RESUMO: O presente artigo objetiva a contribuição para o estudo relacionado ao tema: Constitucionalização do Processo Civil, com base na Constituição Federal de 1988, bem como no Código de Processo Civil de 2015. Visto que o este traz em seu bojo princípios basilares da Constituição Federal. Essa nova roupagem do código tardou muitos anos, mas atualmente está revestida da devida importância pela necessidade de se enquadrar no modelo constitucionalista e democrático, tanto no aspecto formal, quanto no aspecto material, do ordenamento jurídico brasileiro. O presente estudo irá aprofundar-se em quatro capítulos; o primeiro fará referência a influencia dos direitos humanos e da Constituição Federal no processo, o segundo elencará a historicidade da mudança legislativa do processo; o terceiro abordará as principais mudanças relacionadas aos princípios e direitos inseridos no código, destacando os principais direitos assegurados e fazendo uma análise dos seus doze primeiros artigos; e o quarto trará a consonância desse código com o ordenamento jurídico em geral.
Palavras chaves: Direito Processual; Processo Civil; Constitucionalização
1 INTRODUÇÃO
Na Europa, em especial na Alemanha e na Itália, logo após a Segunda Guerra Mundial, surge a constitucionalização do direito. Um dos primeiros marcos dessa nova trajetória do direito constitucional foi a Lei Fundamental de Bonn de 1949, e também a Constituição da Itália de 1947. Foi através dessas duas influências que começava a nascer uma primazia do direito constitucional.
O Brasil iniciou esse processo um pouco mais tarde. Após atravessar uma era ditatorial sai de um regime autoritário e entra no Estado democrático de direito.
Visto que o constitucionalismo pós Segunda Guerra Mundial, se refaz trazendo em seu centro a dignidade da pessoa humana, a Constituição de 1988 se amolda a essa nova tangente. Conforme artigo 1º, III da Constituição Federal Brasileira: “Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana.”
E baseando-se na ideia de Hans Kelsen, que defende a constituição como “sendo o fundamento supremo de validade da ordem jurídica inteira” (H. KELSEN, 1987) todo o restante do ordenamento jurídico também foi influenciado pelos ideais humanísticos que afloraram no pós guerra.
Com o Processo Civil não foi diferente. Assim como outros dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro ele foi tocado pelos novos ideais da Constituição Federal.
E o Código de Processo Civil, de 2015, deixa explícita a sua preocupação prioritária em tanger o processo aos direitos e garantias positivados na Carta Magna de 1988, bem como alguns princípios implícitos na mesma.
Para maior entendimento desta constitucionalização, é necessário entender o contexto histórico do processo, suas diversas fases, seus principais impactos sociais e jurídicos, os meios de constitucionalização, e seus resultados no mundo jurídico.
2 INFLUÊNCIA DOS DIREITOS HUMANOS E DA CONSTITUIÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL
Convém citar que há tempos um dos objetivos principais de quase todas as sociedades mundiais tem sido a busca pela proteção da pessoa. Assim diversos ramos das ciências vêm buscando cada vez mais a adaptação das suas ações, teorias, ensejos e outros aspectos, em face da dignidade da pessoa humana.
Os direitos humanos nascem e começam a adentrar nas Constituições, Declarações e Leis. Em especial a criação da Organizações das Nações Unidas (ONU) em 1945, aumentou o status dos direitos humanos, fazendo-o ganhar um poder internacional.
No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, houve a consolidação dos princípios basilares da igualdade, liberdade e fraternidade. Conforme proclama a Constituição Federal de 1988:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição [...]. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Na esfera da ciência do Direito, se dará destaque ao Direito Processual Civil, que como todos os outros ramos do direito vem tentando, a cada dia, se espelhar nos direitos e deveres constitucionais, respeitando os direitos humanos, pois sem isso o processo se torna vazio. Conforme explica Luiz Guilherme Marinoni (2012, p. 314):
“Se o processo civil é um instrumento para a adequada tutela dos direitos, e se, nesta linha, o procedimento constitui apenas uma técnica para a boa e correta prestação do serviço jurisdicional, é lógico que o procedimento não pode distanciar-se dos direitos a que deve proteger, e muito menos das necessidades da sociedade contemporânea, sob pena de não poder atender aos novos direitos e assim transformar-se em uma espécie de técnica inútil para realizar as finalidades que o Estado tem a missão de cumprir.”
É possível enxergar assim a magnitude da função do processo frente a Constituição Federal, aos direitos humanos e a todo ordenamento jurídico, conforme observado por Rogério Medeiros Garcia de Lima (2012):
“Logo, impõe-se considerar o processo como direito constitucional aplicado. Nos dias atuais, cresce em significado a importância dessa concepção, se atentarmos para a íntima conexidade entre a jurisdição e o instrumento processual na aplicação e proteção dos direitos e garantias assegurados na Constituição. Não se trata mais de apenas conformar o processo às normas constitucionais, mas de empregá-las no próprio exercício da função jurisdicional, com reflexo direto no seu conteúdo, naquilo que é decidido pelo órgão judicial e na maneira como o processo é por ele conduzido.”
É possível enxergar que as mudanças legislativas que chegam ao ordenamento jurídico brasileiro no seio do Código de Processo Civil atual, nasce com o desejo de trazer o processo para mais perto da Constituição, buscando assim a maior tutela dos direitos humanos.
Esse Processo Civil com um viés mais democrático, com maior defesa a direitos básicos e fundamentais, assegurando princípios processuais e constitucionais, desde sua explicita colocação literal, até sua interpretação, vem contribuindo para o avanço na busca por um direito mais célere, justo, igualitário.
Assim, indiretamente contribui também para efetivações sociais, contribui para o alcance dos objetivos da República, para o alcance da efetivação dos direitos humanos e para a tutela da dignidade da pessoa humana.
3 CONTEXTO HISTÓRICO DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO CIVIL
O Processo Civil, até amoldar-se no modelo de norma infraconstitucional baseado na Constituição, passou por um longo processo de mudanças. Passando por diversas fases metodológicas de acordo com o momento vivenciado do direito a época.
Tem-se assim uma linha imaginária do tempo, com o caminho sob o qual o Processo Civil percorreu, até chegar a fase atual denominada neoprocessualismo como explica Daniel Mitidiero:
Inicialmente, havia o que pode se chamar de “sincretismo” ou “praxismo” uma fase pelo qual o processo era visto sem nenhum precedente, sem uma ciência, sem preocupação. Não havia um estudo do processo. De acordo com Daniel Mitidiero (2009)
“ O praxismo corresponde à pré-história do direito processual civil, tempo em que se aludia ao processo como ‘procedura’ e não ainda como ‘diritto processual civile’. Época, com efeito, em que não se vislumbrava o processo como um ramo autônomo do direito, mas como mero apêndice do direito material. Direito adjetivo, pois, que só ostentava existência útil se ligado ao direito substantivo.”
Ou seja, o processo civil era um mero coadjuvante do direito material, um subproduto desse direito. Essa fase perdurou durante toda a época do Brasil em sua fase colonial e monárquico.
Posteriormente surge o “processualismo” que começa a defender a autonomia do processo, nesta época surgiram grandes teorias relacionadas ao Processo Civil. Que explicavam a natureza jurídica do processo entre outros aspectos, que contribuíram para a construção do processo.
Essa nova fase metodológica tem início na Alemanha e buscava a independência do direito processual. Essa nova fase pode ser chamada também de cientificismo, conceitualismo ou autonomismo. Essa fase é marcada pela evidência da técnica do processo, ou seja, criação de conceitos, nomenclaturas, criando assim bases teóricas ao processo. Daniel Mitidiero (2009) expressa que o processualismo:
“O processualismo, deveras, nasce com o conceito de relação jurídica processual, sendo esse o objeto da ciência processual. A partir daí, a tarefa da doutrina cifra-se à racional construção do arcabouço dos conceitos do direito processual civil. Não por acaso, pois, aponta-se como marco inicial do processo civil o direito racional, presidido pelas altas e abstratas idéias inerentes ao clima científico da modernidade, nem pode surpreender que já se tenha identificado na produção intelectual de Chiovenda um mentalismo conceitual exacerbado, já que o ‘doutrinarismo’ dominou mesmo os primeiros tempos da história do direito processual civil (o que se deu, vale frisar, por absoluta necessidade, porque se tratava de fundar uma nova ciência, surgindo então a necessidade de se forjarem todos os instrumentos conceituais necessários a tal intento).”
Posteriormente a essa fase de cunho teórico supra citada, surge uma nova fase chamada de “instrumentalismo”. Defendendo a relação direta entre o processo e o direito material, visa em linhas gerais, definir que o processo é o meio de efetivação do direito material, com isto os dois devem andar juntos. Nascendo assim a natureza científica de fato do processo, e legitimando a sua autonomia parcial.
O processo em sua nova fase passa a ter além da teoria, um cunho mais social, político e jurídico. Conforme afirma Cândido Dinamarco, cada uma dessas três esferas tem um objetivo a ser alcançado pelo processo.
Partindo da premissa social, espera-se que o processo alcance a paz social e a educação do povo a quem se destina; a partir da premissa política, se faz necessário que o processo efetive e reafirme a autoridade do Estado perante o processo; e de acordo com a esfera jurídica o processo precisa atingir o direito concreto no caso em questão.
Porém a própria teoria se derruba. Pois ainda que tente verter o processo por escopos já citados, a falha de tal tentativa vem a tona, porque o processo segue ligado a técnica e o juiz passa a ser refém do ensejo social. Essa discricionariedade traz uma insegurança jurídica. Daniel Mitidiero (2009) conceitua a fase como:
“A perspectiva instrumentalista do processo assume o processo civil como um sistema que tem escopos sociais, políticos e jurídicos a alcançar, rompendo com a idéia de que o processo deve ser encarado apenas pelo seu ângulo interno. Em termos sociais, o processo serve para persecução da paz social e para a educação do povo; no campo político, o processo afirma-se como um espaço para a afirmação da autoridade do Estado, da liberdade dos cidadãos e para a participação dos atores sociais; no âmbito jurídico, finalmente, ao processo confia-se a missão de concretizar a ‘vontade concreta do direito’.”
Até que surge, o sistema atual, cujo qual carrega muitas nomeclaturas, uma delas é o formalismo-valorativo defendido por Daniel Mitidiero:
“Como o novo se perfaz afirmando-se contrariamente ao estabelecido, confrontando-o, parece-nos, haja vista o exposto, que o processo civil brasileiro já está a passar por uma quarta fase metodológica, superada a fase instrumentalista. Com efeito, da instrumentalidade passa-se ao formalismo-valorativo, que ora se assume como um verdadeiro método de pensamento e programa de reforma de nosso processo. Tratase de uma nova visão metodológica, uma nova maneira de pensar o direito processual civil, fruto de nossa evolução cultural. O processo vai hoje informado pelo formalismo-valorativo porque, antes de tudo, encerra um formalismo cuja estruturação responde a valores, notadamente aos valores encartados em nossa Constituição. Com efeito, o processo vai dominado pelos valores justiça, participação leal, segurança e efetividade, base axiológica da qual ressaem princípios, regras, postulados para sua elaboração dogmática, organização, interpretação e aplicação. Vale dizer: do plano axiológico ao plano deontológico”.
Ou neoprocessualismo, como defende Fredie Didier. Este traz em seu bojo como objetivo direto, que o processo deve seguir a Constituição Federal. O Processo Civil passa assim a ser regido e verificado primeiramente pelas normas constitucionais antes de qualquer outra ótica. É isso que o art. 1º do Código de Processo Civil de 2015 deixa explícito:
“O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”
Assim é possível observar, como as normas constitucionais estão sendo colocadas no topo da pirâmide e consequentemente estão aflorando por todo o ordenamento.
De fato, visto que o direito é temporal e consuetudinário, é impossível falar de direito sem elencar os contextos históricos e geográficos do momento em que ele é inserido.
Existem outras teorias e escolas que estudam acerca do momento atual do processo, que não estão incorretas, e sim, estão corretas vistas de acordo com o tempo, modelo e lugar de qual partem.
4 PRINCÍPIOS BÁSICOS E INOVAÇÕES PROCESSUAIS
Tangenciado por essa nova fase do processo, o mesmo passa a se preocupar mais severamente com a efetiva justiça no caso concreto. Observando, princípios como: contraditório, ampla defesa, boa-fé, cooperativismo entre outros, bem como assegurando uma discussão isonômica entre partes.
Visto que os princípios são basilares para aplicação de qualquer norma, como explica Canotilho (1998, p. 53):
[...] os princípios são normas jurídicas impositivas de uma “optimização”, compatível com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos “fáticos” e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõem, permite ou proíbem) que é ou não cumprida; a convivência dos princípios é conflitual, a convivência de regras antinômica; os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se.
Nasce assim no Código de Processo Civil a tutela aos direitos básicos do processo. Sob uma ótica não taxativa tem-se do art. 1º ao 12º do CPC/2015 um rol de bases que irão regulamentar o processo.
Conforme já citado o Art. 1º do Código de Processo Civil:
“Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.”
Traz em seu cerne a “óbvia” necessidade do Processo Civil estar de acordo com a Constituição Federal, esse artigo abre precedentes para aplicações de ordens constitucionais em todo o processo.
“Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.”
Este artigo consagrará o que se pode chamar de princípio do impulso oficial, ou seja, a jurisdição é inerte, cabe à parte requerer e a provocar. Intimamente esse artigo revela também a adoção à proteção da razoável duração do processo, pois de maneira implícita se mostra dispensada novas provocações das partes depois da primeira. Cabendo assim ao judiciário dar continuidade ao processo.
“Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.”
Consagra novamente o que a Constituição Federal de 1988 já declara em seu Art. 5º, XXXV, “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” assegurando assim, a inafastabilidade da jurisdição.
Tal inafastabilidade da jurisdição, ou direito ao acesso à justiça é coerentemente conceituado por Cappelletti e Garth (1988, p. 9-12):
“Não é surpreendente, portanto, que o direito ao acesso efetivo à justiça tenha ganho particular atenção na medida em que as reformas do welfare state têm procurado armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos. De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental — o mais básico dos direitos humanos — de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar, os direitos de todos.”
O Art. 3º consagra também em seus parágrafos a mediação e conciliação, a arbitragem e a solução consensual dos conflitos.
“Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.” Que pode ser analisado em conjunto ao:
“Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.”
Pois ambos chamam ao processo a necessidade absoluta da razoável duração do processo. Porém ao se falar em razoável duração do processo não nasce uma obrigatoriedade ou regra temporal a ser seguida, e sim, uma premissa que contempla que o processo não poderá demorar mais do que o razoável. E para isso as partes também devem colaborar para essa razoável duração.
Esses artigos revelam a intenção do Processo Civil de reafirmar o que a Emenda Constitucional nº 45/2004 acrescentou ao inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988 “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”
“Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.”
Esse artigo tutela o dever de probidade das partes que compõe o processo. Este artigo reitera princípio da boa-fé que veda os participantes do processo de agirem de maneira dolosa, de fazerem uso do abuso de autoridade. Como explica Flávio Tartuce (2015)
“Conforme o art. 5º do Novo CPC, aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se segundo a boa-fé. Além disso, todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º do CPC/2015). O pedido formulado pela parte na demanda deve ser certo e interpretado conforme o conjunto da postulação e a boa-fé (art. 322 do CPC/2015). Como consequência, a decisão judicial também passa a ser interpretada partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé (art. 489, § 3º, do CPC/2015). Esses preceitos ampliaram um tratamento que era tímido no CPC anterior, limitado somente à exigência da boa-fé das partes no seu art. 14.”
“Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.”
Esse artigo consagra o princípio da isonomia processual que deverá existir e ser assegurado no processo. Além de assegurar a isonomia no tratamento das partes, incube ao judiciário a proteção a paridade das partes, assegurando uma defesa coerente e igualitária, sem abismos de qualidade.
Essa paridade deve ser exercida a fim de garantir no processo todos os direitos já elencados, pois ao se ver uma desigualdade na defesa das partes, por exemplo, pode-se estar incitando a vedação ao principio do contraditório e ampla-defesa, pois a parte inferior não está tendo a devida prestação jurisdicional.
“Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”
Esse artigo vem fomentar a interpretação da norma jurídica em acordo com o direito, com a sociedade e com o bem comum. Sem deixar de observar os princípios citados no próprio dispositivo.
“Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I - à tutela provisória de urgência;
II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III - à decisão prevista no art. 701.
Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”
Sobre a tutela desses artigos 9º e 10º mencionados, tem-se a efetivação do direito ao contraditório e a ampla-defesa. Esses artigos reafirmam o que a Constituição já assegura, dando ao Código cada vez mais, esse ar democrático. Conforme explica Celso Ribeiro Bastos (1995, p. 208)
“O processo, no mundo moderno, é manifestação de um direito da pessoa humana. Por esta razão, as Constituições se interessam por discipliná-lo, a fim de impedir que leis mal elaboradas possam levar à sua desnaturação, com o consequente prejuízo dos direitos subjetivos que deve amparar. O grande processualista Couture fala mesmo em uma tutela constitucional do processo e que tem o seguinte conteúdo: a existência de um processo contemplado na própria Constituição. Em seguida, a lei deve instituir este processo, ficando-lhe vedada qualquer forma que torne ilusória a garantia materializada na Constituição.”
“Art. 11º Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.”
O CPC nesse artigo assegura o direito de acesso aos atos do processo, ressalvados os casos que necessitem de segredo de justiça. Resguardando o princípio da Publicidade garantido pela Constituição Federal.
Assegura assim a justiça no caso concreto, pois ao requerer que o Judiciário motive as decisões, assegura que o juízo não poderá ser feito baseado em convicções esparsas ao processo. E sim, deve basear-se no processo, nos autos, nas provas etc.
Essa proteção a justiça no caso concreto acarretada pela motivação do judiciário, ajuda diretamente no controle do ativismo judicial, pois o juiz precisa de acordo com a Constituição Federal, e com o Processo Civil, motivar suas decisões dentro do processo.
“Art. 12º Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.(Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)”
O código atual traz em seu bojo uma inovação que muitos temiam, a ordem cronológica, porém vertido pela razoável duração do processo se fez necessário dar uma interpretação à esse dispositivo, a fim de não causar prejuízos a certas demandas.Transformando assim a regra cronológica em uma preferência.
Esses 12 artigos elencados, mostram a constitucionalização positivada do processo mas esse efeito requer mais do que apenas um direito positivado que assegure os direitos, mas também o auxílio de todos os envolvidos no processo, para real efetivação dessa primazia proteção. Desde o juiz até as partes, estão elencados no roll de colaboradores para essa efetivação.
É possível também observar a ramificação desta constitucionalização em três moldes. Ou seja, é possível colocar três momentos distintos em que a Constituição é a vertente do processo.
Inicialmente, tem-se a constitucionalização das normas desde o seu nascimento. Ou seja, é preciso que as normas estejam de acordo com a Constituição desde o seu berço. Assim o legislador para criar uma norma processual precisa observar de antemão a Constituição, verificando se não restarão vícios, ou inconsistências entre as duas normas.
Segundo Karl Larenz: “Como as normas constitucionais precedem em hierarquia todas as demais normas jurídicas, uma disposição da legislação ordinária que esteja em contradição com um princípio constitucional é inválida.” (Metodologia da Ciência do Direito. 1983, p. 410).
Portanto o legislador fica condicionado a efetivar e potencializar os dispostos na Constituição, com intenção de buscar a harmonia do processo civil. Não só criando normas constitucionalizadas, mas também aperfeiçoando as já existentes.
Ademais, é necessário que haja também a constitucionalização da interpretação das normas. Renascendo no processo a axiologia jurídica, de maneira com que o processo civil, seja visto pelas lentes da Constituição. Mesmo que para isso seja necessário agregar uma interpretação distinta daquilo que é proposto.
Conforme explica Canotilho, "no caso de normas polissêmicas ou plurisignificativas, deve-se dar preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constituição.”
Cabendo ao intérprete, o puro e simples olhar do direito. Ou seja, ele deve olhar a justiça no caso concreto, observando as normas de acordo com a Constituição, assegurando que todas as normas, princípios e direitos sejam resguardados também pelo Processo Civil.
Funciona assim também, quando o tema é a aplicação das normas. Pois o Poder Judiciário pode, de acordo com o neoprocessualismo, dar uma nova interpretação a norma, com intuito de garantir a seguridade dos preceitos constitucionais.
Entretanto essa decisão, por mais que haja legitimidade, deve ser motivada, e não pode padecer de vícios, sendo indispensável que os motivos principais para tal interpretação seja assegurar direitos constitucionais.
Pode-se verificar assim, que o Processo está vertido pelos direitos constitucionais, desde o início até o fim. Não cabendo brechas para interpretações conflitantes com a Carta Magna
5 CONSIDERAÇÕES SOBRE OS EFEITOS DO CÓDIGO CIVIL NO PROCESSO CONSTITUCIONAL
Ao comparar a essência do Código de Processo Civil de 1973 e do Código de Processo Civil de 2015, pode-se enxergar concepções diferentes acerca da Constituição Federal no âmbito do direito infraconstitucional processual.
Mas é preciso que haja respeito ao Código de Processo Civil antigo, que vigorou por cerca de 40 anos, ajudando o Direito de maneira geral, sendo aplicado no caso concreto pelo decorrer de todos esses anos.
O Código antigo traz uma ideia de independência entre a Constituição e o Código, não trazendo a ligação direta do Código com as premissas constitucionais. O processo assim seria um mero instrumento usado pelos litigantes.
Ou seja, era como se o Código de Processo Civil, fosse uma esfera a parte da Constituição. E que deveria ser regido por ele próprio, conforme prevê o art. 1º do CPC/1973 “a jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece”
Assim o antigo CPC se mostrava extremamente individualista, possuía um viés liberal. Portanto acaba por ignorar alguns direitos e interesses coletivos. Mas conforme conclui Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, visto que o código nasce no seio de uma ditadura militar, tal fato não é impressionante:
“o Código Buzaid nasceu no âmbito de uma ditadura militar, de um sistema político que tinha pretensões de estabelecer, na esteira do ensinamento de Hobbes, a calculabilidade das ações, finalidade também de interesse do capitalismo selvagem que então se instalou no Brasil, em que a previsibilidade contribui em larga medida para diminuir os riscos econômicos”
Em 1994 houveram minirreformas com intuito de adaptar o texto do Código de 1973. A tentativa de adequar o Código aos princípios, regras e direitos fundamentais previsto na Constituição Federal promulgada após o Código.
Mas essas mudanças e algumas outras na alterações legislativas acabaram desfigurando e dificultando a aplicação e compreensão do Código de 1973. E assim foi até ruir, que foi quando iniciou-se a falta de coesão entre as normas processuais.
Por outro lado, há o Código de Processo Civil, lei 13.105 de 16 de março de 2015, que vem trazer uma inovação na junção entre Constituição e o Direito Processual. A nova proposta traz em seu bojo, direitos fundamentais do processo, que estão tangidos por uma proteção implícita ou explícita também da Constituição Federal de 1988.
Pois assim como as outras ciências do Direito, o Processo Civil, teve que se moldar em consonância com a Constituição Federal. Para tanto seu ordenamento e normatividade estão sendo vistos de antemão pela ótica constitucional, devido o neoprocessualismo e a natural supremacia da Constituição.
A Constituição em pouco tempo se tornou o centro de todo um ordenamento jurídico brasileiro, conforme Luis Roberto Barroso (2007):
“Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado.”
O objetivo de efetivar os direitos e garantias do Processo, com o Código de Processo Civil, está sendo alcançado. É possível observar assim, uma tutela jurisdicional mais preocupada com a efetiva justiça. Uma jurisdição que busca de fato o direito material e que para isso está usando de diversos meios.
Desde a criação de normas, a sua interpretação e até mesmo a aplicação. Em todo o processo está sendo evidenciadas as diretrizes constitucionais do direito brasileiro. Tornando o processo mais célere, justo e igualitário. Tangenciado primeiramente pelos direitos do cidadão que busca a tutela do Estado.
O Código de Processo Civil de 2015 disciplina, quase que parafraseando a Constituição Federal de 1988, princípios como: inafastabilidade da jurisdição, duração razoável do processo, isonomia processual, contraditório, ampla-defesa, publicidade, motivação, dignidade da pessoa humana, razoabilidade, legalidade e cooperação.
Visto o que foi explanado no artigo, é possível declarar que o processo civil se tornou um mecanismo muito eficiente para a aplicação dos direitos fundamentais.
Em especial a dignidade da pessoa humana, pois ao aplicar princípios básicos do processo o legislador garantirá as partes do processo a efetivação dos direitos fundamentais.
Assim recorda-se de Aroldo Plínio Gonçalves (1997)
“Nem a tecnologia, nem a boa formação de juízes e advogados, sozinhas, são aptas a debelar a morosidade da Justiça, propiciando sua celeridade em direção à melhor solução das demandas. Elas não serão suficientes sem o acréscimo daquela sensibilidade especial que se deseja do magistrado e que o capacita a compreender que quem procura o Judiciário, geralmente, o faz como recurso extremo, quando todas as vias extrajudiciais se frustraram na busca da solução do conflito. Quem recorre à Justiça tem pressa e não pode esperar indefinidamente a solução judicial de seu pedido, não pode ser privado do direito de ver a sua causa decidida.”
Conforme o Presidente da Comissão de Juristas encarregados dessa mudança legislativa, que para alguns pode ser considerada a maior desde a Constituição de 1988, o Ministro Luiz Fux salienta que essa mudança era necessária a muito tempo e cita: “William Shakespeare, dramaturgo inglês, legou-nos a lição de que o tempo é muito lento para os que esperam e muito rápido para os que têm medo”.
Portanto esse marco legislativo, que é a lei 13.105 de 2015, mostra-se cada vez mais importante no cenário jurídico brasileiro. Visto que nasceu no intuito de facilitar o processo, assegurar direitos e ser um instrumento democrático.
REFERÊNCIAS
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KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, Martins Fontes, São Paulo, 1987, p. 240
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito - O triunfo tardio do Direito constitucional no Brasil. Revista eletrônica sobre a reforma do Estado, Salvador: Instituto brasileiro de Direito Público, 2007. Disponível na internet: http://www.direitodoestado.com.br/redae.asp. Acesso em 06 de fevereiro de 2017.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, DALILA PRISCILA ANDRADE. Constitucionalização do processo civil e a efetivação dos direitos fundamentais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2023, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61444/constitucionalizao-do-processo-civil-e-a-efetivao-dos-direitos-fundamentais. Acesso em: 28 dez 2024.
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