RESUMO: O presente trabalho visa abordar sobre as mais diversas formas de violência contra mulher perpetradas ao longo da história, bem como aquelas presentes nos dias atuais, particularmente ocorridas no Brasil, com enfoque na legislação brasileira, discorrendo sobre como a lei e a doutrina se posicionam acerca do presente tema. Além disso, objetiva discutir e demonstrar como a legislação pátria aborda a violência contra mulher, as inovações trazidas pela legislação que alteraram o Código Penal Brasileiro, a respectiva aplicabilidade da lei, bem como suas penalidades. Neste presente trabalho, o método de abordagem utilizado foi o dedutivo e a técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica. A violência contra a mulher é um tema tão atual e tão discutido nos mais diversos meios de comunicação, entretanto, sua ampla divulgação nas mídias, não faz cessar, nem inibir o agressor de praticar tais crimes vivenciados por milhares de mulheres todos os dias, de acordo com os relógios da violência. Pelo contrário, nem a exposição nas mais diversas mídias de comunicação, nem a lei e os seus efeitos punitivos, nem a moral, nem os bons costumes, fazem frear estes crimes de tamanha hediondez que se repetem todos os dias. Não há uma só corrente de pensamento que possa explicar a origem e a razão da prática destes delitos, se é que faz-se necessário justificar a maldade. Busca-se no presente trabalho demonstrar alguns desses crimes que assolam as mulheres diariamente, além de levar à reflexão para além da ciência do Direito a ocorrência de tais delitos.
PALAVRAS CHAVES: Violência contra mulher. Lei Maria da penha. Feminicídio.
SUMÁRIO Introdução. 1. Evolução histórica dos direitos das mulheres no Brasil. 2. Algumas modalidades de violências praticadas contra a mulher. 3. Lei Maria da Penha. Considerações Finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A história mundial e brasileira relata que a discriminação, preconceito e violência contra a mulher vem de muito tempo, desde os primórdios da humanidade. Alguns fariseus (religiosos dotados de falso moralismo) eram chamados de “os feridos e ensanguentados” porque fechavam os olhos sempre que viam uma mulher na rua, e, por causa disso, trombavam com muros e casas enquanto andavam”[1] Todas as manhãs o fariseu começava o dia dando graças a Deus por não tê-lo feito “um gentio, uma mulher ou um escravo”[2]
Entretanto, quando Jesus veio ao mundo, através de uma mulher, restaurou a identidade de todas as mulheres consideradas para Ele, sua imagem e semelhança. A sua bondade permitiu Maria estar assentada aos pés de Jesus, na condição de aluna, aprendendo de um Mestre (o próprio Jesus), sim, pois naquela época apenas os homens eram considerados cidadãos e poderiam se assentar aos pés(ser aluno) de um mestre, um rabino, a exemplo disto, temos o Apóstolo Paulo que foi educado aos pés de Gamaliel. O próprio Jesus veio ao mundo, sendo gerado no ventre de uma mulher que se dispôs ao propósito de gerar o Homem que dividiu a história (antes e depois de Cristo) e se colocou como serva do seu próprio Filho e Salvador. Jesus restabeleceu a dignidade da mulher perdida lá no jardim do Éden quando Adão e Eva pecaram, mas através de uma outra mulher, chamada Maria, desposada de um homem justo chamado José, o próprio Jesus restituiu o valor da mulher e as colocou novamente como protagonistas de suas histórias.
O presente trabalho visa demonstrar um recorte da discriminação e violência sofridas pelas mulheres, com enfoque no Direito brasileiro, porém sem deixar de refletir sobre toda violação, discriminação, violência e preconceito perpetrados contra as mulheres desde que o mundo é mundo.
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DAS MULHERES NO BRASIL
As primeiras legislações brasileiras que tratavam sobre o direito das mulheres, iniciando das ordenações Filipinas até o atual Código penal, versavam sobre crimes sexuais, entretanto a proteção não dizia respeito a honra da mulher, mas sobretudo a honra da família.
Segundo Valéria Diez Sacarance Fernandes, no tempo do Brasil Colônia (1500 a 1822) reinava no País um sistema patriarcal. As mulheres eram destinadas ao casamento e aos afazeres domésticos, com total submissão e obediência aos homens. Enquanto os homens dominavam a leitura, a escrita e o poder na tomada de decisões, o papel social da mulher “era, necessariamente, o de esposa e mãe dos filhos legítimos do senhor”. (FERNANDES, 2023)
O que não retira necessariamente a dignidade da mulher ao exercer esses papéis de servir a sua família, de forma que estão arraigados na estrutura e na natureza da mulher, a sua função de auxiliadora, uma vez que, a mulher é responsável pela nutrição de seus filhos, tanto em termos de alimentação, pois um bebê é totalmente dependente da mãe, mas também nutrição de laços afetivos e organização do lar.
Contudo, nas importantes observações de Valéria Diez Sacarance Fernandes, a mulher se casava ainda muito jovem e o marido, escolhido pelo pai, era geralmente bem mais velho”. O estudo era destinado apenas aos homens, havendo notícia que no século XVII, em São Paulo, apenas duas mulheres sabiam escrever seu nome. No âmbito legislativo, havia as Ordenações do Reino, dentre as quais as Ordenações Filipinas constituíram a legislação vigente até 1832. Neste Código Filipino, a religião, a moral e a divisão da sociedade em castas influíam diretamente na legislação, marcada pela crueldade das penas e desigualdade de tratamento das pessoas. (FERNANDES, 2023)
Ainda nas preciosas lições de Valéria Diez Sacarance Fernandes, trazendo à tona as ordenações Filipinas tem- se que:
“Com fundamento no Livro IV, Título LXI, § 9º e no Título CVII das Ordenações Filipinas, entendia-se que “a mulher necessitava de permanente tutela, porque tinha fraqueza de entendimento”. Esta tutela correspondia ao tratamento jurídico dado à mulher: alguém não plenamente capaz. Os tipos penais relacionados à mulher protegiam sua religiosidade, posição social, castidade e sexualidade, com elevação da pena em razão da classe social dos envolvidos. O estupro estava tipificado no Título XVIII – “Do que dorme per força com qualquer mulher, ou trava dela ou a leva per sua vontade” – apenado com a morte. Mesmo se houvesse o casamento entre as partes, por vontade da vítima, a pena de morte era mantida10 (Título XVIII, item 1). Ao mesmo tempo em que se protegia a sexualidade da mulher, autorizava- -se o homicídio da mulher surpreendida em adultério (Título XXXVIII). Nos termos do Código Filipino, o homem casado poderia licitamente matar. a mulher e o adúltero, salvo se o marido fosse peão e o adúltero de maior qualidade. Se por um lado o tratamento da mulher como um ser inferior importava em absoluta falta de liberdade e submissão ao homem, por outro, havia um cuidado especial do legislador com a preservação de sua origem e de seus bens quando o marido era condenado, ainda que por crime de lesa majestade. Nesta hipótese, a infâmia praticada pelo pai atingia mais gerações do que a praticada pela mãe (Título VI, item 13)12 e as mulheres inocentes conservavam seus direitos patrimoniais. Assim, as filhas de traidores poderiam herdar bens de mães, outros parentes e receber testamentos (Título VI, item 14) e resguardava-se sua parte do patrimônio quando a mulher era casada com o traidor (Título VI, item 20), como a meação ou dote13. Apesar da crueldade e desigualdade de classes, pode-se afirmar que o Direito colonial continha algumas sementes de ideias de proteção da mulher como alguém que vive uma situação peculiar. Assim, a tutela do patrimônio das mulheres nos crimes de lesa majestade e a previsão de que o casamento não isentava o agente da pena pelo cometimento do estupro com força são disposições que correspondem a modelos atuais de proteção à mulher.” (FERNANDES, 2023)
No Brasil império, a Constituição Política do Império do Brasil, previa a igualdade de todos, homens e mulheres perante a lei, e deu início a alguns avanços em relação aos direitos das mulheres no campo social, estudantil, e do mercado de trabalho, ainda que de forma incipiente.
Nos ensinos de Valéria Diez Sacarance Fernandes, Já no início do Império, foi reconhecido o direito ao estudo, restrito ao ensino de primeiro grau e com conteúdo diverso daquele ministrado aos meninos. Nas escolas, o estudo destinado às meninas era voltado principalmente para “atividades do lar (trabalhos de agulha), em vez da instrução propriamente dita (escrita, leitura e contas). Na aritmética, por exemplo, as meninas só podiam aprender as quatro operações, pois para nada lhes serviria o conhecimento de geometria”. Somente em 1881, uma mulher frequentou curso superior e, em 1887, formou-se em medicina Rita Lobato Velho Lopes. Ainda para Valéria Diez, A legislação do Brasil era um reflexo da época. Teorias científicas sustentavam a inferioridade da mulher a partir das diferenças fisiológicas dos corpos. García Dauder e Eulalia Pérez Sedeño na obra “Las mentiras cientificas sobre las mujeres” apud Valéria Diez, mencionam que, nos séculos XVIII e XIX, surgiram as seguintes teorias: – Teoria da conservação da energia: com base nessa teoria, as mulheres não deveriam estudar (principalmente ensino superior) porque o desgaste mental retirava a energia essencial para as funções menstruais e reprodutivas. Entendia-se que, com o estudo, havia um aumento do tamanho do cérebro e a redução dos ovários, o que prejudicava a maternidade. – Diferenças anatômicas do cérebro: o tamanho inferior do cérebro das mulheres demonstrava sua menor capacidade e “de nada serviriam campanhas em favor da educação superior das mulheres, pois nunca chegariam a alcançar homens nesse aspecto”. – Teoria darwinista: darwinistas sustentavam que a mulher era um homem que não havia evoluído completamente, tanto sob o aspecto físico quanto mental. (FERNANDES, 2023)
Quanto a matéria de Direito Penal, o Código Criminal do Império do Brasil, revogou a lei que autorizava o marido a matar sua esposa que houvesse cometido adultério, atitude monstruosa prevista nas Ordenações Filipinas. Entretanto, a legítima defesa da honra era permitida pela legislação da época, conforme ensina Valéria Diez:
“Sob o âmbito da sexualidade da mulher, repetiu-se a proteção à reputação social da vítima, que já se encontrava no Código Filipino. No capítulo II, sob a denominação “Dos crimes contra a segurança da honra”, havia: o estupro (arts. 219 a 225), o rapto (art. 226) e os crimes de calúnia e injúrias (arts. 229 a 246), como se todos tivessem o mesmo bem jurídico. Em todas as modalidades de estupro previstas, inclusive aquele cometido com violência, não se impunha a pena aos réus que se casassem com as ofendidas (art. 225). Caso não o fizessem, além da pena de desterro, degredo ou prisão, deveriam “dotar” a ofendida. O aspecto da honra está presente também nas elementares dos tipos do crime de estupro, em que havia a referência à “mulher virgem” (art. 219), à “mulher honesta” (art. 222 e 224) e à “prostituta” (art. 222), com penalidade reduzida em razão desta circunstância” (FERNANDES, 2023)
No Brasil republicano houve um avanço, ainda que de forma tímida quanto aos direitos das mulheres, no campo social, estudantil e do mercado de trabalhado cumulando com suas funções de dona de casa, esposa e mãe.
Na constituição de 1824, apenas os homens possuíam ainda o direito ao voto. A Constituição de 1891, também é omissa e ainda não permitia o direito do exercício do voto para as mulheres. Somente com a constituição de 1934, quarenta e três anos depois, as mulheres puderem exercer seu direito ao voto. As constituições de 1937, 1946,1967 e 1969 são omissas quanto a manifestação acerca dos direitos das mulheres. E por fim, com a Constituição de 1988, a chamada Constituição Cidadã, ocorreram algumas conquistas assegurando garantias às mulheres tais como: aumento da licença maternidade de três para quatro meses, ou seja cento e vinte dias; proteção a mulher no mercado de trabalho; assistência gratuita aos filhos do nascimento até os seis anos de idade em creches e pré-escolas; e por fim, a previsão no art. 5º, categorizada como direito fundamental, a igualdade de homens e mulheres perante a lei, tanto na vida civil, quanto no trabalho e na seara familiar.
Em resumo, sobre a evolução da situação da mulher na legislação brasileira, tem-se as Ordenações Filipinas (Código Filipino): - Pátrio poder e a incapacidade das mulheres; castigar as mulheres com pau e pedra, de forma moderada, era permitido (Livro V, Título 36, § 1 º); Direito de matar nos casos de adultério; o Código Criminal do Império (1830): manutenção do crime de adultério para mulher e autorização para o homem, salvo se constante a relação e pública; o Código Penal da República 1890: legítima defesa da honra; o Código Penal de 1941: manutenção da legítima defesa da honra: Apenas em 1991, a figura da legítima defesa da honra foi definitivamente afastada por decisão do Superior Tribunal de Justiça, sob o argumento de que a “honra” é atributo pessoal e, no caso, a honra ferida é a da mulher, que cometeu a conduta tida por reprovável (traição), e não a do marido ou companheiro que poderia ter recorrido à esfera civil da separação ou divórcio (Recurso Especial 1.517, 11.03.19 91). Quarenta e sete anos após, a Constituição Federal de 1988 e em seguida a Lei Maria da Penha (Lei 11340/2006).
2. ALGUMAS MODALIDADES DE VIOLÊNCIAS PRATICADAS CONTRA A MULHER
A Lei 12.015/2009 alterou o Título VI do Código Penal brasileiro, anteriormente chamado dos crimes contra os Costumes, passando a tratar Dos Crimes contra a Dignidade Sexual e Dos Crimes contra a Liberdade Sexual no seu capítulo I. Como o presente artigo trata de violência contra a mulher, todos os tipos penais elencados a seguir serão direcionados para a vítima mulher como sujeito passivo:
Estupro
“... Alguns dias depois, o jornal local relatou mais uma surpreendente história de sequestro. Um casal – eram casados – voltava para casa em sua lambreta. Alguns homens pararam os dois na estrada e levaram a mulher. O marido foi para casa sem contar a ninguém. Na manhã seguinte, ela voltou para casa, foi até a cozinha, despejou querosene em si mesma, acendeu um fósforo e se consumiu em chamas. Segundo o artigo, o marido não interveio.” (Abdulali, 2019).
“...Estupro é o único crime diante do qual as pessoas reagem querendo aprisionar as vítimas” (Abdulali, 2019).
Segundo a economista e socióloga Sohaila Abdulali, traz o conceito de estupro como: “Estupro. A palavra é muito rude. Em hindi, balatkaar. Em finlandês, raiskata. Em indonésio, memperkosa. Em árabe, aightisab. Em esloveno, posilstvo. Em zulu, ukudlwengula. A palavra inglesa rape provavelmente vem do latim rapere – arrebataar, levar embora. Nos últimos setecentos anos, significa “tomar à força...” (Abdulali, 2019).
De fato, este crime hediondo, infelizmente é praticado diariamente contra mulheres no Brasil e no mundo deixando marcas e sequelas físicas e psicológicas por toda a vida.
O Código penal brasileiro no seu artigo 213, define estupro como o fato de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, tendo como pena de reclusão, de seis a dez anos.
Nas palavras do Professor Rogério Sanches Cunha, tutela-se a dignidade sexual da vítima, constrangida mediante violência ou grave ameaça. O vocábulo estupro, no Brasil, se limitava a incriminar o constrangimento de mulher à conjunção carnal. Outros atos libidinosos estavam tipificados no artigo seguinte, que protegia, também, o homem. Resolveu o legislador, com a edição da Lei 12.015/2009, seguir a sistemática de outros países (México, Argentina e Portugal), reunindo os dois crimes num só tipo penal, gerando, desse modo, uma nova acepção ao vocábulo estupro, hoje significando não apenas conjunção carnal violenta, contra homem ou mulher, (estupro em sentido estrito), mas também o comportamento de obrigar a vítima, homem ou mulher, a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. (SANCHES, 2020)
Por fim, outra modalidade bastante recorrente que mulheres enfrentam todos os dias quando saem para trabalhar ou estudar e se deparam com os abusadores de transportes públicos que existem aos montes e não é de hoje que as mulheres sabem disso, em geral por já terem passado por algum tipo de experiência similar às que eu descrevi. Uma pesquisa feita pelos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em fevereiro de 2019, entrevistou 1.081 mulheres com dezoito anos ou mais, em todas as regiões do país, que usaram transporte público ou privado nos três meses anteriores à pesquisa. Os entrevistadores apresentaram a elas uma lista de situações constrangedoras, abusivas, ou criminosas, desde olhares insistentes até recorrentes “encoxadas” e os estupros. O resultado foi que simplesmente 97% das mulheres afirmaram ter passado, pelo menos uma vez, por uma situação dessas, seja em ônibus, trens, metrôs, ou em táxis e carros de aplicativos de transporte particular. Quarenta e um por cento delas relataram já ter trocado de lugar no transporte coletivo por medo, depois de serem encaradas sem trégua por algum homem. Há ainda as cantadas indesejadas, os comentários de cunho sexual, os homens que passam a mão pelo corpo da passageira, os que se masturbam, os que fazem gestos obscenos ou mostram as partes íntimas, os que fotografam mulheres sem autorização e até os que beijam à força. Um por cento das entrevistadas contou ter sido vítima de estupro com penetração no transporte por aplicativo. (ARAÚJO, 2020)
Estelionato Sexual ou Stealthing
De acordo com o artigo 215 do Código Penal, ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima tem como pena de reclusão, de dois a seis anos.
Nas lições do Professor Rogério Sanches, chama-se stealthing ( dissimulação, em português) a conduta de alguém retirar preservativo duarnte a relação sexual sem o consentimento da parceira. Entre os estudiosos estrangeiros, temos opiniões no sentido de que o fato poderia ser etiquetado como estupro, tanto que existe uma condenação nesse sentido na Suíça. O fundamento para essa decisão foi a condicionalidade do consentimento, ou seja, a vítima que estava praticando a relação sexual só havia consentido com a condição que o preservativo fosse utilizado. A retirada do preservativo durante o ato sexual sem que a outra pessoa percebesse caracterizou um vício de consentimento que tornou criminoso um ato sexual até então indiferente em termos criminais. No Brasil, as circunstâncias do fato é que devem indicar a tipificação correta: 1) O ato sexual é consentido, um dos parceiros o condiciona ao uso de preservativo, mas o agente, duarnte o ato, retira a proteção prometida. Percebendo a negativa séria e insistente da parceira, ele continua na prática do ato de libidinagem, usando violência ou grave ameaça: tipifica-se, no caso, o crime em estudo, hediono, sofrendo todos os consectários da Lei 8.072/90. 2) O ato sexual é consentido, desde que mediante o uso de preservativo, mas o agente, duarnte o ato, sorrateiramente retira a proteção e continua até a sua finalziação, assim agindo sem que a parceira perceba: nessa situação, não se cogita do crime de estupro, pois ausentes os meios típicos de execução: violência física ou moral. Pode caracterizar-se o art. 215 do CP, sem empego de qualquer espécie de violência, pratica com a vítima ato de libidinagem (conjunção carnal ou ato diverso de natureza libidinosa), usando de fraude. O crime não é hediondo, razão por que não sofre as consequências anunciadas na Lei 8.072/90. (SANCHES, 2020)
Feminicídio
A Lei 13.104 de 09 de março de 2015, altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos, sendo fechado seu regime inicial para cumprimento da pena.
Ao alterar o Código Penal, o legislador criou um novo tipo penal. Ao delito de homicídio (CP, art.121) foram acrescidas uma qualificadora e uma majorante. Ou seja, como o nome feminicído, é considerado homicídio qualificado o crime praticado contra a mulher em razão de ela ser de sexo feminino, cuja pena é de 12 a 30 anos de reclusão. Tal circunstância é reconhecida quando o crime envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher(CP, art.121,§2ºA) (DIAS, 2021)
De acordo com a Lei 13.104/15, considera-se feminicídio o crime praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.
Para configurar feminicídio, como se percebe do dispositivo acima transcrito, não basta que a vítima seja mulher. A morte tem que ocorrer por “razões da condição de sexo feminino” que, por sua vez, foram elencadas no § 2º-A do art. 121 do Código Penal como sendo as seguintes: violência doméstica e familiar contra a mulher, menosprezo à condição de mulher e discriminação à condição de mulher. (BAZZO; BIACHINI; CHAKIAN, 2023)
Considera-se também que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolver violência doméstica e familiar, e menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Além disso, a pena do crime é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de catorze anos, maior de sessenta anos ou com deficiência, ou ainda na presença de descendentes ou de ascendetes da vítima.
Quanto a origem do Feminicídio, a antropóloga mexicana Marcela Lagarde y de Los Ríos (apud CHAKIAN, 2018) foi responsável por atribuir ao vocábulo femicídio, difundido pelas americanas Diana Russell, Jill Radford, dentre outras, conceito mais abrangente, tendo denominado como feminicídio, o conjunto de violações aos direitos humanos das mulheres, no contexto de inexistência ou debilidade do Estado de Direito, num quadro de violência sem limites. Em outras palavras, um conjunto de delitos de lesa humanidade, que compreende violências, sequestros e desaparecimento de mulheres num espectro de colapso institucional, revelando-se também um delito de Estado, que ocorre em tempos de guerra e em tempos de paz. A partir de sua definição, Lagarde (apud CHAKIAN, 2018) sustenta que o feminicídio pode ser praticado pelo atual ou ex-parceiro da vítima, parente, familiar, colega de trabalho, desconhecido, grupos de criminosos, de modo individual ou serial, ocasional ou profissional; e, em comum, denota intensa crueldade e menosprezo para com as mulheres, tratadas como mero objetos e, portanto, descartáveis, destituídas de direitos. Cuida-se de verdadeiro crime de ódio contra as mulheres, para o qual também concorre a negligência e omissão das autoridades encarregadas de prevenir e erradicar esses delitos, razão pela qual o feminicídio seria também um crime de Estado. Na análise do que denominou “teoria del feminicídio”, a também antropóloga Rita Laura Segato (apud CHAKIAN, 2018) ressalta que esse impulso de ódio com relação à mulher se explica como consequência à violação feminina às duas leis do patriarcado: a norma de controle e possessão sobre o corpo feminino e a norma de superioridade, de hierarquia masculina. Dessa forma, a reação de ódio surge quando a mulher exerce autonomia no uso do seu corpo, desrespeitando regras de fidelidade ou de celibato. Ou, ainda, quando a mulher ascende posições de autoridade, de poder econômico ou político, tradicionalmente ocupadas por homens, desafiando o equilíbrio assimétrico. (BAZZO; BIACHINI; CHAKIAN, 2023)
Por fim, a competência para julgamento de processos que envolvam o crime de feminicídio são das Varas do Tribunal do Júri, e além disso, o juízo da Vara do Júri pode conceder as medidas protetivas de urgência, previstas na Lei Maria da Penha. (DIAS, 2021)
3. A LEI MARIA DA PENHA
Eis uma parte do relato da história de Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que, devido as diversas violências praticadas pelo seu marido, culminou em uma das mais importantes leis do país no que diz respeito a proteção das mulheres:
“No período compreendido entre 1973 e 1977, permaneci na cidade de São Paulo, a fim de fazer o meu curso de mestrado na Universidade de São Paulo, a prestigiosa USP, custeada por uma bolsa de estudos. Para complementar a minha renda salarial, responsabilizei-me, como farmacêutica, pelo funcionamento de uma grande farmácia pertencente ao grupo Farmasil. Posteriormente, mediante concurso público, assumi a função de farmacêutica-bioquímica do Banco de Sangue do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo. A decisão de ir para essa metrópole fazer mestrado deu-se quando eu já estava definitivamente separada, após um casamento que havia durado cinco anos, e me trouxera decepções. Apoiada por meus pais, viajei com um sentimento de segurança, pois colegas meus de faculdade estavam cursando mestrado na mesma universidade. Passei a viver na cidade universitária, dividindo o alojamento com duas economistas, uma do Rio Grande do Norte, terra de meu pai, e outra, pernambucana. No início, não existia a solidão, tudo era novidade. Eu tinha muitos amigos e amigas, e, geralmente, nos finais de semana, almoçávamos juntos em algum restaurante do bairro de Pinheiros ou na residência de um colega, quando conversávamos sobre nossos estudos, música, cultura em geral. Como o círculo de amizades era constituído por estudantes oriundos de diferentes partes do Brasil e do exterior, as turmas se encontravam nesses fins de semana, participando de reuniões tanto de trabalho como de lazer. Mas, principalmente, recordávamos nossa terra de origem, nossas famílias, amigos, e tudo o que nos trazia saudades. E aprofundávamos nossas amizades. A assiduidade dos encontros favoreceu que alguns namoros surgissem desse intercâmbio sociocultural. Foi através desses amigos que, numa comemoração de aniversário na casa de dois colombianos do nosso círculo de amizades, conheci Marco Antônio, também bolsista, recém-chegado da Colômbia. Ele não falava português, e essa fragilidade o tornava mais interessante, pois todos queríamos ajudá-lo. Ainda mais, eu, vinda de uma família nordestina, região onde prevalece o sentimento de hospitalidade que minha mãe sempre demonstrou em suas condutas. Mas ele não tinha aspecto frágil, ao contrário, frequentava ginásios esportivos, e não causava a menor sensação de haver algum distúrbio em seu temperamento, dava mesmo uma boa impressão a quem o conhecesse. Não senti por Marco o que costumamos chamar de amor à primeira vista. Fomos nos conhecendo paulatinamente, como amigos, e só depois consolidamos o nosso namoro. Quando isso aconteceu, Marco vinha ver-me todas as noites, depois da faculdade. Nos finais de semana, habilidoso para serviços de manutenção, sempre se dispunha a fazer reparos no apartamento que eu dividia com as colegas: ora consertava uma fechadura, ora um chuveiro elétrico ou um ferro de engomar... Sua maneira educada e suas habilidades angariavam a simpatia dos que nos rodeavam. Muitos me parabenizavam por namorar uma pessoa tão atenciosa, gentil e prendada. Certa vez, a mãe de uma colega chegou a lamentar que Marco não tivesse escolhido a sua filha como namorada. Esses fatos e observações reforçaram minha convicção de que, caso nosso casamento se consumasse, teríamos grandes chances de sermos felizes. Quando as pessoas se encontram envolvidas sentimentalmente, tornam-se mais generosas. Eu não fugi à regra e atendia prontamente todas as dificuldades financeiras de Marco, exatamente porque durante o período em que vivi na capital paulista minha situação econômica foi sempre melhor do que a dele. Na condição de namorada, me antecipava e cobria suas despesas extras, pois o que ele ganhava como bolsista não lhe permitia gastos com cinema, passeios ou jantares. A sua situação financeira piorou ainda mais quando, segundo ele, por razões burocráticas, sua bolsa de estudos não foi renovada em tempo hábil e, por isso mesmo, suspensa. A partir daí, assumi todos os seus gastos em razão de sua família, numerosa e de poucos recursos, não ter condições de ajudá-lo, conforme ele me afirmara. Eu não conhecia sua família, que vivia em Bogotá, capital da Colômbia. Ao passar dos dias, como as dúvidas em relação aos nossos sentimentos não existiam mais, decidimos nos unir. Apesar de ser colombiano, ele preferiu que nos casássemos no consulado da Bolívia, por procuração, através de um escritório de advocacia. Não poderia ser um casamento brasileiro devido ao meu estado civil de desquitada, pois não havia ainda o divórcio em nosso país, criado, através de Emenda Constitucional, em 28 de junho de 1977. Marco declarava ser solteiro. Não houve pompas no casamento, nem festas; o fato foi comunicado através de cartas para as nossas famílias, que desejaram muita harmonia e felicidade ao casal. Tampouco houve lua de mel, e fomos residir no apartamento onde eu já morava, no bairro Itaim Bibi, pois era relativamente perto ao meu local de trabalho e da universidade. A notícia de uma gravidez deixou-nos muito felizes. Apesar de toda a luta diária que é comum na vida de jovens bolsistas, distantes de suas famílias, conseguimos organizar uma nova realidade para que nossa criança pudesse encontrar uma vida calma e saudável, dedicando-lhe o mais precioso afeto. Após o nascimento da nossa primeira filha, finalmente Marco conseguiu encaminhar a documentação necessária para sua naturalização, já que, pelas leis brasileiras, para um estrangeiro ser naturalizado é necessário que constitua família no Brasil. Esse era um dos objetivos que Marco perseguia. Ao se naturalizar, dentre outras vantagens ele seria beneficiado pelas oportunidades de trabalho que o nosso país oferecia, bem como se desligaria dos laços de responsabilidade em relação a um filho seu, nascido na Colômbia, detalhe este que eu viria a saber alguns anos depois da nossa união. Meu marido demonstrava afeto por mim e também pela filha. Era uma vida sacrificada, com muitas ocupações, mas minha mãe conseguiu-nos uma babá, a simpática Jovandira, sobrinha de Dona Olímpia, uma querida funcionária do Instituto de Previdência do Estado do Ceará (IPEC), que era de grande ajuda. Após alguns meses, face à necessidade de levar nossa filha até a creche do hospital onde eu trabalhava, comprei, com recursos advindos de uma poupança minha, um Chevette, ano 1975. A principal finalidade era a de facilitar a vida em relação a nossa filha. Depois de deixar-nos no Hospital do Servidor, no bairro Vila Mariana, Marco ia para a Faculdade de Economia e Administração da USP, onde trabalhava em sua tese de mestrado. No fim da tarde, ele ia nos buscar e voltávamos para o apartamento, com nossa filha querida. A compra do carro contribuiu para que ele aceitasse ser professor no turno da noite, creio que numa faculdade de economia. Quando Marco concluiu o curso de mestrado em administração, tentou conseguir emprego, enviando o seu currículo para empresas paulistas e comparecendo a algumas entrevistas, mas foi em vão: além da sua condição de estrangeiro não naturalizado, a concorrência era grande. Depois de muitas conversas, decidimos morar em Fortaleza. O aumento das despesas, a constatação de uma segunda gravidez e as dificuldades que Marco enfrentava para conseguir sua estabilização econômica justificaram a nossa volta para minha cidade natal. Isso ocorreu tão logo defendi tese de mestrado pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas. Também eu sentia saudades da minha terra, do cheiro do mar, da família, de uma vida mais pacata e segura, ansiava por uma casa espaçosa e acolhedora para que as crianças pudessem crescer com qualidade de vida. Do lado financeiro, eu sabia que em Fortaleza o custo de vida era mais ameno. Além disso, eu possuía um terreno no bairro Papicu, onde poderíamos construir uma casa por meio de financiamento bancário. Chegando a Fortaleza, reassumi a minha função de farmacêuticabioquímica do Instituto de Previdência do Estado do Ceará, de onde estivera licenciada, e começamos a procurar um emprego para Marco. Por intermédio da minha amiga Janice, consegui uma carta de recomendação feita por um dirigente de empresa. Apresentada ao Centro de Apoio à Pequena e Média Empresa, CEAG, hoje Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, SEBRAE, a carta possibilitou ao Marco seu primeiro emprego no Brasil, como economista. Nossa situação melhorou, como prevíamos, mesmo porque, a título de cooperação, ficamos por mais de três anos sem despesas com o aluguel da casa em que residíamos, pois, meus pais nos ajudaram nesse sentido. Após assumir o novo emprego, os contatos profissionais de Marco foram se ampliando, e a sua vaidade pessoal, também. Pouco a pouco, ele se integrou ao meu seleto círculo de amizades, sempre muito solícito, sem revelar interesses pessoais. Foi, ainda, através do CEAG que Marco expandiu-se profissionalmente, atuando depois no Centro de Treinamento e Desenvolvimento da Universidade Federal do Ceará, CETREDE; assim como na Fundação José Augusto e na Universidade do Rio Grande do Norte, ambas localizadas em Natal. A partir do momento em que Marco foi naturalizado e se estabilizou profissional e economicamente, modificou totalmente o seu modo de ser. O companheiro, até então afável, transformou-se numa pessoa agressiva e intolerante, não só em relação a mim, mas também às próprias filhas. Os meus pareceres já não eram solicitados, a troca de informações não mais fazia parte do nosso convívio. Ele não me permitia opinar, como mãe, o que melhor convinha para minhas filhas. Lembro-me que, certa ocasião, Marco plantou no jardim da nossa casa uma espécie de cacto. Minha filha mais velha, ao brincar, caiu sobre essa planta espinhosa e sentiu-se incomodada ante a penetração, no seu corpo, de inúmeros pelos transparentes, irritantes, provocando-lhe urticária. Quando mencionei a Marco a necessidade de ele mesmo retirar do jardim o cacto que plantara, ante o perigo que representava para suas filhas, ele respondeu: “Não! Evite que as crianças se aproximem do local!” “Mas, como” retruquei, “se é este o espaço onde elas costumeiramente brincam?” No dia em que, novamente, umas das minhas filhas foi vítima da planta, irritado pelo fato de eu estar insistindo para que a retirasse do jardim, Marco tomou o prato com o qual eu dava refeição a minha segunda filha e o jogou contra a parede, como ele costumava fazer nos momentos em que se sentia contrariado. Ante mais essa tentativa infrutífera de retirar aquela planta perigosa, através do diálogo, não me restou alternativa senão a de destruí-la de um modo que me ocorreu, regando-a com água fervente. Desse modo foi me possível preservar as crianças de novos acidentes e restituir-lhes a segurança dentro do espaço de suas brincadeiras. Eram muitos os caprichos de Marco. Ceder a eles se constituía, para mim, num misto de medo e esperança: medo da sua agressividade, esperança de que a minha aquiescência lhe tocasse o coração e ele reconsiderasse o seu proceder em relação a mim e às filhas. A mistura desses sentimentos confundia-me e, ao mesmo tempo, causava-me revolta, quando eu verificava que os esporádicos comportamentos aceitáveis de Marco só aconteciam para atender às suas conveniências, aos seus interesses. O meu pensamento me conduzia aos tempos universitários: onde estava o homem gentil e atencioso a quem eu entregara o mais puro dos meus sentimentos? Onde estava o companheiro que eu julgara ter encontrado para partilhar um relacionamento harmônico, maduro e duradouro? A mudança brusca no comportamento de Marco me levava a suspeitar que todas aquelas qualidades e sentimentos iniciais haviam sido forjados para atingir objetivos outros. Aos poucos, fui percebendo que a naturalização de Marco e as possibilidades de se projetar social e profissionalmente o tinham conduzido a uma união de conveniência. Essa minha observação era tão procedente que explicava o fato de que, a partir do momento em que os seus objetivos foram alcançados, Marco não se importava mais de mostrar sua face mesquinha e violenta. No íntimo, eu desejava ardentemente que tudo voltasse a ser como antes, quando reinava a paz em nossa convivência. Eu sofria tanto, sentia-me tão perdida, que apelei para psicólogos e para a religiosidade, participando, inclusive, do Movimento Familiar Cristão, entidade que trabalha com a participação de laicos na Igreja, em busca de uma fraternidade entre todos os membros da grande família humana. Mas tudo foi em vão.” (FERNANDES, 2012).
A Lei Maria da Penha trata da violência praticada contra a mulher no contexto do convívio familiar ou das relações afetivas.
Sobre as relações íntimas de afeto, a Professora Maria Berenice Dias, ensina que a lei empresta proteção íntima de afeto (LMP, art. 5º, III), na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Diante desta nova realidade não há como restringir o alcance da previsão legal. Não importa o período do relacionamento e nem o tempo decorrente desde o seu rompimento. Basta a comprovação de que a ação agressiva decorreu da relação de afeto. (DIAS, 2021)
Ainda sobre as relações íntimas de afeto, o Professor Rogério Sanches Cunha leciona no mesmo sentido ao afirmar que a lei é clara ao assegurar a proteção da vítima em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação, isto é, dispensando os envolvidos viverem sob o mesmo teto. A coabitação, aliás, é dispensável em todas as situações anunciadas pelo art. 5º. da Lei. Nesse sentido, como já alertado anteriormente, o teor da Súmula n. 600 do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: “Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima”. (SANCHES, 2023)
Para o reconhecimento da violência doméstica, preocupou-se a Lei Maria da Penha em identificar seu âmbito de incidência. Assim, define unidade doméstica (LMP, art. 5º, I) espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. A expressão “unidade doméstica” deve ser entendida como conduta praticada em razão dessa unidade da qual a vítima faz parte. Segundo Alice Bianchini, unidade doméstica abarca também as pessoas mulheres tuteladas, curateladas, sobrinhas, enteadas e irmãs unilaterais. (DIAS,2021)
Para o Professor Rogério Sanches, a agressão no âmbito da unidade doméstica compreende aquela praticada no espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa aliança (insere-se, na hipótese, a agressão do patrão em face da funcionária doméstica). A violência no âmbito da família engloba aquela praticada entre pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, podendo ser conjugal, em razão de parentesco (em linha reta e por afinidade), ou por vontade expressa (adoção). A propósito, o Enunciado 2, do Fonavid (Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher), prevê in verbis: “Inexistindo coabitação ou vínculo de afeto entre agressor(a) e ofendida, deve ser observado o limite de parentesco estabelecido pelos artigos 1.591 a 1.595 do Código Civil, quando a invocação da proteção conferida pela Lei 11.340/2006 decorrer exclusivamente das relações de parentesco”. De acordo com a Súmula 600 do STJ, “Para configuração da violência doméstica e familiar prevista no artigo 5º da lei 11.340/2006, lei Maria da Penha, não se exige a coabitação entre autor e vítima” (SANCHES, 2023)
Neste sentido, segue entendimento jurisprudencial:
“1. De acordo com o entendimento desta Corte Superior, a agressão perpetrada pelo irmão contra a irmã incide na hipótese de violência praticada no âmbito familiar, tipificado no art. 5º, II, da Lei nº 11.340/06. Precedentes. 2. “Ademais a análise da demanda, na intenção de averiguar se a violência se deu em razão de gênero e em contexto de vulnerabilidade, demandaria o reexame fático-probatório, providência obstada pela Súmula n. 7 deste Superior Tribunal” (AgRg no REsp 1574112/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 7/11/2016). (...)5. Agravo regimental a que se nega provimento. ((STJ - AgRg no AREsp: 1437852 MG 2019/0029089-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Julgamento: 18/02/2020, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/02/2020).
De acordo com a Professora Maria Berenice Dias, figuram como atores da violência nas relações de parentesco, é possível reconhecer assim a agressão do cunhado contra cunhada, entre irmãs ou entre ascendentes e descendentes tem admitido a imposição de medidas protetivas. No que tange ao sujeito passivo – ou seja, a vítima da violência – há a exigência de uma qualidade especial: Ser Mulher. Mas não basta esta condição. O STJ tem exigido que reste comprovado que a motivação do agressor seja de gênero, ou que a vulnerabilidade da ofendida seja decorrente da sua condição de mulher. A incidência da Lei Maria da Penha não se cinge a agressões masculinas contra esposas ou companheiras. Estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica e podem integrar o polo passivo da ação delituosa esposas, companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas do agressor, e, também a sogra, a avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar com o agressor. A agressão do pai contra a própria filha está ao abrigo da Lei Maria da Penha. (DIAS, 2021)
O ciclo de violência contra a mulher baseia-se em três momentos distintos: Aumento de tensão: quando há o aumento de tensão, ou seja, tensões acumuladas no dia a dia, as injúrias e as ameaças feitas pelo agressor, criando uma sensação de perigo; Momento de explosão, quando o agressor maltrata a vítima física e psicologicamente, e por fim a fase da lua de mel, momento em que o agressor enche a vítima de carinho e atenções, pede desculpas pelas agressões, prometendo mudar e muitas mulheres acabam aceitando e acreditando.
Entre as formas de violência descritas na Lei Maria da Penha, estão a violência física, patrimonial, sexual, psicológica e moral.
O artigo 7º da referida lei preceitua violência física, aquela entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.
Quando inexistem elementos probatórios para a concessão de medida protetiva, basta a palavra da vítima. Dispõe de presunção de veracidade. Ocorre a inversão do ônus probatório. Cabe ao réu comprovar que não agrediu a vítima. Apesar de se tratar de prova negativa, difícil de ser produzida, empresta-se mais credibilidade à palavra de quem procedeu ao registro da ocorrência. Não é necessária a presença de hematomas, arranhões, queimaduras ou fraturas. Mas quando a violência física deixa sinais ou sintomas, sua identificação é facilitada. Para concessão de medida protetiva, não é necessária a existência de corpo de delito. Na esfera penal, este é elemento indispensável para a comprovação da materialidade do crime de lesões corporais. (DIAS, 2021)
A violência psicológica está preceituada no art.7º, II da referida lei e é entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Já o inciso III, do mesmo artigo, trata da violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
Por sua vez, a violência Patrimonial contida no art. 7º, IV é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. E por fim, a violência moral que se trata de uma agressão a autoestima da mulher, concomitante a violência psicológica ensejadora de dano moral, consiste em qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Ao concluir, necessário se faz esclarecer que a Lei Maria da Penha não é uma simples lei, é um precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial. Verdadeiro microssistema que visa coibir a violência doméstica trazendo importantes mudanças. Apesar de não ser uma lei penal, nítido o seu colorido penalizador, ao tratar com mais rigor as infrações cometidas contra a mulher, no âmbito familiar, doméstico e em relações íntimas de afeto. Enquanto no processo penal comum vige o princípio in dubio pro reo, no caso de violência doméstica, vigora o in dubio pro mulher. Pela primeira vez é emprestada credibilidade à palavra da mulher. (DIAS, 2021)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estamos vivendo uma crise humana. Os tempos líquidos, os relacionamentos líquidos como bem ensinam Bauman, trazem essas nefastas consequências ao ser humano, em especial, ao sexo feminino. Aliás, perpetua e se acentua nos dias atuais, pois não há mais valorização e apreço pelo ser humano. Os relacionamentos rápidos e vazios muitas vezes terminam nesses tristes cenários de violência contra a mulher, entretanto, não se limita a estes, existem mulheres que sofrem violência doméstica durante anos dentro do próprio casamento ou no seio familiar, de forma velada, sem o conhecimento de ninguém. A crise de identidade que paira nesta atualidade, as mais variadas formas de famílias que estão disfuncionais, que não se dedicam a exercerem seus papéis de pais, mães e filhos, buscando um amadurecimento como ser humano e cidadãos, resultam nas tristes e infindáveis estatísticas, porque sabe-se que a família é o berço da sociedade e se a família está disfuncional, por consequência, toda sociedade será disfuncional. Além disso, sabe-se que a mulher é diariamente agredida em suas mais variadas formas dentro do “lar”, lugar que deveria proporcionar segurança e acolhimento, bem como, nas suas relações de “afetos”. E que muitas vezes, permanecem inseridas no ciclo da violência por dependência emocional e/ou financeira, principalmente quando se há filhos envolvidos dos respectivos relacionamentos.
Logo, percebe- se que apesar dos avanços na defesa e proteção da mulher, ainda há pouca eficácia das leis e das políticas de enfrentamento à violência contra mulher. Sendo assim, a defesa contra a mulher deve ser mais fortemente combatida pelo Estado e por toda a sociedade. Precisa-se de uma mobilização de vários atores da sociedade para romper com ciclos que se repetem há anos. Mulheres que ajudam mulheres, homens que defendem mulheres. Faz-se necessário uma educação na formação da cultura da criança desde a tenra infância, ensinando meninos a respeitarem meninas e a tratá-las bem, bem como pais que ensinem as meninas, ainda crianças a se posicionarem sobre os seus valores a fim de se auto prevenirem de situações de abuso, perpassando pela educação sexual infantil adequada para sua idade física e psicológica, considerando serem pessoas em formação, além do ensino da inteligência emocional com fito de na vida adulta evitarem relacionamentos que contenham dependência emocional, ou relacionamentos com parceiros violentos, ajuda essa, que pode ser obtida de forma multidisciplinar através da psicologia, de profissionais da saúde, da educação doméstica, além da constante discussão sobre o tema nas escolas e universidades. E por fim, buscando uma forma efetiva de prevenção e punição para os agressores, tem-se atualmente delegacias de polícias especializadas para atendimento da mulher (DEAMS) em situação de vulnerabilidade, ameaça ou agressão, além do Ministério Público e do Poder Judiciário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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JAYNES, Sharon – Jesus e as Mulheres: o que ele pensa de nós/ Sharon Jaynes; tradução Maria Emília de Oliveira – 1. Ed. – São Paulo: Mundo Cristão, 2016.
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SANCHES, Rogério Cunha; BATISTA Ronaldo Pinto. Violência Doméstica Lei Maria da Penha – 11.340/2006 Comentada artigo por artigo. 13ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Juspodvim, 2023.
SANCHES, Rogério Cunha. Manual de Direito Penal – Volume único. 12ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Juspodvim, 2020.
Advogada. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela UFPE. Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva. Pós graduada em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS. Membra da subcomissão de estudos sobre o Tribunal do Júri na OAB/PE. Membra da Comissão de Direito de Família da OABPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, ANA GABRIELA DE AGUIAR. Diversas formas de violência contra a mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 abr 2023, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61331/diversas-formas-de-violncia-contra-a-mulher. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
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Por: Helena Vaz de Figueiredo
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