CELMA MENDONÇA MILHOMEM JARDIM[1].
(orientadora)
RESUMO: O estupro é um crime previsto em todos os ordenamentos jurídicos dos povos civilizados, é constatada a desproteção dos menores que estão sendo vítimas da modalidade de satisfação da libido, bem como o número crescente de ocorrências devido a impunidade. Para isso se criou o crime de estupro de vulnerável que visa penalizar aqueles que de algum modo tenha atingido a dignidade de um agente considerado vulnerável. Ocorre que se tem debatido sobre a ocorrência desse delito sem que haja um contato físico entre as partes. Assim, esse estudo teve o objetivo de discorrer a respeito das consequências jurídicas sobre a possibilidade de penalização do estupro de vulnerável sem contato físico. Nos objetivos específicos, analisou-se a legislação pertinente ao tema, bem como os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais. Para realizar esse estudo, teve-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, baseada em livros, artigos científicos, jurisprudência e na legislação brasileira. Nos resultados, ficou constatado que o contato físico não é obrigatório para que o crime de estupro de vulnerável seja aplicado. A depender do caso concreto, qualquer ato que venha a desrespeitar ou ferir a dignidade de uma pessoa vulnerável já é suficiente para que o delito seja efetivado.
Palavras-chave: Estupro. Vulnerável. Contato físico. Ausência.
VULNERABLE RAPE WITHOUT PHYSICAL CONTACT
ABSTRACT: The rape is a crime foreseen in all the legal orders of civilized peoples, and finds the unprotection of minors who are being victims of the libido satisfaction modality, as well as the growing number of occurrences due to impunity. For this the crime of vulnerable rape was created that aims to penalize those who in some way reached the dignity of an agent considered vulnerable. It turns out that this offense has been debated without physical contact between the parties. Thus, this study aimed to discuss the legal consequences about the possibility of penalty of vulnerable rape without physical contact. In the specific objectives, the legislation pertinent to the subject was analyzed, as well as the doctrinal and jurisprudential positions. To conduct this study, the bibliographic research, based on books, scientific articles, jurisprudence and Brazilian legislation, was based. In the results, it was found that physical contact is not mandatory for the crime of rape of vulnerable to be applied. Depending on the specific case, any act that may disrespect or hurt the dignity of a vulnerable person is sufficient for the offense to be effective.
Keywords: Rape. Vulnerable. Physical contact. Absence.
Sumário: 1. Introdução. 2. Crimes sexuais: aspectos gerais. 2.1 O crime de estupro de vulnerável. 3. O estupro de vulnerável sem contato físico: apontamentos jurídicos. 4. Das consequências jurídicas e sociais. 5. Considerações Finais. 6. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Nos dias atuais, o crime de estupro vem sendo amplamente divulgado pela mídia mundial. Essa constante divulgação se origina no crescente aumento do cometimento de crime dessa natureza. Ainda que historicamente a mulher seja a principal vítima, hoje qualquer indivíduo pode ser vítima de estupro, e é justamente nesse sentido que aumentou os casos de efetivação desse crime.
Com esse aumento, o Direito, como ciência social, não pode se eximir dessa realidade. Praticado desde os primórdios da civilização, o crime de estupro, atualmente, está normatizado no código penal com texto trazido pela Lei nº 12.015/09 (BRASIL, 2009).
Em razão disso, necessário discorrer e debater sobre essa temática, que por ser atual, necessita de melhor esclarecimento tanto sobre a figura da vítima quanto a sua penalização, para que a sociedade e o meio jurídico não tenham quaisquer dúvidas ou pré-conceitos estabelecidos.
Essa pesquisa, cingiu-se a análise do estupro de vulnerável. Esta espécie de estupro se configura como sendo aquele praticado em desfavor de crianças e adolescentes.
Ocorre que nos dias atuais, com os avanços tecnológicos, esse tipo de crime não tem sido praticado apenas pelo contato físico. A literatura penal relata hipótese de ocorrência de estupro de vulneral sem o contato físico. É nesse ponto que se analisou este estudo.
Frente ao exposto, o presente estudo teve como base responder a seguinte indagação: é possível ocorrer e penalizar o crime de estupro de vulnerável sem o contato físico? Desta feita, o objetivo dessa pesquisa foi discorrer a respeito do crime de estupro de vulnerável sem que haja o contato físico, apresentando a sua possibilidade de enquadramento legal e suas consequências jurídicas e sociais.
2. CRIMES SEXUAIS: ASPECTOS GERAIS
Os crimes sexuais sempre estiveram presentes na história da humanidade. O ato de praticar sexo ou qualquer ação semelhante sem o consentimento da outra parte existe desde sempre. No caso do estupro, ele é provavelmente o mais antigo desses tipos de crimes (NUCCI, 2021).
Conceitualmente, o estupro é o delito que fere a liberdade sexual do indivíduo. É a quebra da liberdade de escolha de uma pessoa, que contra a sua vontade pratica um ato sexual com terceiro (CUNHA, 2017). Gonçalves (2020) exemplifica que a liberdade sexual, nesses casos é efetivada por meio do consentimento. Quando há uma violação dessa liberdade, a ponto de impedir que a vítima possa exercer esse poder de consentimento, adentra-se a natureza originária do crime de estupro.
De acordo com Lima e Oliveira (2018), entende-se o crime sexual como sendo um “tipo específico de violência que se configura quando alguém força outro a praticar qualquer tipo de ato sexual”. Ou seja, configura-se crime sexual quando o ato sexual é realizado sem o consentimento da vítima e contra sua vontade, decorrendo assim, danos físicos e/ou emocionais.
Diversos doutrinadores têm tratado o conceito de crimes sexuais como a violação da liberdade sexual e o desrespeito e indocilidade ao princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado a todos pela Constituição Federal brasileira.
A liberdade sexual pressupõe as escolhas livres e conscientes concernentes às práticas sexuais e à vida sexual em geral. Dispor de liberdade sexual implica em manter o poder de decisão sobre como, quando e com quem serão praticados atos de cunho sexual. Proteger a liberdade sexual, diante disso, significa assegurar o direito de que o titular desse bem jurídico possa determinar livremente sua sexualidade e seu comportamento sexual desde que, com suas opções, não ofenda bens jurídicos alheios (OLIVEIRA, 2020, p. 22).
Segundo Cunha (2017), o estupro representa uma agressão a disponibilidade de cada um, um desrespeito a sua integridade física e moral, além de psicológica. Com o intuito de se satisfazer o agressor atinge a liberdade de escolha da vítima de ter ou não uma relação carnal ou qualquer outro ato libidinoso.
No campo legislativo, os crimes dessa natureza já são regulados pelo Direito Penal. Os crimes sexuais, em todas as suas espécies já se encontram no capítulo que regula sobre os crimes contra a dignidade sexual (GRECO, 2014). Mais especificamente, esses crimes têm como base a Lei nº 12.015/2009 que trouxe, entre outros, o crime de estupro de vulnerável, tema central desse estudo.
Crimes contra a dignidade sexual é o termo mais adequado a esses tipos de crimes, uma vez que a violação a liberdade sexual não atinge somente o aspecto físico da vítima, mas a toda a sua dignidade, personalidade, imagem, moral, enfim, todos os elementos que constituem um ser humano.
No caso em tela, o crime de estupro de vulnerável se encontra no art. 217-A, que traz especificamente o crime contra pessoas consideradas vulneráveis para o Direito, como crianças, enfermos ou qualquer pessoa que no momento do ato tenha caracterizado o aspecto de vulnerabilidade.
Ainda nessa lei, foi regulado que os crimes sexuais tramitam em segredo de justiça (234-B). Essa regulamentação veio no sentido de trazer uma prevenção de que esses casos pudessem ser expostos publicamente. É preciso acima de tudo, que as vítimas sejam protegidas também na sua imagem e dignidade.
2.1 O CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL
Dentro do crime de estupro existem determinadas vítimas que pelas suas características acaba por receber tratamento diferenciado pelo Código Penal brasileiro. Nesse grupo encontra-se crianças, adolescentes ou algum deficiente físico por exemplo. O que eles têm em comum são a sua vulnerabilidade, que nos crimes de natureza sexual recebe atenção especial.
Nucci (2021) nos explica que a vulnerabilidade é vista como uma característica intrínseca de determinada pessoa que o coloca em desfavor imediato, ou que sejam pessoas que não possuem o discernimento necessário para praticar um ato ou que não possa resistir a um ato.
É a incapacidade ou fragilidade de determinada pessoa, oriunda de aspectos específicos. No caso aqui, são vítimas que não possuem o poder de se defenderem de serem vítimas de um crime sexual, incluindo aí o de estupro.
No caso de crianças, por exemplo, para que elas possam ter um desenvolvimento saudável e digno é preciso que elas sejam distanciadas de qualquer ameaça que as façam se sentirem inseguras, ou em situações sociais que as deixem vulneráveis. Qualquer ato que possa de algum modo comprometer a sua integridade física e moral, deve ser evitado, uma vez que isso pode prejudicar seu crescimento (SOUSA, 2021).
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 18 versa a respeito da dignidade, bem como o art. 227 da Constituição Federal de 1988. Ambas as normas buscam tutelar os menores contra qualquer condição que os prejudique. Contexto que tenham atos de violência, de desumanidade, que lhes traga sofrimento ou constrangimento é plenamente condenável nessas leis (MARTINS, 2017).
Pesquisas recentes têm apontado que os crimes sexuais contra crianças e adolescentes ainda estão em crescimento. A título de exemplo, desde 2019, quando pela primeira vez o Fórum Brasileiro de Segurança Pública conseguiu separar os dados do crime de estupro do crime de estupro de vulnerável, ao qual pôde-se chegar ao fato de que 53,8% desta violência era contra meninas com menos de 13 anos. Esse número sobe para 57,9% em 2020 e 58,8% em 2021 (SPANIOL, 2022). Portanto, é nítido observar que crianças e adolescentes, principalmente, ainda são vítimas diárias de estupro.
Em terreno legislativo, o crime de estupro de vulnerável se encontra presente no art. 217-A do códex penalista brasileiro e tem o seguinte texto:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiver o necessário discernimento para prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.
§ 2º Vetado
§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§ 4º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
(BRASIL, 2009)
Com base nesse artigo, entende-se que todo ou qualquer ação carnal que seja praticada contra um indivíduo, cuja idade seja menor de 14 anos se enquadra no crime de estupro contra pessoa vulnerável. A respeito disso, Araújo (2019) afirma que a vulnerabilidade nesses casos é o elemento principal, pois é ele quem condiciona a condição da vítima, fazendo com que o Direito o proteja e entenda que essa condição pode ser fatal para a ocorrência do crime de estupro.
Assim, as vítimas do crime de estupro de vulnerável são indivíduos menores de 14 anos ou que tenham enfermidade ou deficiência mental e que não tenha o discernimento básico para a prática do ato ou que não possa oferecer resistência (LIMA; OLIVEIRA, 2018).
Oliveira (2020) acentua que no contexto da idade, é importante deixar claro que há duas hipóteses de vulnerabilidade: os menores de 14 anos (absoluta) e menor de 18 (relativa).
Este delito pode ser executado por qualquer pessoa. O sujeito passivo são os que possuem as condicionantes acima citadas. Araújo (2019) explica que o estupro de vulnerável possui natureza de crime doloso, não cabendo a modalidade culposa, além de ser crime de Ação Pública Incondicionada, se consumando com a prática do ato de libidinagem, havendo a possibilidade da tentativa.
Cunha (2017) acrescenta que a configuração deste crime recai no reconhecimento de que a vítima é vulnerável e que ainda assim decida manter conjunção carnal ou outra ação libidinosa.
Importante mencionar que a Lei nº 13.718/2018 inovou ao incluir no art. 217-A o parágrafo 5º ao qual afirma que as penas serão aplicadas independentemente da aceitação da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais em período anterior ao fato delituoso (BRASIL, 2018).
3. O ESTUPRO DE VULNERÁVEL SEM CONTATO FÍSICO: APONTAMENTOS JURÍDICOS
A discussão central desse estudo diz respeito sobre a possibilidade de enquadramento jurídico do crime de estupro de vulnerável sem que se tenha um contato físico. Esse assunto é pauta de inúmeras discussões, principalmente porque entende-se ser essencial que para a ocorrência desse crime se tenha a conjunção carnal ou algum ato libidinoso.
Primeiramente, parte da doutrina jurídica entende que o estupro de vulnerável não é possível na modalidade sem contato físico, tornando-se impossível sua imputação penal na legislação brasileira, pois a lei expressa é clara quanto à necessidade da conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso praticado contra o vulnerável.
Masson (2019) é claro ao entender que apesar de existir posicionamentos favoráveis dos tribunais sobre a possibilidade, o código penal não engloba tal possibilidade, fazendo-se necessárias atualizações, de modo que as vítimas passem a ter maior respaldo legal.
Todavia, é majoritário o entendimento de que o crime de estupro de vulnerável sem o contato físico é plenamente possível. Nucci (2021) afirma que para que o estupro seja configurado na forma do artigo 213, ou na modalidade do artigo 217-A, não é necessário o contato físico entre o autor e a vítima. A dignidade sexual presume o respeito à vontade do indivíduo, quanto à satisfação de lascívia alheia.
Conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt (2013, p. 52) “libidinoso é ato lascivo, voluptuoso, que objetiva prazer sexual, aliás, libidinoso é espécie do gênero atos de libidinagem, que envolve também a conjunção carnal”.
No entendimento de Estefam (2019) cuida-se de crime de forma livre, que admite, portanto, qualquer meio executório (inclusive a fraude). Não importa, ademais, se houve ou não consentimento para a prática do ato sexual.
A jurisprudência brasileira também caminha nesse entendimento. É o que também afirma o Informativo nº 587 do Superior Tribunal de Justiça; in verbis:
DIREITO PENAL. DESNECESSIDADE DE CONTATO FÍSICO PARA DEFLAGRAÇÃO DE AÇÃO PENAL POR CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL.
A conduta de contemplar lascivamente, sem contato físico, mediante pagamento, menor de 14 anos desnuda em motel pode permitir a deflagração da ação penal para a apuração do delito de estupro de vulnerável. A maior parte da doutrina penalista pátria orienta no sentido de que a contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos dos arts. 213 e 217-A do CP, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido. No caso, cumpre ainda ressaltar que o delito imputado encontra-se em capítulo inserto no Título VI do CP, que tutela a dignidade sexual. Com efeito, a dignidade sexual não se ofende somente com lesões de natureza física. A maior ou menor gravidade do ato libidinoso praticado, em decorrência a adição de lesões físicas ao transtorno psíquico que a conduta supostamente praticada enseja na vítima, constitui matéria afeta à dosimetria da pena. (RHC 70.976-MS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 2/8/2016, DJe 10/8/2016). (grifo meu)
É pacífico o entendimento, portanto, de que o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima.
Considerar como ato libidinoso diverso da conjunção carnal somente as hipóteses em que há introdução do membro viril nas cavidades oral, vaginal ou anal da vítima não corresponde ao entendimento do legislador, tampouco o da doutrina e da jurisprudência, acerca do tema (BARROS, 2022).
Um ponto que se deve analisar sobre esse cenário, é que o avanço da tecnologia impactou também no cometimento de crimes. Nos dias atuais, com o crescimento das Redes Sociais e outros aplicativos, tem-se verificado a ocorrência de diversos crimes paralelos que ocorrem nesses locais, dentre eles o de estupro.
As redes sociais e outros meios digitais são uma realidade cada vez mais presente na comunidade global. Nesse cenário, crimes cometidos por meio digital tem se tornado tão rotineiro quanto o acesso a esses aparatos tecnológicos.
Com isso, é possível observar um crescimento no cometimento de crimes sexuais no campo digital. O uso da internet, celulares, computadores, laptops, dentre outros aparelhos tecnológicos, estão servindo como instrumento para que crimes dessa natureza sejam realizados.
Souza; Herrea; Teotônio (2019) acentuam que o meio digital trouxe uma nova forma de comunicação entre as pessoas. Da mesma forma, trouxe também uma nova forma de cometimento de crimes. O uso de webcams ou de câmeras fotográficas, por exemplo, fez com que muitas pessoas se expusessem e fossem expostas de várias formas, inclusive de modo sexualizado.
A produção de cunho pornográfico, a exposição de fotos e vídeos em aplicativos de relacionamento de conteúdo sexualizado, por exemplo, se tornou um facilitador para que os crimes sexuais pudessem ser cometidos. Na mesma linha, os agressores acabam por utilizar essas ferramentas para satisfazer o seu desejo sexual, sem que isso tenha que ter algum contato pessoal (SOUZA; HERRERA; TEOTÔNIO, 2019).
As redes sociais, como já citado, é um campo amplo de cometimento desses crimes. O WhatsApp, Telegram, o Instagram, dentre outros, são ferramentas digitais que possuem um número expressivo de participantes, que acabam trocando informações, imagens e vídeos pessoas. É nesse campo que se encontra o chamado sexting. Resultado da união dos termos sex (sexo) e texting (escrever), esse tipo de comportamento pode ser entendido como uma ação de origem sexual realizada através de mensagens de texto (SOUZA; HERRERA; TEOTÔNIO, 2019).
O sexting, pode ser entendido como o uso de redes sociais, aplicativos e dispositivos móveis por adolescentes para produzir e compartilhar imagens de nudez e sexo. Envolve também mensagens de texto eróticas com convites e insinuações sexuais para namorado (a), pretendentes e/ou amigos(as). (MACHADO; PEREIRA, 2013)
Insta salientar que a prática do sexting não gera de imediato um crime. Para que ele se torne um delito, é preciso que haja a repercussão social do conteúdo produzido e exposto nessas redes, a ponto de atingir negativamente a vítima e a sociedade. Aqui, para a sua configuração, há o compartilhamento, sem autorização prévia, de imagens e vídeos recebidos de modo voluntário, em situação anterior, que traga consequência danosa à vítima (MACHADO; PEREIRA, 2013).
Essa ação é aqui mencionada, porque ela também pode ser um campo de possibilidade para o cometimento do crime de estupro de vulnerável. O sexting é o exemplo máximo de como o estupro de pessoas vulneráveis são complexos e que acompanham o desenvolvimento social. É na Era Digital que também traz benefícios, mas que também facilita o cometimento desses crimes.
Fato é que os tribunais já têm entendido que os crimes de estupro de vulnerável feito de forma virtual também deve ser penalizado. Insta salientar que nesses crimes, não há contato físico.
Como exemplo, apresenta-se o seguinte julgado:
DIREITO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO VIRTUAL DE VULNERÁVEL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME TIPIFICADO NO ART. 241-D, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, LEI N. 8.069/1990. IMPROCEDÊNCIA. PRÁTICA DE ATOS LIBIDINOSOS POR MEIO VIRTUAL. INEXISTÊNCIA DE INTERAÇÃO SEXUAL ENTRE O OFENSOR E A VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA PRESENTES. MANTIDA A CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 241-B DA LEI N. 8.069/90. ADQUIRIR, POSSUIR OU ARMAZENAR, POR QUALQUER MEIO, FOTOGRAFIA, VÍDEO OU OUTRA FORMA DE REGISTRO QUE CONTENHA CENA DE SEXO EXPLÍCITO OU PORNOGRÁFICA ENVOLVENDO CRIANÇA OU ADOLESCENTE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. MANTIDA A CONDENAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A ausência de interação recíproca e de exposição sexual do réu não afasta a configuração do crime de estupro virtual de vulnerável. A ocorrência de contato físico direto é dispensável, exigindo-se, por sua vez, tão somente o nexo causal entre o ato praticado, destinado à satisfação da própria lascívia, ainda que por meio virtual, e o efetivo dano à dignidade sexual da vítima vulnerável. 2. Deve ser mantida a condenação do réu quando comprovado, por meio de provas testemunhal e pericial, que o réu adquiriu e armazenou vídeos e fotografias com cena pornográfica envolvendo adolescentes. [...]. (07043670720218070006 - (0704367-07.2021.8.07.0006 - Res. 65 CNJ) - Segredo de Justiça. TJDFT. 3º Turma Criminal. Relator: WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR. Data de Julgamento: 31/03/2022. Publicado no PJe: 08/04/2022). (grifo meu)
No caso acima apresentado, houve a prática de estupro virtual de vulnerável, onde o réu adquiriu e armazenou vídeos e fotografias com cenas pornográficas com adolescentes. O que pesa nessas decisões, é que se tratando de vítimas vulneráveis, os efeitos desse crime se tornam fundamental para dimensionar a gravidade deste delito.
Em relação às consequências deste crime, apresenta-se o tópico seguinte.
4. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS
A figura do estupro virtual pode ser visualizada por meio da análise de situações concretas, como o aqui realizado quanto ao caso de não ter contato físico. O estudo de tal situação demonstrou a complexidade da aplicação do tipo penal ao caso concreto.
Nesse sentindo, dentre os princípios norteadores utilizados como vetores para a interpretação da lei penal pelo julgador, está a dignidade da pessoa humana, que, em seus desdobramentos, contém a liberdade sexual. A partir disso, é indiscutível a necessidade da sua proteção, haja vista a importância social que detém, mesmo quando a violação ocorre pelo meio virtual (MASSON, 2019).
Conforme exposto até aqui, verificou-se que concretizada a adequação típica, o fato de o agressor não ter tocado na vítima, não serve para isenta-lo de sua responsabilidade criminal. Portanto, a ausência de contato físico, para esses casos, não é condicionante para que o agressor seja devidamente punido.
Conforme Barros (2022) nos explica, a possibilidade de enquadramento do crime de estupro virtual de vulnerável no art. 217-A se deu, apoiada numa interpretação extensiva do tipo penal, com o preenchimento de suas elementares com as circunstâncias que envolvem cada caso.
A referida interpretação extensiva nos casos onde não há contato físico, é admitida pela doutrina majoritária e em julgados dos tribunais superiores, desde que respeitando a mens legis. Logo, diferentemente do que entendem alguns doutrinadores, em nenhum aspecto fere o princípio da legalidade, uma vez que não há criação de uma nova modalidade de estupro, não prevista em lei, mas a adequação de uma conduta humana (SOUSA, 2021).
No entanto, entende essa pesquisa que seja importante que se acrescente na norma penal um inciso que especifique que o não contato físico também enseja no crime de estupro de vulnerável.
Continuando nesse assunto, também é importante discutir sobre as medidas que podem ser feitas para prevenir tal delito.
De acordo com Vidal (2019) a escola é um elemento estratégico fundamental para o enfrentamento do estupro de vulnerável. Segundo esta autora, isso é importante, quando se tem notícias e dados de que esse tipo de crime é preponderantemente intrafamiliar e ocorre dentro de casa.
Sabe-se que o enfrentamento de violências não se dá apenas no âmbito da segurança pública. Com isso, a escola pode ajudar (e já ajuda) no processo de identificação e denuncia, mas, sobretudo, no processo de prevenção.
Fontes (2018) acentua que muitas vezes o abusador se aproveita da ignorância da criança e, se ela tiver consciência, dependendo da situação, pode mesmo evitar que o abuso ocorra. Desse modo, entende o autor a escola ser fundamental na implantação de ações de educação. Para aqueles que acham que o ambiente escolar é um risco para os filhos, o autor cita que apenas 1% dos casos registrados ocorreu em estabelecimento de ensino.
O fato é que crianças e jovens estão cada vez mais conectados pelas mídias sociais, o que representa um risco em potencial. Uma vez tendo o conhecimento de que a conexão pela internet é uma realidade que está e tende a estar cada vez mais presente, então, é preciso falar com as crianças e os adolescentes sobre os perigos e riscos. E aqui, de novo, a escola tem um papel fundamental.
Korndoerfer (2021) afirma que muitas vezes os pais não estão preparados para esta conversa, mas a escola tem que estar. Escolas públicas e privadas, pois crianças e adolescentes de todas as classes sociais estão sujeitos a estes crimes.
Diante do exposto, frente a questão trazida por esse estudo, ficou claro constatar que o contato físico já não é mais fundamental para que o crime de estupro de vulnerável seja reconhecido. A contemplação da lascívia, por exemplo, já é suficiente para que se enquadre o presente delito, não precisando estar ligado a algum ato de aproximação ou contato físico.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se que o estupro vulnerável ocorre contra vítimas que não possuem a capacidade de se defender ou não possuem o discernimento necessário para a prática do ato sexual. Essas vítimas são crianças e adolescentes menores de quatorze anos, pessoas em estado de vulnerabilidade ou que possuam enfermidade ou doença mental, sem discernimento e não ofereçam resistência.
No que se refere a discussão trazida por esse estudo, há alguns posicionamentos divergentes sobre o que exatamente se configura ato libidinoso e a satisfação da lascívia e embora o tema seja atual, ele não é muito discutido pelos juristas e doutrinadores. Apesar das inovações da lei nº 12.015/2009 o Código Penal que rege o ordenamento jurídico brasileiro é de 1940, o que configura muitas lacunas. Além de estar limitado e não atender às inovações da sociedade, tornam-se essenciais algumas mudanças, principalmente no se refere à segurança jurídica da sociedade.
O código penal deixa claro que para a efetivação do crime é necessário a conjunção carnal ou ato libidinoso. Dessa forma, entende-se ser necessário a imputação específica do estupro de vulnerável sem contato físico.
Como citado nessa pesquisa, a doutrina majoritária e os tribunais superiores entendem que a ausência de contato físico não é impedimento para que o crime de estupro de vulnerável seja reconhecido. Apesar disso, defende-se o entendimento de que seja necessária uma norma (ou artigo) em específico que traga em seu texto essa possibilidade, haja vista que esse posicionamento é encontrado apenas em estudos científicos e em decisões judiciais.
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VIDAL, Rodrigo de Mello. Crimes Virtuais. 2019. 13 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito Público, Universidade Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 2019.
[1] Docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: mscelmamilhomem@hotmail.com.
Bacharelando em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Lucas Rodrigues dos. Estupro de vulnerável sem contato físico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2023, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61398/estupro-de-vulnervel-sem-contato-fsico. Acesso em: 26 dez 2024.
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