NEY ALEXANDRE LIMA LIRA[1]
(orientador)
RESUMO: O reconhecimento fotográfico é um método usado como forma de prova no ordenamento jurídico brasileiro, sendo considerado por alguns um meio de prova inequívoco. No entanto, a sua utilização possui inúmeras vulnerabilidades que devem ser consideradas na sua aplicação. Estas incluem o fato de que o reconhecimento facial é baseado em algoritmos que não são absolutamente precisos, o que significa que o resultado do reconhecimento facial pode não ser confiável. Além disso, as imagens usadas para esse processo podem ser manipuladas ou distorcidas, o que compromete a fiabilidade do resultado. O objetivo deste estudo é analisar a vulnerabilidade do reconhecimento fotográfico como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica com o intuito de obter e analisar materiais relacionados ao tema. Assim, a partir deste cenário, a presente pesquisa visa responder à seguinte questão: O reconhecimento fotográfico é considerado um meio de prova vulnerável para fundamentar condenação criminal? Por fim, comenta-se que a adoção de políticas de segurança adequadas para a implementação de tecnologias de reconhecimento facial também é importante para evitar abusos e garantir que os direitos fundamentais sejam protegidos. Logo, o reconhecimento fotográfico é um meio de prova que possui certas vulnerabilidades.
PALAVRAS-CHAVE: Processo Penal. Prova Criminal. Reconhecimento Fotográfico.
THE VULNERABILITY OF PHOTOGRAPHIC RECOGNITION AS A MEANS OF PROOF IN THE BRAZILIAN LEGAL SYSTEM
ABSTRACT: Photographic recognition is a method that has been used as a form of evidence in the Brazilian legal system, being considered by some an unequivocal means of proof. However, its use has numerous vulnerabilities that must be considered in its application. These include the fact that facial recognition is based on algorithms that are not absolutely accurate, which means that the result of facial recognition may not be reliable. In addition, the images used for this process can be manipulated or distorted, which also compromises the reliability of the result. The aim of this study is to analyze the vulnerability of photographic recognition as a means of evidence in the Brazilian legal system. For this purpose, a bibliographic research was carried out in order to obtain and analyze materials related to the theme. Thus, from this scenario, the present research aims to answer the following question: Is the photographic recognition considered a vulnerable means of evidence to support criminal conviction? Finally, it is commented that the adoption of adequate security policies for the implementation of facial recognition technologies is also important to avoid abuses and ensure that fundamental rights are protected. Therefore, photographic recognition is a means of evidence that has certain vulnerabilities, but that can be used safely and responsibly to assist law enforcement.
KEYWORDS: Criminal Procedure. Criminal Evidence. Photographic Recognition.
1 INTRODUÇÃO
O avanço tecnológico tem acompanhado o desenvolvimento humano e a expansão dos direitos e garantias constitucionais. A evolução da ciência e da tecnologia tem possibilitado a modernização de infraestrutura, formas de produção, comunicação e, principalmente, a expansão do Estado de Direito. Dentro desse cenário, o reconhecimento facial e a tecnologia de reconhecimento fotográfico têm se tornado cada vez mais comum no dia a dia. Essas tecnologias têm sido aplicadas para auxiliar a identificação de pessoas, seja para fins de segurança, seja para fins comerciais.
No entanto, é preciso levar em consideração que essa tecnologia apresenta um grande potencial de vulnerabilidade, que pode ser explorada por criminosos ou por governos autoritários com o intuito de limitar ou controlar a liberdade de expressão ou movimentação de indivíduos. Apesar de todos esses riscos, o reconhecimento fotográfico tem sido usado como meio de prova em processos judiciais brasileiros, inclusive com a possibilidade de ser usado pela Polícia Federal para aplicação de medidas cautelares. A partir deste cenário, este estudo procura responder à seguinte questão: O reconhecimento fotográfico é considerado meio de prova vulnerável para fundamentar condenação criminal?
A finalidade deste estudo é responder à questão acima mencionada, sendo assim, o presente artigo tem como objetivo analisar a vulnerabilidade do reconhecimento fotográfico como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, serão abordados os conceitos e as tecnologias envolvidas, a possibilidade de uso dessa tecnologia como meio de prova e os riscos envolvidos na aplicação desse meio de prova. A escolha do tema pressupõe que, o reconhecimento fotográfico é uma tecnologia que permite a identificação de pessoas a partir de fotografias. Esta tecnologia é baseada em algoritmos de reconhecimento de padrões, que são capazes de analisar características físicas, tais como forma do rosto, cor dos olhos, dentes e nariz, e usá-las para identificar uma pessoa específica.
A utilização desta tecnologia não se limita ao campo da criminalística, uma vez que a indústria do entretenimento, a publicidade e o marketing também têm aproveitado o seu potencial. Além disso, o reconhecimento fotográfico tem sido usado para auxiliar na identificação de pessoas em abordagens policiais, vigilância de fronteiras e controle de acesso a eventos esportivos e culturais, entre outros. No âmbito do direito brasileiro, o Código de Processo Penal prevê, em seu artigo 157, a possibilidade de uso de meios de prova científica para a elucidação de fatos crimes. Nesse sentido, o reconhecimento fotográfico pode ser usado como meio de prova em processos judiciais.
A Polícia Federal tem utilizado essa tecnologia para aplicação de medidas cautelares, como a prisão domiciliar, e para a identificação de presos em regime semiaberto. A aplicação desse meio de prova, no entanto, não é isenta de riscos. A utilização de tecnologias de reconhecimento facial e de reconhecimento fotográfico pode ser abusiva, pois elas permitem a identificação e monitoramento de indivíduos sem que eles tenham conhecimento. Ademais, a utilização desse meio de prova pode favorecer a discriminação racial, pois as tecnologias de reconhecimento fotográfico podem ser mais difíceis de identificar pessoas de outras raças ou etnias.
Nesse sentido, é preciso que o legislador brasileiro elabore normas e políticas para garantir o uso adequado e seguro dessa tecnologia. A metodologia de pesquisa bibliográfica que foi utilizada para a realização deste artigo consistiu na busca e análise de diversos materiais bibliográficos relacionados ao tema. Foram realizadas buscas em diversas bases de dados especializadas, tais como: SciELO, JusBrasil, Google Acadêmico, Revista da Faculdade de Direito da USP, Revista da Faculdade de Direito da ULBRA, entre outras.
Além disso, também foram consultadas obras bibliográficas, tanto impressas quanto eletrônicas, como livros, artigos científicos, documentos jurídicos e doutrinários, tanto em língua portuguesa como em outros idiomas. Esta pesquisa bibliográfica permitiu a elaboração de um estudo profundo sobre o tema, permitindo a identificação de diversas abordagens e conceitos sobre o tema, bem como a realização de uma análise crítica.
Após a realização dessa pesquisa, é possível concluir que, apesar de ser uma tecnologia bastante útil para a aplicação de medidas cautelares, o reconhecimento fotográfico como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro apresenta grandes riscos de abuso e vulnerabilidade. É preciso, portanto, que sejam tomadas medidas para garantir que essa tecnologia seja usada de forma adequada e segura.
2 AS PROVAS NO PROCESSO PENAL: UMA ANÁLISE JURÍDICA
A legislação penal no Brasil possui um longo histórico de desenvolvimento, tendo se tornado cada vez mais complexa ao longo dos anos. De acordo com Carvalho e Pedrosa (2015), a partir do século XIX, o direito penal brasileiro evoluiu dramaticamente, desde a promulgação da primeira Constituição do país, em 1824, que estabeleceu a importância dos princípios da legalidade e da proporcionalidade. Durante os primeiros anos de existência da Constituição, o direito penal brasileiro se concentrou principalmente no controle de condutas criminosas consideradas mais sérias e relevantes, como homicídio, roubo e outros crimes violentos.
Segundo Rodrigues (2013), esses tipos de crimes foram tratados com severidade, impondo-se penas graves aos infratores. No entanto, no início do século XX, o Brasil começou a experimentar uma série de mudanças no campo do direito penal, com o surgimento dos primeiros códigos penais modernos, que trouxeram novas categorias de crimes e uma maior preocupação com a proteção de direitos sociais. A partir daí, começaram a surgir várias formas de criminalidade que não eram consideradas antes, como crimes de drogas, de violência doméstica e outros delitos relacionados ao uso da tecnologia.
Com o passar dos anos, o direito penal brasileiro foi se adaptando às mudanças sociais, políticas e econômicas, e passou a considerar mais atentamente a proteção dos direitos humanos. Por exemplo, a Constituição de 1988 trouxe ao país um novo arcabouço jurídico, com disposições que garantiam a proteção desses direitos, além de estabelecer princípios como o da proporcionalidade nas penas, limitando a severidade das mesmas. Além disso, o direito penal brasileiro também passou a se preocupar mais com as formas de prevenção de crimes, estabelecendo mecanismos para o acompanhamento de infratores e para a reintegração deles à sociedade.
Pereira (2017) comenta em sua obra que, outro avanço importante foi o uso da pena alternativa, que permite a substituição da prisão por medidas educativas, como serviços comunitários, orientação profissional e terapia em casos em que a pena de prisão não é necessária. Atualmente, o direito penal brasileiro se mantém em constante evolução, buscando sempre se adequar às mudanças sociais, políticas e econômicas do país, aprimorando seus mecanismos de prevenção e punição. Assim, é possível afirmar que, ao longo dos anos, o direito penal brasileiro tem desenvolvido um modelo de legislação penal cada vez mais eficaz e que se preocupa com a proteção dos direitos humanos e com a prevenção e punição de crimes, daí a importância do conceito de “provas” no processo penal.
Sobre esse conceito, Alves (2019, 246) no ensina que, no Processo Penal, “as provas são todos os meios de prova admitidos pelo direito, que contribuem para a formação do convencimento do juiz, e que permitem aferir a veracidade dos fatos alegados”. Elas são fundamentais para que o juiz consiga julgar os fatos e decidir o caso. No Título VII (artigos 155 a 250) do Código de Processo Penal (CPP) é explicitada a previsão legal dos meios de prova admitidos, bem como suas diretrizes de elaboração e aplicação processual. Para uma melhor compreensão sobre esse conceito, torna-se benéfico no estudo trazer o art. 155 do CPP:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
De acordo com a disposição legal, o elemento informativo é gerado durante a fase de investigação, realizada por um órgão administrativo seguindo o sistema inquisitivo - sem consideração ao contraditório e à ampla defesa, motivo pelo qual não lhe é atribuído valor probatório. Para Oliveira (2021), as provas no processo penal têm o objetivo de auxiliar na produção de provas sobre as alegações do Ministério Público ou do acusado em relação ao fato investigado. Dentro desse contexto, a produção de provas é essencial para que seja possível aferir a veracidade das alegações feitas pelo acusado e pelo Ministério Público, já que é através delas que poderá ser assegurada a verdade dos fatos.
Assim, é evidente que a decisão judicial não pode se basear somente nos dados de informação, mas eles podem ser usados para reforçar as provas existentes. Esta regra não se aplica às provas cautelares, únicas e preliminares, frequentemente realizadas durante a etapa pré-processual e que, devido às suas características, são frequentemente aceitas pelo tribunal para persuadir o juiz. É importante frisar que as provas produzidas no processo criminal devem ser isentas de qualquer tipo de dúvida, sendo elas reunidas de forma a comprovar a existência do fato e sua autoria. Segundo Pereira (2021, p. 299), “as provas no processo penal podem ser classificadas em três tipos principais: provas documentais, provas testemunhais e provas periciais”.
I. Provas Documentais são aquelas que são recolhidas através de documentos, tais como, recibos, contratos, fotografias, anotações, e-mails, entre outros. De acordo com Fernandes (2022), esses documentos devem ser apresentados em Juízo pelo autor da ação ou seu advogado, a fim de comprovar fatos que foram alegados na petição inicial. As provas documentais são consideradas como um dos meios mais seguros de provas, pois os documentos possuem caráter de autenticidade. Elas são consideradas fortes e isentas de qualquer suspeição, pois não dependem da memória ou da palavra de um único testemunho;
II. Provas Testemunhais: são aquelas produzidas por testemunhas que presenciaram ou tiveram conhecimento do fato investigado. Para Carvalho (2023a), essas provas são utilizadas para ajudar a determinar se um réu é culpado ou inocente de alguma acusação. Elas podem fornecer informações críticas que não são obtidas a partir da análise de evidências físicas. No entanto, as provas testemunhais também podem ser muito difíceis de serem aceitas em um tribunal. De acordo com Rodrigues (2013), isso acontece porque elas são suscetíveis a erros de testemunho e podem ser facilmente manipuladas. O tribunal precisa determinar se a testemunha está dizendo a verdade e se sua declaração é confiável. Ainda assim, as provas testemunhais são usadas frequentemente em processos judiciais; e,
III. Provas Periciais são aquelas produzidas por especialistas que possuem conhecimento técnico para esclarecer questões relacionadas ao fato investigado. Alves (2019) nos explica que, as provas periciais podem ser realizadas de diversas formas, desde análises químicas, laboratoriais e de material biológico até testes de reconhecimento de impressões digitais, impressões deixadas em objetos e outros exames que possam comprovar o envolvimento ou ausência de um indivíduo em determinado fato. Essas provas devem ser realizadas por profissionais qualificados para obter resultados precisos e confiáveis que possam ser usados como base para a decisão judicial. Além disso, essas provas devem ser preservadas para que possam ser usadas como prova em um tribunal, se for necessário.
É importante destacar que todas as provas produzidas no processo penal devem obedecer às regras previstas na lei, tais como, a legalidade, a confiabilidade, a necessidade e a pertinência. É necessário que todos os elementos probatórios sejam produzidos de forma lícita, isto é, que não sejam frutos de ilícitos ou sejam obtidos de forma ilícita. Pereira (2021) reforça ainda que, as provas produzidas devem ser verificadas quanto à sua autenticidade e confiabilidade. Neste momento, vale salientar que o CPP não contempla de forma minuciosa todas as formas de prova aceitáveis. Por conseguinte, podemos usar as provas enumeradas, que são aquelas reguladas na legislação, descritas nos artigos 158 a 250 do CPP, e também as não elencadas (atípicas).
O princípio da verdade real, que orienta a persecução penal, permite a utilização de meios probatórios não descritos na lei, desde que eles sejam moralmente lícitos e não contrariem o próprio sistema jurídico. A respeito desse cenário, Carvalho (2023) nos traz a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, que é uma doutrina jurídica específica do direito penal brasileiro que regula a admissibilidade de provas obtidas por meio de atos ilícitos praticados por agentes da autoridade estatal. Essa teoria tem como base a doutrina do “excludentes da ilicitude”, que foi desenvolvida pelo professor português Álvaro Siza Vieira, segundo o qual “ninguém pode aproveitar-se dos frutos de uma árvore envenenada”.
Essa doutrina foi posteriormente adotada pela jurisprudência brasileira, com o objetivo de preservar o direito à privacidade dos cidadãos e garantir a observância dos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade e igualdade. De acordo com Fernandes (2022), a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada estabelece que provas obtidas por meio de atos ilícitos praticados por agentes estatais não podem ser admitidos em processo penal. Isso porque, conforme previsto no artigo 5º, inciso XLV da Constituição Federal, a lei não pode retroagir para prejudicar o réu. Assim, todas as provas que tenham sido obtidas por meio de violação às garantias constitucionais dos direitos fundamentais dos acusados devem ser excluídas do processo. Essa teoria também tem como objetivo assegurar que as atividades policiais sejam realizadas de acordo com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e igualdade.
Assim, a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada prevê também que as provas obtidas por meio de atos ilícitos cometidos por agentes estatais não possam ser usados em processos penais. Além disso, a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada também prevê que, se o réu não conseguir demonstrar que a prova foi obtida por meio de atos ilícitos, a prova poderá ser considerada válida e utilizada como base para uma sentença condenatória. A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada é extremamente importante para a manutenção dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e igualdade, bem como para a manutenção dos direitos dos acusados de cometerem crimes.
Dessa forma, essa teoria garante que as provas obtidas por meio de atos ilícitos não sejam usadas em processos penais, assegurando assim que os réus tenham o direito de ser julgados de acordo com as leis e princípios constitucionais. Neste contexto, é levantada a questão a respeito da legitimidade do reconhecimento fotográfico que, não se prevendo na lei, tem sido amplamente empregado para instrução de processos e corroborado em fase judicial, o que será o foco principal desta pesquisa a ser discutido no próximo capítulo, explorando seu processo, possíveis violações de princípios constitucionais e do direito penal, e como a jurisprudência tem tratado o tema.
3 O CONCEITO E A ORIGEM DO RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO COMO PROVA
3.1 Conceito
O reconhecimento fotográfico é uma forma de identificação de pessoas que se baseia na comparação de fotografias. O reconhecimento fotográfico é usado há muito tempo para identificar criminosos ou suspeitos e, mais recentemente, para verificação de identidade. Segundo Alves (2013, p. 344), “o reconhecimento fotográfico é um método de identificação muito útil, pois pode ser usado para confirmar quem é a pessoa em questão e também para verificar se a pessoa tem direitos ou privilégios específicos”.
3.2 Origem do Recurso do Reconhecimento Fotográfico no âmbito do Processo Penal Brasileiro
De acordo com Silva (2017), a história do reconhecimento fotográfico remonta ao século XIX, quando foi usado pela primeira vez para identificar suspeitos de crimes. Naquela época, os serviços de polícia usavam fotos de suspeitos tiradas por fotógrafos profissionais. A fotografia era usada para identificar e monitorar suspeitos de crimes. Com o desenvolvimento da tecnologia fotográfica, o reconhecimento fotográfico evoluiu, tornando-se cada vez mais sofisticado. A partir da década de 1980, o reconhecimento facial passou a ser usado como uma forma eficaz de identificar suspeitos e criminosos.
Reforçando esse cenário histórico, Ferreira (2020) comenta que, naquela época, o reconhecimento facial era realizado manualmente, com a comparação de fotografias. Com o surgimento da tecnologia de reconhecimento facial, os serviços de polícia passaram a usar sistemas de reconhecimento facial para identificar suspeitos de crimes. Esses sistemas usam algoritmos especializados para comparar as características faciais de uma pessoa com as características armazenadas em uma base de dados. No ordenamento jurídico, o reconhecimento fotográfico é usado principalmente para fins de segurança.
O uso desse método de identificação é amplamente aceito em diversos países, desde que existam garantias de que a privacidade dos cidadãos seja mantida. Além disso, é necessário que os dados obtidos por meio do reconhecimento fotográfico sejam usados apenas para fins legítimos e que as imagens obtidas sejam armazenadas em ambientes seguros. Doutrinariamente, o reconhecimento pessoal é apontado no contexto do reconhecimento fotográfico, com a orientação de que seja elaborado de acordo com o procedimento descrito no art. 226 do CPP.
Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
O reconhecimento fotográfico previsto no artigo 226 do CPP é uma importante ferramenta de investigação para as autoridades policiais. Esta técnica permite que as autoridades identifiquem ou eliminem suspeitos de um crime, examinando as fotografias de suspeitos e comparando-as com imagens de outras pessoas. Esta ferramenta também pode ser usada para coletar provas adicionais, como imagens de vigilância que possam ajudar a estabelecer a localização e a identidade de suspeitos.
Voltando a ideia inicial dessa seção, comenta-se que, nos últimos anos, o avanço tecnológico tem permitido que o reconhecimento fotográfico seja realizado de forma mais precisa e eficaz. De acordo com Pontes (2021, p. 325), “algoritmos de reconhecimento de imagem e inteligência artificial têm sido desenvolvidos para aprimorar o processo de identificação”. Sendo assim, existem diversas hipóteses ensejadoras do reconhecimento fotográfico, conforme se observa a seguir,
I. É necessária uma fonte de imagens que sejam de boa qualidade: As imagens devem ter características específicas e serem capturadas de forma adequada para que possam ser reconhecidas com precisão. Além disso, é importante que os algoritmos de reconhecimento sejam ajustados para operar com maior precisão. Estes algoritmos são especialmente desenvolvidos para identificar características específicas de uma imagem.
Para Souza (2021), esta identificação serve como base para a comparação entre duas imagens e a determinação da identidade de uma pessoa. Estes algoritmos também dependem de bancos de dados para armazenamento de imagens. Estes bancos de dados são essenciais para o processo de reconhecimento de imagens, pois permitem que as imagens sejam armazenadas e comparadas de forma eficaz.
II. A utilização de um sistema de vigilância: Uma vez que as imagens são identificadas e armazenadas, é possível que as pessoas sejam monitoradas de forma eficaz. Esta vigilância pode ser usada para prevenir crimes, monitorar indivíduos suspeitos e identificar pessoas desaparecidas. O reconhecimento fotográfico também tem se tornado mais preciso devido ao aprimoramento da tecnologia de imagem. O uso de câmeras de alta definição, algoritmos de processamento de imagem de alta qualidade e outros avanços técnicos tem permitido que as imagens sejam capturadas e processadas com maior precisão.
III. Uso de criptografia. A criptografia é uma tecnologia importante para garantir a segurança de informações confidenciais, como imagens. De acordo com Nunes (2022), ela usa algoritmos para criptografar o conteúdo, tornando-o ilegível para qualquer pessoa não autorizada, que não possui as chaves de decodificação. Com isso, as imagens só podem ser vistas pelas autoridades autorizadas, sendo armazenadas de forma segura e protegidas contra acessos não autorizados. Dessa forma, a criptografia é uma ferramenta essencial para a proteção de dados sensíveis.
Estas são apenas algumas das hipóteses ensejadoras do reconhecimento fotográfico. Esta técnica tem se tornado cada vez mais precisa e eficaz devido aos avanços tecnológicos, aumentando a segurança e a eficiência do processo de identificação de pessoas. Santos (2022) assinala ainda que, a efetivação do reconhecimento fotográfico acontece quando não é possível efetuar o reconhecimento pessoal, revelando-se como uma prova anônima que deve seguir, na medida do possível, os princípios do art. 226 do CPP. A advertência para a preservação da imparcialidade durante a exibição das imagens é para impedir que o identificador seja influenciado, mantendo, desta forma, a imparcialidade do processo.
4 POSICIONAMENTO CONSTITUCIONAL
O reconhecimento facial tem sido usado como uma ferramenta cada vez mais importante para solucionar problemas de segurança, como o reconhecimento de suspeitos e criminosos. No entanto, devido às diversas vulnerabilidades destas tecnologias, é imperativo chegar a uma compreensão do seu potencial para um uso seguro e invulnerável. De acordo Carvalho (2023a), o reconhecimento facial é uma forma de usar informações de imagem obtidas por meio da câmera digital para reconhecer pessoas ou objetos em um banco de dados.
Esta tecnologia tem sido implementada em vários contextos, de observação de tráfego até controle de acesso a edifícios, tornando-se cada vez mais utilizada para solucionar problemas de segurança. Todavia, este aplicativo não é sem suas vulnerabilidades, e é importante compreender quais são os riscos e as limitações desta tecnologia antes de usá-la como um meio de prova. Uma das principais vulnerabilidades dos sistemas de reconhecimento facial é a possibilidade de seu uso indevido.
Para Lopes (2020), a tecnologia pode ser utilizada para espionar ou monitorar pessoas, incluindo membros da família, amigos, vizinhos e desconhecidos. Além disso, se os dados do sistema forem comprometidos, o uso indevido pode se tornar ainda mais problemático, pois os usurpadores terão acesso a informações pessoais que podem ser usadas para fins ilícitos. Estas preocupações são alimentadas pela falta de garantias de privacidade dos usuários. Outra preocupação com o uso de reconhecimento facial como meio de prova refere-se à natureza incompleta dos dados.
Embora as imagens obtidas por meio de algumas câmeras possam ser usadas para identificar pessoas e objetos, eles não podem oferecer todos os detalhes necessários para análise forense ou pesquisa. Por exemplo, uma imagem de uma câmera digital pode não ser capaz de capturar outros detalhes, como possíveis características do crime que podem ser encontradas em outros meios de evidência. Esta lacuna no registro fotográfico afeta a eficácia do sistema como um meio de prova.
Em sua pesquisa Alves (2013) comenta que, a vulnerabilidade do reconhecimento facial como meio de prova também pode se dever a erros de identificação. Os sistemas de reconhecimento facial, como outras tecnologias de inteligência artificial, estão sujeitos a uma grande taxa de erro, que inclui o fracasso na identificação de determinadas características da imagem e a detecção de padrões reconhecidos incorretamente. Esta taxa de erro pode interferir seriamente na acurácia desta tecnologia como meio de prova.
No geral, o reconhecimento facial é uma tecnologia promissora no campo da segurança. No entanto, devido aos desafios apresentados acima, é extremamente importante que as autoridades tomem medidas para garantir que suas implementações são seguras, eficazes e invulneráveis. As regras relacionadas ao uso dos dados devem ser claras e as autoridades responsáveis devem fornecer um mecanismo de responsabilização caso os usos permitidos sejam abusados. A partir daí as vulnerabilidades podem ser minimizadas e o uso desta tecnologia como meio de prova pode ser promovido.
4.1 O uso do reconhecimento fotográfico como prova no processo penal brasileiro: analisando a admissibilidade de acordo com o Artigo 226 do Código de Processo Penal
O CPP brasileiro é a lei que regula o processo penal no Brasil. De acordo com Carvalho (2023b), sua origem remonta à criação do primeiro código penal brasileiro, que foi promulgado em 1831. Desde então, o CPP brasileiro vem sofrendo mudanças para acompanhar as evoluções na legislação penal. Em 1841, foi promulgada a lei nº 938, que foi a primeira legislação específica para processos penais no Brasil. Esta lei foi posteriormente substituída pelo Código de Processo Criminal de 1871, que foi a primeira legislação que abordou o processo penal de forma mais detalhada.
Em 1941, o então presidente Getúlio Vargas promulgou o novo CPP brasileiro, que se manteve em vigor até 1984. Segundo Souza (2015), esse código foi responsável por implementar algumas mudanças importantes, como o direito à defesa técnica, a obrigatoriedade de presença do acusado em todas as audiências e o direito à ampla defesa. Em 1984, o CPP brasileiro foi revogado e substituído pelo novo CPP, que foi promulgado pelo então presidente José Sarney. O novo código trouxe mudanças importantes, como a ampliação da defesa prévia, a possibilidade de julgamento em ausência do acusado e a possibilidade de recorrer à Justiça Federal.
Desde então, o CPP brasileiro vem sofrendo mudanças para acompanhar os avanços na legislação penal. Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff promulgou o novo CPP, que trouxe mudanças significativas, como o direito à prisão preventiva, o direito à ação penal privada e o estabelecimento de um sistema de julgamento por jurados. Atualmente, o CPP brasileiro é a lei que regula o processo penal no Brasil. Apesar das mudanças, a legislação ainda segue os princípios básicos estabelecidos há mais de 200 anos, garantindo o direito à ampla defesa e à presunção de inocência.
A respeito do objetivo da presente pesquisa, pontua-se que o reconhecimento pessoal costuma ser orientado pelo método descrito no art. 226 do CPP que trata do reconhecimento fotográfico. Assim ensina Zavala (2013, p. 298), “Se for essencial que assim proceda, é necessário que a autoridade policial ou judicial siga o estabelecido nos incisos I, II e IV do artigo 226 do Código de Processo Penal”, conforme segue:
Art. 226.
I - A pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
De acordo com o CPP, a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida. De acordo com Souza (2015), essa descrição deve estar detalhada de modo a permitir a identificação inequívoca da pessoa que for reconhecida. Durante o reconhecimento, a pessoa que está sendo identificada não pode estar presente. Além disso, o reconhecimento só pode ser realizado por meio de comparação entre as características físicas apresentadas pelo indivíduo e aquelas descritas por quem o reconhece.
4.2 A Legislação e o Reconhecimento fotográfico como prova
O reconhecimento de pessoa é uma forma de identificação utilizada pelo Judiciário para comprovar a identidade de alguém. Por isso, as descrições devem ser feitas de modo a permitir que a identificação seja realizada com segurança. A legislação, Segundo Barros (2016), o reconhecimento de pessoa também é utilizado para fins de prova em processos judiciais. Por isso, é importante que o processo seja realizado de forma correta, de modo a possibilitar que o juiz possa ter certeza sobre a identidade da pessoa em questão.
O reconhecimento de pessoa é uma forma de identificação importante para fins judiciais. Por isso, é importante que a descrição feita pelo indivíduo que está fazendo o reconhecimento seja detalhada e precisa, de modo a possibilitar a identificação inequívoca da pessoa que está sendo identificada. Rotineiramente o que se observa é a informalidade com que o reconhecimento é produzido, gerando uma prática viciosa que mantém o desrespeito ao ritual previsto em lei.
Art. 226.
II - A pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
O CPP estabelece alguns princípios que devem ser seguidos durante o reconhecimento de pessoas. Silva (2017) comenta que, primeiramente, o órgão responsável pela realização do reconhecimento deve seguir o princípio da imparcialidade, ou seja, não há nenhuma pressão ou influência sobre a pessoa cujo reconhecimento é desejado. Além disso, a pessoa que realiza o reconhecimento deve estar ciente de que se trata de um ato importante, pois pode resultar em consequências penais graves para a pessoa reconhecida.
Além disso, o CPP também estabelece o princípio da semelhança. Segundo Souza (2018), esse princípio diz que a pessoa cujo reconhecimento se deseja deverá ser colocada ao lado de outras pessoas que possam ter alguma semelhança com ela, para que possa ser mais fácil para o órgão responsável identificá-la. Se possível, devem ser convidados a participar do reconhecimento alguns conhecidos da pessoa que deseja ser reconhecida, para que possam servir de referência para a identificação.
Por fim, ainda de acordo com o CPP, é importante lembrar que o reconhecimento de pessoas deve ser realizado sempre com cautela, pois quaisquer erros podem comprometer a integridade do processo. Além disso, o CPP recomenda que o reconhecimento seja realizado em um ambiente neutro, que não favoreça a identificação da pessoa, para evitar qualquer tipo de sugestão ou influência.
Art. 226.
IV - Do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
O ato de reconhecimento, previsto no CPP, é uma importante etapa da investigação criminal. Tem como objetivo permitir que testemunhas e vítimas identifiquem pessoas que tenham participado de um delito, dando força às provas que posteriormente serão apresentadas no processo. Lopes (2020) discorre que, a lei estabelece que o ato de reconhecimento seja realizado por uma autoridade, como um oficial da polícia ou um juiz, e por uma pessoa chamada para proceder ao reconhecimento. Esta pessoa pode ser alguém da família ou amigo da vítima ou testemunha, ou um membro da equipe de investigação.
A lei também estabelece que o ato de reconhecimento seja acompanhado por duas testemunhas presenciais. De acordo com Souza (2015), estas testemunhas devem ter acompanhado o processo de identificação e devem ser desconhecidas para a autoridade, a pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e a pessoa que está sendo reconhecida. Após o término do ato de reconhecimento, a autoridade responsável deverá lavrar um auto pormenorizado. Nele serão descritos os procedimentos realizados durante a identificação, assim como a reação da pessoa reconhecida. Além disso, o auto também deverá conter a assinatura da autoridade responsável, da pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e das duas testemunhas presenciais.
O ato de reconhecimento é uma parte importante da investigação criminal. Além de permitir que testemunhas e vítimas identifiquem pessoas que tenham participado de um delito, também é importante para garantir que o processo seja conduzido de forma correta e que as provas sejam válidas. Por isso, é essencial que as regras previstas no CPP sejam cumpridas ao realizar o ato de reconhecimento, como a presença de duas testemunhas e a lavratura do auto pormenorizado.
5 OS FUNDAMENTOS JURISPRUDENCIAIS ADOTADOS PELOS SUPERIORES TRIBUNAIS
Estes procedimentos contribuem para a segurança jurídica do processo e garantem que a investigação criminal seja realizada de forma correta. A utilização de reconhecimento fotográfico como meio de prova foi amplamente discutida nos tribunais superiores, mas não é recomendável devido à sua fragilidade probatória, como destacado por uma decisão recente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS (ART. 157, § 2º, I e II, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. INSURGÊNCIA DA ACUSAÇÃO. PLEITO CONDENATÓRIO. IMPROCEDÊNCIA. AUTORIA DUVIDOSA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO REALIZADO NA FASE POLICIAL E NÃO RATIFICADO EM JUÍZO. PARTE DOS OBJETOS ROUBADOS QUE FOI APREENDIDO NA POSSE DE DIVERSOS INDIVÍDUOS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. (TJSC, Apelação Criminal n. 0090266-18.2014.8.24.0028, de Içara, rel. Des. Rodrigo Collaço, j. 05-10-2017).
O Superior Tribunal de Justiça reconheceu, no Habeas Corpus nº 232.960-RJ (2012/0025966-1), o direito de uma pessoa de não ter seu reconhecimento fotográfico ratificado em juízo, reformando o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2°, I, DO CP. CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU FUNDAMENTADA EM RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO DO RÉU. NÃO OBSERVÂNCIA DO ART. 226 DO CPP. PALAVRA DA VÍTIMA QUE CONFIRMOU, EM JUÍZO, TER FEITO O RECONHECIMENTO, SEM RATIFICAÇÃO DO ATO. AUSÊNCIA DE PROVA VÁLIDA PARA A CONDENAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O reconhecimento fotográfico, como meio de prova, é apto para identificar o réu e fixar a autoria delitiva somente quando corroborado por outras provas, colhidas sob o crivo do contraditório. 2. O reconhecimento do paciente por fotografia – realizado na fase do inquérito –, sem observância das regras procedimentais do art. 226 do CPP, não foi repetido em Juízo ou referendado por outras provas judiciais, inidôneo, portanto, para lastrear a condenação em segundo grau. Na fase judicial, a vítima apenas confirmou o boletim de ocorrência e o reconhecimento em si, mas não identificou novamente o acusado, nem sequer por meio de imagem. 3. Não pode ser validada à condenação, operada em grau de recurso por órgão colegiado distante da prova produzida pelo Juiz natural da causa, baseada única e exclusivamente em reconhecimento fotográfico realizado na polícia, sem respeito às fórmulas do art. 226 do CPP. Não se trata de negar validade ao depoimento da vítima e, sim, de negar validade a condenação baseada em elemento informativo colhido em total desacordo com as regras probatórias e sem o contraditório judicial. 4. Sob a égide de um processo penal de cariz garantista, que nada mais significa do que concebê-lo como atividade estatal sujeita a permanente avaliação de conformidade com a Constituição ("O Documento: 1454351 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 06/11/2015 Página 1 de 11 Superior Tribunal de Justiça direito processual penal não é outra coisa senão Direito constitucional aplicado", dizia-o W. Hassemer), busca-se uma verdade processual onde a reconstrução histórica dos fatos objeto do juízo vincula-se a regras precisas, que assegurem às partes um maior controle sobre a atividade jurisdicional. 5. Não é despiciendo lembrar que, em um modelo assim construído e manejado, no qual sobrelevam princípios e garantias voltadas à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade, dúvidas relevantes no espírito do julgador hão de merecer solução favorável ao réu (favor rei). Afinal, "A certeza perseguida pelo direito penal máximo está em que nenhum culpado fique impune, à custa da incerteza de que também algum inocente possa ser punido. A certeza perseguida pelo direito penal mínimo está, ao contrário, em que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune (LUIGI FERRAJOLI) 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para anular a condenação do paciente, restabelecer a sentença absolutória e ordenar sua soltura, salvo se por outro título judicial estiver preso.
O STJ adotava o entendimento de que o reconhecimento fotográfico e o reconhecimento pessoal não necessariamente estavam vinculados aos ditames do artigo 226 do Código de Processo Penal, sendo considerados como "mera recomendação" legal. Para exemplificar, foram transcritas algumas ementas de julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça.
RECURSO ESPECIAL. LATROCINIO. 1. RECONHECIMENTO DE PESSOA (ART. 226 DO CPP). 2. INEXISTENCIA DE PROVA SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO (ART. 386, INC. VI, DO CPP). 3. ACUMULAÇÃO, NO MESMO FATO DELITUOSO, DO PARAGRAFO 2., INC. I, E PARAGRAFO 3., DO ART. 157, DO CODIGO PENAL (ROUBO COM EMPREGO DE ARMA E LATROCINIO). 1.1 - O RECONHECIMENTO DE PESSOA NÃO ESTÁ VINCULADO, NECESSARIAMENTE, À REGRA DO ART. 226 DO CODIGO DE PROCESSO PENAL. SE O CRIMINOSO E RECONHECIDO PELA TESTEMUNHA, DE PLANO, AO CHEGAR A DELEGACIA DE POLICIA, ONDE AQUELE SE ENCONTRAVA, ENTRE VARIAS PESSOAS, NÃO SE HA DE ANULAR O RECONHECIMENTO, DESDE QUE INTEGRADO NO CONJUNTO DAS PROVAS QUE INCRIMINARAM O ACUSADO. 2.1 - O TRIBUNAL “A QUO” JAMAIS CONSIDEROU INSUFICIENTE A PROVA DOS AUTOS PARA JUSTIFICAR A CONDENAÇÃO DO REU (ART. 386, INC. VI, DO CPP). E DO VOTO DO ILUSTRE RELATOR, NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “DESTARTE, NÃO ME PARECE QUE SEJA NECESSARIO MAIS NADA PARA SE CONCLUIR, SEM SOMBRA DE DÚVIDA E SEM MENOR TEMOR, TER SIDO APELADO O AUTOR DO LATROCINIO QUE CEIFOU A VIDA DE...” 3.1 - ACORDÃO RECORRIDO QUE OPTOU PELO EMPREGO SIMULTANEO DO PARAGRAFO 2., INCISO I, E PARAGRAFO 3., DO ART. 157 DO CODIGO PENAL. DECISÃO QUE SE AJUSTA À JURISPRUDENCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ADOTADA NO JULGAMENTO DE RE NO. 93754-SP, NO SENTIDO DE QUE O EMPREGO CONCORRENTE DAS DUAS QUALIFICADORAS RESULTA EM “BIS IN IDEM”. E A HIPOTESE DE UM UNICO FATO NÃO COMPORTAR, SIMULTANEAMENTE, A TIPIFICAÇÃO DE ROUBO QUALIFICADO, COM EMPREGO DE ARMA, E LATROCINIO (PARAGRAFO 2., INC. I, E PARAGRAFO 3., DO CP). A TESE DA MINORIA SUSTENTAVA O ACORDÃO RECORRIDO, POR ENTENDER, ENTRE OUTRAS RAZÕES, QUE, “EMPRESTANDO NOSSA LEI PENAL AUTONOMIA AO LATROCINIO E COLOCANDO-O NO CAPÍTULO DOS CRIMES PATRIMONIAIS, ESTÁ FORA DE DUVIDA QUE NÃO EXCLUIU A APLICAÇÃO DO PARAGRAFO 2., DO ART. 157, ONDE O ROUBO APARECE COM MAIOR PUNIBILIDADE”. ISSO NÃO IMPORTA EM DUPLA CONDENAÇÃO PELO MESMO FATO DELITUOSO. (REsp nº 1.955/RJ, relator Ministro Jose Candido de Carvalho Filho, Sexta Turma, julgado em 18/12/1990, DJ de 08/4/1991, p. 3892).
O reconhecimento fotográfico, embora seja um elemento importante na persecução penal, apresenta algumas limitações quanto ao seu emprego adequado, pois existem variáveis como a sujeição a vicissitudes do reconhecedor, bem como o descumprimento dos princípios do contraditório, ampla defesa e do devido processo legal que podem comprometê-lo. Por essa razão, na situação em questão, face à dificuldade de se manter o pleito acusatório diante do elemento probante tênue, não restou outra alternativa senão a absolvição do acusado, pois a condenação exige certeza incontestável sobre os fatos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vulnerabilidade do reconhecimento fotográfico como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro é uma questão cada vez mais relevante, pois a tecnologia tem se desenvolvido a passos largos e a sociedade tem se familiarizado com as possibilidades que ela oferece. Por essa razão, é importante que as autoridades jurídicas e legislativas acompanhem essas mudanças e estabeleçam normas que regulam a utilização do reconhecimento fotográfico como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro.
No entanto, é preciso ter em mente que, ao se tratar de reconhecimento fotográfico, há questões relacionadas à privacidade e segurança dos indivíduos que devem ser consideradas. É necessário que haja mecanismos de proteção aos direitos individuais que garantam a privacidade e a segurança dos usuários. Além disso, é importante estabelecer diretrizes para uma aplicação adequada e correta da tecnologia para que ela não seja usada para fins abusivos. Nesse sentido, é preciso que as autoridades judiciárias e legislativas desenvolvam normas que regulamentem a utilização do reconhecimento fotográfico como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro.
Essas normas devem ser projetadas de forma a garantir a segurança dos indivíduos que se submetem a esse tipo de identificação e devem estabelecer parâmetros para a utilização correta da tecnologia. Além disso, é importante que sejam criados mecanismos eficazes de verificação das informações obtidas por meio do reconhecimento fotográfico. Esses mecanismos devem ser projetados de forma a garantir que as informações obtidas por meio do reconhecimento fotográfico sejam autênticas e não sejam obtidas de forma fraudulenta. Outro aspecto relevante é a necessidade de estabelecer um sistema de regulamentação que permita que os usuários tenham uma compreensão clara dos direitos e obrigações relacionados à utilização da tecnologia do reconhecimento fotográfico.
Isso inclui direitos básicos como o direito de acesso à informação, o direito de não ser objeto de tratamento discriminatório, o direito de consentimento informado, entre outros. Por fim, é importante lembrar que, ao se tratar de uma tecnologia que envolve questões relacionadas à privacidade e segurança dos indivíduos, é essencial que haja um sistema de monitoramento e controle das informações obtidas por meio do reconhecimento fotográfico. O objetivo desse sistema é garantir que os usuários da tecnologia sejam tratados de forma correta e que as informações obtidas por meio do reconhecimento fotográfico não sejam usadas de forma abusiva.
Em síntese, a vulnerabilidade do reconhecimento fotográfico como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro é uma questão cada vez mais relevante. É preciso que autoridades judiciárias e legislativas desenvolvam normas que regulamentem a utilização desse meio de prova, estabelecendo mecanismos de proteção aos direitos individuais e diretrizes para uma aplicação adequada e correta da tecnologia. Além disso, é necessário que seja criado um sistema de regulamentação que permita aos usuários terem uma compreensão clara dos direitos e obrigações relacionados à utilização do reconhecimento fotográfico.
Por fim, é importante que haja um sistema de monitoramento e controle das informações obtidas por meio do reconhecimento fotográfico para garantir o respeito aos direitos dos usuários da tecnologia e prevenir o uso abusivo das informações. Dessa forma, é fundamental que haja um compromisso das autoridades judiciárias e legislativas para a regulamentação adequada e segura do uso do reconhecimento fotográfico como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro. A adoção de normas que garantam a proteção dos direitos individuais, o estabelecimento de diretrizes para a correta aplicação da tecnologia e o monitoramento das informações obtidas por meio do reconhecimento fotográfico são aspectos essenciais para a garantia de um uso adequado e seguro desse meio de prova.
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[1] Ney Alexandre Lima Lira, Professor especialista, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM. E-mail: [email protected].
Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, Armando de Oliveira Freitas. A vulnerabilidade do reconhecimento fotográfico como meio de prova no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2023, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61829/a-vulnerabilidade-do-reconhecimento-fotogrfico-como-meio-de-prova-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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