Resumo: O presente estudo tem como objetivo analisar as situações em que se dá a efetiva ocorrência do adimplemento no decorrer da relação obrigacional, bem como após a propositura de execução forçada. Para tanto será brevemente estudada a necessidade de o devedor observar as regras/princípios do exato adimplemento e da integralidade da prestação, elementos indispensáveis para o adimplemento. Na sequência, será verificada a necessidade de cumprimento, não apenas da obrigação principal, mas também dos deveres secundários e anexos do contrato para que se possa falar de adimplemento. Dentro desse contexto, será possível realizar breve distinção do adimplemento e de outras formas de extinção da obrigação, inclusive analisando o entendimento da doutrina quanto à execução forçada. Por fim, será estudado que, mesmo que se entenda que a execução forçada pode ser considerada forma de adimplemento, é necessário que se apure o adequado momento de sua ocorrência dentro do processo, notadamente pela necessidade de observação de elemento indispensável, qual seja a satisfação do credor.
Palavras-Chave: Direito Civil. Adimplemento. Hipóteses. Outras figuras de extinção da obrigação. Execução forçada. Satisfação do credor.
Abstract: The purpose of this paper is to analyze the effective due performance of a contract through the regular relationship of the parties, as well as after filled a lawsuit for an enforced payment. For this purpose, it will be briefly studied the debtor’s obligation to pay the creditor on the exact terms that the obligation has been contracted and the obligation to pay its wholeness. After that, it will be verified the need to be fulfilled, not only the main owe of the obligation, but the secondary and attached duties by the debtor, so it can be possible to recognize the contract performance. Therefore, it will be studied a brief distinction between the contract performance and other means that the obligation can be solved, including a doutrinary view about the enforced payment. At last, it will be studied that, even for those who recognize the obligation performance by means of an enforced payment, it’s necessary to establish the exact moment of its occurrence, mainly because it will be necessary to occur the creditor fulfillment.
Keywords: Civil law. Due performance. Hypotheses. Other means of solving the obligation. Enforced payment. Creditor fulfillment.
Sumário: 1. Introdução; 2. O Adimplemento: o exato adimplemento da obrigação e a integralidade na prestação; 3. A conduta das partes: boa-fé e diligência com vistas ao adimplemento; 4. Efetiva configuração do adimplemento e outras formas de extinção da obrigação que não correspondem ao adimplemento; 5. Execução forçada e a discussão sobre o efetivo pagamento; 6. Conclusão; 7. Bibliografia.
1. Introdução
O Adimplemento é figura muito falada, mas a verdade é que, por vezes, não é possível de se saber, ao certo, sua extensão e se efetivamente estamos diante desta figura ou se se trata de uma diversa.
Para a configuração do adimplemento, tem-se que um elemento se mostra essencial, qual seja a prestação “concretamente devida”.
A obrigação deve ser cumprida de acordo com o interesse do credor, sendo este que define a função da obrigação. Assim, a forma usual de extinção da relação obrigacional é a satisfação do interesse concreto do credor, o qual será proporcionado por meio de sacrifício imposto ao devedor pela relação obrigacional.
Em que pese a aparente simplicidade do tema, é importante destacar que, por vezes, a verificação do efetivo adimplemento pode ser um pouco mais complexa, tendo em vista que, atualmente, o estudo do direito obrigacional prevê uma estrutura dinâmica, não mais estática, de modo que, além da prestação principal, também deve ser observada a prestação secundária e, ainda, os deveres anexos ou laterais decorrentes da boa-fé.
A boa-fé objetiva deve reger todas as relações entre partes, mas fato é que no âmbito do adimplemento esta desempenha papel essencial, inclusive para fins de sua configuração.
A conduta de diligência das partes também se mostra necessária e não repousa muito distante da boa-fé objetiva, sendo muito debatida, tanto em nosso ordenamento jurídico, quanto nas legislações estrangeiras.
Assim, deve ser reconhecido um alargamento no âmbito do adimplemento, sendo que este apenas pode ser entendido por configurado nos casos em que o comportamento do obrigado também abarque as prestações secundárias e deveres anexos, com base na boa-fé.
Importante destacar que nem sempre estamos diante da figura do adimplemento, já que, por vezes, a obrigação pode se extinguir de formas diversas que, ainda que guardem semelhanças e possam induzir o aplicador do direito em erro, não se trata efetivamente de adimplemento.
A dificuldade de reconhecimento do adimplemento nessas hipóteses está consubstanciada no fato de que o interesse do credor não restou satisfeito da forma inicialmente convencionada pelas partes.
É importante destacar, ainda, que o Código Civil prevê, a partir de seu artigo 334, outras figuras que acabam por levar à extinção da obrigação, tais como a consignação em pagamento, a novação, a compensação, a remissão etc.
No caso da execução forçada, por exemplo, existe discussão sobre o tema.
Isso porque não houve o pagamento do quantum avençado, a parte foi obrigada a se socorrer do judiciário e, ainda, teve que aguardar o pagamento do devedor perante o juízo ou, até mesmo, utilizar de métodos de constrição de bens do devedor.
Nesse sentido, para alguns, não haveria que se falar em adimplemento, porque o adimplemento seria a realização voluntária do programa obrigacional.
Esse entendimento, no entanto, não é pacificado, na medida em que parte da doutrina entende que, em tese, ocorrerá a efetiva satisfação da obrigação, ainda que por meios indiretos. Sendo, assim, absolutamente possível de se reconhecer o adimplemento mesmo que por intermédio de execução forçada.
Todavia, ainda que se entenda que a execução forçada é capaz de reconhecer a obrigação com adimplida, ainda assim, é de se destacar que é extremamente relevante que haja a efetiva satisfação do credor para este reconhecimento.
Assim, em se pensando em execução forçada, mesmo para aqueles que defendem a possibilidade de reconhecimento de adimplemento, é de suma importância que seja verificado o efetivo momento da sua ocorrência.
Nesse sentido, se demonstrará questão de extrema importância que vem tomando corpo no Poder Judiciário, qual seja, o fato de que o mero depósito de valores nos autos do processo não é apto a reconhecer o efetivo pagamento, sem que a quantia seja efetivamente liberada ao exequente pelo executado.
Assim, será averiguado o momento em que, efetivamente, ocorre o adimplemento da obrigação, seja no curso regular do contrato, seja após a propositura de eventual execução forçada.
É o que o presente estudo pretende demonstrar.
2. O Adimplemento: o exato adimplemento da obrigação e a integralidade na prestação
O Adimplemento é figura muito falada, mas a verdade é que, por vezes, não é possível de se saber, ao certo, sua extensão e se efetivamente estamos diante desta figura ou se se trata de uma diversa.
Conforme esclarece a doutrina[1], o adimplemento, também chamado de pagamento ou cumprimento, pode ser conceituado como “a realização, pelo devedor, da prestação concretamente devida, satisfatoriamente”.
Além disso, é importante que “ambas as partes tendo observado os deveres derivados de boa-fé que se fizeram instrumentalmente necessários para o atendimento do escopo da relação, em acordo ao seu fim e às suas circunstâncias.” [2]. Esse tema será melhor analisado no capítulo abaixo.
Como se vê, entende-se que para a configuração do adimplemento, tem-se um elemento se mostra essencial, qual seja, a prestação “concretamente devida”.
A obrigação deve ser cumprida de acordo com o interesse do credor, sendo este que define a função da obrigação.
Assim, a forma usual de extinção da relação obrigacional é a satisfação do interesse concreto do credor, o qual será proporcionado por meio de sacrifício imposto ao devedor pela relação obrigacional, em seus termos.
A doutrina[3] esclarece que o efeito próprio da prestação é obrigar o devedor ao pagamento, sendo necessário que este cumpra exatamente a avença que contraiu.
Nesse sentido, é de se destacar que, de acordo com o artigo 313 do Código Civil, o “credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.” e esta regra, que também possui força principiológica, é conhecida como Exato Adimplemento.
Ou seja, caso o devedor ofereça prestação diversa daquela a que se obrigou, o credor poderá recusá-la.
Frise-se que o exato adimplemento não diz respeito apenas ao pagamento no exato valor ao credor, mas sim ao efetivo preenchimento de todos os pressupostos do pagamento, sendo eles subjetivos (quem e a quem se deve pagar); objetivos (o que e onde pagar); bem como temporal (quando pagar). Ou seja, a exatidão do pagamento deve ser qualitativa e quantitativamente.
A inobservância de qualquer desses elementos pode levar ao inadimplemento – ou à mora que poderá ser purgada, se o caso.
No direito português, em sentido semelhante, é possível destacar o princípio da correspondência, o qual, como explica António Menezes Cordeiro[4], possui duas dimensões, sendo elas de (i) “identificar uma conduta como correspondendo à execução de determinada obrigação”, bem como (ii) “formular, a seu respeito, um juízo valorativo positivo”.
Para ele, a falta deste princípio implicaria no não cumprimento da obrigação ou, ao menos, em seu cumprimento defeituoso, devendo operar normas de sanção.
Além da regra/princípio do exato adimplemento, também não se pode olvidar que o adimplemento se configura com a integralidade na prestação.
Conforme dispõe expressamente o artigo 314 do Código Civil, mesmo que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, “não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou”.
Ou seja, a prestação deve ser solvida por inteiro, de uma única vez, não sendo possível o pagamento fracionado, ainda que a sua natureza permita o adimplemento parcelado. Só poderá ocorrer em sentido diverso se assim ficar estabelecido e ajustado entre as partes.
A premissa da regra/princípio da integralidade está pautada no fato de se considerar como “unitário o comando de realizar a prestação para o devedor e o credor ter interesse em efetuar a recepção da prestação apenas uma vez”[5].
Assim, para que haja o reconhecimento do adimplemento, faz-se necessário o adequado preenchimento das regras/princípios da integralidade e do exato adimplemento, relembrando que a obrigação deverá ser satisfeita dentro do interesse do credor, nos moldes ajustados pelas partes.
Em que pese a aparente simplicidade do tema, é importante destacar que, por vezes, a verificação do efetivo adimplemento pode ser um pouco mais complexa, tendo em vista que, atualmente, o estudo do direito obrigacional prevê uma estrutura dinâmica, não mais estática.
Deste modo, para que seja possível em se falar de adimplemento, além da prestação principal, também deve ser observada a prestação secundária e os deveres anexos ou laterais do contrato.
3. A conduta das partes: boa-fé e diligência com vistas ao adimplemento
Como visto, o adimplemento se dá a partir do momento em que, pautado no interesse do credor, o devedor realiza seus esforços para cumprir a obrigação nos exatos termos pactuados.
No entanto, a verdade é que o direito moderno não esquece dos deveres anexos, sendo que hoje se entende que não basta a prestação da obrigação principal, mas também deve ser observada a prestação secundária e, ainda, os deveres anexos ou laterais decorrentes da boa-fé.
Não há dúvidas que a boa-fé objetiva deve reger todas as relações entre partes, mas fato é que no âmbito do adimplemento esta desempenha papel essencial, inclusive para fins da verificação de sua efetiva ocorrência.
Conforme expõe a doutrina[6], essa importância se dá pelo fato de que as relações obrigacionais se qualificam como “relação de cooperação, fundando-se numa confiança qualificada” e que, apesar de não ser revista expressamente no Código Civil no que diz respeito ao tema, é esta que impõe os comportamentos acessórios para o adequado adimplemento, além de ser capaz de mensurar o dever de adimplir.
A sua relevância é tamanha que é capaz de outorgar a medida do esforço que pode ser exigida ao devedor para o adimplemento.
Conforme expõe Carlos Roberto Gonçalves[7] a boa-fé objetiva enseja o inadimplemento “mesmo quando não haja mora ou inadimplemento absoluto do contrato. É o que a doutrina moderna denomina violação positiva da obrigação ou do contrato.”.
Justamente por isso, é a Conclusão n. 24 da I Jornada de Direito Civil (STJ-CJF) que reconhece que “[e]m virtude do princípio da boa-fé objetiva, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.”.
Para António Menezes Cordeiro[8], a boa-fé, que sempre deve estar presente no campo do adimplemento, desempenha 4 (quatro) funções, quais sejam (i) na determinação da prestação principal; (ii) na fixação dos deveres acessórios; (iii) na delimitação do esforço exigível pelo devedor; (iv) na integração da relação obrigacional.
No que diz respeito à prestação principal, a boa-fé se mostraria como aquela que dita a precisa configuração da prestação principal, podendo haver extensão às obrigações secundárias.
Já no que tange à fixação dos deveres acessórios, os quais “protegem as partes” e “asseguram a efetiva consecução da prestação principal e das prestações secundárias”, esclarece que a sua concretização pode ser decisiva para a realização do vínculo obrigacional.
Sobre o esforço do devedor, esclarece-se que este está sempre adstrito a um quantum de esforço, o qual depende de diversas circunstâncias criada e a “realidade subjacente”.
Por fim, no que se refere à integração da relação obrigacional, esclarece que, em havendo espaços a preencher, o próprio credor pode ser chamado a colaborar, de modo que “o cumprimento integra-se num continuum no qual, de novo, a boa-fé pontifica”.
Judith Martins-Costa[9] vai além e defende que a boa-fé se caracteriza como um “superprincípio” que origina outros “subprincípios”, como o do “equilíbrio entre as prestações, nos contratos bilaterais e sinalagmáticos”, além da “vedação das condutas contraditórias e o da proteção das justas expectativas dos partícipes das relações obrigacional e de terceiros eventualmente atingidos, direta ou indiretamente”.
Ainda, esclarece que se encontra diretamente conectado ao Princípio da boa-fé, os princípios da correspondência (ou do exato adimplemento, como visto acima) e o da não divisibilidade (ou integralidade, nos termos acima estudados).
A conduta de diligência, por sua vez, parece não repousar muito distante da boa-fé objetiva, sendo muito debatida, tanto em nosso ordenamento jurídico, quanto nas legislações estrangeiras.
Conforme explica Stéfano Rodotà[10], a diligência se trataria de um conceito elástico, sendo, de acordo com a legislação italiana, uma medida de comportamento do devedor na realização da prestação devida, resumida no seu complexo de cuidado e de cautela que cada devedor deve normalmente empregar na satisfação da obrigação, observando a natureza da redação particular e todas as circunstâncias de fato que a determinam.
No referido ordenamento jurídico – assim como em outros, ao exemplo do Português -, para aferição da diligência, utiliza-se o parâmetro do “bom pai de família”, figura que parece idônea para se referir nestas hipóteses, ou seja, uma figura peculiar de diligência.
Em suma, não bastaria ao devedor para eximir a sua responsabilidade, demonstrar ter feito o que lhe cabia minimamente para estar exatamente adimplente com a obrigação, mas, ao contrário, precisa demonstrar que sua postura foi diligente, sem qualquer embaraço.
Nesse sentido, Giovanni Ettore Nanni[11] esclarece que deve ser reconhecido um alargamento no âmbito do adimplemento, sendo que este apenas pode ser entendido por configurado nos casos em que o comportamento do obrigado também abarque as prestações secundárias e deveres anexos, com base na boa-fé.
Sobre essa questão, não é demais ressaltar que o credor também está vinculado a estes deveres anexos, sendo que lhe cabe, por exemplo, não embaraçar o cumprimento da obrigação e agir com a diligência esperada para ver a obrigação adimplida.
Assim, explica-se[12] que cumpre a obrigação quem satisfaz a prestação principal, mas comportando-se, no espectro mais amplo da relação, de modo solidário, cooperativo e leal.
Portanto, cumprir a prestação principal, mas descumprir os deveres anexos, significaria uma forma de inadimplemento.
4. Efetiva configuração do adimplemento e outras formas de extinção da obrigação que não correspondem ao adimplemento
Como visto, para que o adimplemento efetivamente ocorra se faz necessário que todas as obrigações tenham sido prestadas da forma efetivamente avençada, sem esquecer dos deveres anexos que deverão ser observados.
Conforme esclarece a doutrina[13], é possível de se entender que o efetivo adimplemento é “a realização voluntária do programa obrigacional sempre em respeito à boa-fé objetiva, distinguindo-se das formas de execução forçada ou por terceiro”.
Apesar disso, deduz que, não bastasse, a sua definição ainda depende de “outros atributos, quais sejam, seus efeitos”, sendo estes (i) a extinção da obrigação; (ii) liberação do devedor; bem como a (iii) satisfação do interesse do credor.
A linha no reconhecimento do adimplemento pode ser tão tênue em relação a outras figuras que, conforme esclarece a mesma doutrina[14], é possível que tenha havido a satisfação do interesse do credor, mas haja alguma violação que impeça o reconhecimento do efetivo adimplemento.
Nesse sentido, expõe que, por vezes, “[a] satisfação do interesse em um determinado momento não obsta que, após certo acontecimento, a obrigação esteja inarredavelmente inadimplida, e, por consequência, verifique-se mora solvendi ou até inadimplemento absoluto.”[15].
Não bastasse isso, por vezes, a obrigação pode se extinguir de formas diversas que, ainda que guardem semelhanças e possam induzir o aplicador do direito em erro, não se trata efetivamente de adimplemento.
Ou seja, pode se estar diante de outros acontecimentos que não o cumprimento do devedor dentro dos moldes avençados, o que, portanto, não caracterizaria o adimplemento. Tais hipóteses podem se tratar, por exemplo, de cumprimento da obrigação por terceiro.
É importante destacar que o Código Civil prevê, a partir de seu artigo 334, outras figuras que acabam por levar à extinção da obrigação, tais como a consignação em pagamento, a novação, a compensação, a remissão etc.
Rogério Lauria Marçal Tucci[16], entende que a função dos meios indiretos de extinção da obrigação podem ser os mesmos que o adimplemento, mas a sua natureza só poderá ser equiparada à do adimplemento nos casos em que o meio de extinção não depender de nova declaração de vontade. Esclarece que a natureza jurídica do adimplemento é una, a de ato-fato jurídico e essa conclusão é pautada no clássico entendimento de Pontes de Miranda[17] e as classificações do fato do adimplemento.
Aliás, para referido doutrinador, o adimplemento, ou solutio, poderia ser vislumbrado sob dois ângulos: o adimplemento em sentido largo e o adimplemento em sentido estreito. Na primeira hipótese, deveria se entender por qualquer liberação do devedor ou, ainda, qualquer satisfação do credor, enquanto a segunda seria a prestação do devedor “diretamente do devido”[18].
Por sua vez, para Judith Martins-Costa[19], será de suma importância a análise da situação para que se verifique a ocorrência, ou não, do adimplemento. Entende, inclusive, que é possível que ocorra o “adimplemento”, mas que deste não decorra necessariamente o efeito extintivo, porque a relação obrigacional pode perdurar pelos efeitos dos deveres anexos, por exemplo.
Assim, cria uma distinção entre (i) adimplemento em sentido técnico e restrito, com efeito extintivo; (ii) adimplemento em sentido amplo; (iii) outras formas de extinção da obrigação que não constituem adimplemento; bem como (iv) adimplemento sem extinção da relação obrigacional.
A dificuldade de reconhecimento do adimplemento nessas hipóteses está consubstanciada no fato de que o interesse do credor não restou satisfeito da forma inicialmente convencionada pelas partes.
No caso da execução forçada, por exemplo, existe discussão doutrinária sobre o tema.
Isso porque não houve o pagamento do quantum avençado, a parte foi obrigada a se socorrer do judiciário e, ainda, teve que aguardar o pagamento do devedor perante o juízo ou, até mesmo, utilizar de métodos de constrição de bens do devedor.
Nesse sentido, para alguns, não haveria que se falar em adimplemento. A doutrina que assim entende esclarece que “o adimplemento é a realização voluntária do programa obrigacional sempre em respeito à boa-fé objetiva, distinguindo-se das formas de execução forçada ou por terceiro”[20].
Esse entendimento, no entanto, não é pacificado, na medida em que parte da doutrina[21] entende que ocorrerá a efetiva satisfação da obrigação, ainda que por meios indiretos. Assim, para estes, seria possível concluir pela ocorrência do adimplemento, conquanto não haja a voluntariedade do devedor.
Para Judith Martins-Costa[22], o pagamento por meio da execução forçada caracterizaria, sim, adimplemento, porque “embora os percalços a que estará sujeito o credor que deva percorrer a via executiva”, ainda assim seria possível considerar a existência do elemento satisfativo da obrigação com um todo, elemento este que, para ela, seria suficiente para o reconhecimento do adimplemento da obrigação. [23]
Seja como for, é importante reconhecer que a ocorrência do adimplemento de forma efetiva depende de diversos fatores – inclusive relembrando a questão do alargamento do conceito, em razão dos deveres anexos da obrigação -, sendo que a extinção da obrigação nem sempre ocorre por meio deste.
5. Execução forçada e a discussão sobre o efetivo pagamento
Como visto acima, há quem entenda pela ausência de adimplemento com a satisfação do crédito por meio da execução forçada e é o que se tomará como premissa neste trabalho.
Todavia, mesmo para aqueles que entendem que a execução forçada é capaz de reconhecer a obrigação com adimplida, ainda assim é de se destacar que, como defendido pela jurista Judith Martins Costa[24], é extremamente relevante que haja a efetiva satisfação do credor para este reconhecimento.
Nesse sentido, questão de extrema importância que vem tomando corpo no Poder Judiciário é o fato de que o mero depósito de valores nos autos do processo não é apto a reconhecer o efetivo pagamento, sem que a quantia seja efetivamente liberada ao exequente (credor) pelo executado (devedor).
Essa questão vai completamente em linha com o quanto a mencionada doutrinadora esclarece, pois não é possível de se reconhecer o elemento por ela mencionado - qual seja a “satisfação” do credor - sem que o credor possa efetivamente levantar e usufruir da quantia.
Assim, o mero depósito sem a liberação da quantia para a credor – com a consequente discussão do crédito cobrado pelo executado -, não traria o elemento satisfativo e, portanto, não haveria como se reconhecer o adimplemento da obrigação.
Exatamente em linha a este raciocínio é que a jurisprudência[25] reconhece que o mero depósito para discussão do crédito, sem que se permita o levantamento pela contraparte, faz incidir a previsão legal contida no artigo 523, §1º, do Código de Processo Civil de que em “[n]ão ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento.”.
Veja-se exemplificativamente:
“Cumprimento de sentença – Honorários advocatícios - Impugnação parcialmente acolhida – Acordo celebrado em autos diversos que não envolveu os honorários sucumbenciais executados nestes autos – Multa prevista no §1º do artigo 523 do CPC de 2015 – Cabimento – Depósito visando garantir o Juízo, com a finalidade de opor impugnação ao cumprimento de sentença – Ausente pagamento visando o adimplemento voluntário da obrigação – Acolhimento parcial da impugnação – Mantida sucumbência recíproca para o incidente, com repartição proporcional dos ônus sucumbenciais - Recurso desprovido.
(...) Com relação à multa arbitrada, melhor sorte não assiste ao recorrente. O recorrente efetuou depósito visando garantir o Juízo, com a finalidade de opor impugnação ao cumprimento de sentença. Não houve, então, a apresentação de valores visando o adimplemento voluntário da obrigação, incidindo, ausente o propósito de pagamento voluntário, conforme o entendimento pacificado no E. Superior Tribunal de Justiça, a multa prevista no §1º do artigo 523 do CPC de 2015 (REsp 1.175.763, Rel. Ministro Marco Buzzi, 4ª T, julgado em 21/06/2012; AgInt nos EDcl no AREsp – destaca-se).”
E assim dispõe a doutrina[26][27]:
“A multa incidirá mesmo que o devedor venha a depositar o valor devido, mas pretenda discutir o objeto do cumprimento. É que em tal caso juridicamente não se operou o pagamento; não houve o adimplemento ou vontade de extinguir o procedimento executivo, mas, ao contrário, de lhe dar sequência para discussão do todo parte” (destaca-se)
“Permanece aplicável o entendimento consolidado no STJ anteriormente ao CPC de 2015, no sentido de que o executado que se limita a depositar o valor como mera medida preparatória para a impugnação ao cumprimento de sentença (CPC/73, art. 475-J, §1°; CPC/15, art. 523, §1°) não promove o ‘pagamento’ e, como tal, se sujeita a esses acréscimos legais ao valor da execução”
Ou seja, o depósito realizado condicionado à discussão da cobrança e obstando o credor de levantar a verba devida, não pode ser reconhecido como pagamento, mesmo para aqueles que defendem a possibilidade de reconhecimento de adimplemento da obrigação por meio da execução coativa.
Assim, em se pensando em execução forçada, mesmo para aqueles que defendem a possibilidade de reconhecimento de adimplemento, é de suma importância que seja verificado o efetivo momento da sua ocorrência, levando em conta a satisfação do crédito pelo credor.
6. Conclusão
Conclui-se, assim, que a averiguação da ocorrência efetiva do adimplemento não é tarefa simples, seja sob uma análise do regular trâmite do contrato, seja em uma análise em que tenha sido proposta uma execução forçada – para aqueles que entendem ser possível falar de adimplemento nesta hipótese.
De maneira geral, para a configuração do adimplemento, tem-se que um elemento se mostra essencial, qual seja, a prestação “concretamente devida”.
Contudo, é importante destacar que, tanto na consecução regular do contrato, quanto em situações em que foi proposta uma execução forçada, é necessária a observação de diversos elementos.
Atualmente, o estudo do direito obrigacional prevê uma estrutura dinâmica, não mais estática, de modo que, além da prestação principal, também deve ser observada a prestação secundária e, ainda, os deveres anexos ou laterais decorrentes da boa-fé.
A boa-fé objetiva deve reger todas as relações entre partes, mas fato é que no âmbito do adimplemento esta desempenha papel essencial, inclusive para fins de sua verificação. A conduta de diligência também não repousa muito distante da boa-fé objetiva, sendo muito debatida, tanto em nosso ordenamento jurídico, quanto nas legislações estrangeiras.
Assim, deve ser reconhecido um alargamento no âmbito do adimplemento, sendo que este apenas pode ser entendido por configurado nos casos em que o comportamento do obrigado também abarque as prestações secundárias e deveres anexos, com base na boa-fé.
Importante destacar que nem sempre estamos diante da figura do adimplemento, já que, por vezes, a obrigação pode se extinguir de formas diversas que, ainda que guardem semelhanças e possam induzir o aplicador do direito em erro, não se trata efetivamente de adimplemento.
O Código Civil prevê, a partir de seu artigo 334, outras figuras que acabam por levar à extinção da obrigação, tais como a consignação em pagamento, a novação, a compensação, a remissão etc.
Nesse sentido, no caso da já mencionada execução forçada existe discussão sobre o tema.
Para aqueles que entendem pela possibilidade de reconhecer o adimplemento na execução forçada, a premissa utilizada é a de que ocorrerá a efetiva satisfação da obrigação, ainda que por meios indiretos. Assim, para estes, seria possível concluir pela ocorrência do adimplemento, conquanto não haja a voluntariedade do devedor.
Assim, ainda que se entenda que a execução forçada é capaz de reconhecer a obrigação com adimplida, ainda assim, é relevante destacar que é extremamente relevante que haja a efetiva satisfação do credor para este reconhecimento. Assim, é de suma importância que seja verificado o efetivo momento da sua ocorrência.
Nesse sentido, questão de extrema importância que vem tomando corpo no Poder Judiciário é o fato de que o mero depósito de valores nos autos do processo não é apto a reconhecer o efetivo pagamento, sem que a quantia seja efetivamente liberada ao exequente pelo executado.
O mero depósito sem a liberação da quantia para a credor – e a consequente discussão do crédito cobrado -, não traria o elemento satisfativo e, portanto, não haveria como se reconhecer o adimplemento da obrigação.
Inclusive, a jurisprudência reconhece que o mero depósito a título de garantia, sem que se permita o levantamento pela contraparte, faz incidir a previsão legal contida no artigo 523, §1º, do Código de Processo Civil.
Ou seja, que o depósito realizado condicionado à discussão dos valores e obstando o credor de levantar a verba devida, não pode ser reconhecido como pagamento, mesmo para aqueles que defendem a possibilidade de reconhecimento de adimplemento da obrigação por meio da execução coativa.
Seja como for, para que seja efetivamente apurado o adimplemento, é necessária a observação de diversos elementos.
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[1] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Volume V. Tomo I. Arts 304 a 388. Coordenador Salvio de Figueiredo Teixeira. Editora Forense. 2003. P. 81.
[2] Op cit.
[3] NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 31/41.
[4] CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. Vol. IX. Direito das obrigações. Cumprimento e não cumprimento. Transmissão. Modificação e extinção. 3ª edição totalmente revista e aumentada. Almedina. 2017. P. 72
[5] NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 31/41.
[6] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Volume V. Tomo I. Arts 304 a 388. Coordenador Salvio de Figueiredo Teixeira. Editora Forense. 2003. P. 93/94.
[7] Gonçalves, Carlos Roberto Contratos e atos unilaterais Coleção Direito civil brasileiro volume 3 – 17. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020. p. 61
[8] CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. Vol. IX. Direito das obrigações. Cumprimento e não cumprimento. Transmissão. Modificação e extinção. 3ª edição totalmente revista e aumentada. Almedina. 2017. P. 72
[9] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Volume V. Tomo I. Arts 304 a 388. Coordenador Salvio de Figueiredo Teixeira. Editora Forense. 2003. P. 93/94.
[10] RODOTÀ, Stefano. Diligenza: diritto civile. Enciclopedia del Diritto. Milano: Giuffrè, 1964, v. 12, p. 539-546.
[11] NANNI, Giovanni Ettore. Inadimplemento absoluto e resolução contratual: requisitos e efeitos. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 31/41.
[12] Op. cit
[13] TUCCI, Rogério Lauria Marçal. Adimplemento: conceito e sua natureza jurídica. Revista dos Tribunais. Revista de Direito Civil Contemporâneo | vol. 10/ 2017 | p. 51 - 72 | Jan - Mar / 2017 DTR\2017\478
[14] Op. cit
[15] Op. cit
[16] Op. cit
[17] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, v. 24, p. 71-85 (§ 2.902 a § 2.905). p. 142
[18] Op. cit
[19] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Volume V. Tomo I. Arts 304 a 388. Coordenador Salvio de Figueiredo Teixeira. Editora Forense. 2003. P. 87.
[20] Op. cit
[21] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Volume V. Tomo I. Arts 304 a 388. Coordenador Salvio de Figueiredo Teixeira. Editora Forense. 2003. P. 91;
ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de processo civil. Rio de Janeiro. Forense, 2001. Vol. . (arts 566 a 645), p. 23.
[22] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil. Do direito das obrigações. Do adimplemento e da extinção das obrigações. Volume V. Tomo I. Arts 304 a 388. Coordenador Salvio de Figueiredo Teixeira. Editora Forense. 2003. P. 87.
[23] Op. cit
[24] Op. cit
[25] STJ. AgInt no REsp 1822636/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em09/02/2021;
STJ. REsp 1803985/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2019;
STJ, Recurso Especial nº 1.834.337/SP, Min. Rel. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 03/12/2019
TJ/SP; Agravo de Instrumento 2265933-38.2019.8.26.0000; Relator (a): Fortes Barbosa; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Presidente Prudente - 2ª. Vara Cível; Julgado em 20/02/2020
TJ/SP; Agravo de Instrumento 2166192-93.2017.8.26.0000; Relator (a): Fortes Barbosa; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 19ª Vara Cível; Julgado em 10/11/2017;
TJ/SP. Agravo de Instrumento 2172133-19.2020.8.26.0000. 5ª Câmara de Direito Público. Des Rel. Maria Laura de Assis Moura Tavares. Julgado em 21.06.2021.
[26] PAVAN, Dorival Renato. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 2. Cassio Scarpinella Bueno [coord.]. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 683
[27] SICA, Heitor Victor Mendonça. In Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer [coord.]. Editora Forense, 2015, p. 822
Mestranda em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Especialista em Gestão de Negócios pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" (USP/Esalq). formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Empresarial pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (INSPER). Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MATIAS, Carolina Tuoni. A efetiva ocorrência do adimplemento no decorrer da relação obrigacional regular e pós propositura de execução forçada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 abr 2023, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61297/a-efetiva-ocorrncia-do-adimplemento-no-decorrer-da-relao-obrigacional-regular-e-ps-propositura-de-execuo-forada. Acesso em: 24 dez 2024.
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