RESUMO: O presente artigo se propõe a abordar alguns dos relevantes princípios da execução penal, bem como a demonstrar sua correlação ao sistema progressivo de pena.
Palavras-chave: Direito. Execução Penal. Principios. Sociedade.
Abstract: This article proposes to address some principles relevant to the penal execution, as well as demonstrate its correlation to progressive penalty system.
Keywords: Law. Penal execution. Principles. Society.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípios da Execução. 2.1. Princípio da Legalidade. 2.2. Princípio da humanidade. 2.3. Princípio da não discriminação. 2.4. Princípio da individualização da pena. 2.5. Princípio da intervenção mínima. 2.6. Princípio da culpabilidade. 2.7. Princípio da lesividade. 2.8. Princípio da transcendência mínima. 2.9. Princípio “Numerus Clausus”. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
No âmbito atual brasileiro, a Lei nº 7.210/84, nominada de Lei de Execuções Penais, lida com importantes desafios, dentre os quais se destaca a falibilidade do sistema progressivo de cumprimento da pena contido no art. 33, §2º, do Código Penal, cuja temática possui intrínseca relação aos princípios da execução penal.
Tal sistema se presta a estabelecer, de modo gradativo, o cumprimento da pena e a reinserção social do apenado, sendo o regime mais gravoso cumprido em unidades prisionais, passando pelo regime intermediário em colônias agrícolas ou industriais e, por fim, o regime mais brando em casas do albergado.
No tocante ao regime fechado, infere-se que, de acordo com os últimos relatórios do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), a população carcerária no Brasil, em 2014, superava o número de 600.000 (seiscentos mil) presos e em 2016, atingiu o patamar de 726.000 (setecentos e vinte e seis mil) pessoas, com uma taxa de superlotação de mais 197% (cento e noventa e sete por cento)[1].
Não obstante o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, do “Estado de Coisas Inconstitucional” no sistema carcerário brasileiro, o que se vê, em verdade, são unidades prisionais compostas por amontoados humanos sem qualquer classificação, reunindo no mesmo estabelecimento, ao contrário do que dispõe a Lei de Execuções Penais, condenados em cumprimento de pena, presos provisórios primários ou reincidentes, bem como presos integrantes de organizações criminosas.
Quanto à temática, não se pode negar que, consoante a jurista Grinover, “é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais”[2].
Não obstante tal inteligência, o descompasso entre o teor da Lei de Execuções Penais e a realidade é evidente. Assim, incumbe à atividade jurisdicional a observância dos princípios da execução penal e a promoção de ações, tanto jurisdicionais como de interlocução com o Poder Executivo, tais como a assídua correição de unidades prisionais, a tutela para atenção a direitos e deveres dos reclusos, e a fiscalização dos órgãos da Execução Penal.
2. Princípios da Execução Penal
A observância dos princípios da execução penal, contidos em diferentes diplomas, como a Constituição Federal, Código de Processo Penal, Código Penal, Lei de Execução Penal e em Tratados Internacionais, é indispensável à efetiva tutela dos direitos fundamentais das pessoas que se encontram em cumprimento de pena.
Como bem salientado pelo Defensor Público Rodrigo Roig, tais princípios “são meios de limitação racional do poder executório estatal sobre as pessoas”[3]. Consoante tal entendimento, deve-se atentar que nenhum dos princípios a serem abordados podem ensejar restrição à determinado direito ou importar elevação ao rigor punitivo aos apenados, bem como que toda e qualquer interpretação deve ser pro homine, ou seja, sempre deve ser utilizado para a amplificar o usufruto de determinado direito, garantia ou liberdade pelo indivíduo.
Assim, de modo pormenorizado, trataremos de alguns princípios incidentes na execução penal, sem perder de vista a existência de outros, também relevantes, como os princípios da publicidade, duplo grau de jurisdição, contraditório, ampla defesa e non bis in idem.
2.1. Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade, também chamado de princípio da normatividade, possui base constitucional, como descrito no artigo 5º, XXXIV e XL, da CF/88, e convencional, consoante os artigos 9º da Convenção Americana de Direitos Humanos e 9.1 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.
Ao se ter em perspectiva a execução penal, este princípio se encontra materializado no art. 45 da LEP, segundo o qual “não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”, assumindo a feição de verdadeiro instrumento de contenção da discricionariedade da Administração Penitenciária e do arbítrio judicial, quando utilizados de maneira lesiva aos direitos fundamentais das pessoas privadas da liberdade. A aplicação do princípio da legalidade supõe não apenas que as faltas e as sanções estejam legalmente previstas, mas também que sejam estritamente interpretadas.
Assim, dada a ausência de preceito legal para detida falta ou sanção disciplinar, inviável o emprego da analogia em desfavor do apenado. Nesse viés, cite-se como exemplo a incidência de falta grave àquele que possui, utiliza ou fornece chip, baterias e carregadores de telefones celulares, vez que o artigo 50, VII, da Lei de Execução Penal tão somente elenca que tal circunstância ocorrerá ao que “tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”.
Posto isto, denota-se que o tal princípio visa obstar a discricionariedade na execução penal, inibindo a criação de regras abstratas, bem como refutando influências inquisitoriais ao cárcere atual.
2.2. Princípio da Humanidade
Segundo o artigo 5º, inciso XLVII, da CF/88, não haverá penas de morte, salvo em caso de guerra declarada, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e cruéis.
Ademais, além de esteio constitucional, o princípio da humanidade tem previsão em documentos internacionais de direitos humanos, como no artigo 5º, 2, da Convenção Americana de Direitos Humanos e no artigo 10.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Na seara de execução penal, tal princípio consiste em importante instrumento e contenção da irracionalidade do poder punitivo, se materializando na proibição de tortura e tratamento cruel e degradante (art. 5º, III, da CF), na própria individualização da pena (art. 5º, XLVI), e na proibição das penas de morte, cruéis ou perpétuas (art. 5º, XLVII).
Ao se falar no princípio da humanidade, deve-se atentar que dele deriva outro importante princípio, qual seja, o da secularização.
Este conceito é empregado para definir o processo de ruptura da cultura eclesiástica com as doutrinas filosóficas e as instituições jurídico-políticas, que ocorreu gradualmente a partir do século XV, objetivando expurgar da esfera civil o domínio da religião, sobretudo a colonização de ideias realizada pela Igreja Católica.
A secularização exerce a função de instrumento teórico para combater a ortopedia social, o panoptismo e o exame, presentes em uma sociedade disciplinar como a nossa, cotidianamente, pretende ser, que tem como um dos objetivos declarados da pena a ressocialização do indivíduo, em congruência à função preventiva especial positiva.
No nosso sistema penal, verificam-se diversas violações ao princípio da humanidade. Como exemplo, tem-se o uso de uniforme com cores chamativas, em clara transgressão ao mencionado princípio, visto que afeta a própria intimidade e dignidade das pessoas condenadas, à revelia da inviolabilidade constitucional da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X, CF/88).
Cite-se também as obrigações disciplinares de baixar a cabeça e manter silêncio absoluto, em nítida relação à docilização dos corpos e à extirpação da individualidade do preso, tal qual incidente na imposição de cortar os cabelos e remover barbas e bigodes aos presos do sexo masculino. Costumeiramente justificada pela mantença da higiene, ordem ou disciplina nos estabelecimentos penais, argumentos esses falaciosos e frágeis, a conduta “arranca” do apenado componentes físicos da própria personalidade humana, fazendo com que se submeta a uma transformação arbitrária.
Nessa senda, cabe salientar que o direito de escolher a sua própria aparência constitui expressão do direito ao livre e pleno desenvolvimento da personalidade, abarcado pelo artigo 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e artigo 29 da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Ocultados sob o manto higienista e securitário, o corte ou a modificação cogentes, em verdade, se revelam como mecanismos de institucionalização, estigmatização e desrespeito à intimidade, vida privada, honra e imagem dos indivíduos. A mudança, abrupta e involuntária, da imagem das pessoas presas viola a própria integridade física, psíquica e moral.
Outro situação rotineira no sistema prisional que enseja desrespeito ao princípio da humanidade se refere às péssimas condições de transporte dos presos sendo colocados em veículos com compartimento de proporções reduzidas, sem ventilação, ausência de luminosidade, inadequado condicionamento térmico e exposição pública. Em diversos casos, o longo período de permanência nos veículos é fator de intenso sofrimento físico e moral, sendo tais veículos de transporte utilizados como verdadeiras instalações de custódia.
De igual modo, se tornou rotineiro o transporte de presos com o uso de meios de coerção, sendo os indivíduos algemados com as mãos trás, dificultando a possibilidade de se equilibrarem, fator que, inevitavelmente, lhes causam colisões.
Nesse viés, há de se aplicar uma visão redutora de danos, com vistas a incidir o princípio da humanidade como mecanismo de alteridade, sob a ótica de que cada pessoa presa é sujeito de direitos, e não mero objeto de tutela estatal.
2.3. Princípio da não discriminação
Vê-se que, a despeito da disseminação de conhecimento à população e ao Poder Judiciário como um todo, ainda há um pensamento impregnado de que aquele que cometeu determinado delito deve receber um tratamento inferior aos que nunca cometeram práticas delitivas. Ainda que se entenda que o recluso tem o direito de usufruir de todos os direitos que a pena não lhe restrinja, se perpetua um discurso punitivista e retributivo de que o apenado deve “sofrer” consideravelmente, fazendo uso de menos garantias e direitos daqueles que vivem em liberdade.
Também conhecido como princípio “less eligibility”, tal compreensão, para além de possuir viés retributivo, se pauta em uma feição preventiva, vez que, aqueles que a ela se filiam defendem que as próprias mazelas sofridas no cárceres são hábeis à dissuadir a coletividade a praticar delitos e à reforçar a vigência da norma.
Ocorre que o fundamento ora exposto, pautado em que as condições de vida na prisão devem ser piores que a dos trabalhadores livres, não se coaduna aos altos índices de reincidência existentes. Conforme Relatório realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional, a média de reincidência no primeiro ano é em torno de 21% (vinte e um por cento), progredindo até uma taxa de 38% (trinta e oito por cento) após 5 anos[4].
Quanto ao tema, impende consignar que o princípio da não discriminação é salutar à redução da criminalização terciária, decorrente da estigmatização do condenado e da concepção supracitada de “less elegibility”. Nessa esteira, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT) editaram a Resolução Conjunta n. 01/2014, estabelecendo importantes parâmetros de acolhimento de LGBTQIA+ em privação de liberdade no Brasil. No rol trazido pela normativa, destacam-se o chamamento pelo nome social de acordo com o gênero, bem como o oferecimento de espaços de vivência específicos às travestis e aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas, cuja transferência deve ser precedida de expressa manifestação de vontade da pessoa presa. Há, ainda, a observância ao direito à imagem, que envolve a preservação do cabelo, uso de roupas inclusive íntimas, segundo o gênero, à revista não humilhante e ao direito à visita íntima.
Portanto, o princípio da não discriminação da pessoa presa surge como importante mecanismo a rechaçar o imaginário popular e a exegese de que os apenados são “cidadãos de segunda categoria”, em alusão ao direito penal do autor.
2.4. Princípio da individualização da pena
O princípio da individualização da pena tem previsão no artigo. 5º, incisos XLVI e seguintes, da CF/88, e no âmbito da execução penal, está positivado no artigo 5º da Lei de Execução Penal.
A doutrina majoritária trabalha a individualização da pena em três momentos: (i) Legislativo; (ii) Judiciário na aplicação da pena em concreto e (iii) Judiciário no momento da execução da pena[5].
Trazendo a abordagem deste princípio à execução penal, exprime-se que a individualização da pena veda a análise do delito com fulcro em aspectos abstratos ou relativos às próprias elementares do tipo. Exemplifica-se, ainda, a incidência deste na apreciação do caso concreto, pelas vias administrativa e judicial, sem o recurso a considerações genéricas ou de índole preventiva, especialmente em matéria disciplinar, visto que qualquer mecanismo que importe em recrudescimento do sofrimento carcerário já naturalmente experimentado não pode se dar em função da necessidade de promover exemplo aos demais, mas em virtude da atuação concreta e específica do indivíduo.
2.5. Princípio da intervenção mínima
O princípio da intervenção mínima, também nominado de princípio da menor onerosidade, preceitua, segundo o professor Rodrigo Roig que “na essência, o princípio da intervenção mínima estabelece que a punição criminal, em virtude de seus efeitos nefastos e estigmatizantes, deve ser reservada apenas aos casos de extrema necessidade, quando a defesa de certo interesse ou valor não pode ser viabilizada por instrumentos não penais (sanção civil, administrativa etc.)”[6].
A própria nomenclatura “mínima” denota que a intervenção seja na menor medida possível, destinando-se às situações de extrema necessidade.
No ponto, importante rememorar que este princípio está intrinsicamente ligado a 2 (duas) características do direito penal: a fragmentariedade e a subsidiariedade.
A primeira exprime que não será todo e qualquer bem jurídico objeto de tutela por meio do Direito Penal, mas tão somente aqueles tidos como essenciais e mais caros a uma sociedade. A subsidiariedade, por sua vez, enuncia que cabe ao Direito Penal atuar, tão somente, quando os demais ramos do Direito não puderem tutelar determinados bens jurídicos tidos como fundamentais.
2.6. Princípio da Culpabilidade
O referido princípio está expresso no brocardo nulla poena sine culpa. Sua exegese refuta qualquer responsabilidade penal objetiva, qual seja, a responsabilização sem a presença de dolo ou, ao menos, de culpa.
Não se pode olvidar que a responsabilização penal exige um comportamento típico, ilícito e culpável, e o princípio da culpabilidade visa justamente obstar a responsabilização pela simples ocorrência do resultado.
O doutrinador Erick Maia, em sua obra sobre Execução Penal, ensina que “esses conceitos, trabalhados na dogmática penal, também podem (e devem) ser aplicados no âmbito da execução penal. O autor lembra que o professor Roig defende, por exemplo, que, se o preso não for informado sobre o rol das faltas disciplinares ao entrar no sistema carcerário, seja possível sustentar o afastamento da punição por ausência de potencial consciência da ilicitude. O princípio da culpabilidade é fundamental para rechaçar qualquer responsabilidade penal objetiva.”[7]
Na seara da execução penal, irradiando ao reconhecimento da prática de falta grave, vê-se que a Lei de Execução Penal aderiu, de modo expresso, tal princípio no artigo 45, §3º, ao tratar da vedação de sanções coletivas. Dele decorre, a título de exemplo, a punição de todos os presos de uma determinada cela quando for apreendido no local algum objeto ilício. Se não se pode identificar o responsável pelo objeto, se torna ilegal a punição de todos, indistintamente, porquanto salutar a individualização da conduta.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já manifestou que é “ilegal a aplicação de sanção de caráter coletivo, no âmbito da execução penal, diante de depredação de bem público quando, havendo vários detentos num ambiente, não for possível precisar de quem seria a responsabilidade pelo ilícito. O princípio da culpabilidade irradia-se pela execução penal, quando do reconhecimento da prática de falta grave, que, à evidência, culmina por impactar o status libertatis do condenado” STJ. 6ª Turma. HC 177293-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 24/4/2012 (Info 496).
2.7. Princípio da Lesividade
Também conhecido como princípio da ofensividade, este princípio, segundo o professor Nilo Batista, possui 4 (quatro) funções: proibir a incriminação de uma atitude interna (direito à perversão), proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor, proibir a incriminação de simples estados ou condições existenciais, e proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico.[8]
De forma prática, o princípio da lesividade afasta a constitucionalidade dos tipos penais de perigo abstrato, consistentes naqueles em que não há ameaça concreta a determinado direito ou valor, sendo presumido o perigo, e os tipos criminológicos de autor, que são aqueles que preveem como puníveis determinados estados ou condições pessoais do acusado.
Enuncia-se, ainda, como exemplo a colocação do apenado no regime disciplinar diferenciado pela mera incidência do artigo 52, I, da Lei de Execução Penal, alusivo à aplicação aos apenados que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. Além do elevado grau de subjetivismo, tal preceito legal configura clara ofensa ao princípio da lesividade, vez que legitima a punição de indivíduos pela conjectura do que sejam, não pelo que concretamente fazem.
2.8. Princípio da transcendência mínima
Ao nominar este princípio, alguns doutrinadores utilizam o termo “intranscendência”. Todavia, adotando-se uma visão realista dos efeitos do sistema penal, notoriamente da execução penal, se observa que sempre haverá efeitos prejudiciais a outras pessoas, que não o próprio apenado.
Nessa seara, indagação de extrema relevância consiste na prática de revista íntima de visitantes e familiares em presídios. Questiona-se até que ponto a ingerência estatal pode afetar terceiros, distintos àqueles que praticaram a prática criminosa. É certo que tal procedimento constitui conduta atentatória à dignidade da pessoa humana, porquanto ofende o direito à intimidade, à inviolabilidade corporal e à convivência familiar entre visitante e preso. Para mais, afronta tratados internacionais de Direitos Humanos firmados pelo Brasil.
Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, “caso haja fundadas suspeitas de que o visitante do presídio esteja portando material ilícito, é possível a realização de revista íntima, para fins de segurança, a qual, por si só, não ofende a dignidade da pessoa humana, notadamente quando realizada dentro dos parâmetros legais e constitucionais, sem nenhum procedimento invasivo” STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1959230/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 09/11/2021.
Conquanto o STJ tenha aventado a incidência de revistas íntimas em determinados casos, defende-se a impossibilidade de sua realização, por Inobservar a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), postulado basilar ensejador dos direitos fundamentais, por remeter a proibição constitucional de se submeter qualquer pessoa a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III), e, especialmente, por atingir terceiros carentes de culpabilidade, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico (art. 5º, XLV, da CF/88).
2.9. Princípio “Numerus Clausus”
Princípio de extrema relevância na execução penal, nos remete ao abordado na parte introdutória deste artigo e à dificuldade em se aplicar, de forma incisiva, o sistema progressivo de cumprimento de pena em nosso país.
Sua observância é essencial para a efetivação de todos os princípios abordados anteriormente e consiste na exegese de que a cada nova entrada de uma pessoa no âmbito do sistema carcerário deve necessariamente corresponder ao menos a uma saída, de forma que a proporção presos-vagas se mantenha sempre em estabilidade ou tendencialmente em redução.
Está relacionado a democracia e republicanismo, sob o viés da promoção do bem de todos (art. 3º, IV, CF/88), assim como a dignidade da pessoa humana (1º, III, CF/88), a vedação de tratamento cruel, degradante, desumano e da tortura (5º, III, CF/88), a tutela da integridade física e moral das pessoas presas (5º, XLIX, CF/88) e as condições mínimas exigidas em matéria de saúde e higiene (6º e 196, CF/88).
Pode se subdividir em 3 (três) espécies distintas, cada qual sob uma ótica da execução penal.
Sob o viés do numerus clausus preventivo, exprime-se que há vedação da entrada de novos presos no sistema penitenciário em caso de falta de vaga. Dessa forma, o condenado fica em prisão domiciliar “aguardando” que surja uma vaga para ele cumprir a pena em local adequado.
Já no tocante ao numerus clausus direto, o intuito de se aliviar a superlotação carcerária é mais evidente, porquanto os presos com pena próxima ao seu cumprimento devem receber indulto ou terminar de cumprir a reprimenda em prisão domiciliar.
Por fim, concernente a perspectiva do numerus clausus progressivo, há a clara tentativa de se equilibrar a lotação carcerária, eis que para cada entrada no sistema penitenciário haverá, como um efeito em cascata, uma saída. Logo, quando alguém entra no sistema em regime fechado, um preso que já estava nesse regime migrará ao semiaberto. Por sua vez, um preso do regime semiaberto progride para o aberto e, por fim, um preso do regime aberto recebe liberdade condicional.
Cabe salientar, ainda, que no Habeas Corpus nº 143.988, a Segunda Turma do STF confirmou a decisão monocrática do Ministro Fachin, aplicando, pela primeira vez, o princípio numerus clausus na execução das mediadas socioeducativas, não se admitindo taxa de ocupação em estabelecimentos de internação superior a 100% (cem por cento).
3. Conclusão
Por meio do presente artigo, infere-se que ainda existe um distanciamento entre os princípios incidentes à execução penal e a realidade do sistema penal, especialmente no âmbito carcerário.
A decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 347 não se pautou em um caso isolado. O “Estado de Coisas Inconstitucional” se embasou na multiplicação sistemática de violações de direitos humanos.
O que se viu, vê e se perpetua é a existência de um quadro de violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura, de modo que apenas transformações estruturais da atuação do Poder Público e a atuação de uma pluralidade de autoridades podem alterar a situação inconstitucional.
A vulneração massiva e generalizada de direitos fundamentais dos apenados nos levou a realidade que vivenciamos, e apenas com a observância efetiva dos princípios da execução penal poderemos mudar o cenário alarmante dos presídios brasileiros, alterando-se a cultura punitivista pelo caráter humanitário do processo penal e da jurisdição como um todo.
4. Referências Bibliográficas
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[1] BRASIL. Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Disponível em: http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas nobrasil/relatorio_2016_junho.pdf. Acesso em: 05. Mar. 2023.
[2] GRINOVER, Ada Pellegrini. Natureza Jurídica da Execução Penal, in GRINOVER, Ada Pellegrini (coord). Execução Penal: mesas de processo penal, doutrina, jurisprudência e súmulas. São Paulo: Max Limonad, 1987.
[3] Roig, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. 4ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
[4] Relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/assuntos/noticias/depen-divulga-relatorio-previo-de-estudo-inedito-sobre-reincidencia-criminal-no-brasil#:~:text=Conforme%20o%20gr%C3%A1fico%2C%20a%20m%C3%A9dia,significativo%20ao%20longo%20do%20tempo. Acesso em 21 mar. 2023
[5] Execução penal e criminologia. Erick de Figueiredo Maia; coordenado por Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
[6] Roig, Rodrigo Duque Estrada Execução penal: teoria e prática / Rodrigo Duque Estrada Roig. - 5. ed. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
[7] Execução penal e criminologia. Erick de Figueiredo Maia; coordenado por Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.
[8] Roig, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. 4ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso. Pós-Graduada em Direito Processual Penal pelo Instituto Luiz Flávio Gomes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Lorena Silva. Diálogo sobre os princípios da execução penal: aspectos teóricos e práticos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2023, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61335/dilogo-sobre-os-princpios-da-execuo-penal-aspectos-tericos-e-prticos. Acesso em: 23 dez 2024.
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