KALLEO CASTILHO COSTA[1]
(orientador)
Resumo: O aspecto histórico nos revela importantes passagens para compreendermos o presente, pois as práticas discriminatórias frequentes e por longo período ensejam numa complexa missão de fazer cessar o racismo, nessa esteira, o presente projeto tem a finalidade de apresentar breves apontamentos sobre o racismo.
Palavras Chaves: racismo; escravos; discriminação.
Abstract: The historical aspect reveals important passages to understand the present, as frequent and long-term discriminatory practices give rise to a complex mission to stop racism, in this wake, the present project aims to present brief notes on racism.
Keywords: racism; slaves; discrimination.
INTRODUÇÃO
A campanha pela abolição da pena de morte no final do século XIX mobilizou uma enorme multidão na sociedade brasileira. No entanto, depois de 13 de maio de 1888, negros foram deixados à própria sorte sem reformas para integrá-los à sociedade. Por trás disso está um projeto de modernização conservadora que não atingiu o regime do latifúndio e exacerbou o racismo como forma de discriminação.
A campanha que culminou com a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888, foi a primeira manifestação coletiva que mobilizou pessoas e encontrou adeptos em todas as camadas sociais brasileiras. Após a assinatura da lei Áurea, no entanto, não houve uma política de integração do negro novas regras de uma sociedade baseada no trabalho.
Esta é uma história de tragédia, negligência, preconceito, injustiça e dor. Uma ferida que o Brasil carrega até hoje.
DESENVOLVIMENTO
O Complexo do Cais do Valongo foi o local de maior diáspora dos negros escravizados vindos da África para o Brasil, especificamente no Estado do Rio de Janeiro, oficialmente construído em 1811 e extinto em 1831.
Destaque-se que a sua construção se deu após a extinção do antigo ponto de embarque e desembarque negreiro que anteriormente era praticado na Praça XV de Novembro, na Rua Direita, onde se concentrava o Centro Econômico e Social da Cidade e estavam localizadas as principais vias de acesso da nossa cidade.
Por isso, a presença dos negros escravizados não era bem-vinda naquele local, razão pela qual o Sr. Marques do Lavradio decidiu transferir o transporte marítimo negreiro para a zona portuária do Rio de Janeiro, região do Valongo (vale e longo), localizada entre os Morros do Livramento e Conceição.
No Cais do Valongo se formaram verdadeiras fortunas europeias com o tráfico dos sofridos negros.
A existência do Cemitério dos Pretos Novos, era destinada ao sepultamento dos africanos que morriam no trajeto da África até a Baia de Guanabara, fechado em 1830, em virtude das reclamações da população local.
Valongo foi posteriormente transformado em Cais da imperatriz.
Noutra banda, devemos citar importantes figuras que mereceram destaque na luta proativa pela abolição do tráfico negreiro e da escravidão, quais sejam: José Bonifácio, Eusébio de Queiroz, Joaquim Nabuco, José do Patrocínio e André Rebouças.
O complexo do Cais do Valongo, importante ponto de preservação da memória dos negros, situado na Zona Portuária do Rio de Janeiro, ficou conhecido como nossa pequena África.
Os negros escravizados vindos de Angola para o Rio de Janeiro nos tumbeiros, onde eram negociados, extintos ou ficaram vagando pelas redondezas, sejam nos armazéns de depósitos, nas chácaras hospitais ou foram no cemitério dos pretos novos.
Os escravos eram comercializados, a princípio, na conhecida rua da Direita e no Mercado da Rua do Valongo.
A comercialização de escravos no centro da cidade do Rio de Janeiro fez surgir importante fator de discriminatório o que se reverbera até hoje, como se verá adiante.
Como nos diversos países da América Latina, os portos tiveram papéis fundamentais nas criações das cidades, na economia de determinado lugar e na sua colonização.
O Brasil foi o país que mais recebeu escravos oriundos da África, certo de que o Estado do Rio de Janeiro foi o seu principal porto a partir de fins do século XVIII. Estima-se que cerca de um milhão de escravizados desembarcaram no cais.
O embarque e desembarque dos negros escravizados eram feitos inicialmente nas imediações da Praça XV de Novembro, tal como ali se faziam as negociações das “mercadorias”. Entretanto, era por demais indesejada a presença dos escravagistas nas principais vias de acesso da cidade, fazendo surgir um fator discriminatório por parte da burguesia daquela época, a qual manifestava o desejo de que os escravos fossem levados para longe dos seus olhares.
É possível verificar que os negros não foram removidos do centro da cidade não pela aversão da sociedade à prática escravagista, mas, sim, pelo preconceito que a sociedade branca tinha (e ainda tem) em relação aos negros. Nesse compasso, evidencia-se o surgimento do racismo estrutural, na medida em que a sociedade aceitava e fomentava e, mais do que isso, privilegiava um grupo de certa cor (brancos) em detrimento de outros.
O aspecto histórico nos revela importantes passagens para compreendermos o presente, pois as práticas discriminatórias frequentes e por longo período ensejam numa complexa missão de fazer cessar o racismo. Vale dizer: a conduta reiterada e cultural fez com que o racismo fosse internalizado pelos brasileiros explicita e implicitamente.
Mesmo na moderna sociedade é possível verificar o racismo em variadas formas, a exemplo das barreiras impostas a negros para acesso a vagas de trabalho; diferença dos salários recebidos pelos negros e brancos; acesso à educação e saúde etc.
Nesse contexto, em 2018, de acordo com o Atlas da Violência, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes foi de 37,8% de negros e 13,9% de não negros em todo território nacional.
Esses dados demonstram que ainda existem um longo caminho para percorrer quando o assunte é igualdade racial.
Percebe-se, ainda, um movimento tendente a negar a ocorrência do racismo no Brasil, o que fatalmente contribui para a perpetuação dessa odiosa prática, fazendo com que tais comportamentos continuem a existir de forma velada, como uma doença que evolui sorrateiramente.
Não por acaso, até o ano de 2020 o delito de injúria racial, contido no artigo 140, §3º do Código Penal não era equiparado ao crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/89. Percebe-se, com isto, que os negros eram desprovidos de mecanismos legais que colocassem freios aos atos racistas.
Como grande avanço, no julgamento do HC 154248/DF, o Supremo Tribunal Federal deu nova interpretação ao crime de injúria racial previsto do Código Penal e, a partir do julgamento, vinculou os tribunais ao entendimento de que o referido delito não pode ser excluído do mandado constitucional de criminalização, contido no artigo 5º, LXII da Constituição Federal.
A prática de injuria racial, prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal, traz em seu bojo o emprego de elementos associados aos que se definem como raça, cor, etnia, religião ou origem para se ofender ou insultar alguém. Consistindo o racismo em processo sistemático de discriminação que elege a raça como critério distintivo para estabelecer desvantagens valorativas e materiais, a injúria racial consuma os objetivos concretos da circulação de estereótipos e estigmas raciais. Nesse sentido, para o STF, não há distinção ontológica entre as condutas previstas na Lei nº 7.716/89 e aquela constante do art. 140, § 3º, do CP. Em ambos os casos, há o emprego de elementos discriminatórios baseados naquilo que socio politicamente constitui raça, para a violação, o ataque, a supressão de direitos fundamentais do ofendido.
Sendo assim, excluir o crime de injúria racial do âmbito do mandado constitucional de criminalização por meras considerações formalistas desprovidas de substância, por uma leitura geográfica apartada da busca da compreensão do sentido e do alcance do mandado constitucional de criminalização, é restringir-lhe indevidamente a aplicabilidade, negando-lhe vigência.
A contraposição ao racismo é uma missão árdua, envolvendo diversas intervenções em diversos campos da sociedade, tal como o exemplo acima mencionado, no qual o STF procedeu à releitura de um dispositivo penal à luz da Constituição Federal e dos Direitos Humanos.
Nesse compasso, a representatividade se apresenta como importante papel para reforçar o direito de igualdade, a exemplo de negros apresentando telejornais; ocupando vagas em universidades; interagindo e influenciando pessoas por meio de livros, redes sociais, esporte dentre outros.
Todavia, esse cenário se apresenta ainda de forma módica, a passos lentíssimos, o que acaba por não estabelecer freios inibitórios àqueles que insistem em discriminar.
Não pode haver democracia em uma sociedade racista. A sociedade racista é uma ditadura sistemática, pois deve usar a força para negar as demandas legítimas da maioria e servir a minoria. Perpetuar a desigualdade, a pobreza e a baixa representação política exige violência sistemática, que será então usada contra os brancos. Além disso, se a maior parte de uma sociedade é pobre, violada e humilhada o tempo todo, ela não pode ser saudável. É um lugar horrível para qualquer um, até para os brancos. O compromisso com o combate ao racismo significa compromisso com a democracia, o bom desenvolvimento econômico e a humanidade.
BIBLIOGRAFIA
BETHELL, Leslie. A Abolição do comércio brasileiro de escravos. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.
BRASIL. A Abolição no Parlamento: 65 anos de luta, (1823-1888) / Apresentação do presidente José Sarney. – 2ª ed. – Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2012. v. 1.
GOMES, Flávio dos Santos. Quilombos/Remanescentes de Quilombos. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 367.
FRAGA, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 47.
FRAGA, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 43.
REIS, João José. Revoltas escravas. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018, p. 392.
[1] Mestrando em Direito pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Professor do Curso de Direito do Centro Universitário de Goiatuba - UNICERRADO.
Discente do Curso de Direito do Centro Universitário de Goiatuba - UNICERRADO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRADO, Ana Luiza Lima. Racismo: breves apontamentos históricos e contemporâneos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2023, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61426/racismo-breves-apontamentos-histricos-e-contemporneos. Acesso em: 25 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.