JOSÉ AUGUSTO BEZERRA LOPES[1].
(orientador)
RESUMO: Um dos grandes problemas encontrados no sistema de Segurança Pública do Brasil diz respeito a institucionalização do crime organizado. Caracterizado como a formação de indivíduos que objetivam cometer crimes, o crime organizado tem sido pauta dos principais debates sociais e jurídicos. Grande parte dos estudiosos afirmam que a sua origem e formação se deve pela atual situação carcerária do país, principalmente pela superlotação. Desse modo, esta pesquisa teve a finalidade de discutir de que maneira os presídios superlotados contribuem para a formação do crime organizado no Brasil. Na metodologia, os materiais utilizados na sua elaboração foram unicamente bibliográficos e teóricos retirados de livros, periódicos e decisões jurisprudenciais dos tribunais brasileiros. Nos resultados, os estudos demonstraram que de fato o crime organizado possui raízes dentro dos presídios brasileiros. A principal causa para esse problema são o não cumprimento da ressocialização e o fortalecimento ao crime. Devido ao sistema carcerário problemático e caótico, dificilmente pensa-se em medidas ressocializadoras. E por essa e outras razões que existem dentro dos presídios um aumento na criação de grupos cuja finalidade ainda é de cometer crimes.
Palavras-chave: Sistema prisional. Crime organizado. Institucionalização. Estado.
PRISON OVERCROWDING AS A RESULT OF STRENGTHENING ORGANIZED CRIME
ABSTRACT: One of the major problems encountered in Brazil's public security system concerns the institutionalization of organized crime. Characterized as the formation of individuals who aim to commit crimes, organized crime has been the agenda of the main social and legal debates. Most scholars say that their origin and training are due to the current prison situation of the country, mainly by overcrowding. Thus, this research was intended to discuss how overcrowded prisons contribute to the formation of organized crime in Brazil. In the methodology, the materials used in their elaboration were only bibliographic and theoretical taken from books, periodicals and jurisprudential decisions of the Brazilian courts. In the results, the studies have shown that in fact organized crime has roots within Brazilian prisons. The main cause for this problem is non -compliance with resocialization and strengthening crime. Due to the problematic and chaotic prison system, it is hardly thought of resocializing measures. And for this and other reasons that exist within prisons an increase in the creation of groups whose purpose is still to commit crimes.
Keywords: Prison System. Organized crime. Institutionalization. State.
Sumário: 1. Introdução. 2. O sistema prisional brasileiro: realidade fática. 3. Aspectos gerais do crime organizado. 4. A superlotação carcerária e o seu impacto no crime organizado. 5. Considerações Finais. 6. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Um dos temas mais discutidos na seara da Segurança Pública no Brasil diz respeito à criminalidade. São inúmeros os casos presentes nos noticiários brasileiros que mostram o quanto a criminalidade cresce a cada dia. Homicídios, latrocínios, dentre vários outros tipos penais são realizados a cada minuto no país. Dentre os que mais se destacam se encontra o crime organizado.
De acordo com Alvim (2018), o crime organizado representa a formação de cidadãos cuja finalidade é cometimento de crimes. De modo geral é como a criação de uma empresa onde existe todo o aparato organizacional. Nesse caso, trata-se de um grupo cujo gerenciamento é focado para cometer delitos.
É visto por toda a população o descaso que o sistema prisional concede ao preso. Muitas são as reclamações e problemas enfrentados pelos apenados durante o cumprimento de sua pena. Falta de higienização, superlotação, maus tratos, descumprimento do princípio constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, alimentação de péssima qualidade, dentre outros fatos, acabam por não cumprir o objetivo da pena que é de reintegrar o apenado à sociedade de forma que não venha novamente a cometer novos crimes.
A situação dos presídios brasileiros é alarmante. Diversas pesquisas vêm apontando um quadro onde a criminalidade dentro dos presídios é bastante atuante, trazendo como consequência o aumento da criminalidade dentro e fora desses estabelecimentos. Por conta disso, nota-se que a finalidade da norma penal não vem sendo atingida, ou seja, não vem se prevenindo e nem ressocializando o apenado (NUCCI, 2018).
Frente a isso, essa pesquisa possui a seguinte questão problemática: de que maneira a superlotação carcerária influencia no crime organizado? O tema deste estudo leva a esse questionamento, tentando mostrar não somente a realidade prisional, mas o que vem em decorrência dela, como por exemplo, a formalização do crime organizado.
O presente artigo foi produzido através de pesquisa qualitativa e se propôs a conceituar e exemplificar o crime organizado derivado da superlotação carcerária. Além de apresentar a legislação pertinente à seguinte temática, também será descrito maneiras de solucionar esse problema.
2. O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: REALIDADE FÁTICA
Antes de se adentrar na discussão central proposta por esse estudo, é preciso contextualizar a realidade encontrada no sistema prisional brasileiro. O sistema prisional brasileiro, mesmo sendo um modelo na teoria, não é o mais benéfico na prática. Muitos são os problemas encontrados nas prisões no território nacional, assim como também são muitas as causas que colocam o país nesta realidade.
Em diversos estudos pesquisados foi possível perceber uma unanimidade em relação à atual situação dos presídios brasileiros. A priori, inicia-se com as palavras de Figueiredo Neto et al. (2009, p. 06) ao qual aduzem que no Brasil as prisões podem ser consideradas como “um dos piores lugares em que o ser humano pode viver. Elas estão abarrotadas, sem condições dignas de vida, e menos ainda de aprendizado para o apenado”.
As palavras mencionadas acima não se encontram isoladas, pelo contrário, mostram inicialmente um quadro alarmante sobre o quão precário se encontra os presídios brasileiros. É notável detectar que as prisões brasileiras estão em declínio, não representando mais um local ressocializador ou que venha a ajudar na prevenção da criminalidade.
Os problemas encontrados nos presídios brasileiros são variados. Os que mais chamam a atenção são: a superlotação, a falta de infraestrutura dos próprios presídios, as péssimas condições de higiene, demora do trabalho da Defensoria Pública aliado à morosidade do Poder Judiciário, dentre outros.
Na questão refere à superlotação, foco central deste estudo, este problema tem sido considerado por vários doutrinadores jurídicos e sociólogos como a origem da maioria dos problemas enfrentados nos presídios. Muitas celas contêm mais presos do que suporta, causando desconforte e má qualidade de vida aos presos.
Dentre os efeitos da superlotação, encontra-se o ensino que o apenado possui a respeito das técnicas da criminalidade. Nesse ponto, “a convivência entre os condenados e aqueles que estão somente cumprindo prisões cautelares favorece o aprendizado das artes e manobras do mundo do crime” (GALDINO, 2014, p. 03).
Da superlotação também se origina os problemas sanitários, uma vez que nas celas superlotadas não existem camas e nem espaço suficientes para todos, “fazendo-se o sistema de rodízio em que muitos são obrigados a dormir no chão na companhia de insetos e roedores que disseminam inúmeras enfermidades” (GALDINO, 2014, p. 03).
Ainda devido à superlotação, pode-se notar a total ausência de privacidade, os problemas psicológicos que acabam por desencadear sentimentos negativos como a indignação e a revolta contra o sistema, fazendo surgir a vontade de delinquir novamente. Na maioria das prisões brasileiras, as condições subumanas a que os presos estão sujeitos, fazem aumentar a violência, o confronto entre gangues e organizações criminosas, o envolvimento com tráfico de drogas, a troca de favores ilícitos, dentre outros aspectos.
Sob essa ótica, expõe-se:
Nenhum preso se conforma com o fato de estar preso e, mesmo quando conformado esteja, anseia por liberdade. Por isso, a falta de perspectiva de liberdade ou a sufocante sensação de indefinida duração da pena são motivos de inquietação, de intranquilidade, que sempre se refletem, de algum modo na disciplina (ZACARIAS, 2016, p. 56).
Nos dizeres de Baratta (2012, p. 28) “é triste saber que os presos brasileiros são forçados a se amontoarem em espaços minúsculos, tendo sua auto-estima diminuída e suas chances de recuperação também”.
No Brasil e em outros países, tem-se o entendimento de que as penas mais severas, por exemplo, reduziriam as chances de uma pessoa cometer um crime. Todavia, esse pensamento não encontra respaldo em grande parte dos estudiosos sobre esse assunto. Para ilustrar esse ponto, destacam-se as seguintes palavras:
Com base nas informações que se tem em todos os países do mundo, percebe-se que a prisão não funciona. Quanto mais as penas forem longas e os prisioneiros forem tratados como um nada, menos preparamos seu retorno à sociedade. A prisão destrói. As pessoas que dizem estar ao lado das vítimas vão pedir penas cada vez mais duras, declarando que é preciso deixar de ser excessivamente tolerante. Mas na realidade estudos mostram que quanto menos a pessoa ficar presa, menos ela ficará dessocializada e menores serão as chances de reincidência. Se ela não voltar a praticar um delito, não haverá novas vítimas. Todo esse discurso de repressão produz efeitos contrários ao desejado. É paradoxal. Se as pessoas realmente estivessem ao lado das vítimas, elas seriam favoráveis a penas alternativas. Mas é um discurso inaudível politicamente (GRISOT, 2019, p. 01).
Para alguns autores a prisão – seja ela feminina ou a masculina – dificilmente trará algum benefício. Ou seja, os presos, sejam eles homens ou mulheres não irão ser ressocializados, pois a situação ao qual passaram nos presídios impossibilita esse garantismo.
No caso das mulheres a situação ainda é pior, porque além de já terem tido a experiência negativa de um presídio, ao saírem ainda serão estigmatizadas pela sociedade e pela própria família.
Em seu depoimento após passar por um presídio feminino, o autor Gerivaldo Neiva (2017) que durante o seu trabalho como conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) relatou que a situação dos presídios femininos mesmo sendo superior ao dos homens, ainda assim apresentava um local insalubre e de difícil recuperação para aquelas mulheres. Ele cita o fato, por exemplo, de encontrar nas celas cerca de oito ou dez mulheres que se acomodavam em quatro beliches e, sendo assim, algumas dormiam no chão em finos colchões.
Em suas palavras ele ilustra o seguinte quadro:
Na condição de conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) visitei apenas um presídio feminino e já foi o bastante para entender que são absolutamente desnecessários. Não sevem de nada, não resolvem nada e apenas oferecem o palco e o gozo para os atores do sistema de justiça criminal. Presídios femininos, nem de longe, possibilitam que alguém saia dali para algum tipo diferente de vida ou sem ter enlouquecido. Cumprida a pena, ainda carregam consigo todos os estigmas que lhe tornaram “bandidas”, mas agora conhecem todos os horrores da prisão e os mais diversos agravos na saúde física e mental. Jamais serão as mesmas e nunca mais terão uma vida normal depois da experiência da prisão (NEIVA, 2017, p. 01).
Devido a isso, é quase que esperado que diante desse contexto, as mulheres presas desenvolvam insônia, depressão e ansiedade. De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres demonstrou que, em 2015, “as chances de uma mulher se suicidar eram até 20 vezes maiores entre a população prisional, quando comparada à população brasileira total” (NASCIMENTO, 2019, p. 03).
Com base nesse quadro alarmante, percebe-se claramente que esses problemas ferem diretamente um dos principais princípios do ordenamento jurídico brasileiro: o princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Contido no texto constitucional, esse princípio defende amplamente o respeito, a liberdade e a dignidade do indivíduo, além de outras garantias.
Diante da atual realidade carcerária, “os encarcerados não são tratados como humanos, e as condições em que estão depositados nas casas prisionais não oferecem o mínimo para que possa ao menos impedir a degradação do sujeito e sua personalidade” (GALDINO, 2014, p. 04).
Em face disso, a atual situação dos presos brasileiros está longe do ideal previsto em lei, apresentando uma realidade pautada na formação de novos delinquentes, que com a experiência exercida dentro dos presídios acabam por ir contra o principal objetivo da pena: a ressocialização do condenado.
3. ASPECTOS GERAIS DO CRIME ORGANIZADO
No âmbito da segurança pública no Brasil, o crime organizado tem chamado atenção pelo fato de que a sua formalização tem sido cada vez mais frequente, representando um dos fatores de maior incidência de crimes.
Num mundo onde a globalização é bastante presente, a sociedade tem enfrentado o crescimento tecnológico e aperfeiçoado a comunicação entre os pares. Do mesmo modo ocorreu com o crime organizado, que também se adaptou as mudanças sociais e tecnológicas e apresenta hoje uma especialização cada vez mais intensa “não só em relação às atividades criminosas praticadas pela organização, mas também referente à captação de membros especialistas em diversas áreas, como, por exemplo, em informática, em transações comerciais etc.” (VALENTE, 2017, p. 03).
Conceitualmente o crime organizado (ou também denominado organização criminosa) é entendido como aquele em que se formam grupos transnacionais, nacionais ou locais centralizados e liderados por criminosos, onde se possui o objetivo de desenvolver atividades ilícitas e ilegais para no fim obter lucro monetário (VALENTE, 2017).
A principal norma brasileira que leciona sobre essa matéria é a Lei nº 12.850/2013. Na presente lei, encontra-se o seguinte conceito:
Art. 1. [...]
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.(BRASIL, 2013)
Com base nesse conceito trazido pela norma, Anselmo (2017, p. 01) explica que a organização criminosa, “apresenta alguns elementos que lhe são característicos, aos quais se podem indicar: associação de pessoas; divisão de tarefas; objetivo econômico; e a prática de infrações graves”.
Do mesmo modo, em seu turno, Greco (2016) aponta como características das organizações criminosas: previsão de lucros, hierarquia, divisão de trabalho, ligação com órgãos estatais, planejamento das atividades e delimitação da área de atuação.
Segundo Nucci (2018) existem três correntes doutrinárias que buscam conceituar o crime organizado; a saber: a primeira, que tenta definir o conceito de organização criminosa e crime organizado seria todo aquele praticado por essa modalidade de organização; a segunda, que define os elementos essenciais do crime organizado, sem especificar os tipos penais; e a terceira, que estabelece um rol de tipos penais, qualificando-os como crime organizado.
De qualquer forma, num conceito mais abrangente e completo, apresentam-se as seguintes palavras:
Uma organização criminosa de modo geral se revela por dotar-se de aparato operacional, o que significa ser uma instituição orgânica com atuação desviada, podendo ser informal ou até forma mas clandestina e ilícita nos objetivos e identificável como tal pelas marcas correspondentes. A organização criminosa pode também, eventualmente ou ordinariamente, exercer atividades lícitas com finalidade ilícita, apesar de revestir-se de forma e atuação formalmente regulares. Um estabelecimento bancário que realiza operações legais e lícitas em deliberado obséquio de atividades ilícitas de terceiro, é o exemplo que recomenda cuidado e atenção na compreensão de suas características. A principal delas é ser produto de uma associação, expressão que indica a afectio entre pessoas com propósitos comuns ou assemelhados em finalidade e objetivo. É essencial que haja afinidade associativa entre as pessoas (usualmente pessoas físicas, mas não é impossível a contribuição de pessoas jurídicas), ainda que cada uma tenha para si uma pretensão com motivação e objetos distintos das demais e justificativas individuais, todavia logicamente reunidas por intenção e vontade comum nos resultados (DIPP, 2015, p. 11).
Baseado nos dizeres acima fica claro observar que se tem na figura da associação de pessoas o elemento básico para a constituição da organização criminosa, figura central do tipo penal.
Deve-se destacar que o Brasil ratificou diversos instrumentos nos últimos tempos que buscam coibir o crime organizado transnacional, como: a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena), promulgada pelo Decreto 154, de 26 de julho de 1991; a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), promulgada pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004; e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), promulgada pelo Decreto 6.587, de 31 de janeiro de 2006.
Inserido no contexto de entendimento sobre o crime organizado, atualmente há uma nova roupagem sobre a sua conceituação: a figura do “crime institucionalizado”. Para muitos autores, essa figura é ainda mais perigosa do que uma simples organização criminosa. Isso porque esse tipo de grupo se apresenta com uma estrutura criminosa que se confunde com a própria estrutura do Estado (ANSELMO, 2017).
Nesse sentido, “as grandes decisões do Estado se confundem com as decisões do grupo criminoso, que tem como objetivo primordial maximizar seus ganhos” (GODOY, 2016, p. 12).
No crime institucionalizado, o armamento é substituído pelo diário oficial. As decisões que são realizadas no país não são feitas para ajudar a sociedade ou que sejam motivadas pelas políticas públicas, mas sim em razão de obedecer aos interesses econômicos e políticos do grupo (BORGES, 2017).
Nesse tipo de grupo criminoso, não se encontra um líder absoluto, como é visto pelas organizações criminosas comuns, mas uma estrutura em forma de teia, colaborativa, em absoluta simbiose (BORGES, 2017).
Diante disso, o crime organizado se aperfeiçoou, se estabelecendo e se institucionalizando, a ponto de que as práticas investigativas existentes hoje já não são suficientes para alcançar essa modalidade de estrutura.
Segundo Pontes (2017, p. 03) essa estrutura não lança mão de atividades escancaradamente ilegais, como o “tráfico de drogas, de armas, a prostituição, o jogo ilegal e etc., o que torna a atividade infinitamente mais lucrativa e segura que qualquer negócio ilegal convencional colocado em prática por organizações do tipo máfia”.
De qualquer forma, a superlotação carcerária tem sido considerada por vários doutrinadores jurídicos e sociólogos como a origem do crime organizado, conforme se explica a seguir.
4. A SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA E SEU IMPACTO NO CRIME ORGANIZADO
Nos tópicos anteriores ficou claro o quanto o sistema carcerário no Brasil, é precário. Muitos são os problemas encontrados e dentre eles tem-se a superlotação. Com muitos presos aglomerados em espaços pequenos nos presídios no Brasil, diversos problemas surgem. E o principal deles é o fomento do crime organizado.
De acordo com Sá (2014, p. 02) a “violência praticada por facções criminosas na busca pelo poder é observada em todo o Brasil e tem ligação com excesso de detentos, sucateamento das unidades e corrupção de agentes públicos”.
A medição de forças entre facções do crime organizado está espalhada por penitenciárias em todo o país. "As facções estão presentes em praticamente todos os estados brasileiros. O que varia é o grau de organização, tamanho, extensão e estrutura desses grupos", explica Sá (2014, p. 02).
Além das organizações criminosas mais antigas e conhecidas – como o Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo e o Comando Vermelho no Rio de Janeiro – grupos locais ou ramificações regionais das facções maiores promovem atos de violência nas unidades prisionais. Com isso, fica claro afirmar que o encarceramento massivo é apontado por especialistas como uma das principais raízes do domínio das facções.
Opinando sobre esse fato, Fábio (2016, p. 04) aduz que “o atual sistema prisional forma bandidos, pós-graduados e doutores do crime, pois o tempo ocioso e a convivência com vários delinquentes propiciam trocas de experiências criminosas. Os presídios se tornaram escritórios para líderes do crime organizado, as condições de superlotação e a precariedade evidenciam que, sem planejamento, não há possibilidades de reabilitação e ressocialização dos detentos”.
Sabe-se que existem presídios onde há apenas um agente penitenciário para tomar conta de cerca de 100 a 200 detentos, nos quais estes profissionais são mal remunerados, com isso, acabam se envolvendo na corrupção favorecendo milícias criminosas ou certos detentos, para o favorecimento de seus proventos que chega a ser superior a sua renda paga pelo Estado (FÁBIO, 2016).
Diante disso, a superlotação é um campo favorável para a constituição do crime organizado. Assim:
As rebeliões são frequentes. A falta de controle da Administração Pública sobre os presídios também fica nítida no fato de facções controlarem a criminalidade, especialmente o tráfico de drogas, nas grandes cidades. Celulares entram nos presídios e servem como meio de comunicação entre o comando do crime, dentro das prisões, e os membros de suas quadrilhas que matam, queimam ônibus, sequestram e roubam bancos. Os celulares servem ainda para os presos aplicarem golpes na população. Telefonemas no meio da madrugada em que são simulados sequestros de uma pessoa da família são extremamente comuns (TEIXEIRA, 2019, p. 10).
Como citado acima, a superlotação facilita os criminosos em continuar na criminalidade. Seja por meio de aparelhos eletrônicos, pela facilidade de locomoção dentro dos presídios fornecida pelos próprios agentes penitenciários ou até mesmo o envolvimento com políticos, são algumas das maneiras que o crime organizado encontrou no Brasil de continuar a cometer delitos e assombrar a sociedade.
Há também a ausência do Estado como justificativa para a situação atual dos presídios no Brasil. Como bem acentua Sá (2014, p. 09) “não tem como funcionar porque o Estado se omite, concentra os presos, afasta o preso da família e tudo isso favorece o crime organizado”. A mesma autora afirma que “o nosso modelo de sistema prisional é inadmissível. Não há muito a ser feito sem descentralizar a execução penal” (SÁ, 2014, p. 09).
Finalizando o pensamento da presente autora, com cadeias superlotadas e a incapacidade do Estado de fornecer condições de vida adequadas para os detentos, amplia-se o espaço ocupado pelo crime organizado. “Ao encarcerar muito mais, e sem dar condições adequadas, o Estado é o responsável principal ao dar as condições para que esses grupos tomem conta da população prisional”. (SÁ, 2014, p. 08)
Diante desse quadro preocupante algumas ações podem ser feitas para solucionar essa realidade. Medidas como a privatização de penitenciárias e a ampla oferta de opções de trabalho e estudo pode ser uma solução.
Para Fábio (2016) é notória a necessidade de Políticas Públicas que viabilizem a imediata implantação de novos Métodos Prisionais, com participação do Poder Público e Iniciativa Privada, além da aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado para criminosos lideres das facções criminosas, há necessidade de implantação da Justiça Restaurativa para detentos de menor periculosidade e recém encarcerados, evitando assim a multiplicação do crime organizado e viabilizando a ressocialização e reabilitação dos detentos de uma forma eficaz.
Existem ainda propostas para barrar a entrada ou o uso de celulares em prisões. Em fevereiro de 2018, o Senado aprovou projeto (PLS 32/2018) que obriga a instalação de bloqueadores de celular em presídios. A proposta, que envolve esforços do poder público e das empresas que exploram o serviço de telefonia móvel, ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados (TEIXEIRA, 2019).
Outra forma de combater a superlotação dos presídios, passa por uma revisão das penas, bem como das normas que orientam os processos de entrada e da saída das penitenciárias. Para isso, segundo Texeira (2019, p. 06) seria necessário “criar e popularizar penas alternativas (como serviços comunitários e uso de tornozeleira eletrônica) e a realização mais frequente de audiências de custódia. Atualmente, quatro em cada dez brasileiros presos ainda não tinham sido julgados definitivamente”.
Nesse sentido, o Senado já aprovou uma reforma geral na Lei de Execução Penal. O projeto (PLS 513/2013) entregue ao Senado por uma comissão de juristas em dezembro de 2012, aguarda análise da Câmara dos Deputados. A proposta ataca a superlotação dos presídios e suas causas, como excesso de presos provisórios e a falta de vagas para cumprimento de pena. Determina que as celas devem ter capacidade para até oito pessoas e ser equipadas com camas, vaso sanitário e lavatório.
Mutirões devem ser realizados sempre que um estabelecimento penal atingir a sua capacidade máxima. Depois disso, se ainda houver mais presos que vagas, o projeto determina que a concessão de liberdade para detentos mais próximos do fim da pena deve ser antecipada (TEIXEIRA, 2019).
Diante de tais medidas, verifica-se que no Brasil existem ações que visem melhorar o sistema prisional brasileiro. Isso se faz necessário, haja vista que caso seja implantada e venham a obter bons resultados, diminuiria consideravelmente a ocorrência de crimes cometidos por organizações criminosas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como apresentado no início desse estudo, mostrou-se que o sistema carcerário brasileiro vem enfrentando inúmeros problemas, todos elencados de forma explicativa no corpo dessa pesquisa. As causas e consequências dessa realidade ainda é uma discussão sem fim.
De forma clara e objetiva, constatou-se que de modo geral o sistema prisional brasileiro possui 4 (quatro) causas para a sua crise. A primeira causa notada fora os efeitos da lei Antidrogas. Por essa lei foi distinguido o conceito de usuário e de traficante. A questão que impera nesse caso é a subjetividade da Lei.
O segundo problema recai sobre o excesso de prisões provisórias, que tem sido usada mais como uma regra de exceção, se tornando uma antecipação da execução da pena. Mudar esse fato seria benéfico, uma vez que grande parte dos presos poderiam ganhar a liberdade.
A terceira causa é o uso de regime fechado mesmo quando há penas alternativas. Nesse caso, conforme já foi exposto durante todo esse trabalho, pode-se afirmar que o Poder Judiciário também possui parcela de responsabilidade na superlotação das cadeias. Nesse sentido, o correto seria que quando menos pessoas cumprindo regime fechado significaria menos pessoas nas celas brasileiras.
A quarta e última causa apresentada são o não cumprimento da ressocialização e o fortalecimento ao crime. Devido ao sistema carcerário problemático e caótico, dificilmente pensa-se em medidas ressocializadoras. E por essa e outras razões que existem dentro dos presídios um aumento na criação de grupos cuja finalidade ainda é de cometer crimes.
Dentro das cadeias é que se encontram as facções e seus arranjos para o cometimento de diversos delitos, grande maioria fora das instalações presidiárias. Soma-se a isso, o fato de que as cadeias também são estabelecimentos de aliciamento de novos traficantes. Como resultado dessa difícil realidade, muitos egressos ao serem reintegrados à sociedade não se ressocializam, e com o aprendizado feito dentro da cadeia, acabam por ingressar novamente no mundo do crime, só que com mais experiência e aprendizado.
Diante de todo o exposto, pôde-se verificar que o Estado tem papel essencial para o egresso do sistema prisional. Papel esse que não se restringe apenas à assistência e apoio ao egresso, mas a garantia que no período prisional, o apenado possa valer de seus direitos, em especial os materiais.
Infelizmente, pôde-se constatar também que o sistema carcerário brasileiro está longe de cumprir as metas e objetivos impostos pela Lei de Execuções Penais, restando ao preso um tratamento desumano em um ambiente hostil e sem as condições básicas de sobrevivência.
Ao sair da prisão, o egresso ainda se depara com uma sociedade extremamente preconceituosa com a sua ex-condição, devendo nesse momento servir do aparato estatal para que não volte a delinquir. O que também não é plenamente efetivo, vide o fato das superlotações penitenciárias, onde muitos dos presos são reincidentes.
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VALENTE, João Bosco Sá. Crime Organizado: uma abordagem a partir do seu surgimento no mundo e no Brasil. 2017. Disponível em: <https://www.mpam.mp.br/centrosdeapoiosp947110907/combateaocrimeorganizado/doutrina/418-crime-organizado-uma-abordagem-a-partir-do-seu-surgimento-no-mundo-e-no-brasil>. Acesso em: 28 marr. 2023.
ZACARIAS, André Eduardo de Carvalho. Execução Penal Comentada. 9 ed. São Paulo: Tend Ler, 2016.
Bacharelando em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUEIROZ, Italo Roberto de Melo Dias de. A superlotação carcerária como resultado do fortalecimento do crime organizado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 abr 2023, 04:07. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61354/a-superlotao-carcerria-como-resultado-do-fortalecimento-do-crime-organizado. Acesso em: 26 dez 2024.
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