LEÃO CHIMINHI: Mestre em Ciências Jurídico Políticas, pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Director Geral do Centro de Formação Técnico Profssional da Endiamaa
Resumo: O que deve caracterizar os órgãos da Administração Pública, na busca da satisfação de interesses tidos como colectivos, é uma incessante busca de uma base de harmonia, no exercício das suas actividades e a defesa das garantias e interesses legítimos dos particulares. Daí que, os gestores públicos devam observar com alguma atenção, a função administrativa, que tem um papel extremamente relevante, que é fundamentalmente a de conferir poderes de autoridades à Administração Pública, com vista a que o interesse colectivo possa sobrepor-se aos interesses do particular, mas, também, a de reconhecer direitos a estabelecer garantias em favor dos particulares, frente à Administração Pública, de modo a limitar juridicamente os abusos do poder e proteger os cidadãos contra os excessos de autoridade da Administração.
Palavras Chave: Administração Pública, Execução Prévia; Garantias Jurídicas; Interesses; Particulares.
Nota Prévia
O presente artigo de opinião é fruto de um caloroso aceso debate académico entre os seus autores, depois de aprofundarmos os conhecimentos a respeito da matéria, objecto deste estudo, surgiu a ideia para a sua materialização.
Pelo seu jeito e domínio dessas matérias de utilidade pública, que caraterizam o Mestre Leão Chiminhi, foi fundamental para que ambos fossemos exteriorizar aquilo que nos ia a alma à respeito.
Se o artigo despertar curiosidade e o interesse dos investigadores deste ramo jurídico ou dos agentes intervenientes dos organismos públicos, já será um contributo para o conhecimento universal do direito administrativo, na vertente da sua organização, funcionamento e das ralações que ela estabelece com os demais entes jurídicos, na vida pública angolana, com maior destaque com os particulares.
Considerando que o sistema jurídico é dinâmico, e o direito administrativo é precisamente o fruto das transformações que ocorre na sociedade, ao longo dos tempos, pois deve refectir e acompanhar a realidade sociopolítica, económica, cultural e legislativa, que se insere, sentimos que era necessário realizar actualizações pontuais pela forma como deve ser exercido o privilégio de execução previa da administração pública, face a observância das garantias jurídicas dos particulares.
Os Autores
Introdução
Quando se fala em Administração Pública, tem-se presente todo um conjunto de necessidades colectivas cuja satisfação é assumida como tarefa fundamental na busca da prossecução dos interesses colectivos que visa prosseguir, através dos seus diversos serviços que coloca a disposição dos cidadãos.
A administração pública é a expressão de manifestação e execução do poder executivo. É por meio dela que de forma geral, em nome da colectividade exprime o seu poder do privilégio de execução prévia, face aos demais entes jurídicos no exercício da função administrativa, mediante a capacidade de impor e fazer executar determinada conduta.
Goza de prerrogativas atribuídas pela lei, nos termos dos quais pode impor aos particulares a sua conduta através de uma decisão unilateral, em jeito de manifestação de poder de autoridade e de supremacia, típico das colectividades públicas, aí assenta o seu privilégio de execução prévia ao abrigo da função administrativa.
Os órgãos da Administração Pública na busca dos fns colectivos, gozam do privilégio de decisão executória entendido como o privilégio de execução prévia, que lhe atribui a faculdade de impor coercivamente as suas decisões de forma unilateral.
O princípio da execução previa é a autoridade que os órgãos administrativos têm para tornar certos e incontestáveis, para efeitos de execução, os direitos das pessoas colectivas públicas.[1]
Tais poderes são inerentes à sua função, de maneira que, sem os mesmos difcilmente poderia sobrepor o interesse colectivo ao interesse privado de cada particular individualmente considerado. O poder administrativo, encerra prerrogativas de autoridade indispensáveis à realização dos seus fns.
Quando se fala em poderes, devem ter-se em conta as modalidades que elas tomam, de tal forma que, no quadro do exercício da função administrativa, teremos poderes normativo, poder de decisão, poder de direcção, poder de policia, poder sancionatório… Tendo no acto administrativo, no regulamento administrativo, nos contratos administrativos ou públicos celebrados entre os órgãos da administração pública e os particulares, bem como nos actos materiais ou técnicos da sua forma de expressão.[2]
Os meios pelos quais a Administração Pública manifesta a sua autoridade e supremacia constituem-se em verdadeiros poderes públicos, dos quais a Administração Pública se serve na sua veste de imperium, para impor legitimamente os seus comandos com autoridade necessária aos destinatários (particulares), da actividade, vencendo as resistências ou ultrapassando a inércia destes, se isso tiver lugar.[3]
Os poderes públicos ou prerrogativas de poderes públicos noutros termos, consubstanciam-se na capacidade legal de regulamentar, de expropriar, de tributar, autorizar, de recusar, no privilégio de execução prévia. Mas, para estados modernos democráticos e de direitos, aos órgãos da administração pública, não se conferem apenas poderes de autoridade, estabelecem-se também para elas deveres, limitações ou restrições e sempre em homenagem aos fns que prossegue, a exemplo temos a prestação de contas e a probidade administrativa, etc. Devem ser tidas como algumas das limitações que constrangem a Administração Publica por força das necessidades colectivas que lhe estão subjacentes.
1. As Garantias dos Particulares Face à Administração Pública
As garantias dos particulares é uma das temáticas relevantes do estudo do direito administrativo, por atribuir aos particulares determinados poderes jurídicos que funcionam como protecção ou defesa contra abusos e ilegalidade da Administração Pública.
As garantias são meios criados pela ordem jurídica com a fnalidade de evitar ou sancionar as violações do direito objectivo, ou dos interesses legítimos dos particulares.[4] Constitucionalmente é um direito salvaguardado, na medida em que os cidadãos têm o direito de ser ouvidos pela administração pública nos processos administrativos susceptíveis de afectarem os seus direitos e interesses legalmente protegidos[5], tal como reza o disposto no artigo 200º da CRA.
Os particulares têm o direito de serem informados pela administração pública sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de enquadrar-se no leque das garantias dos particulares.
As garantias dos particulares estendem-se igualmente, aos actos potencialmente ilegais ou lesivos de direitos. Assim sendo os actos administrativos devem ser notifcados aos interessados e carecem de fundamentação expressa quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.[6]
Aos particulares é garantido o acesso aos arquivos e registos administrativos, por força do princípio do participativo ou da participação, decorrente da ideia da democracia participativa, impondo à Administração Pública, o dever de dar aos particulares a possibilidade de participarem na gestão administrativa, tende à prossecução do interesse da colectvidade.
Elas desdobram-se em garantias políticas, administrativas, contenciosas, impugnatórias e pectitórias. O critério de distinção é o critério dos órgãos a quem é confada a efectivação das garantias.
1.1. Garantias Políticas
Toda a organização democrática do Estado constitui uma garantia para os particulares.[7] São exemplo a fscalização da constitucionalidade das leis, a sujeição dos decretos leis, a regra da aprovação do orçamento geral do Estado, a fscalização do executivo pela Assembleia Nacional, entre outras. No entanto ainda podemos encontrar outras garantias adjacente como o direito de petição, direito de resistência
Contudo, estas garantias não são sufcientes nem são inteiramente seguras, por um lado porque cobrem muito poucos casos, e dentro de cada caso não abrangem todos os aspectos relevantes e por outro lado, porque sendo confadas aos órgãos públicos, vão naturalmente ser apreciadas segundo critério de conveniência política e não com base na justiça e na imparcialidade.
1.2. Garantias Administrativas
São as garantias que se efectivam através da actuação e decisão de órgãos da Administração Pública.[8] A ieia fundamental assenta na institucionalização, dentro da própria Administração de mecanismos de controlo da sua actividade designadamente controlos hierárquicos ou tutelares. Normalmente são criados por lei, para assegurar o respeito da legalidade e a observância do dever de boa administração garantido simultaneamente o respeito pelos direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares.
1.3. As Garantias Pectitórias
O direito de petição ou de requerer é um direito que consiste na faculdade que os particulares gozam de dirigir pedidos aos órgãos da Administração Pública para esta tome determinadas decisões, preste informações ou permita acesso a arquivos seus ou a processos pendentes.[9]
Num outro entendimento pode se dar o caso, que as garantias pectitórias, consubstanciam-se numa iniciativa ou impulso processual, para se efectivar a marcha de abertura de um procedimento administrativo, por iniciativa do particular, por intermedio de envio de um requerimento. Uma vez recebido o requerimento, é obrigatoriamente objecto de registo, em suporte adequado.[10]
Sobre o requerimento pode recair um despacho inicial, do serviço podendo assumir os seguintes conteúdos:
A administração pública, tem a obrigação de dizer ao particular que o requerimento não esta devidamente formulado, notifcando-o ou convocando-o para esse fm. O requerimento não terá andamento se o direito que ser quer valer caducou ou se verifcar a ilegitimidade do requerimento quando o pedido for extemporâneo.
1.4. As Garantias Impugnatórias
A garantias impugnatórias conferem o direito aos particulares, perante a um acto administrativo, já praticado pelo órgão da administração pública, impugnar esse acto, com vista a sua revogação, anulação administrativa, ou modifcação.
Ou seja, nessas garantias, atribui o poder aos particulares, de impugnarem todos aqueles actos, com as quais não se revêm, nem se sintam parte integrante dos mesmos. Tal pode ser feito por via da interposição de uma reclamação, ou recurso hierárquico, e outras vias legalmente previstas que façam com que o órgão da administração que praticou tal acto, reveja a sua decisão, a favor do particular.
A reclamação é o meio de impugnação de um acto administrativo, perante o seu próprio autor, e fundamenta-se na circunstância de os actos administrativos poderem, em geral ser revogados, anulados, revistos, pelos órgãos que os tiver praticado.
Em regra, pode reclamar-se de qualquer acto administrativo, mas não é possível reclamar de acto que decida anterior reclamação ou recurso administrativo, salvo com fundamento da omissão de pronúncia.
O recurso hierárquico deve ser visto como uma garantia administrativa dos particulares, que consiste em requer ao superior hierárquico de um órgão subalterno a revogação, ou anulação de um acto administrativo ilegal por ele praticado ou a prática de um acto ilegal por ele praticado, ou a pratica ilegalmente omitido pelo mesmo.
1.5. As Garantias Contenciosas
As garantias contenciosas representam a forma, mas elevada e mais efcaz de defesa dos direitos subjectivos ou dos interesses legalmente protegido dos particulares, são as garantias dos particulares que se efectivam através dos tribunais.[12]
2.Equilíbrio na busca da Satisfação das Necessidades Colectivas e a observância do Respeito pelos Direitos e Interesses Legalmente Protegido dos Particulares
Determinados autores como Celso Bandeira de Melo, entende que o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse do particular é condição de existência da própria sociedade. Ou seja, neste sentido, sentido facilmente pode se perceber que, dá-se uma maior prevalência dos interesses colectivos em detrimento dos particulares.
É preciso que os órgãos da Administração Pública, percebam que é preciso primar sobre uma incessante busca de uma base de harmonia das suas exigências no exercício das suas actividades e a garantia dos particulares e defesa dos seus direitos e interesses legítimos.
O facto da Administração Pública, da prevalência a prossecução do interesse colectivo, não quer signifcar que não se sujeita ao ónus ou limitações de interesse público e ainda à atribuição de direitos subjectivos.[13]
Daí que, a função administrativa, deve jogar um papel preponderante que é fundamentalmente, a de conferir poderes de autoridade à Administração Pública, com vista a que o interesse colectivo possa sobrepor-se aos interesses privado, mas, também, a de reconhecer direitos a estabelecer garantias em favor dos particulares frente à Administração de modo a limitar juridicamente os abusos do poder e proteger os cidadãos contra os excessos de autoridade da Administração.
Assim sendo é crucial salientar que a procedimentalização da actividade administrativa impõe a ponderação de múltiplos interesses contraditórios relevantes no processo de formação, com vista a tomada de uma decisão, no exercício da função administrativa.15
Daí que, aconselha-se aos entes públicos, na busca da realização da satisfação das necessidades colectivas, é fundamental que se garanta a melhor ponderação possível da decisão à luz do interesse público e por outro, assegurar o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos particulares.
3.Princípios mediadores da relação entre os órgãos daAdministração Pública vs os Particulares
Os princípios que norteiam a função administrativa, devem ser compreendidos como regras que visam garantir um bom desempenho dos serviços públicos. Têm uma função, na medida em que visam conferir unidade ao ordenamento jurídico administrativo, servindo-se de fundamento para elaboração de normas jurídico-administrativas.
3.1 Princípio da Prossecução do interesse Público e do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegido dos particulares
Este princípio surge essencialmente com a fnalidade de procurar limitar os órgãos da administração pública, que devam no exercício das suas funções, na resolução dos interesses da colectividade, devem observar as garantais e o respeito pelos direitos e interesses dos particulares. Não devem os órgãos públicos invocar os interesses públicos, para esmagar a esfera jurídica, dos particulares.[14]
Este princípio encontra a sua consagração legal, nos termos do artigo 16º do Código do Procedimento Administrativo Lei n.º 31/22 de 30 de agosto. Aos órgãos administrativos cabe prosseguir o interesse público, no respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos legalmente protegido.
3.2 Princípio da Colaboração da Administração com os Particulares
Nos termos do artigo 21º do CPA, pode encontrar a fundamentação legal deste princípio, tal vem enunciar que os órgãos administrativos devem actuar em estrita colaboração com os particulares com os particulares.[15]
Aqui os órgãos administrativos, devem procurar assegurar a adequada participação destes no desempenho da função admistrativa, devendo prestar aos particulares todas informações e esclarecimentos de que carecem.
3.3 Princípio do Participativo
Aos órgãos da Administração Pública cabe assegurar a participação dos particulares, na defesa dos seus interesses, podem apresentar as suas opiniões, aos da Administração da Pública, sendo estes obrigaos a informar aos particulares o resultado das suas petições.[16]
3.4 Princípio da Boa Fé
No exercício da função administrativa, em todas as suas formas e fases a Administração a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.[17]
Este princípio encontra o seu aconselhamento sobretudo em matérias de contratação pública, em que os sujeitos intervenientes nessa relação contratual, devem apresentar uma conduta essencialmente honesta, correcta leal, e o respeito pela palavra dada no momento da declaração negocial
4.Subordinação da Administração Pública ao direito, no relacionamento com os particulares
No actual Estado democrático e de direito, que se apresenta ser o Estado angolano, e fora dos regimes totalitários, a Administração esta submetida ao direito. Tal entendimento é extensivo em todo mundo democrático. A administração aparece vinculada pelo direito, sujeita a normas jurídicas obrigatórias e públicas que têm como destinatários tanto os próprios órgãos e agentes da Administração como os particulares, os cidadãos em geral. É o regime da legalidade democrática.
Tal regime, na sua confguração actual resulta historicamente dos princípios da Revolução Francesa, numa dupla perspectiva: por um lado, ele é um corolário do princípio da separação dos poderes; por outro, é uma consequência da concepção, na altura nova, da lei como expressão da vontade geral (Rousseau), donde decorre o carácter subordinado à lei e, portanto, secundário e executivo da Administração Pública.[18]
Daí que, no exercício da função administrativa, a Administração pública, por mais que visa a prossecução dos interesses públicos, deve observar o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegido dos particulares, tal se deve a sua subordinação à constituição e a lei, devendo actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.
O Professor Freitas do Amaral entende que, o princípio da submissão da Administração pública à lei, deve ser entendido em sentido amplo, por forma a abranger inclusivamente a própria constituição.21
Do princípio da submissão da administração ao direito decorre que toda a actividade administrativa, e não apenas uma parte dela, deve subordinar-se a lei. Em segundo lugar, resulta do mesmo princípio que a actividade administrativa, em si mesma considerada, assume caracter jurídico.[19]
Pode-se entender da ideia acima que, estando a Administração subordinada à lei, na sua organização, no seu funcionamento, nas relações que estabelece com os particulares, isso signifca que tal actividade é, sob égide da lei, geradora de direitos e deveres, quer para a própria administração, quer para os particulares, que pressupõe dizer que tem carater jurídico.
5.Confictos de Interesses Públicos vs particulares
Quando há um confronto entre as esferas públicas e particular e que de alguma forma coloque em causa o interesse colectivo, aí estaremos a desembocar para confitos de interesses.
Para que os interesses públicos sejam priorizados, em relação aos interesses do particular, nas situações em que existe confitos é necessário que se evite, um confronto entre essas duas entidades.
Se olharmos em matérias a título exemplifcativo de expropriação, O particular afrma a sua individualidade perante as necessidades de coexistência social e a sociedade limita as actividades individuais de acordo com as necessidades da convivência social. A propriedade privada embora sendo absoluta tem limites, um desses limites é exactamente decorre das expropriações para efeitos de utilidade pública.
A expropriação é uma matéria ligada ao Direito Administrativo que confere à administração pública prerrogativas de poder para prosseguir o interesse público. Deve ser entendida como “um agir, um acto de intenção, uma intervenção consciente e intencional, que tem como fnalidade sacrifcar um bem jurídico do particular.
Isto é, a expropriação é um acto administrativo em que a Administração manifesta a vontade de, por causa de utilidade pública, adquirir certos bens, mediante o pagamento de justa indemnização ou seja é um acto de autoridade aniquilador ou destruidor do direito de propriedade do particular. de conteúdo patrimonial com base em motivos de utilidade pública ou de interesse geral[20].
Todavia os grandes estudiosos do direito público, a exemplo do Professor Carlos Feijó, afrmam que, a entidade pública, sempre que estiver mediante um acto de expropriação para efeitos de utilidade pública, o que se aconselha, é que este deve despi-se do seu ius imperium, ou seja o seu poder de autoridade, ou a sua força coerciva, para poder negociar numa posição vertical com o particular.
Tal entendimento, encontre o seu acolhimento na medida em que, se este não despir-se do seu poder de força, coloca o particular numa posição infra, o que de certo ponto, belisca as garantias e os interesses legitmos dos particulares tutelados pela ordem jurídica angolana, ao abrigo, do disposto no artigo 200º da CRA em perfeita harmonia com o disposto no artigo 16º do CPA.
Entendemos a expropriação é a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fm específco de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência defnitiva para o património da pessoa cujo cargo esteja a prossecução desse fm, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória[21].
Portanto, do supracitado evidenciamos convergência no pensar face a fgura da expropriação que é apresentada como um processo pelo qual a Administração Pública, para prosseguir um fm de interesse público, extingue os direitos (em regra, o direito de propriedade plena) dos seus titulares sobre um dado bem imóvel e transfere esse bem para o património da pessoa colectiva pública expropriante ou para o de uma outra pessoa colectiva, pública ou privada, mediante o pagamento de prévia e justa indemnização.
A expropriação carateriza-se como o principal acto impositivo de sacrifício por parte do Estado, sendo um dos mais importantes actos lícitos danosos, embora não abarque todos os actos lícitos praticados[22].
O fenómeno da expropriação revela um sacrifício ao direito real de um particular, que sendo desapropriado tem a garantia de uma justa indeminização. No ordenamento jurídico angolano o regime jurídico da expropriação por utilidade pública vem expresso na Lei n.º 1/21 (Lei da Expropriação Por Utilidade Pública), tendo previsão constitucional com base ao art.º 37º da CRA.
A expropriação por utilidade pública é admitida quando a lei o preveja e mediante o pagamento de uma justa indemnização (Cfr. d), art.º 3º da lei 1/21). Nos termos do art.º 1308º, do CC, «ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade se não nos casos fxados na lei». E havendo expropriação por utilidade pública é sempre devida à indemnização adequada ao proprietário como refere o art.º 1310º do CC.
A expropriação por utilidade pública é o instituto jurídico que se expressa numa relação jurídica, através da qual a entidade expropriante, em correspondência com a lei e por motivos de utilidade pública, procede à extinção do direito de propriedade então existente sobre bens imóveis (e outros direitos reais ou obrigacionais) e à sua transferência para um terceiro benefciário, mediante o pagamento contemporâneo de justa indemnização[23].
A Lei 1/21 apresenta no seu capítulo 2º os pressupostos da expropriação, ou seja, as conditio sine qua non para que seja possível a efectivação deste instrumento, assim, vem expresso nos arts.º 7ºss que a expropriação só é admissível por razões de utilidade pública, mediante o pagamento de justa e pronta indeminização.
A expropriação por utilidade pública é uma privação, pela Administração, de bens que estão em regime de propriedade privada, com o fm essencial de os aplicar ao bem comum. A sua base é, pois, a função social da propriedade. De forma excepcional, toda a pessoa singular ou colectiva pode ser privada do seu direito de propriedade por imposição e sobreposição da Lei. Esse poder que a sociedade reservou e exerce sobre a propriedade individual só se justifca pela função social da mesma propriedade.
6.Administração Pública vs Administração dos Particulares
O problema, aqui coloca-se quando se pretende saber sobre a diferença objectiva entre estas duas administrações.[24] Embora tenham algum aspecto comum, por ambas serem administração, porém, o que os distingue é maior, se não vejamos:
6.1 Quanto ao Objecto[25]
A Administração Pública versa sobre as necessidades colectivas,assumidas como tarefa e responsabilidade própria das pessoas colectivas públicas. Ao passo que a Administração dos Particulares incide sobre necessidades individuais, singulares ou pessoais.
6.2 Quanto Fim29
A administração pública, tem necessariamente de prosseguirsempre um interesse público. O interesse público é o único fm que as entidades públicas e os serviços podem do ponto de vista legal prosseguir.
Contrariamente aos particulares, que prosseguem fns de natureza meramente individuais ou particulares. Ainda que estes possam praticar actividades de satisfação colectiva, porém, o seu fm será precisamente a maximização dos interesses singulares.
6.3 Quanto ao Meio[26]
Quanto aos meios também diferem os da administração pública e os dos particulares. Com efeito, nesta última, os meios jurídicos que cada pessoa utiliza para actuar caracterizam-se pela igualdade entre as partes. Os particulares são juridicamente iguais entre si e em regra não podem impor uns aos outros a sua própria vontade, salvo se tal decorrer de um acordo previamente celebrado. Pós regem-se nos termos previsto no artigo 405º CC, isto ao abrigo de uma relação contratual.
Diferente dos órgãos públicos que pela sua generalidade, é munida de poderes de autoridade, de supremacia, face as pessoas com as quais se relaciona, no exercício da função administrativa.
6.4 Quanto à Fonte de Financiamento[27]
A administração pública tem necessariamente, como fonteprincipal de receitas, além, dos empréstimos públicos, os impostos, contribuições especiais e taxas cobrados aos cidadãos e entidades públicas e privada sujeitas ao regime fscal dos impostos e constituem a base de salários dos funcionários da administração pública, pelo que, o risco de não obtenção é menor e há certeza do salário, à partida.
Ao passo que na administração dos particulares, a fonte e fnanciamento da actividade é constituída por capitais próprios e, sobretudo, capitais alheios, mediante o recurso dos bancos, fundos de investimento ou em bolsa de valores. Não há certeza da obtenção de receitas, que constituem a base de salário dos funcionários. Por isso, o risco é maior, muito dependente de factores de marcado e de vendas, não havendo a certeza do sucesso da actividade, além de estar sujeita a um rigoroso mecanismo de fscalização, inspecção, organização, gestão e cumprimento da legislação (comercial, fscal, contabilística, ambiental, sanitária, etc.), dos poderes públicos.
7.Justiça Administrativa na relação entre os órgãos da Administração Pública VS Particulares
Toda abordagem em torno da justiça administrativa na ordem jurídica angolana, suscita na nossa nobre compreensão, um questionamento de partida, que procura saber qual é a relevância da justiça na resolução dos confictos de natureza jurídico-administrativa?
Para dar resposta ao questionamento levantado, importa tornar que a temática relativa a justiça possui uma multiplicidade de sentidos, daí ser possível falar da justiça enquanto virtude moral que cogita a responsabilidade de observância dos direitos que assiste aos demais entes jurídicos que estabelecem as relações jurídico administrativas com as coleticvidades públicas, como sinonimo de sistema de composição de litígios.
Das diferentes perspectivas da expressão “justiça”, apresentadas, reconhece-se uma inegável importância a todos os sentidos, mas para o presente artigo interessa explorar a dimensão da justiça enquanto sistema de resolução de confictos, concretamente os que têm origem da relação entre os administrativos e os particulares no exercício da função administrativa.
A primeira nota importante que se impõe estabelecer no subtema em apreço tem que ver com o entendimento sobre a justiça administrativa para que posteriormente se desenvolvam outros pormenores da ordem geral. É a pensar em tal fnalidade que recorremos às ideias José Carlos Vieira de Andrade[28], que em sentido amplo, quase natural considera a justiça administrativa como um sistema de mecanismos e de formas ou processos destinados à resolução judicial das controvérsias nascidas e relações jurídicas administrativas.
Da perspectiva partilhada pelo autor citado, na ideia de justiça administrativa tem de existir um conjunto de litígios emergentes da relação jurídico-administrativa que deverão de ser solucionados através de um processo administrativo específco.
Falar da justiça administrativa na estrita relação entre os particulares e os organismos públicos, começa-se desde logo, com sensação de desequilíbrio, tendo em atenção os fns que ambos visam prosseguir, sobretudo aos aspectos mais processuais mais relevantes na resolução dos litígios decorrentes das relações jurídicas administrativas, com os particulares, destaques com confictos que oponham os particulares à administração pública, daí a nossa perspectiva ser imperioso explorar os seguintes detalhas:
A institucionalização de estruturas organizativas dos tribunais em matérias de justiça administrativa, as questões de índole administrativos, são ainda dirimidos nas salas especifcas que podemos encontrar nos tribunais de comarcas ou tribunais superiores, porque ainda não existe tribunais específcos para o efeito.
Por outra é fundamental que se observe se do ponto de vista funcional existe na ordem jurídica angolana, um sistema administrativo apto a responder os problemas que diariamente são colocados.
Finalmente verifcar a correspondência dos meios processuais colocados a nossa disposição para que os particulares e não só se sirvam dele em situações de violações de direitos e garantias legalmente consagradas.
8.Notas Conclusivas
O presente artigo submetido ao tema o “O Privilégio de Execução Prévia da Administração Pública vs o Respeito pelos Direitos e Interesses legalmente Protegido dos Particulares, no Exercício da Função Administrativa” busca compreender como se pode efectivar a justiça, na busca da satisfação dos interesses colectivos pelos órgãos da administração, respeitando os interesses dos particulares.
Procuramos trazer, abordagens vocacionadas ao aconselhamento na actuação dos entes públicos, devendo para o efeito exercer as suas actividades na resolução dos problemas colectivos, observando o equilíbrio, ponderação e a justiça administrativa de modos a não espezinhar a esfera jurídica das pessoas com as quais se relacionem.
Daí que, o nosso aconselhamento aos gestores públicos vai no sentido de imporem o uso racional do seu poder privilégio de execução prévia que a lei lhes confere, devendo para o efeito observar com alguma atenção, a função administrativa, que tem um papel extremamente relevante, nas actividades que elas exerçam, que é, fundamentalmente a de conferir poderes de autoridades à elas, com vista a que o interesse colectivo possa sobrepor-se aos interesses do particular, mas, também, a de reconhecer direitos a estabelecer e garantias em favor dos particulares, frente à administração pública, de modo a limitar juridicamente os abusos do poder e proteger os cidadãos contra os excessos de autoridade da administração.
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Lei n.º 15/16 de 12 de setembro lei da organização e funcionamento da Administração Local do Estado;
Lei n.º 31/22 de 30 de agosto que a prova o código do procedimento administrativo
[1] PACA, Cremildo, Administração ública e Poder Executvo de Angola, Lisboa, AAFDL Editora, 2020, . 23
[2] idem
[3] Ibidem
[4] TRAVESSAS, Bernardo eíectvação das garantas dos artculares íace â administração Pública, 2016, .2
[5] Nos termos do artgo 200º n.º 1 da CRA.
[6] PACA, Cremildo, Administração ública e Poder Executvo de Angola, Lisboa, AAFDL Editora, 2020, . 101
[7] Psicanalisar o Direito Administratvo, 2018, . 1
[8] Idem
[9] Ibidem
[10] FEIJÓ, Carlos. PACA, Cremildo, Direito Administratvo, Luanda, Mayamba, 2018, 7ª edição. P. 263.
[11] Idem
[12] OLIVARES, Aíonso, sicanalisar o Direito Administratvo, 2018, Lisboa . 5
[13] FEIJÓ, Carlos. PACA, Cremildo, Direito Administratvo, Luanda, Mayamba, 2018, 7ª edição. P. 33 15 Idem
[14] Nos termos do artgo 16º do código do rocedimento administratvo.
[15] Artgo 21º CPA
[16] Nos termos do Artgo 22º CPA
[17] Artgo 200º CPA
[18] AMARAL, Freitas. Curso de Direito Administratvo, 3ª edição vol.3 Almedina, 2018. P. 132 21 idem
[19] Ibidem
[20] SOARES, Ana Cristna Figueiredo, O Conceito de expropriação e a justa indeminização, Coimbra, 2015, . 80.
[21] Ibidem¸ . 81.
[22] Ibidem, . 82.
[23] SOARES, Ana Cristna Figueiredo, O Conceito de expropriação e a justa indeminização, Coimbra, 2015, . 90
[24] FEIJÓ, Carlos; Paca, Cremildo, Direito Administratvo, Myamba 7ª edição Luanda. P. 77
[25] AMARAL, Freitas. Curso de Direito Administratvo, 3ª edição vol.3 Almedina, 2018. P. 38 29 Idem
[26] FEIJÓ, Carlos; Paca, Cremildo, Direito Administratvo, Myamba 7ª edição Luanda. P. 78
[27] PACA, Cremildo, Administração Pública e Poder Executvo de Angola. AAFDL, Lisboa 2020. P. 19
[28] ANDRE, José Carlos Vieira de, A Justiça Administratiiaa: Lições, 13.ª ed. Coimbra, Almedina, 2014, .7
Chefe do Serviço Provincial da Provedoria de Justiça da Lunda-Norte. Mestrando em Ciîencias Jurídico Plíticas pela FDUAN; Docente de Direito Administrativo na FDUAN.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MUCAPOLA, Wilson Carlos. O privilégio de execução prévia da administração pública vs o respeito pelos direitos e interesses legalmente protegido dos particulares, no exercício da função administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2023, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61536/o-privilgio-de-execuo-prvia-da-administrao-pblica-vs-o-respeito-pelos-direitos-e-interesses-legalmente-protegido-dos-particulares-no-exerccio-da-funo-administrativa. Acesso em: 23 dez 2024.
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