Resumo: O presente trabalho de conclusão de curso possui como objetivo principal analisar a implementação do juiz das garantias no âmbito do processo penal brasileiro, instituto criado pela lei 13.964/19, e sua implicação no que concerne a imparcialidade do juiz e a preservação dos direitos individuais. Para alcançar tal objetivo, utilizou-se, quanto aos fins, a pesquisa descritiva, visando analisar e descrever o tema a ser abordado. Quanto aos meios, utilizou-se a investigação através de pesquisas bibliográficas e documentais do tipo qualitativa. Constatou-se, por meio do estudo realizado, que embora a figura do juiz das garantias proporcione uma maior segurança quanto a imparcialidade do juiz e a garantia de direitos individuais no âmbito do processo penal, há uma forte resistência quanto a sua efetiva implementação, ocasionando assim, através de ações diretas de inconstitucionalidade, em sua suspensão em janeiro de 2020. Contudo, concluiu-se que há viabilidade para sua implementação e que a mesma será benéfica para o ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: juiz das garantias; imparcialidade; processo penal;
THE (IM)PARCIALITY OF THE JUDGE OF GUARANTEES AND THE PRESERVATION OF INDIVIDUAL RIGHTS
Abstract: This course conclusion work has as its main objective to analyze the implementation of the guarantees judge in the scope of the Brazilian criminal procedure, an institute created by law 13.964/19, and its implication with regard to the impartiality of the judge and the preservation of individual rights. In order to achieve this objective, descriptive research was used, in order to analyze and describe the topic to be addressed. As for the means, the investigation was used through bibliographical and documentary research of the qualitative type. It was found, through the study carried out, that although the figure of the judge of guarantees provides greater security regarding the impartiality of the judge and the guarantee of individual rights within the scope of criminal proceedings, there is a strong resistance regarding its effective implementation, causing thus, through direct actions of unconstitutionality, in its suspension in January 2020. However, it was concluded that its implementation is feasible and that it will be beneficial to the Brazilian legal system.
Keywords: guarantee judge; impartiality; criminal proceedings;
1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O processo penal, como todo o Direito, acompanha a evolução da humanidade quanto sociedade, buscando suprir seus anseios. Ao longo dos anos, as mudanças sociais e políticas interferiram diretamente nos modelos processuais penais adotados pelo Brasil.
Com o advento da lei 13.964/19, conhecida popularmente como pacote anticrime, houve a inserção da figura do juiz das garantias no âmbito do processo penal. Como forma de garantir a imparcialidade do juiz, determinou-se a divisão das atribuições do juiz ao longo do processo, ou seja, o juiz que atuará na fase investigatória, denominado juiz de garantias, não poderá atuar na ação penal no que se refere ao julgamento da causa (BRASIL, 2019).
Apesar da figura do juiz das garantias ter como propósito assegurar um procedimento justo e de acordo com os princípios estabelecidos no ordenamento jurídico brasileiro, o mesmo vem enfrentando forte resistência quanto a sua implementação, levantando questionamentos e discussões inclusive sobre sua constitucionalidade.
Diante desse contexto, a presente investigação tem o intuito de responder a seguinte questão norteadora: A implementação do instituto do juiz das garantias no âmbito do processo penal brasileiro, irá implicar na (im)parcialidade do juiz e a preservação aos direitos individuais? Diante desse questionamento, faz-se necessário atingir o objetivo central da presente investigação, qual seja: analisar os princípios que fundamentam o processo imparcial, a contribuição do juiz das garantias na imparcialidade do julgador e a viabilidade de sua implementação.
Para alcançar tal objetivo, utilizou-se, quanto aos fins, a pesquisa descritiva, visando analisar e descrever o tema a ser abordado. Quanto aos meios, utilizou-se a investigação através de pesquisas bibliográficas e documentais do tipo qualitativa.
A presente investigação encontra-se estruturada em quatro partes, quais sejam: considerações iniciais, seguida do referencial teórico onde será analisado o tema central da pesquisa, posteriormente são desenvolvidas as considerações finais. Por fim apresenta-se as referências que fundamentaram a pesquisa.
2-BREVE ANÁLISE SOBRE OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
Inicialmente adotado, o modelo inquisitivo originou-se das jurisdições eclesiásticas e expandiu-se no século VIII, sendo adotado pelas jurisdições laicas europeias e pelos ordenamentos jurídicos reais, predominando na Europa Continental (MESSA, 2017).
As principais características do modelo inquisitivo são definidas por Capez (2022) como procedimento sigiloso, escrito, que reúne na figura do juiz nos papeis de julgar e acusar o réu, que não passa de um objeto da persecução penal. Durante a produção de prova a tortura era frequentemente admitida para obter-se a confissão, denominada como “prova-mãe”.
O modelo acusatório, em oposto ao inquisitivo, possui a distinção entre órgão acusador e julgador, deste modo, predomina a liberdade de defesa e isonomia entre as partes do processo, com livre produção de provas e garantia do contraditório, ademais é característico a publicidade do procedimento (NUCCI, 2022)
O modelo acusatório vigorou na Antiguidade Grega, com a participação popular no direito de punir, e na Antiguidade Romana, na qual permaneceu até o fim da República; também foi adotado na França após as invasões bárbaras (MESSA, 2017). Atualmente esse sistema é adotado na legislação de vários países.
Surgindo após a Revolução Francesa, o sistema misto contém elementos dos dois modelos citados anteriormente e divide-se em duas fases, inicialmente inquisitiva na instrução preliminar e acusatória na fase final de julgamento, desta forma, na fase da instrução preliminar o procedimento é sigiloso, escrito e sem contraditório e na fase de julgamento há oralidade, contraditório e publicidade (NUCCI, 2022).
De acordo com Messa (2017), existem dois posicionamentos doutrinários em relação ao modelo adotado no processo penal atual brasileiro: a primeira corrente defende que o modelo adotado é misto, pois, o inquérito policial é inquisitivo e o processo penal propriamente dito é acusatório; a segunda corrente defende a adoção do modelo acusatório devido a distinção entre as funções de julgar, acusar e defender, além da fase investigativa ter caráter administrativo e não processual.
Os princípios que constam na Constituição Federal de 1988 estabelecem relação com o sistema acusatório, dentre eles, contraditório, ampla defesa e separação entre órgão julgador e acusador, entretanto não se constitui o processo por princípios, haja vista a necessidade de legislação ordinária (NUCCI, 2022).
Com o advento da lei 13.964/2019, houve mudanças no processo penal. O artigo 3º-A estabelece que o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação, além desse dispositivo, o artigo 3º-B dispõe sobre a criação do juiz das garantias, trazendo para a persecução penal mais elementos do modelo acusatório (BRASIL, 2019)
3- PRINCÍPIOS RELACIONADOS A FIGURA DO JUIZ DAS GARANTIAS NO PROCESSO PENAL
Os princípios são diretrizes para todo o direito, visam direcionar o legislador na elaboração das normas, bem como os operadores do direito na compreensão das mesmas, possuindo o intuito de garantir os direitos individuais e de limitar o poder estatal.
No âmbito do processo penal alguns princípios contribuem para a imparcialidade do julgador, igualdade processual e garantia de direitos individuais, princípios estes que se relacionam com a figura do juiz das garantias, como a seguir exposto.
3.1 O juiz natural e a imparcial
O juiz, em um Estado Democrático de Direitos, tem a função de assegurar os direitos fundamentais do indivíduo, nesse sentido, Lopes Junior (2021) destaca que a legitimidade de atuação do juiz é constitucional e possui como fundamento a proteção dos direitos fundamentais.
A luz do princípio do juiz natural, o juiz na persecução penal, segundo Nucci (2022) deverá previamente ser designado por lei como determina a Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LII: “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”, evitado assim o juízo ou tribunal de exceção” (BRASIL, 1988)
A prévia determinação do juiz garante de acordo com Lopes Junior (2021) uma ênfase na proteção, evitando manipulações relacionadas a competência e consequentemente a definição posterior do juiz, ou seja, quando o fato já ocorreu, mas o processo não iniciou, interferindo diretamente na sua imparcialidade.
As regras para a determinação da competência do juiz são divididas em critérios objetivos que englobam a competência territorial, natureza jurídica da infração e prerrogativa de função e critérios relacionados a elementos do processo como continência, conexão, prevenção e distribuição (BRITO, 2019)
Diante do exposto, podemos afirmar a ligação direta entre o juiz natural e a imparcialidade do magistrado, de acordo com Nucci (2022) o princípio do juiz imparcial decorre do juiz natural, pois um sem o outro não possui finalidade útil.
A participação do Brasil na Convenção Americana de Direitos Humanos, estabelecida pelo decreto 678/92, salientou os direitos do indivíduo a um processo imparcial e justo, dentre os direitos e garantias abordados, destacamos o direito do indivíduo de ser ouvido com um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente estabelecido anteriormente por lei.
Um dos objetivos do juiz natural é assegurar a atuação de um juiz imparcial no decorrer da persecução penal, porém o processo está sujeito a ser designado a um magistrado parcial, desta maneira, o interessado pode recorrer aos institutos da suspeição e impedimento do juiz, estabelecidos em lei.
3.2 Contraditório e ampla defesa
A Constituição Federal em seu artigo 5º, LV, determina que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL. Constituição Federal, 1988)
O contraditório é o método de confrontação de provas, em busca da verdade, fundando-se sobre o conflito, em procedimento disciplinado que segue um rito processual, entre as partes de acusação, que possui o interesse punitivo do estado, e a defesa, ao qual incube o interesse do acusado, com o objetivo de evitar acusações infundadas e penas arbitrarias (LOPEZ JUNIOR, 2021).
Nesse sentido, Capez (2022) afirma que o contraditório confere as partes o direito de praticar todos os atos que possam influenciar no convencimento do juiz, indicando a relevância da produção probatória e da valoração das provas no decorrer da persecução penal.
A ampla defesa complementa-se ao contraditório assegurando ao indivíduo o direito de defesa, é definida por Nucci (2022) como o direito do réu em utilizar-se de diferentes métodos para se defender da acusação que lhe foi imputada, pois como parte hipossuficiente no processo em relação ao Estado, necessita de uma compensação pelo poder estatal.
A inobservância do contraditório e da ampla defesa, implica diretamente na imparcialidade do juiz, pois, a apreciação dos elementos apresentados somente por uma parte não pode validar a decisão proferida.
3.3 Igualdade processual e a paridade de armas
Para que o processo ocorra de forma justa e imparcial é necessário que as partes possuam igualdade processual, neste sentido o art. 5º, caput, da CF/88 determina que todos são iguais perante a lei.
Capez (2022) leciona que na igualdade processual as partes possuem as mesmas oportunidades de produzirem suas argumentações, sendo tratadas igualmente na medida de suas igualdades e desigualmente na medida de suas desigualdades, tal posicionamento reflete o princípio da “paridade de armas”, aplicado a toda espécie de processo, incluindo o âmbito do processo penal.
A Constituição Federal estabelece os limites da desequiparação e os objetivos para a equiparação, visando atingir os fins e os fundamentos jurídicos a que se propôs, desta forma busca estabelecer uma situação que possibilite a igualdade entre as partes durante o processo (CARVALHO,2014)
4.ATUAÇÃO DO JUIZ NA FASE INVESTIGATÓRIA
A fase investigatória, denominada inquérito policial, é presidida pelo delegado de polícia, possui caráter administrativo, antecede a ação penal e busca a consolidação de um posicionamento do órgão acusador em relação a propositura ou não da ação penal (NUCCI,2022).
Durante o curso da investigação, sempre que necessário o uso de medidas de natureza jurisdicional, o Ministério Público e a autoridade policial devem solicitá-las ao juiz competente. Atualmente, o juiz que defere medidas para cercear direitos do investigado e o mesmo que possui competência para julgar a ação penal (SCHREIBER, 2020).
Nesse sentido, para assegurar um julgamento imparcial, a lei 13.964/2019 determinou a divisão das atribuições do juiz, ou seja, o juiz que atuará na fase investigatória, denominado juiz de garantias, não poderá atuar na ação penal no que se refere ao julgamento da causa (BRASIL, 2019)
Lopes Junior (2021) leciona que embora a investigação preliminar aprecie as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis sobre o fato imputado ao investigado, o contato direto aos fatos e dados e sobretudo com a parte passiva, podem provocar “pré-juízos” no juiz-instrutor, interferindo na decisão final.
Em complemento, Lopes Junior (2021) afirma que a atribuição de poderes investigatórios ou de iniciativa probatória ao juiz, resulta no comprometimento da imparcialidade do magistrado e contrasta com a inercia que caracteriza o julgador.
5- O JUIZ DAS GARANTIAS E SUAS COMPETÊNCIAS
Como citado anteriormente, com o advento da lei 13.964/2019 foi instituído a figura do Juiz das Garantias, com o objetivo de atuar na fase de investigação criminal, ou seja, antes do ajuizamento da ação penal, garantindo os direitos fundamentais atribuídos a pessoa investigada e a legalidade no decorrer das investigações (SCHREIBER, 2020).
O artigo 3º B, introduzido pela lei 13.964/2019 ao código de processo penal estabelece “O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade de investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário” (BRASIL, 2019).
No que concerne a competência do magistrado o artigo 3º-C do Código de processo penal estipula que o juiz poderá atuar em todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo (BRASIL, 2019).
As funções designadas ao juiz das garantias na investigação penal, de acordo com Nucci (2022) compreende acompanhar as investigações assegurando a correta colheita de provas, ademais, possui competência para todas as medidas de natureza jurisdicional solicitadas pelo órgão investigante, dentre elas a decretação de medidas cautelares, quebra de sigilo e ordem de busca e apreensão.
Após o recebimento da denúncia ou queixa, em seguida a citação do réu e a reposta a acusação, não havendo as hipóteses de suspensão condicional do processo e de absolvição sumária, o juiz das garantias deverá remeter os autos ao juiz da instrução e julgamento, conforme dispostos nos artigos 3º -B, XIV, e 3º -C, caput, do CPP (MARCÃO,2021)
Vale ressaltar que as decisões proferidas pelo juiz das garantias não estão atreladas ao juiz do processo, principalmente as referentes as medidas cautelares, portando, o juiz do processo poderá reavaliar tais decisões, bem como terá o dever de reexaminar periodicamente as medidas adotadas, avaliando e fundamentando sua decisão (LOPES JUNIOR,2023).
O artigo 3º-C, §3, da lei 13.964/19, dispõem que:
Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado (BRASIL,2019).
O artigo acima mencionado visa evitar a contaminação do juiz da instrução e julgamento pelos elementos coletados na fase investigatória, que como já citado, não estão sujeitos a contraditório e ampla defesa e portando não devem ser considerados para embasar uma sentença, a lei sobretudo assegura o acesso amplo das partes aos autos cautelados.
Acerca do artigo 3º-D, da lei 13.964/19, que trata sobre o impedimento do juiz que na fase de instrução que praticar qualquer ato incluído no art. 4º e 5º do Código de Processo penal (BRASIL, 2019), Lopes Junior (2023) menciona que o dispositivo reafirma que o juiz da fase de instrução é um juiz prevento que já teve contato com os elementos produzidos na fase investigatória e portando não cabe a ele julgar, pois a prevenção é causa de exclusão de competência e não de fixação.
6. A (IN)VIABILIDADE DO JUIZ DAS GARANTIAS NO ORDENAMENTO JÚRIDICO BRASILEIRO
O instituto do juiz das garantias, desde que sancionada a lei 13.964/2019 que o insere no Código de Processo Penal, teve sua constitucionalidade questionada. Durante o período de vacation legis, as ações diretas de inconstitucionalidade 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305 foram interpostas perante o órgão competente alegando-se vícios materiais e formais (STF, 2019). Em decisão em que deferiu a liminar acerca da suspensão do juiz das garantias, o ministro Luiz Fux, expôs os seguintes fundamentos:
a1) O juiz das garantias, embora formalmente concebido pela lei como norma processual geral, altera materialmente a divisão e a organização de serviços judiciários em nível tal que enseja completa reorganização da justiça criminal do país, de sorte que inafastável considerar que os artigos 3º-A a 3º-F consistem preponderantemente em normas de organização judiciária, sobre as quais o Poder Judiciário tem iniciativa legislativa própria (Art. 96 da Constituição);
(a2) O juízo das garantias e sua implementação causam impacto financeiro relevante ao Poder Judiciário, especialmente com as necessárias reestruturações e redistribuições de recursos humanos e materiais, bem como com o incremento dos sistemas processuais e das soluções de tecnologia da informação correlatas;
(a3) A ausência de prévia dotação orçamentária para a instituição de gastos por parte da União e dos Estados viola diretamente o artigo 169 da Constituição e prejudica a autonomia financeira do Poder Judiciário, assegurada pelo artigo 99 da Constituição;
(a4) Deveras, o artigo 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 95/2016, determina que “[a] proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”;
(a5) É cediço em abalizados estudos comportamentais que, mercê de os seres humanos desenvolverem vieses em seus processos decisórios, isso por si só não autoriza a aplicação automática dessa premissa ao sistema de justiça criminal brasileiro, criando-se uma presunção generalizada de que qualquer juiz criminal do país tem tendências que favoreçam a acusação, nem permite inferir, a partir dessa ideia geral, que a estratégia institucional mais eficiente para minimizar eventuais vieses cognitivos de juízes criminais seja repartir as funções entre o juiz das garantias e o juiz da instrução;
(a6) A complexidade da matéria em análise reclama a reunião de melhores subsídios que indiquem, acima de qualquer dúvida razoável, os reais impactos do juízo das garantias para os diversos interesses tutelados pela Constituição Federal, incluídos o devido processo legal, a duração razoável do processo e a eficiência da justiça criminal;
(a7) Medida cautelar concedida, para suspensão da eficácia dos artigos 3º-A a 3º-F do Código de Processo Penal (Inconstitucionalidades formal e material). (STF,2020)
Em suma, as principais alegações das ações diretas de inconstitucionalidade são o aumento de despesas não prevista no orçamento judiciário e à iniciativa da organização judiciária não caber a lei provinda do poder legislativo.
Contrário a alegada inconstitucionalidade do juiz das garantias, Nucci (2022) explica que o instituto trata de matéria pertencente ao processo penal e relaciona-se a competência, não necessitando da iniciativa do judiciário, no tocante ao aumento de despesas do judiciário, ressalta-se a utilização dos juízes de carreira não havendo necessidade de preenchimento de novas vagas.
Com a possibilidade da inserção do juiz das garantias no ordenamento jurídico brasileiro, iniciou-se uma intensa discussão entre os operadores do direito sobre a (in)viabilidade de sua implementação, ocasionado em posicionamentos divergentes entre críticos e defensores.
Como causa de inviabilidade destaca-se a falta de estrutura do sistema judiciário brasileiro, Maya (2010) disserta que essa deficiência não pode ser usada como justificativa para um sistema falho, e que tal constatação deveria servir de alerta para que as mudanças necessárias para um sistema efetivo sejam realizadas, concluindo que precisamos avançar na teoria para que haja a mudança na prática.
Lopes Junior (2023) afirma que o principal argumento daqueles que criticam a figura do juiz das garantias é a inviabilidade da implementação nas comarcas que possuem apenas um juiz, mas que a solução seria simples, como por exemplo: analisar se há comarcas próximas em que haja dois ou mais juízes, assim um deles pode atuar como juiz das garantias, utilizando-se da tecnologia para solucionar o problema da distância entre as comarcas.
Neste sentido o artigo 3º-D, parágrafo único, da lei 13.964/19 dispõem que “Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo” (BRASIL, 2019).
Em relação ao aumento dos gastos orçamentários no poder judiciário, Estefam (2022) alega que não é certo o aumento de gastos levando em consideração o uso da tecnologia como ferramenta para viabilizar a implementação, tecnologia que atualmente encontra-se acessível ao poder judiciário em grande parte do país.
Em conclusão, Schreiber (2020) afirma que apesar das mudanças significativas que o juiz das garantias trará ao ordenamento jurídico brasileiro, a maior mudança será ideológica ou principiológica e não propriamente estrutural, haja vista que o juiz das garantias é um grande passo a consolidação do sistema acusatório.
7.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro, o juiz das garantias, vem levantado questionamentos sobre sua constitucionalidade e viabilidade de implementação. Atualmente o instituto encontra-se suspenso pela interposição de Ações Diretas de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.
Considerado por alguns juristas como a consolidação do sistema acusatório no ordenamento jurídico brasileiro, o juiz das garantias atua na fase investigatória e busca não contaminar o juiz da instrução com provas produzidas sem o devido contraditório e ampla defesa, além da garantia de direitos individuais.
Analisamos com a presente pesquisa como a inserção do juiz das garantias no ordenamento jurídico brasileiro implicará na imparcialidade do julgador e na garantia dos direitos individuais, considerando desde os princípios que se relacionam a figura até a (in)viabilidade de sua implementação.
Pudemos aferir que a atuação do “duplo juiz” é de suma importância no que tange a garantia de um julgador imparcial, haja vista que o juiz, como qualquer outro ser humano, está sujeito a estabelecer pré-conceitos quando em contato com provas produzidas na fase investigatória.
No que concerne a salvaguarda dos direitos individuais, além de ser uma responsabilidade explícita do juiz das garantias, resulta da atuação do “duplo juiz”, visto que coíbe a figura do juiz inquisidor e consequentemente seus possíveis excessos.
Assim é possível chegar ao entendimento que mesmo diante da grande resistência em relação a sua implementação, considerando a falta de estrutura do poder judiciário e o possível aumento de gastos, o juiz das garantias é um passo importante no fortalecimento do sistema acusatório e de um processo justo e imparcial.
REFERÊNCIAS
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Schreiber, Simone. "Em defesa da constitucionalidade do juiz das garantias." Consultor Jurídico, São Paulo 25 (2020).
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Una Betim
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NEVES, Caroline Rosa das. A (im)parcialidade do juiz das garantias e a preservação dos direitos individuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2023, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61786/a-im-parcialidade-do-juiz-das-garantias-e-a-preservao-dos-direitos-individuais. Acesso em: 24 dez 2024.
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