RESUMO: Com o advento da Constituição de 1988, no Brasil, baseou-se a interpretação dos direitos materiais e processuais referente à tutela jurisdicional. A Constituição é a mais alta expressão jurídica da soberania popular e nacional. É o instrumento que assegura o Estado Democrático de Direito. A nossa constituição sofre um controle de constitucionalidade, sendo que esse controle é dividido em difuso ou concreto. Como instrumentos desse controle de constitucionalidade abstrato ou concentrado têm-se: ADI, ADC, ADPF, onde os efeitos em regra são erga omnes e vinculantes. Podemos nos deter a seguir na questão a ser analisada referente a abstrativização, que é a tendência de o Supremo Tribunal Federal ampliar os efeitos da decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade, atribuindo-lhe efeitos vinculantes de modo a deixá-lo mais abstrato. No que diz respeito ao controle de constitucionalidade tanto concreto ou concentrado, tal asbtrativização encontra-se em dois âmbitos: judicial e legislativo. Atualmente o fenômeno da abstrativização, encontra-se no controle difuso, assim como no controle concentrado que ocorre com as decisões enfrentadas em ambos os controles.
Palavras-chaves: Supremacia constitucional. Controle de constitucionalidade. Controle difuso. Controle concentrado. Abstrativização.
ABSTRACT: With the advent of the 1988 Constitution, in Brazil, the interpretation of material and procedural rights regarding judicial protection was based. The Constitution is the highest legal expression of popular and national sovereignty. It is the instrument that ensures the Democratic State of Law. Our constitution undergoes a constitutionality control, and this control is divided into diffuse or concrete. As instruments of this abstract or concentrated constitutionality control there are: ADI, ADC, ADPF, where the effects as a rule are erga omnes and binding. We can now dwell on the question to be analyzed regarding abstraction, which is the tendency of the Federal Supreme Court to expand the effects of the decision issued in the context of diffuse control of constitutionality, attributing binding effects to it in order to make it more abstract. With regard to judicial review, whether concrete or concentrated, such abstraction can be found in two areas: judicial and legislative. Currently, the phenomenon of abstraction is found in the diffuse control, as well as in the concentrated control that occurs with the decisions faced in both controls.
Keywords: Constitutional supremacy. Constitutional control. Fuzzy control. Concentrated control. Abstractivization.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988, embora tenha mantido o controle difuso de constitucionalidade, com fundamento em seu art. 102, III, estendeu sensivelmente a importância do controle abstrato de normas na medida em que ampliou o número de legitimados para a propositura da ação direta e criou outros mecanismos de ação direta de controle, como a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e a Ação Direta de Constitucionalidade (ADC), em 1993, além da previsão da inconstitucionalidade por omissão, sanável por meio do mandado de injunção (art. 5.º, LXXI, da CF/1988) e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2.º, da CF/1988).
Esta prevalência do controle concentrado sobre o controle difuso tem levantado discussões sobre a tendência à objetivação do controle de constitucionalidade brasileiro. O debate se dá não somente por conta da criação dos institutos acima aclarados, mas principalmente pelas mudanças interpretativas realizadas no âmbito do STF acerca da ampliação da força vinculativa de suas decisões – particularidade do controle abstrato.
De modo que se instaurou na doutrina brasileira atual um grande debate em torno dos contornos da função do STF e do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade.
Essa polêmica teve início em decorrência do voto do Min. Gilmar Mendes na Rcl 4.335/AC. Na reclamação em questão, o autor insurge-se contra a não aplicação, por um juiz de primeira instância, da decisão do STF, proferida em sede de controle difuso (HC 82.959/SP), declarando inconstitucional a proibição de progressão de regime instituída pela lei dos crimes hediondos.
Referido julgamento provocou uma modificação na concepção do controle difuso de constitucionalidade e, com certeza, terá repercussão nos conceitos de Poder Constituinte, equilíbrio e separação entre os poderes e Sistema Federativo;
O voto do Ministro relator, posteriormente seguido pelo Min. Eros Grau, está amparado em duas questões fundamentais: 1) a ocorrência de “mutação constitucional”, que teria dado ensejo a um reposicionamento da atuação do Senado Federal e do próprio STF no controle difuso; 2) a atribuição de efeito erga omnes e vinculante às decisões emanadas do controle difuso, que seria decorrente, inclusive de alterações legislativas tais como o disposto no arts. 481, parágrafo único, 482, § 1.º, e 557 do CPC).
Das duas questões tratadas pelo Ministro relator decorrem dois grandes problemas: primeiro a aceitação de uma “mutação constitucional” que chega a alterar, não a norma que se extrai do texto constitucional, mas sim, o próprio texto da Constituição que seria reescrito pelo STF, conforme a decisão tomada. Em segundo lugar, essa mutação acabaria por relegar ao Senado Federal a função de simples órgão de publicação das decisões do STF.
Acredita-se firmemente que este voto do Min. Gilmar Mendes mais se assemelha a uma espécie de política judiciária de tentativa de redução de processos, do que, efetivamente, a uma alteração na forma de compreender o controle difuso de constitucionalidade.
Como se sabe, ante a ausência de previsão legal determinando a vinculação às decisões dos tribunais superiores, há, hoje, em nosso Judiciário, uma verdadeira diversidade de entendimentos dos mais variados órgãos do Judiciário acerca da constitucionalidade de determinada lei. Mesmo havendo pronunciamento do STF, em sede de controle difuso, acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada norma, continuam a ser proferidas, pelos órgãos inferiores, decisões em outros casos concretos em sentido diametralmente oposto ao posicionamento da Corte.
Iniciaram-se, então, tentativas de resolução dessa problemática, sendo a mais notória a incorporação ao ordenamento pátrio da súmula da jurisprudência dominante com efeito vinculante, mais conhecida como súmula vinculante, a partir da reforma constitucional perpetrada pela EC 45/2004.
Tal inovação, todavia, não foi bem recebida pela integralidade da doutrina, tendo em vista o receio de criação de uma casta de “juízes legisladores”; a preocupação com a supressão do duplo grau de jurisdição e com a eliminação da independência dos órgãos fracionários do Judiciário; sem falar na possibilidade de um aumento no déficit de legitimidade do Judiciário. No entanto, mesmo após a incorporação desse instrumento ao nosso ordenamento, o problema da multiplicidade jurisprudencial envolvendo a constitucionalidade das leis não foi resolvido, principalmente, porque não é em todos os casos que há a elaboração de súmula vinculante. A Constituição Federal estipulou uma série de requisitos para a edição da súmula vinculante (art. 103-A).
Assim, ante a renitência de grande parte do Judiciário em adotar os entendimentos proferidos pelo STF no controle concreto de constitucionalidade, surgiu a tentativa de institucionalizar a eficácia vinculante e erga omnes das decisões do STF no controle difuso. Trata-se de uma das facetas da chamada objetivação ou abstrativização ou generalização dos efeitos da decisão em controle difuso de constitucionalidade. Tenta-se da tentativa de incorporar ao controle difuso de constitucionalidade características atinentes ao processo objetivo de controle concentrado.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Efeitos da decisão do STF no controle concreto de constitucionalidade
Sempre foi atribuída à decisão que julgava determinada lei inconstitucional, incidenter tantum, efeitos retroativos e entre as partes da demanda. Excepcionalmente, porém, havendo razões de ordem pública (proteção à segurança jurídica e à boa-fé), considera-se possível a declaração de inconstitucionalidade incidental com efeitos ex nunc, no caso concreto.
Para que os efeitos da decisão no controle concreto se dessem de maneira erga omnes, sempre se entendeu necessária a declaração do Senado Federal, por meio de resolução, nos termos do inc. X do art. 52 da CF/1988 (CR/88), suspendendo a execução no todo ou em parte da lei ou ato normativo declarado inconstitucional, por decisão definitiva do STF.
Após a prolatação do voto do Min. Gilmar Mendes na Rcl 4.335/AC, porém, verifica-se uma tendência entre os constitucionalistas em aceitar a flexibilidade dos efeitos da decisão no controle difuso. Inclusive, a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes no controle difuso vem recebendo aplausos de boa parte da doutrina. Ao argumento de que a autoridade das decisões do STF deve ser respeitada pelos demais tribunais sob pena de se burlar o seu posto de guarda da Constituição, parte da doutrina defende que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso devem transcender o caso concreto.
Alegando em favor da sua posição os princípios da supremacia da Constituição; da força normativa da Constituição, da celeridade, da economia e da efetividade processuais, o Min. Gilmar Mendes, seguido pelo Min. Eros Grau, tenta fazer convergir o entendimento da Corte no sentido de admitir que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso possam apresentar eficácia vinculante para os demais tribunais brasileiros. Os motivos determinantes da decisão de inconstitucionalidade (ratio decidendi) operariam efeitos gerais, pro futuro e vinculantes.
Segundo o Min. Gilmar Mendes forte indício de que as decisões da Corte no controle difuso são dotadas de efeito vinculante é o fato de que o STF admite a utilização da reclamação para dar efetividade às suas decisões no controle concreto. De acordo com a jurisprudência do STF (Rcl.1.880, 23.05.2002), o Tribunal reconhece o cabimento de reclamações que comprovem prejuízo resultante de decisões contrárias às teses do STF, em reconhecimento à eficácia vinculante erga omnes das decisões de mérito proferidas em sede de controle concentrado.
Como já afirmado, essa tentativa de abstrativização dos efeitos da decisão do controle difuso tem repercussão no papel atribuído pela Constituição Federal ao Senado Federal, nos termos do art. 52, X, da CF/1988. O Min. Gilmar Mendes, em seu voto na Rcl 4.335/AC, deu provimento ao pedido, afirmando que a decisão do STF que declara a lei inconstitucional no controle difuso tem efeitos erga omnes e que a comunicação ao Senado Federal será necessária apenas para que o Senado dê publicidade à declaração de inconstitucionalidade. Na realidade, segundo entendimento do Min. Gilmar, a publicação da resolução editada pelo Senado Federal não teria por efeito conferir a eficácia geral ao julgamento da inconstitucionalidade no controle difuso, visto que a própria decisão do STF já conteria essa força normativa.
A questão da abstrativização ou objetivação do controle de constitucionalidade difuso, porém, deve ser encarada com cuidado.
O propósito de redução do número de ações envolvendo a mesma matéria em trâmite perante o Judiciário e, ainda, a intenção do STF de livrar-se da atribuição de ter que posicionar-se reiteradas vezes acerca do mesmo tema, não podem ser considerados motivos suficientes para a alteração da essência do instituto do controle difuso ou para o desrespeito ao modelo instituído pela Constituição Federal (LGL\1988\3) de jurisdição constitucional. Essa ideia de objetivação do controle concreto acaba por ocasionar uma anulação do modelo difuso aproximando-o sobremaneira ao controle concentrado.
2.2 Natureza inter partes do processo
O controle difuso teve nítida inspiração no modelo norte-americano. Essa forma de controle de constitucionalidade não se dá por meio de uma ação específica, mas sim, pode ser suscitado como matéria prejudicial à análise do mérito de qualquer ação. Disso decorre a estrita vinculação da arguição de inconstitucionalidade difusa à existência de um caso específico que se pretende resolver. A alegação de inconstitucionalidade da lei servirá para afastar a sua aplicação em um determinado caso concreto como forma de solucionar uma lide pendente. O julgamento dessa inconstitucionalidade pelo STF somente poderá ser provocado em sede de recurso extraordinário, no momento oportuno.
Deste modo, a questão da inconstitucionalidade, no controle difuso, será tratada de maneira incidental, dentro de um processo subjetivo (que envolve duas partes litigantes em busca da consecução de seus interesses). Logo, a possível declaração de inconstitucionalidade da norma dentro desse processo, na realidade, não passará de um dos argumentos deduzidos pelo magistrado para afastar a aplicação da norma naquele determinado caso concreto. A deliberação quanto à matéria constitucional, portanto, não será abrangida pela coisa julgada (art. 469, III, do CPC (LGL\1973\5)), pois não passará da fundamentação da decisão.
Assim, quando o recurso extraordinário chega ao STF para apreciação, ressalte-se, de um determinado caso concreto, o STF estará, do mesmo modo, adstrito ao pedido formulado e aos limites objetivos e subjetivos da demanda. Não poderá decidir fora do que foi pedido e analisará, para a solução do caso concreto, os argumentos deduzidos pelas partes.
Importante observar que o modelo constitucional de processo se aplica inclusive à jurisdição constitucional. Ora, há legitimidade de aplicação erga omnes da decisão do STF no controle de constitucionalidade concentrado, não só em razão dos reiterados argumentos de força normativa da Constituição e de atribuição da guarda da Constituição ao STF, mas também, em razão de que tal processo, ainda que de caráter objetivo, respeita o contraditório e a ampla defesa por meio da amplitude da legitimação ativa para sua interposição, bem como em razão da possibilidade de intervenção de amicus curiae no seu processamento (art. 7.º, § 2.º, da Lei 9.868/1999).
A provocação feita ao STF para a manifestação sobre a inconstitucionalidade de lei no caso concreto, por outro lado, se dá exclusivamente pela parte legítima para a interposição do recurso extraordinário. Parte essa que não representa a sociedade e que não trouxe aos autos, necessariamente, todos os argumentos existentes na sociedade a favor e contra a norma questionada. Ademais, não haverá a concorrência de outros argumentos, salvo os do recorrido, pois não se dá a institucionalização do discurso por meio do ingresso dos amigos da Corte.
É importante que se entenda o provimento final de mérito dentro da perspectiva do Estado Democrático de Direto proposto por Jürgen Habermas. Referido autor associa o conceito de democracia à participação, ao procedimento e ao discurso. Afirma que, para que uma norma seja democrática, os destinatários de tal prescrição devem necessariamente intervir no seu processo de criação e construção. Ou seja, o povo deixaria de ser meramente destinatário das normas para ser também seus autores, formulando-se a partir dessa ideia o chamado princípio do discurso, segundo o qual são válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos poderiam dar o seu assentimento, na qualidade de participantes de discursos racionais.
A aceitação da ideia de aplicação erga omnes e com efeitos vinculantes aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, da decisão do STF em sede de controle difuso, independentemente da manifestação constitucional do Senado Federal, seria compactuar com a ideia de legitimação ativa do próprio STF para o controle concentrado de constitucionalidade. Nesse modelo, o próprio STF, pela via do recurso extraordinário e ouvindo apenas os argumentos de seus próprios membros, afastaria do ordenamento jurídico, em definitivo, determinada norma emanada do Poder Legislativo.
Não se pode esquecer que a Constituição Federal expressamente determinou a necessidade da prática de um ato complexo para que haja a suspensão da validade de determinada norma jurídica. Após a declaração de inconstitucionalidade do controle difuso, sobrevém a necessidade de suspensão da norma impugnada pelo Senado Federal. Somente assim, a decisão do STF adquire eficácia erga omnes.
O Poder Reformador institucionalizou uma nova forma de se conferir eficácia erga omnes às decisões do STF: a súmula vinculante. A própria Constituição estipulou que para a edição da súmula vinculante seriam necessários o preenchimento de alguns requisitos contidos no art. 103-A, que assim dispõe:
O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei(grifei).
Veloso, constata que fica evidente o contra senso da proposta de objetivação dos efeitos da decisão no controle difuso quando a própria Constituição estatui que as decisões do STF, para serem dotadas de força vinculante, necessitam da edição de uma súmula vinculante, mediante o voto de 2/3 dos membros, quando houverem reiteradas decisões acerca da matéria constitucional. Admitir que qualquer decisão do STF em controle difuso venha a gerar os mesmos efeitos de uma decisão proferida em controle concentrado ou que uma súmula vinculante é adotar entendimento que contraria a própria Constituição.
Deste modo, se o STF pretende que suas decisões em controle difuso sejam vinculantes e incidam erga omnes deve editar uma súmula vinculante ou seguir os ditames constitucionais, remetendo a decisão ao Senado, para a finalização do ato complexo constitucionalmente estipulado. Entender de forma diversa faz com que o ainda novel instituto das súmulas vinculantes perca sua razão de ser, já que terão o mesmo valor de qualquer outra decisão, não reiterada e proferida por uma maioria absoluta.
3. O STF E A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL DO ART. 52, X-CRFB
Os Tribunais Constitucionais (o STF age como um quando atua no controle de constitucionalidade concentrado) atuam como órgãos contra democráticos, já que retiram do ordenamento as leis democraticamente elaboradas pelo órgão dotado de representatividade popular. Assim, o STF age como “legislador negativo”. No entanto, para atuar no exercício dessa função, necessitam de algum tipo de legitimidade, ainda que não a legitimidade democrática.
Em março de 2014, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da Reclamação (RCL) 4335, na qual a Defensoria Pública da União (DPU) questionou decisão do juízo da Vara de Execuções Penais de Rio Branco (AC) que negou a dez condenados por crimes hediondos o direito à progressão de regime prisional. O STF reconheceu a possibilidade de progressão de regime nesses casos no julgamento do Habeas Corpus (HC) 82959, em fevereiro de 2006, por seis votos contra cinco, quando foi declarado inconstitucional o parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/1990 (Lei de Crimes Hediondos), que proibia tal progressão. No caso específico da Reclamação 4335, no entanto, o juiz do Acre alegou que, para que a decisão do STF no habeas corpus tivesse efeito erga omnes (ou seja, alcançasse todos os cidadãos), seria necessário que o Senado Federal suspendesse a execução do dispositivo da Lei de Crimes Hediondos, conforme prevê o artigo 52, inciso X, da Constituição Federal, o que não ocorreu.
Na sessão, o julgamento foi concluído após voto- vista do ministro Teori Zavascki, cujo entendimento foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Celso de Mello. Em seu voto, o ministro Teori salientou que, embora o artigo 52, inciso X, da Constituição estabeleça que o Senado deva suspender a execução de dispositivo legal ou da íntegra de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, as decisões da Corte, ao longo dos anos, têm-se revestido de eficácia expansiva, mesmo quando tomadas em controvérsias de índole individual.
O ministro também citou as importantes mudanças decorrentes da Reforma do Judiciário (EC 45/2004), a qual permitiu ao STF editar súmula vinculante filtrar, por meio do instituto da repercussão geral, as controvérsias que deve julgar.
É inegável que, atualmente, a força expansiva das decisões do STF, mesmo quando tomadas em casos concretos, não decorre apenas e tão somente da resolução do Senado, nas hipóteses do artigo 52, inciso X, da Constituição”, afirmou. O fenômeno, segundo o ministro, “está se universalizando por força de todo um conjunto normativo constitucional e infraconstitucional direcionado a conferir racionalidade e efetividade às decisões dos Tribunais Superiores e especialmente à Suprema Corte.
Ademais, o Ministro Gilmar Mendes, no seu voto aduz que o Senado Federal não teria a faculdade de editar ou não a resolução com publicação da decisão do STF no controle difuso, visto que o Senado não deve tomar uma decisão substantiva neste caso, mas trata-se de simples dever de publicação, que o mesmo artigo 52,10-CRFB, sofreu mutação constitucional.
O Min. Gilmar Mendes na Rcl 4.335/AC infringe um dos princípios basilares de hermenêutica constitucional: o da conformação funcional ao alegar a ocorrência de “mutação constitucional”. Segundo referido princípio:
“ (…) o órgão (ou órgãos) encarregado da interpretação da lei constitucional não pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido (Ehmke)”. É um princípio importante a observar pelo Tribunal Constitucional, nas suas relações com o legislador e Governo, e pelos órgãos constitucionais nas relações verticais de Poder de Poder (Estado/regiões, Estado/autarquias locais).
O Ministro Celso de Mello[1], relator da ADI 595, é categórico em afirmar que o controle concentrado de constitucionalidade transforma o Supremo Tribunal Federal em verdadeiro legislador negativo e vai além:
A ação direta, por isso mesmo, representa meio de ativação da jurisdição constitucional concentrada, que enseja, ao Supremo Tribunal Federal, o desempenho de típica função política ou de governo, no processo de verificação, em abstrato, da compatibilidade vertical de normas estatais contestadas em face da Constituição da República. O controle concentrado de constitucionalidade, por isso mesmo, transforma, o Supremo Tribunal Federal, em verdadeiro legislador negativo.
Zeno Veloso por seu turno, é incisivo ao considerar que a existência do ato do Senado compromete e diminui o papel do Pretório Excelso, afirmando a necessidade de reforma:
Devemos convir, entretanto, que não há razão para manter em nosso Direito Constitucional legislado a norma do art. 52, X da Constituição Federal, originaria da Carta de 1934, quando só havia o controle incidental, e o princípio da separação dos poderes se baseava em critérios e calores absolutamente ultrapassados, ancorados numa velha e rígida concepção oitocentista. Uma reforma é necessária, para que se estabeleça, de uma vez por todas, que as decisões do Supremo Tribunal Federal, no controle de constitucionalidade, tenham eficácia erga omnes e efeito vinculante.
Assim, verifica-se o quão controvertido está tal situação no palco jurídico brasileiro, pois, além dos efeitos que trarão as futuras decisões, o exercício do ativismo judicial pode ferir outros princípios que devem ser observados, como o Princípio da Interpretação Conforme. Tal premissa, diante de normas plurissignificativas deve se preferir a exegese que mais se aproxime da Constituição e, portanto, não seja contrária ao texto constitucional.
4 CONCLUSÃO
Neste diapasão, o fenômeno da abstrativização dos efeitos do controle difuso de constitucionalidade, ou transcendência dos motivos determinantes, é considerado, por alguns doutrinadores, como um avanço, contudo, para outros, um efeito que necessita de limites. A atuação proativa do STF pode ser justificada não só pela morosidade do Poder Legislativo em elaborar a lei no caso concreto, mas também pelo Princípio da força Normativa da Constituição que determina aos aplicadores da Constituição, ao solucionarem conflitos, conferir máxima efetividade às normas constitucionais. Por fim, Amorim reconhece que a matéria é tormentosa e adverte para as consequências decorrentes da abstração do controle difuso de constitucionalidade:
A matéria é tormentosa. Podem-se aí vislumbrar as ingentes dificuldades postas pelo sistema do stare decisis. Neste, com freqüência, ocorrem intermináveis discussões acerca de qual fundamento predomina na decisão, qual o seu conteúdo, sua extensão, a projeção no tempo. Mais ainda, indaga-se acerca dos limites entre os diferentes motivos fundantes do decisum, a dizer, a ratio decidendi, de um lado, e, de outro, as manifestações obter dicta, a saber, os argumentos secundários que apenas pretendem eficácia meramente persuasiva.
Essa trilogia – decisum, fundamento, obter dictum – pode bem desembocar em incertezas caudatárias de insegurança dos julgados e desconhecimento quando à extensão de seus efeitos. Em lugar dessas circunvoluções temerárias, fique-se com a súmula extraída diretamente dos decretos decisórios. Não se perca o contato com o chão. Vezes sem conta, a excessiva ousadia leva a voos de Ícaro.
Com efeito, em recente decisão no Plenário do STF ADI 3406/RJ e ADI 3470/RJ, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 29/II/20I7, houve mudança de entendimento, o STF decidiu que, mesmo se ele declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei, essa decisão também terá efeito vinculante e erga omnes.
A fim de evitar anomias e fragmentação da unidade, deve-se atribuir à decisão proferida em sede de controle incidental (difuso) a mesma eficácia da decisão tomada em sede de controle abstrato.
O § 5º do art. 535 do CPC/2015 reforça esse tratamento uniforme:
Art. 535. A Fazenda Pública será intimada na pessoa de seu representante judicial, por carga, remessa ou meio eletrônico, para, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias e nos próprios autos, impugnar a execução, podendo arguir:
III - inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação;
§ 5º Para efeito do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se também inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.
O Min. Gilmar Mendes afirmou que é preciso fazer uma releitura do art. 52, X, da CF/88. Essa nova interpretação deve ser a seguinte: quando o STF declara uma lei inconstitucional, mesmo em sede de controle difuso, a decisão já tem efeito vinculante e erga omnes e o STF apenas comunica ao Senado com o objetivo de que a referida Casa Legislativa dê publicidade daquilo que foi decidido.
O Min. Celso de Mello afirmou que o STF fez uma verdadeira mutação constitucional com o objetivo de expandir os poderes do Tribunal com relação à jurisdição constitucional.
Assim, a nova intepretação do art. 52, X, da CF/88 é a de que o papel do Senado no controle de constitucionalidade é simplesmente o de, mediante publicação, divulgar a decisão do STF. A eficácia vinculante, contudo, já resulta da própria decisão da Corte.
A Min. Cármen Lúcia afirmou que o STF está caminhando para uma inovação da jurisprudência, no sentido de não ser mais declarado inconstitucional cada ato normativo, mas a própria matéria que nele se contém.
Por fim, o Min. Edson Fachin concluiu que a declaração de inconstitucionalidade, ainda que incidental, opera uma preclusão consumativa da matéria. Isso evita que se caia numa dimensão semicircular progressiva e sem fim.
Dessa forma, pela análise das mais recentes decisões do STF em sede de Plenário, pode- se dizer que o STF mudou seu entendimento e passou a adotar a teoria da abstrativização do controle difuso de constitucionalidade, o que implica dizer que mesmo no controle incidental, as decisões terão eficácia erga omns e efeito vinculantes, por conta das menções feitas ao art. 52, X, da CF/88 e ao art. 535, § 5º do CPC.
Assim sendo, percebe-se que a inércia irrazoável do legislador, faz com que o judiciário, em uma postura ativista, passe a ter elementos para suprir a omissão, conforme se verificou nos vários exemplos supramencionados, fazendo com que o direito fundamental possa ser efetivado. Em contraponto, essa nova perspectiva precisa de limites, ou, ao menos, de regramentos para evitarmos abuso.
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[1] Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 81/2012 | p. 13 | Out / 2012 DTR\2012\451046
Bacharel em Direito e Analista Jurídica na Defensoria Pública do Amazonas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Taisa Emiliano da. Abstrativização do controle difuso do controle de constitucionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2023, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61604/abstrativizao-do-controle-difuso-do-controle-de-constitucionalidade. Acesso em: 26 dez 2024.
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