RESUMO: Este artigo objetiva estudar como se dá o controle de constitucionalidade sobre a lei orçamentária anual, com o contexto histórico e a posição jurídica atual. Com este intento, utilizou-se o método dedutivo, com as técnicas de pesquisa documental e bibliográfica, numa uma análise exploratória e qualitativa, por meio da observação da evolução jurisprudencial e do entendimento doutrinário sobre o orçamento e a possibilidade de controle constitucional. Realizada uma pesquisa exploratória qualitativa, tem-se como resultado a possibilidade de amplo controle judicial do orçamento através da aplicação do texto constitucional. A pesquisa possibilitou entender a evolução do entendimento do controle de constitucionalidade sobre o orçamento para atingir o atual cenário de possibilitar analisar o texto orçamentário frente às diretrizes estabelecidas na Constituição da República de 1988.
Palavras-chave: Orçamento público. Controle de constitucionalidade. Lei de efeitos concretos.
THE CONTROL OF CONSTITUTIONALITY IN THE PUBLIC BUDGET
ABSTRACT: This article aims to study how the control of constitutionality takes place on the annual budget law, with the historical context and the current legal position. For this purpose, the deductive method was used, with the techniques of documental and bibliographic research, in an exploratory and qualitative analysis, through the observation of jurisprudential evolution and the doctrinal understanding of the budget and the possibility of constitutional control. A qualitative exploratory research was carried out, resulting in the possibility of broad judicial control of the budget through the application of the constitutional text. The research made it possible to understand the evolution of the understanding of constitutionality control over the budget to reach the current scenario of making it possible to analyze the budget text against the guidelines established in the Constitution of the Republic of 1988.
Keywords: Public budget. Constitutional review. Law of concrete effects.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE APLICADO AO ORÇAMENTO PÚBLICO. 2. O ATUAL CENÁRIO DA ANÁLISE JUDICIAL DO ORÇAMENTO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO.
Este artigo trata sobre o controle de constitucionalidade aplicado ao orçamento público, com a abordagem histórica e atual deste instrumento. Além disso, num viés qualitativo, demonstrará a imperatividade do respeito ao Texto Constitucional pelo orçamento público, com previsão de receitas e fixação de despesas.
Todo ato normativo busca no ordenamento jurídico o seu fundamento de validade e existência, sendo esta base justamente o Texto Constitucional. No Brasil, adotamos um sistema misto de controle de constitucionalidade, com elementos da tradição norte-americana do controle judicial difuso e do modelo austríaco de controle concentrado.
Tendo natureza jurídica de lei formal, a lei orçamentária anual esteve durante muito tempo no centro dos debates para identificar sua submissão ao controle constitucional. O orçamento prevê as receitas e fixa as despesas, sendo importante instrumento de planejamento, fiscalização e previsibilidade para o gasto público (TORRES, 2014, p. 340).
Inicialmente, o STF entendia pela impossibilidade do controle de constitucionalidade das leis orçamentárias em virtude de serem sem generalidade e abstração. Posteriormente, principalmente a partir do julgamento da ADI nº 4.048, em 14 de maio de 2008, a Suprema Corte passou a entender pela possibilidade de submissão das leis orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade.
Como ato de aplicação primária da Constituição a lei orçamentária não precisaria de densidade normativa para se submeter ao controle abstrato de constitucionalidade. Desse modo, o objetivo principal deste artigo é abordar como o controle de constitucionalidade sobre as leis orçamentárias se desenvolveu no direito brasileiro.
Para metodologia, fez-se o uso do método dedutivo, com as técnicas de pesquisa documental e bibliográfica, por intermédio de uma análise exploratória e qualitativa. A pesquisa esta concentrada nos textos legais, na jurisprudência do STF e nos entendimentos doutrinários.
Desse modo, este artigo está estruturado em duas seções. De início, estudará o contexto histórico do controle constitucional sobre o orçamento público para, logo após, dispor sobre o atual cenário jurisprudencial e doutrinário quanto à submissão das leis orçamentárias ao crivo constitucional.
1. HISTÓRICO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE APLICADO AO ORÇAMENTO PÚBLICO.
Estudar o histórico do controle de constitucionalidade no Brasil não comporta uma análise simplista, demandando o entendimento de que para chegar ao atual sistema misto, com elementos dos sistemas difuso e concentrado, houve um longo processo de idas e vindas com avanços e retrocessos dos mecanismos de respeito ao Texto da Constituição.
Atualmente, a defesa dos direitos fundamentais e das minorias são os principais elementos do controle de constitucionalidade. Contudo, nem sempre foi assim. A recepção do controle pela Constituição da República de 1891 foi introduzida no ordenamento jurídico constitucional para preservar o processo político então instalado (CONTINENTINO, 2018, p. 96), o regime de governo republicano. Numa análise sucinta, crítica e explicativa, o professor Marcelo Continentino (2018, p. 97) resume da seguinte forma:
À mingua de abordagem mais abrangente, parte significativa da doutrina constitucional brasileira tem compactuado com a ideia de que o controle se iniciou com a Constituição de 1891 por força da tradição norte-americana, consolidou-se com a Constituição de 1934, amargou significativo retrocesso em face da Carta de 1937 e foi restaurado aos padrões de 1934 com a redemocratização e a Constituição de 1946. Em 1965, sob a vigência dos Atos Institucionais nº 1 e nº 2, que suspenderam a eficácia de diversos preceitos da Constituição de 1946 e alteraram-na substancialmente, sofreu profunda transformação mediante a introdução da representação genérica de inconstitucionalidade, que permitiu ao Supremo Tribunal Federal conhecer diretamente de controvérsia constitucional e decidir, em caráter geral e vinculante, sobre a questão. Por fim, chegou-se à sua mais bem acabada formulação, aquela consagrada na Constituição Federal de 1988.
Contudo, esta função evolucionista do direito esbarra na realidade prática e na história, pois, caso seja avaliado profundamente, a garantia dos direitos previstos na Constituição remota ao período do império e da Carta Magna de 1824. Neste dispositivo legal, temos o controle da constitucionalidade exercido tanto pelos Poderes Executivo e Legislativo, quanto pelo Poder Moderador[1].
Ademais, apesar da prática e decisão política da época ser contrária ao controle judicial, não consta na Constituição do Império de 1824 uma vedação expressa proibindo que os juízes interpretassem os atos normativos infraconstitucionais. O controle de constitucionalidade é a salvaguarda da Constituição, o ato de manter hígido o Texto da Lei Maior, possibilitando a um órgão judicial ou político, não judicial, examinar a compatibilidade do ato normativo com a Constituição, com a decisão sobre a validade formal e material dos atos infraconstitucionais.
Tratando do tema do controle político da constitucionalidade no Brasil Império, os professores Lincoln Soares e Milena Felizola (2015, p. 81) destacam o poderio do imperador e a impossibilidade de atuação do judiciário:
Pode-se concluir, neste momento, que o controle de constitucionalidade fora inaugurado na órbita política. Era exercido - de fato e de direito - pelo imperador, através do poder moderador (um superpoder), sem que se tenha registrado a menor intervenção do judiciário nas atribuições em comento.
Em verdade, o pensamento jurídico constitucional do Império entendia que o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário significaria uma ameaça a monarquia e ao governo imperial, que estaria sujeito as possíveis amarras lançadas por decisões judiciais. A questão maior sempre foi definir a quem seria dada a autoridade última de pronunciar-se sobre a interpretação constitucional de determinado ato normativo.
Nestes termos, a preocupação do constitucionalismo brasileiro não foi quanto à possibilidade de existir o controle, mas sobre quem exerceria esta função como última instância da interpretação constitucional. Com a criação do Supremo Tribunal Federal, esclarecida no Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, ficou legitimado este órgão como responsável pelo controle de constitucionalidade.
Em interessante estudo sobre o histórico do controle de constitucionalidade no Brasil, o professor Wagner Feloniuk (2019, p. 459) explica sobre o surgimento do Supremo tribunal Federal a partir da reforma do Poder Judiciário:
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, viria pouco depois, ainda entes do início dos trabalhos da Constituinte. Ele foi criado por meio do Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, uma longa norma que regia toda a Justiça Federal, a corte suprema, outros tribunais, os juízes de primeiro grau, servidores, regras processuais.
O decreto fora planejado por Campos Sales, Ministro da Justiça, e se adiantou à discussão da Assembleia Constituinte criando a divisão entre as justiças estadual e federal, o tema central do Judiciário naquele momento. Essa estrutura seria eventualmente confirmada, mas ele enfrentou resistência por sua decisão não discutida na constituinte e contrária até ao desejo pessoal de Deodoro. Nos primeiros momentos, ele foi contestado até por magistrados, inclusive membros do Supremo Tribunal de Justiça, que agora virava Supremo Tribunal Federal por decisão do ministro. A resposta de Campos Sales foi a de que o projeto apenas aumentava a independência do Poder Judiciário e que se baseava na descentralização de poder, o que seria a base de toda a liberdade.
Assim, a Constituição da República de 1988 não se preocupa somente com a previsão fundamentais a serem concretizados, mas também com a previsão de fonte de custeio para este direito através das exações fiscais e sua aplicação com planejamento e condução para a eficiência. Com didática, as professoras Ana Paula Ávila e Daniella Bitencourt (2017, p. 33) explicam como se dá o controle judicial sobre o orçamento com vistas a garantir a realização dos direitos fundamentais:
Desse modo, a Constituição Federal não somente determinou os direitos fundamentais com o objetivo de assegurar uma existência humana digna, mas também estabeleceu uma escala norteadora para que os poderes, em conjunto e de forma coordenada, implementem essas políticas públicas e o orçamento público é peça fundamental para essa concretização. Restará ao STF o desafio de otimizar tanto as normas de direitos fundamentais como aquelas que estabelecem as competências e capacidades institucionais de cada um dos poderes estatais, encontrando soluções que, de um lado, garantam o atendimento mínimo daqueles direitos, e, de outro, evitem a usurpação das responsabilidades dos outros órgãos investidos de poderes pela Constituição Federal.
Um exemplo de equacionamento deste tipo de impasse pode ser colhido em um precedente do STJ do ano de 2003, em que a Relatora, Min. Eliana Calmon, determinou ao município o dever de reservar, no orçamento do ano seguinte, verba suficiente para a implementação do programa de atendimento a alcoólatras e toxicômanos lançado no programa de Governo do Executivo municipal, mas que deixara de ser executado por falta de recursos.
Claro está que o orçamento, meio pelo qual se autoriza o gasto público, sempre teve o protagonismo com a disputa de poder para sua previsão, execução e controle. De tal modo, a fiscalização do cumprimento da lei orçamentária, como essencial instrumento financeiro para financiar políticas públicas e indicar caminhos para a iniciativa privada, se torna cada vez mais essencial e deve ter seus atores alargados para garantir maior transparência, com a construção do investimento democrático e eficiente.
2. O ATUAL CENÁRIO DA ANÁLISE JUDICIAL DO ORÇAMENTO.
A transparência e o controle da lei orçamentária possibilita, a um só tempo, entender de onde vem à arrecadação, para onde está indo estes recursos e quem é o responsável por alocar esses valores para as diversas políticas públicas (SCAFF, 2018, p. 85). Mais do que nunca, os recursos públicos devem ser tratados com eficiência no gasto e investimento direcionado para políticas públicas que reduzam as desigualdades.
Neste ponto, importa considerar que, historicamente, o STF tem posicionamento unânime quanto à natureza jurídica de lei meramente formal do orçamento[2], não veiculando direitos, não sendo classificada como lei material. Entretanto, o atual cenário orçamentário do Brasil, autorizativo e com alto grau de discricionariedade pelo Poder Executivo, está contribuindo para uma mudança na jurisprudência do STF:
1. Leis orçamentárias que materializem atos de aplicação primária da Constituição Federal podem ser submetidas a controle de constitucionalidade em processos objetivos. Precedentes. 2. A incompatibilidade entre os termos do dispositivo impugnado e os padrões da lei de responsabilidade fiscal (Lei Federal Complementar 101/00) não se resume a uma crise de legalidade. Traduz, em verdade, um problema de envergadura maior, a envolver a indevida apropriação de competências da União, em especial a de conceber limites de despesas com pessoal ativo e inativo (art. 169, caput, da CF), controvérsia que comporta solução na via da ação direta de inconstitucionalidade. 3. Os limites traçados pela lei de responsabilidade para os gastos com pessoal ativo e inativo nos Estados, Distrito Federal e Municípios valem como referência nacional a ser respeitada por todos os entes federativos, que ficam incontornavelmente vinculados aos parâmetros máximos de valor nela previstos. 4. Ao contemplar um limite de gastos mais generoso para o Poder Legislativo local, o dispositivo impugnado se indispôs abertamente com os parâmetros normativos da lei de responsabilidade fiscal, e com isso, se sobrepôs à autoridade da União para dispor no tema, pelo que fica caracterizada a lesão ao art. 169, caput, da CF. 5. Liminar referendada pelo Plenário para suspender, com efeitos “ex nunc” (art. 11, § 1º, da Lei 9.868/99, até o julgamento final desta ação, a eficácia da expressão “Poder Legislativo 4,5%”, do art. 50 da Lei estadual 1.005/2015. (STF. ADI 5449 MC-Ref, Relator(a): TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2016)
Este posicionamento, ainda que tímido, pode simbolizar uma mudança na jurisprudência da Corte Suprema em relação à natureza jurídica do orçamento e a existência de uma parcela de execução vinculante no seu texto. Pelo tradicional entendimento de ser lei formal de efeitos concretos, sem abstração e generalidade, ao longo do tempo o controle de constitucionalidade abstrato foi afastado do orçamento, fato que caminha para ser alterado.
Este afastamento do controle de constitucionalidade significou, por muito tempo, a existência de uma lei que poderia continuar a ser executada mesmo passando ao largo da constituição. Inicialmente, no julgamento da ADI nº 2925[3], o STF entendeu pela possibilidade de controle abstrato de constitucionalidade na lei orçamentária no trecho que apresentou desígnios abstratos, genéricos e autônomos, de forma a impedir o direcionamento dos recursos obtidos com a CIDE-Combustíveis para destinos distintos daqueles previstos no próprio Texto Constitucional.
Revisitando a necessidade de controle abstrato de constitucionalidade das normas orçamentárias, o Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento da ADI 4048/MC, pela possibilidade de seu exercício, numa alteração jurisprudencial para alargar a possibilidade de controle judicial dos atos normativos. Nas pedagógicas razões de decidir da ementa do julgado, é possível destacar o seguinte trecho:
II. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE NORMAS ORÇAMENTÁRIAS. REVISÃO DE JURISPRUDÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal deve exercer sua função precípua de fiscalização da constitucionalidade das leis e dos atos normativos quando houver um tema ou uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato, independente do caráter geral ou específico, concreto ou abstrato de seu objeto. Possibilidade de submissão das normas orçamentárias ao controle abstrato de constitucionalidade. (STF. ADI 4048 MC, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2008)
Com este novo entendimento, a lei orçamentária passou a ser objeto de controle abstrato de constitucionalidade, não importando a sua natureza de lei de efeitos concretos, bastando existir uma controvérsia constitucional suscitada em abstrato. Este julgamento representa um marco importante no controle constitucional do orçamento, ecoando posteriormente na análise da ADI nº 5.468, que, a um só tempo, reitera a possibilidade de controlar a constitucionalidade do orçamento e reconhece ser um importante instrumento de planejamento e financiamento das políticas públicas:
4) O “controle material” de espécies legislativas orçamentárias corresponde a uma tendência recentemente intensificada na jurisdição constitucional do Supremo Tribunal Federal (STF) (...) 5) O controle orçamentário pelo legislativo funda-se num corpo de normas que é, a um só tempo, “estatuto protetivo do cidadão -contribuinte” e "ferramenta do administrador público e de instrumento indispensável ao Estado Democrático Direito para fazer frente a suas necessidades financeiras". (...) 11) A Jurisdição Constitucional, em face da tessitura aberta de conformação legislativa prevista pelo inciso I do § 3º do art. 166 da CRFB/1988, não detém capacidade institucional automática ou pressuposta e não pode empreender, no âmbito do controle abstrato, a tarefa de coordenação entre o Plano Plurianual (PPA) e as respectivas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO’s) e Leis Orçamentárias Anuais (LOA’s). 12) Consectariamente, diante da ausência de abusividade, deve-se declarar que a função de definir receitas e despesas do aparato estatal é uma das mais tradicionais e relevantes do Poder Legislativo, impondo-se ao Poder judiciário, no caso, uma postura de deferência institucional em relação ao debate parlamentar, sob pena de indevida e ilegítima tentativa de esvaziamento de típicas funções institucionais do Parlamento. (STF. ADI 5468, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/2016)
A atividade arrecadatória do Estado produz a receita pública que será prevista no orçamento. Este, por sua vez, estará responsável por fixar as despesas a serem custeadas pela arrecadação fiscal. Receita, despesa e planejamento ficam numa relação de interdependência, com possibilidade de controle judicial em todas estas frentes. Sobre a temática da influência das decisões judiciais sobre as receitas e despesas, cabe notar a contribuição dos professores Suzana da Costa e Marcos da Silva (2022, p. 204):
Chama atenção a notória predominância de casos tributários perante outras matérias. Cogita-se se tal dado não se justifica pela percepção dos ministros do STF acerca da capacidade de multiplicação de processos judiciais, a partir de determinada tese estabelecida acerca da constitucionalidade de alguma prática adotada pela Fazenda Pública; e, também, com a ligação direta existente entre a atividade arrecadatória do Estado, orçamento e governabilidade.
O formato majoritariamente autorizativo da lei orçamentária cria uma margem ampla de liberdade decisória para a execução da despesa pelo Poder Executivo, apesar de que não se devem confundir as leis orçamentárias com mera peça de ficção, fato que dificulta a execução das políticas públicas e deve ser superado tanto pela atual vinculação de parcela do orçamento quanto pelo controle judicial.
De tal modo a Constituição da República de 1988 preocupou-se em combater os seguintes vícios da execução orçamentária: i) ausência de planejamento; ii) a execução orçamentária inconstitucional, com atos administrativos imotivados ou abusivos; e iii) a falta de controle da execução orçamentária, contribuindo para sua baixa vinculatividade. Nessa vertente, o combate a estes vícios de execução orçamentária e a promoção da máxima efetividade dos direitos fundamentais só será alcançada através do controle do ciclo orçamentário e de sua execução.
O controle de constitucionalidade sobre a lei do orçamento não ofende a separação dos Poderes, tendo em vista que a concretização dos direitos sociais não pode estar atrelada a mera vontade do administrador, tendo o Poder Judiciário atuação de controlador da atividade administrativa, conforme definido no REsp 1.645.846/RJ[4].
Em relação ao controle de constitucionalidade das leis orçamentárias, temos uma evolução na jurisprudência do STF. Inicialmente, foram entendidas como lei de efeitos concretos, desprovidas de generalidade e abstração, impossibilitando o controle abstrato de constitucionalidade. Posteriormente, foi admitido o controle judicial, entretanto vinculado aos dispositivos que apresentassem contornos abstratos, autônomos e objetivos. Por fim, atualmente, o entendimento é pela possibilidade de controle de constitucionalidade abstrato das leis orçamentárias, que são atos de aplicação primária da Constituição.
Executada através de atos administrativos, a locação de recursos públicos passa pelo planejamento financeiro inserido nas leis orçamentárias, razão pela qual a execução destas leis deve ser submetida ao controle judicial. Portanto, cabe o controle por parte do Poder Judiciário sempre que for observada a ineficácia na prestação dos direitos fundamentais por causa do descumprimento da legislação orçamentária pelos gestores públicos e do controle do inconstitucional esvaziamento de sua força normativa.
CONCLUSÃO.
Este artigo examina a evolução da utilização do controle de constitucionalidade em relação às leis orçamentárias. Observou-se que a impossibilidade de controle pelo Poder Judiciário foi superada pelo moderno entendimento segundo o qual seria cabível o controle de constitucionalidade do orçamento quando houver um debate constitucional em abstrato, independe da natureza concreta e específica da lei orçamentária.
O desenvolvimento da matéria permitiu identificar que, no sistema federativo de freios e contrapesos, o orçamento é mais um instrumento a passar pela deliberação coletiva do Poder Legislativo e a pela execução por parte do Poder Executivo. Nessa conjuntura, o Poder Judiciário fica responsável pelo controle da constitucionalidade na elaboração e execução dos gastos orçamentários.
O cenário de escassez de recursos públicos e a consequente precarização dos direitos fundamentais vêm contribuindo para aumentar o protagonismo do controle judicial sobre o orçamento. A capacidade de financiamento de direitos está diretamente relacionada a existência e disponibilidade do crédito público, que deve ser direcionado para a realização das políticas públicas como finalidade última do gasto público.
Pudemos constatar que a Constituição de 1988 já elenca em seu Texto os valores e direitos fundamentais a serem resguardados pelas receitas públicas, demandando um esforço conjunto entre os poderes para a proteção da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, a atuação do Poder Judiciário no controle da constitucionalidade da lei orçamentária é ainda mais legitimada.
Em primeira análise, o STF entendeu pela impossibilidade de submeter o orçamento ao controle abstrato de constitucionalidade, por entendê-la como lei formal de efeitos concretos, sem abstração e generalidade. Vimos à evolução deste entendimento ao admitir a fiscalização abstrata da constitucionalidade, sensibilizado principalmente no julgamento da ADI nº 4.048/DF. Nesse sentido, o STF deu primazia à abstração da matéria constitucional veiculada em ato normativo que possa ter caráter específico e efeito concreto.
Com isso, o caminho do controle da constitucionalidade do orçamento encontra terreno fértil na preservação das funções institucionais de cada um dos poderes da República, agindo como guardião da Constituição e na preservação das competências de cada Poder. Dessa forma, na análise de constitucionalidade do orçamento, o Poder Judiciário poderá, desde que verificadas graves distorções orçamentárias, retornar a peça orçamentária a autoridade responsável para fazer refletir nas despesas os gastos públicos prioritários e o financiamento de direitos fundamentais.
REFERÊNCIAS.
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VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria e prática do Poder Moderador. Revista de Ciência Política, v. 29, n. 4, p. 72-81, 1986.
[1] “O Poder Moderador, como o proclamara Benjamin Constant, era um poder neutro. Ou, na assertiva de Antônio Carlos, um poder ‘superior a todos os outros poderes’ (Sessão de 2 de maio). Pretendia-se fosse um poder que interpretasse as aspirações nacionais e atuasse no sentido de realizá-la, livre das injunções político-partidárias.
Era esse poder, conseguintemente, propício ao governo da monarquia constitucional, com o qual combinava de maneira harmoniosa, segundo a lição de Benjamin Constant, perfilhada pelos deputados à Assembleia Constituinte e pelo próprio Pedro I, que dela teria tomado conhecimento, com grande satisfação, através de seu confessor e conselheiro, Frei Antônio de Arrábida.
O Poder Moderador era, portanto, prerrogativa imperial anterior ao pacto. ‘Nisso não podemos bulir’, dissera Antônio Carlos (Sessão de 6 de maio).
Pedro II, que aplicou democraticamente a Constituição, quis que o exercício desse poder fosse controlado, ou, pelo menos, que contasse com a co-responsabilidade dos Conselheiros do Império. Assim, a atuação do monarca, quando agindo em razão do Poder Moderador, dependia de prévia audiência do Conselho de Estado, salvo quanto à livre nomeação e demissão dos ministros (Constituição, art. 142).” (VASCONCELOS, 1986, p. 76-77)
[2] Lei orçamentária; lei formal pressupõe uma lei substantiva geradora das relações jurídicas. Coexistência das duas leis, uma criando o imposto e a outra autorizando a sua cobrança para o exercício correspondente. Aplicação dos arts. 73, § 1º, e 141, § 34, da Constituição Federal. (STF. RE 17184, Relator(a): RIBEIRO DA COSTA, Primeira Turma, julgado em 03/07/1952, DJ 25-09-1952)
Majoração do imposto de indústrias e profissões, baseada em lei posterior ao orçamento. Este, como lei formal, reitera o áto legislativo e a obrigação fiscal é devida sem ofender a Constituição.
(STF. RE 35192 segundo, Relator(a): CÂNDIDO MOTTA, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/1960, DJ 07-10-1960)
[3] PROCESSO OBJETIVO - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ORÇAMENTÁRIA. Mostra-se adequado o controle concentrado de constitucionalidade quando a lei orçamentária revela contornos abstratos e autônomos, em abandono ao campo da eficácia concreta. (ADI 2925, Relator(a): ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 19/12/2003)
[4] 5. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de suma importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente relevantes. (REsp 1645846/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 20/04/2017)
Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco em 2016. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Maurício de Nassau em 2019.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, Ana Roberta Silva de. O controle de constitucionalidade no orçamento público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2023, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60837/o-controle-de-constitucionalidade-no-oramento-pblico. Acesso em: 25 dez 2024.
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