Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar o sigilo bancário, as autoridades que são autorizadas a determinar e as situações que são permitidas. Também tem como finalidade a de demonstrar as limitações expostas na lei e jurisprudência.
Palavras-chave: Quebra de sigilo bancário. Ministério Público. Comissão Parlamentar de Inquérito. COAF. Jurisprudência.
Sumário: Introdução. 1. Sigilo bancário. 2. COAF e o sigilo bancário. 3. Jurisprudência sobre a quebra de sigilo bancário. Conclusão. Referências.
Introdução
O trabalho em tela tem como objetivo demonstrar os casos excepcionais que autorizam a quebra de sigilo bancário.
Nesse viés, o artigo também busca demonstrar as situações que o Ministério Público e a Comissão Parlamentar de Inquérito estão permitidos a determinar a quebra de sigilo bancário.
Haverá a explanação sobre a possibilidade do COAF determinar a quebra de sigilo bancário.
Por fim, serão indicados julgados que tratam sobre o assunto vertente.
1 . Sigilo bancário
Os dados e informações constantes nas contas correntes e aplicações diversas em instituições financeiras devem ser utilizados para o correto cumprimento das normas financeiras existentes, sendo vedada a divulgação indevida, com a finalidade de preservar a intimidade do seu titular.
Nesse sentido, STF reconheceu que:
O sigilo bancário é consequência da proteção constitucional da privacidade. Porém, o direito à privacidade não é absoluto, podendo ceder diante de outros direitos, como, por exemplo, os direitos de terceiros lesados. (AI 655.298-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4-9-2007, Segunda Turma, DJ de 28-9-2007). (Ramos, 2019, p. 1127)
Foi editada a Lei Complementar nº 105/2001 que trata do sigilo bancário, em obediência ao artigo 192 da Constituição Federal, pois tal legislação diz respeito ao sistema financeiro. Nos termos dessa lei, as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados, mas, ao mesmo tempo, há hipóteses de não incidência do sigilo e transferência do sigilo bancário para outros entes.
A Lei Complementar citada prevê em seu artigo 1º, parágrafo 3º, casos de não incidência do sigilo, ou seja, que não constitui violação do dever de sigilo:
I – a troca de informações entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco (o que legitimou a atuação da SERASA), observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; II – o fornecimento de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem provisão de fundos e de devedores inadimplentes, a entidades de proteção ao crédito (legitimando os Serviços de Proteção ao Crédito), observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do Brasil; III – a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa (o que autoriza a ação proativa dos funcionários dos Bancos); IV – a revelação de informações sigilosas com o consentimento expresso dos interessados; e finalmente V – o uso pelo Banco Central das informações contidas nas contas de depósitos, aplicações e investimentos mantidos em instituições financeiras para sua fiscalização, inclusive nos casos de regime especial de intervenção. (Ramos, 2019, p. 1127).
Vale observar, que o STF já decidiu que:
O Banco Central não pode, sob a justificativa de fiscalização, quebrar o sigilo bancário de contas correntes de dirigente de Banco público estadual, o que abrangia inclusive as que ele mantinha com sua mulher. (RE 461.366, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 3-8- 2007, Primeira Turma, DJ de 5-10-2007). (Ramos, 2019, p. 1128.)
No caso de transferência do sigilo, a Lei Complementar n. 105 elenca órgãos que podem, de modo fundamentado, requerer ao Banco Central ou às instituições financeiras o acesso aos dados com a transferência do sigilo bancário, com base na limitabilidade do direito à privacidade.
Consigne-se que são entes legitimados a obter o acesso e transferência do sigilo bancário de acordo com a Lei Complementar n. 105 de 10 de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001):
O STJ asseverou que o sigilo pode ser flexibilizado para a proteção do interesse público.
Veja a publicação no site do STJ sobre o assunto em tela:
Em relação ao sigilo bancário, Bellizze lembrou que a Lei Complementar 105/2001 estabeleceu que ele pode ser afastado, excepcionalmente, para apuração de qualquer ilícito criminal (artigo 1°, parágrafo 4º), bem como no caso de infrações administrativas (artigo 7º) e de procedimento administrativo fiscal (artigo 6º).
Segundo o ministro, o artigo 10 da LC 105/2001 tipificou como crime a quebra de sigilo bancário que não se destine a nenhuma dessas finalidades, ainda que haja determinação judicial. Essa medida "drástica" – prosseguiu o magistrado – decorre da tutela constitucional conferida ao dever de sigilo, "de forma que a sua flexibilização se revela possível apenas quando se destinar à salvaguarda do interesse público".
De acordo com o magistrado, portanto, não é possível a quebra do sigilo bancário para a "satisfação de um direito patrimonial disponível, tal como o adimplemento de obrigação pecuniária, de caráter eminentemente privado, mormente quando existentes outros meios suficientes ao atendimento dessa pretensão".
Para o relator, "a quebra de sigilo bancário destinada tão somente à satisfação do crédito exequendo (visando à tutela de um direito patrimonial disponível, isto é, um interesse eminentemente privado) constitui mitigação desproporcional desse direito fundamental – que decorre dos direitos constitucionais à inviolabilidade da intimidade (artigo 5º, inciso X, da Constituição) e do sigilo de dados (artigo 5º, inciso XII) –, mostrando-se, nesses termos, descabida a sua utilização como medida executiva atípica". Leia o acórdão no REsp 1.951.176.
As Comissões Parlamentares de Inquérito Federais podem pedir a quebra de sigilo bancário.
Já as Comissões Parlamentares de Inquérito Estaduais também podem pedir a quebra do sigilo bancário e fiscal, desde que autorizadas pela Constituição estadual (STF, ACO 1.390/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 25-5-2009). (RAMOS, 2019, p. 1129)
Por outro lado, as Comissões Parlamentares de Inquérito Municipais não podem determinar a quebra de sigilo bancário, pois as CPIs terão poderes investigatórios próprios das autoridades judiciais e como não existe Poder Judiciário municipal, não há correlação de poder a ser transferido.
A restrição acima foi imposta pelo STF no julgamento da Ação Civil Originária 1271/RJ, conforme ora segue:
Um esclarecimento final ainda se faz necessário. Na linha do que já foi por alguns Ministros, tanto na assentada anterior desta ação, quanto na defendido ACO nº 730, ressalto que embora as câmaras municipais também tenham a prerrogativa de instaurar comissões, não estendo aos legisladores municipais o poder de quebrar os sigilos fiscal, bancário e telefônico, próprio das autoridades judiciais. (NAKAHARADA; NEVES, 2022)
Tem-se que a quebra de sigilo bancário deverá ser determinada em casos excepcionais, razão pela qual há necessidade de fundamentação idônea, nos termos do julgado:
O STF reiterou sua jurisprudência sobre a necessidade de fundamentação idônea para a quebra dos sigilos fiscal e bancário, que demonstre, minimamente, fatos delituosos e a contribuição dos investigados para tanto. No caso, tratou-se de ordem com fundamentos genéricos e insuficientes exarada por Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a FUNAI e INCRA (STF, Mandado de Segurança n. 34.299, Rel. Luiz Fux, decisão monocrática da Presidência do STF de 15 de julho de 2016). (RAMOS, 2019, p. 1135).
É válido mencionar que o Tribunal de Constas da União também não pode determinar pedir a quebra de sigilo bancário diretamente.
Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTROLE LEGISLATIVO FINANCEIRO. CONTROLE EXTERNO. REQUISIÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO DE INFORMAÇÕES ALUSIVAS A OPERAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS PELAS IMPETRANTES. RECUSA INJUSTIFICADA. DADOS NÃO ACOBERTADOS PELO SIGILO BANCÁRIO E EMPRESARIAL. 1. O controle financeiro das verbas públicas é essencial e privativo do Parlamento como consectário do Estado de Direito (IPSEN, Jörn. Staatsorganisationsrecht. 9. Auflage. Berlin: Luchterhand, 1997, p. 221). 2. O primado do ordenamento constitucional democrático assentado no Estado de Direito pressupõe uma transparente responsabilidade do Estado e, em especial, do Governo. (BADURA, Peter. Verfassung, Staat und Gesellschaft in der Sicht des Bundesverfassungsgerichts. In: Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz. Festgabe aus Anlass des 25jähringe Bestehens des Bundesverfassungsgerichts. Weiter Band. Tübingen: Mohr, 1976, p. 17.) 3. O sigilo de informações necessárias para a preservação da intimidade é relativizado quando se está diante do interesse da sociedade de se conhecer o destino dos recursos públicos. 4. Operações financeiras que envolvam recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário a que alude a Lei Complementar nº 105/2001, visto que as operações dessa espécie estão submetidas aos princípios da administração pública insculpidos no art. 37 da Constituição Federal. Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal [TCU] o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos. 5. O segredo como “alma do negócio” consubstancia a máxima cotidiana inaplicável em casos análogos ao sub judice, tanto mais que, quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a revelação for necessária para o controle da legitimidade do emprego dos recursos públicos. É que a contratação pública não pode ser feita em esconderijos envernizados por um arcabouço jurídico capaz de impedir o controle social quanto ao emprego das verbas públicas. 6. “O dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos impõe não haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 114). 7. O Tribunal de Contas da União não está autorizado a, manu militari, decretar a quebra de sigilo bancário e empresarial de terceiros, medida cautelar condicionada à prévia anuência do Poder Judiciário, ou, em situações pontuais, do Poder Legislativo. Precedente: MS 22.801, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, DJe 14.3.2008.
Apesar da Lei Complementar não contemplar o Tribunal de contas da União dentre os órgãos, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito do TCU de acessar diretamente os dados bancários referentes a verbas públicas, considerando que operações financeiras envolvendo recursos públicos não estão abrangidas pelo sigilo bancário, nos termos dos princípios previstos no art. 37 da CF, em especial, o da publicidade.
Por isso, decidiu o STF que:
“(...) Em tais situações, é prerrogativa constitucional do Tribunal (TCU) o acesso a informações relacionadas a operações financiadas com recursos públicos” (STF, MS 33.340, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 26-5-2015, Primeira Turma, DJE de 3-8-2015).
Com relação ao Ministério Público há autorização de quebra de sigilo bancário no caso prática de crimes e para a fiscalização de recursos públicos, nos termos do julgado:
O Ministério Público também não foi indicado pela Lei Complementar n. 105/2001, mas possui, contudo, a autorização prevista no art. 8º, § 2º, da LC n. 75/93 para os casos de pratica de crimes e recursos públicos. Nos demais casos cabe ao Ministério Público requerer, fundamentadamente, o acesso e transferência de sigilo bancário ao Poder Judiciário, que deferirá ou não a medida. (STF, MS 21.729, Rel. p/ o ac. Min. Néri da Silveira, julgamento em 5-10-1995, Plenário, DJ de 19-10- 2001).
Assim, o Ministério Público pode determinar a quebra de sigilo bancário em casos excepcionais que envolver interesse público.
2. O COAF e o sigilo bancário
O COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras foi criado pela Lei nº 961398 e é considerado a unidade de inteligência financeira brasileira, tendo como missão receber e analisar informações de cunho econômico financeiro de pessoas físicas e jurídicas, que obtém de diversas fontes obrigadas a enviar dados de cadastro e movimentação, em especial bancos.
Cabe corroborar, que essas informações são prestadas em obediência aos critérios objetivos e subjetivos. O critério objetivo é o fato de o depósito ultrapassar determinado valor e o subjetivo diz respeito ao informante que conhece seu cliente, atípico ou suspeito – art. 11 da Lei n. 9.613).
Vale mencionar a doutrina referente ao assunto:
O COAF poderá requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades suspeitas (art. 14, § 3º, da Lei n. 9.613/98 e art. 2º, § 6º, da LC n. 105/2001). Após análise, o COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de qualquer ilícito (art. 15 da Lei n. 9.613). (RAMOS, 2019, p. 1136)
Dessa forma, o COAF não faz uma investigação minuciosa ou aprofundada, mas sim provoca a autoridade competente, por exemplo, o Ministério Público ou a polícia, por meio do envio de um relatório de informações financeiras no caso de existência de indícios de prática de ilícito ou operações atípicas para investigar.
É importante citar o julgado do Superior Tribunal de Justiça, no caso da corrupção envolvendo a operação boi barrica que decidiu que:
O mero encaminhamento de Relatório de Inteligência Financeira pelo COAF ao Ministério Público, retratando operação atípica, não pode embasar pedido de decretação judicial de quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico ou ainda interceptação telefônica, devendo a autoridade policial realizar diligências posteriores que demonstrem que tais quebras de sigilo são imprescindíveis. HC 191.378, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, julgamento em 15-9-2011). (RAMOS, 2019, p. 1136)
Na situação vertente, o STJ decretou a nulidade das ordens judiciais por falta de fundamentação adequada e indicou a teoria dos frutos da árvore envenenada para descartar provas obtidas em decorrência daquelas anuladas, inclusive eventuais conversas comprometedoras obtidas.
3. Jurisprudência sobre a quebra de sigilo bancário
Ao Corregedor Nacional de Justiça é permitido requisitar dados bancários e fiscais sem necessidade de prévia autorização judicial em nome da probidade patrimonial dos agentes público, nos termos do artigo 8º, V, do Regimento Interno do CNJ.
É constitucional a requisição, sem prévia autorização judicial, de dados bancários e fiscais considerados imprescindíveis pelo Corregedor Nacional de Justiça para apurar infração de sujeito determinado, desde que em processo regularmente instaurado mediante decisão fundamentada e baseada em indícios concretos da prática do ato.
O art. 8º, V, do Regimento Interno do CNJ prevê que o Corregedor Nacional de Justiça possui competência para “requisitar das autoridades fiscais, monetárias e de outras autoridades competentes informações, exames, perícias ou documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos submetidos à sua apreciação, dando conhecimento ao Plenário”.
Essa previsão regimental tem por fundamento a probidade patrimonial dos agentes públicos. A legitimidade para requisição pode ser por decisão singular do Corregedor por conta da função constitucional por ele exercida, de fiscalização da integridade funcional do Poder Judiciário.
Contudo, é preciso assegurar a existência de garantias ao contribuinte, de modo que não há espaço para devassa ou varredura, buscas generalizadas e indiscriminadas na vida das pessoas, com o propósito de encontrar alguma irregularidade.
STF. Plenário. ADI 4709/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/5/2022 (Info 1056).
Consigne-se que o STF também asseverou que os dados obtidos com a quebra de sigilo bancário não podem ser divulgados abertamente em site oficial.
Os dados obtidos por meio da quebra dos sigilos bancário, telefônico e fiscal devem ser mantidos sob reserva.
Assim, a página do Senado Federal na internet não pode divulgar os dados obtidos por meio da quebra de sigilo determinada por comissão parlamentar de inquérito (CPI).
STF. Plenário. MS 25940, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 26/4/2018 (Info 899).
O Ministério Público pode requisitar informações bancárias de ente da administração pública.
Não são nulas as provas obtidas por meio de requisição do Ministério Público de informações bancárias de titularidade de Prefeitura para fins de apurar supostos crimes praticados por agentes públicos contra a Administração Pública.
É lícita a requisição pelo Ministério Público de informações bancárias de contas de titularidade da Prefeitura, com o fim de proteger o patrimônio público, não se podendo falar em quebra ilegal de sigilo bancário.
O sigilo de informações necessário à preservação da intimidade é relativizado quando há interesse da sociedade em conhecer o destino dos recursos públicos.
Diante da existência de indícios da prática de ilícitos penais envolvendo verbas públicas, cabe ao MP, no exercício de seus poderes investigatórios (art. 129, VIII, da CF/88), requisitar os registros de operações financeiras relativos aos recursos movimentados a partir de conta-corrente de titularidade da Prefeitura. Essa requisição compreende, por extensão, o acesso aos registros das operações bancárias sucessivas, ainda que realizadas por particulares, e objetiva garantir o acesso ao real destino desses recursos públicos.
STJ. 5ª Turma. HC 308493-CE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 20/10/2015 (Info 572). STF. 2ª Turma.RHC 133118/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26/9/2017 (Info 879).
A publicação no jornal dos nomes dos clientes que tinham contas de poupança no banco, em determinado tempo configura quebra de sigilo.
A divulgação de elementos cadastrais dos beneficiários de decisão proferida em ação civil pública que determinou o pagamento dos expurgos inflacionários decorrentes de planos econômicos configura quebra de sigilo bancário.
STJ. 3ª Turma. REsp 1285437-MS, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 23/5/2017 (Info 605).
É importante mencionar a situação hipotética citada pelo site dizer o direito relacionada ao informativo 605 do STJ:
Imagine a seguinte situação hipotética:
A associação de defesa do consumidor ajuizou ação civil pública contra o Banco “XX” pedindo para que a instituição financeira fosse condenada a pagar as diferenças de correção monetária aplicadas às cadernetas de poupança em razão dos planos econômicos Bresser (junho/1987) e Verão (janeiro/1989).
O juiz julgou procedente o pedido.
Na fase de cumprimento de sentença, o juiz determinou que a instituição financeira:
a) trouxesse aos autos a relação dos clientes do banco que possuíam contas de poupança naquele determinado período e que, por isso, seriam beneficiários da sentença. Essa relação ficaria disponível no cartório da vara para consulta pública; e
b) que o banco fizesse a convocação pública dos clientes que foram beneficiados com a decisão, publicando seus nomes em jornais de grande circulação no Estado.
O banco recorreu contra essa decisão alegando que a publicação dos nomes dos clientes que tinham contas bancárias naquele determinado período representa quebra do sigilo bancário dos correntistas.
No caso concreto, o juiz determinou ao banco que fornecesse a relação dos correntistas beneficiários da ação para que ficasse disponível para consulta pública no cartório. Essa divulgação de elementos cadastrais dos beneficiários configura quebra do sigilo bancário e do direito à intimidade, que não pode ser violado sob o argumento de facilitação da defesa do consumidor em juízo.
Assim, os cadastros individuais devem permanecer em segredo de justiça, com acesso restrito ao Poder Judiciário.
A convocação pública dos beneficiários da ação deverá ser feita sem mencionar os seus nomes e nenhum outro dado cadastral, limitando-se o edital a intimar todas as pessoas que mantinham cadernetas de poupança no Banco “XX”, nos períodos especificados na decisão judicial.
Na medida em que tais poupadores se manifestarem nos autos, caberá ao julgador confrontá-los com as planilhas apresentadas, em sigilo, pela instituição financeira.
Foi correta a decisão do magistrado de determinar a publicação do edital de convocação pelos jornais de grande circulação?
NÃO. O novo CPC estabeleceu que, como regra, os editais deverão ser publicados pela rede mundial de computadores, constituindo-se na atualidade o meio mais eficaz da informação para atingir um grande número de pessoas, sendo, inclusive, mais eficiente do que a publicaçãoem jornais impressos.
Veja o que diz o art. 257 do CPC/2015:
Art. 257. São requisitos da citação por edital:
(...)
II - a publicação do edital na rede mundial de computadores, no sítio do respectivo tribunal e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, que deve ser certificada nos autos;
É permitido que o Fisco requisite das instituições financeiras informações bancárias sobre os contribuintes sem intervenção do Poder Judiciário, pois não há quebra de sigilo bancário.
As autoridades tributárias usam o sistema bancário em suas atividades econômicas formais e também nas informais, pois não há outro método menos invasivo para a fiscalização.
No ano 2016, o Supremo Tribunal Federal, decidiu pela constitucionalidade da Lei Complementar n. 105, que autoriza a Administração Tributária dos entes federados a requisitar diretamente às instituições financeiras os dados dos contribuintes sujeitos a sigilo bancário, sem necessidade da obtenção de prévia ordem judicial.
As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios podem requisitar diretamente das instituições financeiras informações sobre as movimentações bancárias dos contribuintes. Esta possibilidade encontra-se prevista no art. 6º da LC 105/2001, que foi considerada constitucional pelo STF. Isso porque esta previsão não se caracteriza como "quebra" de sigilo bancário, ocorrendo apenas a “transferência de sigilo” dos bancos ao Fisco.
Vale ressaltar que os Estados-Membros e os Municípios somente podem obter as informações previstas no art. 6º da LC 105/2001, uma vez regulamentada a matéria de forma análoga ao Decreto Federal nº 3.724/2001, observados os seguintes parâmetros:
a) pertinência temática entre a obtenção das informações bancárias e o tributo objeto de cobrança no procedimento administrativo instaurado;
b) prévia notificação do contribuinte quanto à instauração do processo e a todos os demais atos, garantido o mais amplo acesso do contribuinte aos autos, permitindo-lhe tirar cópias, não apenas de documentos, mas também de decisões;
c) sujeição do pedido de acesso a um superior hierárquico;
d) existência de sistemas eletrônicos de segurança que fossem certificados e com o registro de acesso; e, finalmente,
e) estabelecimento de mecanismos efetivos de apuração e correção de desvios.
A Receita Federal, atualmente, já pode requisitar tais informações bancárias porque possui esse regulamento. Trata-se justamente do Decreto 3.724/2001 acima mencionada, que regulamenta o art. 6º da LC 105/2001.
O art. 5º da LC 105/2001, que permite obrigar as instituições financeiras a informarem periodicamente à Receita Federal as operações financeiras realizadas acima de determinado valor, também é considerado constitucional.
STF. Plenário. ADI 2390/DF, ADI 2386/DF, ADI 2397/DF e ADI 2859/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgados em 24/2/2016 (Info 815).
STF. Plenário. RE 601314/SP, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 24/2/2016 (repercussão geral) (Info 815).
Nesse viés, o STF destacou que o acesso a dados bancários, sem autorização judicial pode ocorrer da seguinte forma:
a) Autoridade Tributária dos entes federados, devendo tal acesso ser regulamentado administrativamente seguindo-se os parâmetros da lei e jurisprudência;
b) Tribunais de Contas: exige-se autorização judicial, pela ausência de previsão na Lei Complementar n. 105;
c) Ministério Público: somente no caso de verbas públicas; contudo, é legítimo o envio diretamente, sem ordem judicial, pela Receita Federal ao Ministério Público Federal de notícia de crime contendo, como justificativa, dados da movimentação bancária do contribuinte.
Para o STF não se exige ordem judicial, pois esse envio é fruto das atribuições regulares da Receita Federal e decorre da constitucionalidade do acesso do Fisco aos dados bancários. Por isso, não é prova ilícita o uso desses dados na instrução penal de processo criminal movido pelo Ministério Público (STF, Agravo Reg. RE 1.041.285/SP, Rel. Min. Barroso, julgamento em 27-10-2017, DJe 14-11- 2017).
d) Comissão Parlamentar de Inquérito, Câmara dos Deputados e Senado Federal, por decisão aprovada nos respectivos Plenários.
Em todas as hipóteses de acesso e transferência do sigilo bancário dos bancos para qualquer outro ente, exige-se fundamentação da requisição do ente ou da ordem judicial, que deve levar em consideração: (i) a indispensabilidade da medida, bem como a (ii) existência de procedimento regular em curso e o (iii) interesse público na quebra (por exemplo, proteção dos direitos e valores constitucionais).
(RAMOS, 2019, p. 1134).
Assim, a quebra de sigilo bancário somente pode ocorrer em casos excepcionais, permitidos pela lei e jurisprudência e com a devida fundamentação. Caso não esteja nos moldes da lei ou jurisprudência, haverá a nulidade das provas colhidas por meio da quebra de sigilo bancário.
Conclusão
Nos termos dos argumentos explanados, depreende-se que a quebra do sigilo bancário pode ser determinado por algumas autoridades, sem necessidade de autorização judicial.
Verifica-se que a quebra do sigilo bancário somente pode ser determinada em casos específicos descritos na lei ou na jurisprudência.
Além disso, a quebra de sigilo bancário somente pode ser determinada por tais autoridades, especialmente o Ministério Público e a Comissão Parlamentar de Inquérito, de forma fundamentada.
No mais, em geral, as autoridades autorizadas a determinar a quebra do sigilo bancário podem fazê-lo em nome do interesse público. Nos demais casos, essas autoridades podem pedir a autorização judicial para a quebra de sigilo bancário.
Ademais, a Lei Complementar nº 105/2001, além de demonstrar os legitimados a determinar a quebra do sigilo bancário também dispõe as situações em que é possível ter acesso aos documentos sigilosos.
Qualquer autoridade pode enviar ao Ministério Público ou à polícia casos de indícios de prática de irregularidade ou infração penal para que proceda a investigação e eventualmente a quebra de sigilo bancário.
Dessa forma, se houver desobediência a lei ou a jurisprudência, as provas colhidas por meio da quebra de sigilo bancário serão declaradas nulas.
Referências
BRASIL. Lei complementar n. 105. Brasília, DF, 2001.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo comentado: informativo 605 STJ. 2017. Dizer o Direito. Disponível em:<https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2017/08/info-605-stj1.pdf>. Acesso em 20 de outubro de 2022.
Cruz, P. R. S. O Sigilo bancário perante o fisco na visão do Supremo Tribunal Federal. Meu Site Jurídico. Disponível em:<https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2020/09/04/o-sigilo-bancario-perante-o-fisco-na-visao-supremo-tribunal-federal-2/>. Acesso em 23 de outubro de 2022.
É incabível a quebra de sigilo bancário como medida executiva atípica, decide Terceira Turma. STJ Jus. Disponível em:<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/06122021-E-incabivel-a-quebra-de-sigilo-bancario-como-medida-executiva-atipica--decide-Terceira-Turma.aspx.> Acesso em 20 de outubro de 2022.
Mandado de Segurança 33.340. JusBrasil. Disponível em:<https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/863962758/inteiro-teor-863962786>. Acesso em 23 de outubro de 2022.
Natureza do TCU: Ementa oficial. Buscador Dizer o Direito. Disponível em:<https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c9f0f895fb98ab9159f51fd0297e236d>. Acesso em 23 de outubro de 2022.
Nakaharada, Fabio; Neves, C. R. C. Atuação de Membros do Poder Legislativo em Comissão Parlamentar de Inquérito e o crime de abuso de Autoridade. Meu Site Jurídico. 2022. Disponível em:<https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2022/07/27/atuacao-de-membros-do-poder-legislativo-em-comissao-parlamentar-de-inquerito-e-o-crime-de-abuso-de-autoridade>.Acesso em 23 de outubro de 2022.
Ramos. André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 6ª edição – São Paulo. Editora Saraiva Educação, 2019.
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Ivaiporã-PR – UNIVALE. Pós-graduada em Direito Constitucional. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Daiane Maziero. O sigilo bancário e suas flexibilizações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 fev 2023, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61038/o-sigilo-bancrio-e-suas-flexibilizaes. Acesso em: 23 dez 2024.
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