao seguro-desemprego e sem poder realizar o saque do FGTS. A tomadora de serviços, porém, ficou isenta das obrigações personalíssimas, como assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social e entrega de guias, visto que estas só podem ser realizada pelo próprio empregador (prestadora). Pode-se evidenciar nessa análise que a tomadora de serviços não tinha um controle dos empregados que atuavam em seu benefício e não realizava a fiscalização das obrigações trabalhistas, motivo pelo qual foi reconhecida sua culpa in vigilando, prevista nos artigos 186 e 927, parágrafo único, do Código Civil vigente.
Corroborando com os demais julgados, vale mencionar a decisão pela Segunda Turma do TRT10 nos autos do Recurso Ordinário nº 0001773 21.2015.5.10.0012. A demanda envolvia o pagamento de verbas trabalhistas a uma Operadora de Caixa e fora movida em desfavor de Empresa Comercial de Cosméticos (prestadora de serviços), com pedido de reconhecimento da responsabilidade subsidiária de Instituição Bancária (tomadora de serviços) que fora beneficiada com os serviços da reclamante. Insatisfeita com a sentença condenatória, a Instituição Bancária recorreu da decisão, alegando ilegitimidade passiva e, no mérito, afirmando não existir terceirização, argumentação não provida pelos Desembargadores, sob a seguinte fundamentação:
Inicialmente cumpre afirmar que o inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador implica responsabilização subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que tenha participado da relação processual e conste do título executivo, nos termos da Súmula TST/331, item IV. Isso decorre da culpa do contratante quanto à vigilância e à fiscalização das obrigações da contratada em relação aos seus empregados.
No caso, restou incontroverso que a reclamante se ativava em favor do recorrente na prestação de serviços no BRB Conveniência, em razão de contrato de correspondência bancária firmado entre os reclamados (fls. 92 e seguintes). Logo, evidenciada a terceirização dos serviços.
Assim, correta a decisão de origem que responsabilizou o BRB de forma subsidiária pelo pagamento das parcelas deferidas à autora. Nego provimento. (TRT da 10ª Região, Segunda Turma, RO nº 001773 21.2015.5.10.0012, Rel. Desembargadora Elke Doris Just, acórdão publicado em 18/12/2018).
O caso sub judice também evidenciou que a tomadora de serviços não agiu com acuidade perante o encargo de realizar a fiscalização das atividades da prestadora de serviços, como faz previsão a Súmula 331, item IV do TST. Ficou evidente que não houve a devida observância aos direitos trabalhistas da empregada e, tendo em vista que se beneficiou da força de trabalho da obreira, a tomadora foi condenada subsidiariamente ao pagamento das verbas devidas à reclamante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A terceirização de serviços, mesmo com aprovação de leis e regulamentações, não deixa de ser um tema polêmico pois envolve não só a liberdade econômica e organizacional das empresas, mas, sobretudo, abrange as repercussões jurídicas e sociais daqueles que laboram em favor de outrem.
É possível dizer que os trabalhadores de empresas terceirizadas são a parte mais fraca na contratação entre empresas tomadoras de serviços e prestadoras de serviços, pois está sujeito a uma maior precarização de seu posto de trabalho. Avanços legislativos devem estar alinhados com os princípios basilares do Direito do Trabalho, dentre eles o princípio da proteção ao hipossuficiente.
Mesmo no vigente modelo de terceirização, amplo e irrestrito, é possível aplicá-lo de modo responsável socialmente, procurando conhecer a prestadora de serviços, quais as condições de trabalho oferecidas aos seus empregados, e a idoneidade financeira da contratada. Além disso, a empresa tomadora deve fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista.
Salários dignos, condições adequadas e salubres para a prestação de serviços, proteção contra atentados à vida e saúde dos trabalhadores, isso é o mínimo que se espera a todo trabalhador, incluídos os que prestam serviços por meio de empresa terceirizada.
Pelo grande número de demandas questionando a terceirização, verifica-se que ainda existem muitos trabalhadores desamparados pelas empresas, sendo necessário cumprir o que já está garantido em legislação, ainda que esta seja passível de críticas e, no futuro, possa receber aperfeiçoamento.
Reconhecendo a limitação do presente estudo, e sem prejuízo de novas pesquisas, entende-se que é possível afirmar que as recentes alterações legais e jurisprudenciais aplicáveis à terceirização trabalhista acarretaram redução da proteção dos direitos dos empregados terceirizados, na medida em que os casos concretos mostram uma falta de fiscalização, pelo tomador dos serviços, do cumprimento dos direitos trabalhistas básicos do obreiro.
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[1] Professora do Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho; Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Máster em Direitos Sociais pela Universidad de Castilla-La Mancha (Espanha). Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade do Tocantins (UNITINS). Professora da Escola Paulista de Direito; coautora deste artigo de conclusão de curso.
Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAIA, Lucelia Ferreira Lopes. Novos contornos da terceirização trabalhista: reflexões sobre as recentes alterações da legislação trabalhista brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60266/novos-contornos-da-terceirizao-trabalhista-reflexes-sobre-as-recentes-alteraes-da-legislao-trabalhista-brasileira. Acesso em: 28 dez 2024.
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