RESUMO: O presente estudo tem como objetivo analisar as transformações no cenário das tutelas dos direitos de natureza coletiva e interesses transindividuais no que diz respeito à celeridade da prestação jurisdicional, de acordo com a previsão do Código de Processo Civil. Verificam-se novos rumos do Poder Judiciário e da sociedade que o formalismo da clássica e tradicional estrutura burocratizam a realização do direito material que precisa ser prestado com urgência e eficácia. Com uma abordagem qualitativa e de caráter descritivo, para o desenvolvimento do presente artigo foram realizadas pesquisas bibliográficas, legislativas e institucionais a partir dos mais variados campos da área do saber. Convém esclarecer que esta pesquisa exploratória visa proporcionar maior familiaridade com o assunto, porém, como se verá adiante tornou-se um assunto de relevância social e sua discussão é inesgotável quando consideramos as diversas discussões e opiniões sobre o assunto.
Palavras-Chaves: Tutela. Celeridade. Prestação Jurisdicional.
1.INTRODUÇÃO
Os últimos anos foram marcados com grandes transformações no cenário das tutelas dos direitos de natureza coletiva e interesses transindividuais, destacando-se a Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplinou a Ação Civil Pública, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, do Estatuto da Criança e Adolescentes, Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, dos Direitos dos Consumidores e Lei n. 8.429, de 02 de junho de 1992, que disciplinou a Improbidade Administrativa.
Desta forma, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, se fez necessário a introdução de mecanismos que atendessem a celeridade da prestação jurisdicional e disciplinassem o Código de Processo Civil de 1973, como também de instrumentos eficazes para as ações que tratavam das tutelas constitucionais acima elencadas.
A reforma processual de 1994, com a introdução da tutela antecipada, foi a que mais aperfeiçoou os mecanismos que anteriormente existiam, tendo se aprofundado na própria estrutura do sistema processual civil, dando novos rumos ideológicos ao processo e rompendo a clássica e tradicional estrutura que tratava de separar as demandas em vias autônomas, que ao final tinham por único objetivo a realização do direito material, que necessitava de prestação com urgência e eficácia.
Assim, esses novos rumos disciplinaram um processo com menos formalismos para que quando a sociedade se socorresse ao judiciário não se deparasse com obstáculos para a realização do seu direito. Igualmente, exige-se do intérprete do direito, quando da utilização de tal instrumento, que este, através da hermenêutica, se adapte à nova realidade social.
2 CONCEITO DE TUTELA E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO DIREITO ROMANO
O conceito de tutela vem da palavra latina tuer, tueri, que é a forma com que se olha, observa-se, protege-se, e com este significado dão sentido ao verbo e substantivo tutor e tutela, e empregados nas expressões tutela jurídica e tutela jurisdicional.
Conforme conceitua Zavascki (2008, p.5), ao Estado confere-se o papel de criar as normas reguladoras da convivência social e ainda o compromisso de exercer o poder de fazer valer o cumprimento destas normas e manter a paz social; “Assim, quando se fala em tutela jurisdicional se está a falar exatamente na assistência, no amparo, na defesa, na vigilância que o Estado, por seus órgãos jurisdicionais, presta aos direitos dos indivíduos.”
Foi no século I. a. C que se iniciou uma ampla reformulação na entrega da tutela jurisdicional, que até então a tarefa estatal ia até o conhecimento e o julgamento estava a cargo de uma fase arbitral privada, que transformava em uma bipartição de procedimentos.
Esta reformulação acabou por tornar em um único sistema processual, ou seja, fase de conhecimento e execução nas mãos do próprio poder do estado. Mas mesmo assim, ao passo das grandes conquistas de se buscar a racionalidade e segurança ao processo, junto estava a morosidade na solução da lide para aqueles que necessitavam da prestação do estado, como exemplo as ações de esbulho.
Como observa Theodoro Junior (2007, p. 232), ao longo da história do direito foram sendo criados vários procedimentos para melhor realizar o direito material:
Por isso, com fundamento no imperium do magistrado e com inspiração na equidade, vários institutos processuais foram sendo concebidos para complementar e agilizar a tutela judiciária dos direitos, dentre os quais se destacavam os interditos e outros expedientes mandamentais, utilizados pelo pretor na fase in iure do procedimento, isto é, antes que o iudex viesse a atuar e sentenciar (fase apud iudicem). Sua origem, portanto, foi tipicamente pretoriana.
Os avanços continuavam, mas somente no século XX que o papel do juiz deixou de ser apenas de um espectador que somente assistia o litigante mais hábil chegar à vitória na lide, para então poder apreciar as provas e produzir outras que fossem levadas ao seu convencimento.
Ainda nesse sentido, Theodoro Junior (2007, p.15) destaca que o sistema processual é o meio mais adequado para administrar as relações entre partes e manter a ordem social: “O processo civil passou então a ser visto como instrumento de pacificação social e de realização da vontade da lei e apenas secundariamente como remédio tutelar dos interesses particulares.”
Com o passar dos tempos os novos direitos no campo social e econômico foram surgindo, exigindo assim mecanismos que fizessem impor o respeito e organizar a administração da justiça no meio da sociedade.
O processo como sendo uma instituição que garante os direitos procedimentais através dos princípios do contraditório, isonomia, ampla defesa, anterioridade da lei, dever da jurisdição, direito ao advogado, como também da efetividade do estado Democrático de Direito, vem assim substituir a autotutela, e prestar as garantias para a realização dos direitos concernentes à vida, liberdade, dignidade e patrimonialidade da sociedade.
Nas lições de Zavascki (2008, p.7), para o Estado promover a tutela jurisdicional àqueles que dele se socorre, dividiu-se a doutrina nas tutelas de cognição, cautelar e execução. Sendo na primeira a certificação do direito, na segunda as garantias para efetivação da execução do direito, e por final a realização do direito: “À prestação decorrente do primeiro conjunto de atividades jurisdicionais se denomina tutela de conhecimento, ou de cognição; e à outra, tutela de execução ou executiva.”
A tutela jurisdicional, na visão doutrinária, vem dar amparo e defesa na vigilância que o Estado, por seus órgãos jurisdicionais, presta aos direitos individuais e coletivos, para organizar o convívio social e impor seu poder sobre a vontade de todos, inclusive utilizando de meios de coerção para manter o Estado de Direito.
Assim, o Estado ao assumir este compromisso da aplicação das normas, não poderia deixar obstáculos de acesso ao poder judiciário, como a apreciação de qualquer “lesão ou ameaça de direito”, segundo dispõe o artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, criando com isto os procedimentos cautelares, medidas nas quais se garante o resultado final da tutela jurisdicional ao detentor do direito material, ameaçados de perecimento.
As tutelas de conhecimento, executiva e cautelar foram introduzidas pelo legislador brasileiro de 1973 no Código de Processo Civil, em “processo”, “ações” e “procedimentos”, separados em livros específicos.
No processo de conhecimento se busca na lide a declaração da vontade concreta da lei, e a cautelar tem por escopo para a maioria da doutrina, garantir a efetividade e segurança da prestação jurisdicional, no desenvolvimento da atividade de conhecimento e execução, ainda que em juízo sumário de cognição, diante de uma situação de perigo que se apresente.
Embora não seja tema do presente estudo, resta trazer comentários a respeito da divergência que existe entre a tutela cautelar e satisfatividade, pois a partir deste ponto e aliado ao fato da evolução da sociedade, que o legislador brasileiro se viu obrigado a introduzir o instituto da tutela antecipada no Código de Processo Civil.
Silva (2009, p.25) comenta sobre as principais características das medidas cautelares na visão de Calamandrei, o qual atribui o efeito de provisório para algo que será substituído por definitivo:
Diante do exposto, observa-se que mesmo entendendo que a provisoriedade tem atrelada a ideia de antecipação, ainda assim, Piero CALAMANDREI afirma a provisoriedade dos procedimentos cautelares. Partindo desta concepção, reconhece a existência de cautelares satisfativas.
Baptista da Silva (1993, v.3, p. 39-42) assim diverge da teoria de Calamandrei quando cita a temporariedade como atributo das cautelares e não a provisoriedade, pois para ele a tutela cautelar deve durar enquanto uma situação de perigo estiver ameaçando o direito da parte:
A ideia de antecipação, como alguma coisa inerente aos provimentos cautelares, brota naturalmente da doutrina de CALAMANDREI, pois, tratando-os como medidas provisórias cujo destino irremediável será sua substituição pelo provimento definitivo, o jurista pressupõe que o provimento definitivo tenha a mesma qualidade, ou contenha os mesmos efeitos que o provimento cautelar deverá ter produzido antecipadamente. Do contrário, não poderia haver absorção dos efeitos da medida por ele considerada cautelar, pela sentença definitiva. Se a medida for capaz de substituir os efeitos produzidos pela cautelar, é porque esses efeitos devem ser próprios, inerentes, internos à sentença definitiva. CALAMANDREI não contrapõe a cautelaridade à satisfatividade e sim à definitividade. Para ele, o elemento que distingue as duas categorias é a circunstância de ser a medida cautelar provisória e, como tal, oposta às providências definitivas. Para nós, ao contrário, as medidas cautelares devem ser temporárias e não provisórias[...]
Neste conceito a provisoriedade do provimento é algo que será substituído por algo definitivo, e a satisfatividade na visão de Calamandrei, citado por Silva (2009, p.41), é característica das cautelares, acrescentando o ponto fundamental no qual a divergência doutrinária se divide:
Entretanto, o legislador manteve a teoria de Piero CALAMANDREI no Livro III, que trata do Processo Cautelar. Ou seja, o artigo 273 contempla a tese de um doutrinador que não aceita a existência de cautelares satisfativas e todo o livro das cautelares continua ainda contemplando as ideias de outro processualista que expressamente aceita as cautelares satisfativas.
Tratando os provimentos em momentos distintos, Theodoro Junior (2008, p.44), afirma que somente as ações de conhecimento podem tratar da declaração e satisfação do direito alegado pelas partes, enquanto as cautelares operam na garantia do resultado final da lide:
Não se pode fazer confusão entre o processo principal e o cautelar, porque aquele se encarrega de provimentos satisfativos no plano do direito material controvertido, ao passo que o último apenas opera no plano dos provimentos conservativos (preservação dos elementos necessários para assegurar o resultado prático do processo principal).
Em relação às posições acima, Marins (2008. p. 75) considera o conceito de satisfatividade no âmbito das cautelares como proteção jurídica ao direito material e, admitindo que quando a lide versar sobre valores maiores a serem tutelados com urgência, não deve o processo servir-se de formalismos rigorosos.
Em razão do exposto, parece-nos lícito concluir que a cautelaridade não tem como limite a satisfação fática, mas sim a satisfação jurídica, no sentido de que é vedado ao juiz no processo cautelar declarar, constituir e condenar, e, portanto, satisfazer pretensão autônoma do interessado. Os limites da cautelaridade vão até onde determina a necessidade de assegurar a eficácia da atividade jurisdicional, observados os pressupostos. Se, para tanto, houver exigência do processo, tendo em vista os valores, que deve preservar, de se adotar providência que implique satisfação fática, isto de modo nenhum deve ser obstáculo para a concessão da medida.
Marinoni (2009, p.106-107.), seguindo a maioria da doutrina, em posição de que não há satisfação nas cautelares, ao observar uma diferenciação entre tutela cautelar e tutela sumária satisfativa, destaca a referibilidade do direito acautelado como próprio das cautelares:
A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é “satisfativa sumária”. A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado.
Diante das diferentes abordagens trazidas pela doutrina em relação à tutela sumária satisfativa, se era ou não prestada dentro das ações cautelares inominadas, nosso Código de Processo Civil, então assim foi alterado pela edição da Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994.
3 A LEI 8.952/1994 E A INTRODUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA
Antes do ano de 1994, ou seja, com o advento do Código Civil de 1973, passou-se a existir o livro próprio dos processos cautelares, nos quais se utilizava o poder geral de cautela quando houvesse lesão grave e de difícil reparação no âmbito processual.
Assim, os procedimentos cautelares eram usados para se antecipar o direito material, pois não havia outro instrumento quando se necessitava de uma tutela de urgência e, aliado ao fato do aumento da população e a facilidade de acesso ao judiciário, fez com que os tribunais ficassem abarrotados de medidas cautelares inominadas, gerando então polêmica sobre a legitimidade do processo cautelar para satisfazer o direito material, abrindo margem para as chamadas cautelares satisfativas.
O legislador então preocupado com o grande tumulto das medidas liminares proferidas, ainda contra a administração pública, cuidou logo de editar normas que limitassem essas tutelas provisórias, como exemplo foi a Lei n. 8.437, de 30 de junho de 1992, que regulou as concessões de medidas liminares contra o Poder Público.
Através desta preocupação o legislador reconheceu a possibilidade da medida cautelar antecipar o direito material dentro do poder geral de cautela do juiz, fazendo então com que se aumentasse o número de ações cautelares objetivando experimentar os efeitos do direito que só seria dado em futura sentença, contrariando o fim principal do processo cautelar, que era garantir o resultado final do processo principal ou o direito de quem pleiteava.
Adveio assim, a reforma processual de 1994, através da Lei n. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, a qual deu nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil, dando poder ao juiz de conceder os efeitos do direito material, integralmente ou parcial, em sede de antecipação de tutela:
O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. §1º Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. §2º. Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. §3º A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. §4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. §5º. Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até o final do julgamento. § 6º A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles mostrar-se incontroversos. §7º. Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Artigo 273 do Código de Processo Civil). (BRASIL, 1973)
Ao tratar do tema, ensina Marinoni (2009, p.23), “A tutela antecipada constitui o grande sinal de esperança em meio à crise que afeta a Justiça Civil. Trata-se de instrumento que, se corretamente usado, certamente contribuirá para a restauração da igualdade no procedimento.”
Seguindo o tema, Santos (2008, p. 135):
Introduzida pela Lei nº. 8.952, de 13 de dezembro de 1994, a tutela antecipada surge como uma resposta do legislador à necessidade de dar celeridade ao processo, cumprindo com seu ideal de efetividade, além de normatizar as antecipações dos efeitos das tutelas conferidas, até então, por meio de ações cautelares inominadas.
Tal instituto veio para organizar o procedimento cautelar e também pelo fato de a problemática enfrentada na sociedade quando chegavam às portas do judiciário, pois além de necessitar da prestação jurisdicional do Estado, se deparava com outro entrave que era a morosidade do procedimento, sobre o qual se fazia uma má distribuição de tempo no processo para somente beneficiar o réu.
Nesse sentido, Gonçalves (2007, p. 296):
É o autor quem fica prejudicado, porque a demora no processo impossibilita que ele veja a sua pretensão apreciada e satisfeita em curto espaço de tempo. É notório que muitos réus utilizam-se da demora do processo, explorando-a como forma de minar a resistência do autor, a ponto de obrigá-lo, muitas vezes, a aceitar acordos desfavoráveis ou, o que é mais grave, a renunciar à busca da tutela jurisdicional.
Assim, poderes foram atribuídos ao juiz para que, com base em cognição sumária, autorize a parte postulante a experimentar os efeitos da sentença de mérito, que se daria somente depois de transitada em julgado.
Mesquita (2002, p. 407) acrescenta sobre a importância que a instituição da tutela antecipada deu ao ordenamento, evoluindo a forma de se pensar do processo, em consonância com os mecanismos processuais voltados à efetividade do direito:
O poder concedido ao julgador para a concessão de tutelas antecipatórias traduz-se em uma importantíssima evolução processual, consoante se afirmara antes, pois não se poderia mais conviver com o vetusto tradicionalismo que só concebia a produção de efeitos práticos após a sentença de acertamento transitada em julgado.
Reconheceu, a doutrina, um grande passo na efetividade do processo, que seria o rompimento da lentidão da justiça no âmbito do judiciário e a eliminação da exigência de instauração de um novo processo para no caso de providência que antecipasse os efeitos da sentença de mérito.
4 A TUTELA ANTECIPADA E SEU FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
O Estado para tutelar os conflitos e garantir aos cidadãos a defesa dos seus direitos, se viu diante das pressões sociais no que diz respeito à morosidade dos meios de concretização do direito material, obrigado a buscar através dos princípios fundamentais um regramento para a efetividade da proteção jurídica, que foi através da adoção das tutelas de urgência, dentre elas a tutela antecipada.
Para Zavascki (2008, p. 68), o legislador quando introduziu tal instituto, na tentativa de solucionar o problema da falta de celeridade e buscar por um processo justo, colocou em choque o direito da efetividade da jurisdição e o direito à segurança jurídica, que estão dentre os princípios constitucionais fundamentais. Advertindo, entretanto, que ao juiz está a tarefa de formular a solução harmonizadora na ocorrência de colisão de direitos, recorrendo-se assim as medidas antecipatórias ou cautelares, como bem destaca:
Sempre que se tiver presente situação dessa natureza – em que o direito à segurança jurídica não puder conviver, harmônica e simultaneamente, com o direito à efetividade da jurisdição – ter-se-á caracterizada hipótese de colisão de direitos fundamentais dos litigantes, a reclamar solução harmonizadora.
Assim, mesmo ocorrendo riscos em relação ao confronto dos princípios constitucionais acima elencados, a alteração introduzida no Código de Processo Civil, pela reforma de 1994, possibilitou a efetividade da realização do direito, mas desde que estabelecidos e demonstrados certos requisitos para a concessão da medida.
A tutela antecipada, para ser efetiva, precisou encontrar um ponto de equilíbrio constitucional, proporcionando às partes um resultado almejado no direito material, e aí a doutrina propõe a ideia da técnica processual, voltada para a flexibilização de certas regras.
Bedaque (2006, p. 51) conceitua que: “O caminho mais seguro é a simplificação do procedimento, com a flexibilização das exigências formais, a fim de que possam ser adequadas aos fins pretendidos ou até ignoradas, quando não se revelarem imprescindíveis em determinadas situações.”
Acompanhando o tema Wambier, Almeida e Talamini (2006, p.323) quando colocam em choque os princípios constitucionais que devem ser observados na antecipação dos efeitos da tutela, discorrem:
Reputou-se ser maior o risco de injustiças derivadas de uma resposta jurisdicional intempestiva do que o risco de injustiças advindo da incorreta antecipação de tutela. Assim, para diminuir esse segundo risco, estabeleceram-se precisos pressupostos e condições para a antecipação da tutela.
Assim, com a alteração do artigo 273 do Código de Processo Civil, as oportunidades para concessões de provimentos antecipados de mérito foram ampliadas, exigindo o legislador certos pressupostos para a aplicação da tutela antecipada, com o intuito de equilibrar os riscos em sua utilização.
Nas lições de Machado (1999, p. 31), a natureza jurídica da tutela antecipada tem natureza puramente cautelar, pois na redação do artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil, os requisitos para o deferimento não levam os efeitos para o plano do direito material, e sim para dentro do sistema processual, com a eliminação do perigo de dano.
[...] como sempre entendemos, mesmo antes da Reforma, a circunstância do provimento jurisdicional antecipar efeitos fáticos da sentença de mérito não lhe retira o caráter cautelar, porque este não depende do que a decisão cautelar faz no mundo material (antecipar efeitos da futura sentença), mas sim do que ela faz no mundo processual (a eliminação do periculum in mora).
Sendo espécie do gênero tutelas de urgência diferenciadas, a tutela antecipada embora faculte atos executivos à parte, antes da sentença, advém de uma providência de natureza jurídica mandamental, tendo por fim entregar ao postulante uma prestação máxima de efetividade jurisdicional a um direito que está em jogo, conforme é comentado por Nery Junior (2007, p.453):
Tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito, espécie do gênero tutelas de urgência, é providência que tem natureza jurídica mandamental, que se efetiva mediante execução “latu sensu”, com o objetivo de entregar ao autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou seus efeitos. É tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a ação de conhecimento.
Em interpretação semelhante que a tutela antecipada produz efeitos ao início do processo de conhecimento dando ao autor as consequências que somente a sentença traria ao final da demanda, Marinoni (2009, p.44) em sua obra acerca do assunto descreve:
Não é apenas a qualidade da coisa julgada material que dá conteúdo jurídico a um provimento, nem é apenas a tutela marcada pela coisa julgada material que incide sobre as relações substanciais. A tutela satisfativa (de cognição sumária) realiza o direito material afirmado pelo autor, ou, em outras palavras, dá satisfação ao direito material afirmado, obviamente incidindo (ainda que, na angulação processual, de forma provisória) sobre o plano das relações substanciais. A realização de um direito através da tutela antecipatória é a realização de um direito que preexiste à sentença de cognição exauriente.
A instituição da tutela antecipada no processo de conhecimento levou parte da doutrina em admitir que além do adiantamento dos efeitos no todo ou parcial da tutela postulada com natureza satisfativa, tem ainda a característica de assegurar o risco à efetividade do direito, que poderia ocorrer na demora processual. E também fazer com que a norma jurídica produza resultados na realidade social e não somente no plano formal, como bem define Reale (2002, p.112), quando trata da validade técnico-jurídica para cumprir a norma jurídica na sua finalidade:
A eficácia se refere, pois, à aplicação ou execução da norma jurídica, ou por outras palavras, é a regra jurídica enquanto momento da conduta humana. A sociedade deve viver o Direito e como tal reconhecê-lo. Reconhecido o Direito, é ele incorporado à maneira de ser e de agir da coletividade.
Trata a maioria da doutrina que a tutela antecipada não tem natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos da tutela de mérito, de sorte a propiciar sua execução de forma imediata.
Os requisitos da tutela antecipada expostos no artigo 273 do Código de Processo Civil se resumem pelo requerimento formulado pela parte, prova inequívoca dos fatos arrolados na inicial. Convencimentos do juiz em torno da verossimilhança da alegação, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, como também caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, e possibilidade de reverter os efeitos da medida, caso a demanda venha ser declarada improcedente, conforme bem descreve Theodoro Junior (2007, p.412):
Além disso, o juiz para deferir-la deverá restar convencido de que o quadro demonstrado pelo autor caracteriza, por parte do réu, abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório, independentemente da postura do réu, haja risco iminente para o autor de dano irreparável ou de difícil reparação, antes do julgamento de mérito da causa.
Bertolo (2005, p.50) acrescenta que o legislador estabeleceu os requisitos e pressupostos em tal instituto, para o fim de assegurar os direitos do réu quando também devem se levar em consideração os do autor:
Há, no teor legal do art. 273, um fundamento bem assentado quanto aos requisitos necessários que permitem à parte a antecipação da tutela. O legislador teve a prudência de “cercar” o diploma de tal forma que, quando da necessidade de o magistrado optar por essa medida, o faça alicerçado em fundamento inequívoco de que caberá tal medida sem que para isso corra o risco de estar cometendo contra o réu – embora nos pareça remota esta possibilidade específica e principalmente para os casos em que se faz necessária a antecipação, via de regra para garantir direitos do autor.
O texto do dispositivo que autoriza a antecipação dos efeitos da tutela, para dar segurança ao deferimento ou indeferimento de tal medida, exige, além da demonstração dos requisitos, que o magistrado quando da apreciação assim fundamente sua decisão.
5 TUTELA ANTECIPADA E CAUTELAR
Tal como estruturado no artigo 273 do Código de Processo Civil, a medida antecipatória na busca da antecipação dos efeitos finais que só se daria na cognição exauriente, reduziu intensamente a utilização das medidas cautelares inominadas, porém exigiu certos requisitos para seu deferimento, que são: “fundado receio de dano irreparável”, “abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu”, e pela redação dada pela Lei n. 10.444, de 07 de maio de 2002: “antecipação da tutela quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”, e ainda pressupostos concorrentes “prova inequívoca e verossimilhança da alegação”, que são objeto do presente estudo no próximo capítulo.
Já os requisitos da tutela cautelar, embora muito discutidos na doutrina, no que concerne o grau de semelhança e profundidade com os da tutela antecipada, são pontuados como fumus boni iuris e periculum in mora.
Para Marins (2008, p. 98), em referência ao fumus boni iuris, afirmou ser a constatação de um direito aparente:
O juízo de probabilidade ou verossimilhança, que o juiz deve fazer para a constatação do direito aparente é suficiente para o exame (deferimento ou não), do pedido de cautela. Havendo, portanto, a aparência do direito afirmado e que será discutido no processo principal, mesmo que os elementos probatórios apontem na direção da existência de direito líquido e certo, eles não poderão ultrapassar, na formação da convicção do juiz, o limite da aparência. Ao juiz é vedado extravasar de seu campo de atuação no processo cautelar, limitado, no particular, à verificação do fumus boni iuris.
Baptista da Silva (1993, p.30) comentando sobre o periculum in mora, sustenta sua posição, na qual o direito material é quem pode sofrer um dano se aguardar o final de um processo moroso, e esta característica é protegida na esfera das cautelares:
A locução periculum in mora não é incorreta, mas é ambígua. Na verdade, a tutela cautelar legitima-se porque o direito, carente de proteção imediata, poderia sofrer um dano irreparável, se tivesse de submeter-se às exigências do procedimento ordinário. O que a tutela cautelar pretende é, efetivamente, senão suprimir, ao menos reduzir, até o limite do possível, os inconvenientes que o tempo exigido para que a jurisdição cumpra sua função, poderia causar ao direito necessitado de proteção urgente.
Zavascki (2008, p.47), ressaltando sobre as características entre cautelares e provimento antecipatório de antecipação de tutela prescreve que: “[...] a ação cautelar se destinará exclusivamente às medidas cautelares típicas, as pretensões de antecipação satisfativas do direito material somente poderão ser aduzidas na própria ação de conhecimento.”
A doutrina dominante e os tribunais trazem uma grande separação das linhas de pensamento entre cautelar e antecipação de tutela. Tratando a primeira de medida, para garantir os resultados práticos do direito pretendido pela parte ou da eficácia da ação principal, tendo como requisitos o fumus boni iuris e o periculum in mora. Enquanto a segunda autoriza o postulante do direito invocado a experimentar os efeitos da decisão de mérito no início da tramitação dos autos, com fundamento em prova inequívoca de verossimilhança da alegação e fumus boni iuris mais aprofundado que nas cautelares.
O tempo sendo um fator preponderante para a duração processual, exige simultaneamente efetividade da jurisdição diante da realidade fática, incumbindo assim ao direito processual civil a busca de soluções para adequação do direito material à realidade social.
Precisou assim o direito processual criar mecanismos que se adaptassem rapidamente às mudanças da sociedade e a realidade socioeconômica, e foi com a aplicação do princípio da fungibilidade que permitiu certa flexibilização das formas processuais e uma melhoria na prestação jurisdicional.
A edição da Lei n. 10.444/2002, que dentre outras alterações introduziu o §7º, no artigo 273 do Código de Processo Civil, e autorizou a utilização da fungibilidade entre as tutelas de urgência, deixou ao arbítrio do juiz a discricionariedade de conceder ao autor uma tutela cautelar em caráter incidental, caso o pedido seja a título de antecipação de tutela e a providência seja de natureza cautelar, contudo estando presentes os seus pressupostos.
Porém, deixou o legislador de mencionar no texto se a autorização para a fungibilidade seria ampla, ou seja, admitindo o deferimento da tutela antecipada quando feito um pedido a título de cautelar.
Silva (2009, p.42) ao tratar do tema a respeito da fungibilidade entre as medidas cautelares e tutela antecipada, questiona a via inversa:
Hoje, em face do dispositivo legal supra transcrito, está praticamente pacificada a aceitação da fungibilidade entre medidas antecipatórias e cautelares. Todavia, o grande problema que ainda persiste é da fungibilidade na via inversa ao §7º do artigo 273, entre medidas cautelares e medidas antecipatórias. Não há consenso a respeito do tema na jurisprudência e na doutrina [...]
Lamy (2009, p.91), em estudo sobre a fungibilidade das medidas, comenta que os requisitos autorizadores da cautelar são mais brandos dos que os necessários para a antecipação da tutela:
O legislador entendeu que seria menos adequado estabelecer o instituto da fungibilidade, no sentido da técnica cautelar, para a antecipada por motivos estruturais e técnicos referentes aos procedimentos e aos requisitos legais para a concessão das medidas, mas não necessariamente pela natureza das técnicas em si. Preocupou-se ele com o fato de que, ao conceder a antecipação em sede de requerimento cautelar, o juiz poderia estar, em princípio, criando uma nova ação e infringindo o princípio do ne procedat iudex ex ofício (o juiz não deve proceder de ofício), como se o requerimento que se diz cautelar nunca pudesse valer ou ser interpretado por antecipação [...]
Já Marinoni (2009, p.129), em posição contrária, se fundamentando no artigo 461 do Código de Processo Civil, no qual o juiz não está vinculado ao princípio da congruência entre o pedido e a sentença, discorre que o juiz deve perseguir a medida adequada em prol da tutela específica:
Ademais, o autor pode requerer, como tutela antecipatória, providência diversa da solicitada como tutela final, mas que também seja capaz de garantir a satisfação do seu direito, ou, em outros termos, que também seja idônea para permitir a antecipação do bem da vida almejado. Neste último caso, embora a providência solicitada como tutela antecipatória não seja idêntica àquela postulada como tutela final, não é certo dizer que a providência que pode ser concedida antes de finalizado o contraditório não configure tutela antecipatória, uma vez que a própria lei, como já foi dito, permite ao juiz fugir do pedido para tutelar o direito. Ora, se o juiz pode, ao final, determinar providência diversa da solicitada, é lógico que ele pode determinar como tutela antecipatória (e não cautelar), providência diferente da requerida como tutela final, desde que configure medida idônea para satisfazer o direito em questão.
Teixeira (2008, p. 194), tratando do assunto, prescreve que as formas procedimentais no âmbito das tutelas de urgência necessitam ser repensadas:
Do exposto, resta claro que as diferenças procedimentais não podem servir como obstáculos à aplicação da fungibilidade entre as tutelas de urgência, devendo o sistema fornecer mecanismos de adaptação – e, igualmente, o órgão judicial buscar soluções criativas - para que o direito material não seja sacrificado por questões puramente formais.
Como examinado, as modernas formas e tendências do direito processual são voltados à efetividade, e ajustam-se ao mesmo tempo no direito material, exigindo que as regras processuais ultrapassadas e geradas com o formalismo exagerado, sejam flexibilizadas através de mecanismos conjugados aos princípios constitucionais.
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso ordenamento processual civil, após a reforma de 1994, pela Lei 8.952 de 1994, muito se enriqueceu, rompendo concepções ultrapassadas e prestigiando uma visão de função social do processo sob a luz da Constituição Federal de 1988.
Dentre estes mecanismos está a Tutela Antecipada. Resposta dada pelo legislador para fazer frente a uma reforma no Código de Processo Civil, quando se trata de tutela de urgência, visando solucionar a lentidão da justiça e aproximar o direito processual do direito material.
Entretanto, esbarra a doutrina em um ponto fundamental quando da instituição da tutela antecipada e seus requisitos, os quais quando levados a uma interpretação gramatical pelo magistrado, dão ao processo um apego exagerado ao formalismo e com isto não satisfazem as reivindicações que levaram a introdução deste instituto no meio processual.
Desta forma a doutrina moderna e dominante se manifesta no sentido de que o processo muitas vezes não se traduz em um meio de realização do direito material, pois a rigorosa forma processual cria obstáculos aos mecanismos que ao longo da história do direito foram sendo reformados com a intenção de amenizar a morosidade no judiciário, e de demonstrar para a sociedade que a tutela jurisdicional é prestada de forma eficaz de acordo com o direito almejado.
Merece assim, certa flexibilização as técnicas de urgência, especialmente na prova inequívoca da verossimilhança da alegação, requisito da tutela antecipada, para que a real vontade não só do legislador, mas de todos os doutrinadores que ao longo de anos percebendo a evolução da sociedade em desigualdade com a evolução do direito material e processual, lutaram para que as reformas processuais sempre fossem voltadas para a efetividade de uma justiça rápida e segura.
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Advogada, Docente em Direito no Centro Universitário Escritor Osman da Costa Lins –UNIFACOL; Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho; Pós Graduada em Gestão Pública
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARRUDA, THAIS KARINE DE LIMA XAVIER. Perspectiva histórica da tutela de direitos como mecanismo que garante a celeridade na prestação jurisdicional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 fev 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61018/perspectiva-histrica-da-tutela-de-direitos-como-mecanismo-que-garante-a-celeridade-na-prestao-jurisdicional. Acesso em: 23 dez 2024.
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