RESUMO: Este trabalho aborda temas concernentes à reforma constituinte e à relativização da coisa julgada, destacando como objeto de estudo o possível efeito em decorrência da Emenda Constitucional (EC) nº 110/2021 da reintegração de posse de ex servidores estatutários aos seus cargos públicos no poder executivo do Estado do Tocantins, através da convalidação de certame público de provas e títulos invalidado, notoriamente conhecido como concurso “Pioneiros do Tocantins”. A principal discussão sobre a EC nº 110/2021 gira em torno da sua validade e limites de eficácia, pois abrange questões como os efeitos concretos dela decorrentes e a possibilidade de convalidação de atos declarados nulos, mesmo que manifestamente inconstitucionais. Pela moderna teoria processual, a causa judicial transitada em julgado (coisa julgada) é apresentada como um obstáculo superável em casos excepcionais, com o objetivo de proteger direitos fundamentais e corrigir injustiças materiais. A relativização da coisa julgada permite a revisão de decisões judiciais em casos específicos, desde que haja uma justificativa adequada e respeito às normas processuais. Ações rescisórias e ações de nulidade são instrumentos jurídicos que permitem a revisão de decisões judiciais consideradas injustas ou que violam direitos fundamentais. A interpretação da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não é absolutamente inquestionável, conforme previsto no § 2º do artigo 102 da Constituição Federal de 1988, que exclui o Poder Legislativo do efeito vinculante do controle de constitucionalidade. No contexto da EC nº 110/2021, que teve origem na ADI nº 598/1991, a Procuradoria Geral da União ajuizou a ADI nº 7143/2022 argumentando que a emenda violou Cláusulas Pétreas da Constituição, como a segurança jurídica e a coisa julgada. O STF acolheu medida cautelar e suspendeu temporariamente os efeitos da emenda até o julgamento do mérito da ação. A evolução do pensamento jurídico, buscando conciliar a proteção dos direitos fundamentais com a estabilidade da ordem jurídica e a busca pela justiça material e processual, foi ressaltada como uma necessidade nesse contexto, na expectativa de que os resultados práticos da EC nº 110/2021 efetivamente resguardem os direitos pretendidos pelos legisladores, como legítimos representantes do Estado e dos grupos sociais que esperam por justiça e, assim, submeta-se ao Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Emenda Constitucional nº 110, pioneiros do Tocantins, poder constituinte reformador, direitos fundamentais, relativização da coisa julgada, segurança jurídica.
ABSTRACT: This paper addresses issues related to constitutional reform and the relativization of res judicata, highlighting as its object of study the possible effect resulting from Constitutional Amendment (EC) No. 110/2021 on the reinstatement of former statutory employees to their public positions in the executive branch of the State of Tocantins, through the validation of a public competitive examination invalidated, famously known as the "Pioneers of Tocantins" contest. The main discussion surrounding EC No. 110/2021 revolves around its validity and limits of effectiveness, as it encompasses questions such as the concrete effects arising from it and the possibility of validating acts that have been declared null, even if manifestly unconstitutional. According to modern procedural theory, res judicata, which refers to cases that have reached a final judgment, is presented as a surmountable obstacle in exceptional cases, with the aim of protecting fundamental rights and correcting material injustices. The relativization of res judicata allows for the review of judicial decisions in specific cases, provided there is an adequate justification and respect for procedural rules. Rescissory actions and actions of nullity are legal instruments that enable the review of judicial decisions considered unjust or that violate fundamental rights. The interpretation of the Constitution by the Supreme Court (STF) is not unquestionable, as provided for in §2 of Article 102 of the Federal Constitution of 1988, which excludes the Legislative Branch from the binding effect of constitutional review. In the context of EC No. 110/2021, which originated from ADI No. 598/1991, the Office of the Solicitor General filed ADI No. 7143/2022 arguing that the amendment violated the Basic Clauses of the Constitution, such as legal certainty and res judicata. The STF granted a precautionary measure and temporarily suspended the effects of the amendment pending the judgment on the merits of the case. The evolution of legal thinking, seeking to reconcile the protection of fundamental rights with the stability of the legal order and the pursuit of material and procedural justice, was emphasized as a necessity in this context, with the expectation that the practical results of EC No. 110/2021 effectively safeguard the rights intended by legislators, as legitimate representatives of the State and the social groups who await justice, thus submitting to the democratic rule of law.
Keywords: Constitutional Amendment No. 110, Pioneers of Tocantins, reforming constituent power, fundamental rights, relativization of res judicata, legal certainty.
Do direito constitucional que, em síntese, estabelece os princípios e as normas que norteiam o sistema jurídico, surge o “constitucionalismo” que é um sistema político e jurídico, ou corrente teórica e política, que se baseia na supremacia da Constituição como fonte fundamental do direito e do poder estatal. Se caracteriza pelo estabelecimento de uma Constituição que define os direitos e deveres dos cidadãos, a organização dos poderes do Estado e os limites do exercício do poder. O constitucionalismo visa garantir a proteção dos direitos individuais e coletivos, promover a separação e o equilíbrio dos poderes, estabelecer o Estado de Direito e assegurar a participação e representação democrática (LENZA, 2016). O constitucionalismo vai além do direito constitucional, pois envolve também princípios políticos, filosóficos e sociais que sustentam a importância da Constituição como base da ordem jurídica e política de um país.
O constitucionalismo surge unida à revolução francesa e americana do século XVIII, mesmo diante da presença de documentos que já limitavam e estabeleciam direitos ao Estado. Tais documentos constitucionais propiciaram diversos direitos individuais de grande relevância à vida em coletividade as quais necessitavam ser consideradas e, portanto, regulamentadas (DWORKIN, 2008; TOCQUEVILLE, 2002).
Os direitos fundamentais sociais são aqueles que garantem a proteção dos indivíduos no âmbito social e econômico, tais como o direito à saúde, educação, trabalho, alimentação e moradia. Esses direitos são fundamentais para a existência humana digna, devendo ser protegidos e garantidos pelo Estado (CANOTILHO, 2002).
A Constituição, embora seja projetada para ser duradoura, pode necessitar de revisão devido ao progresso dos acontecimentos sociais e às demandas políticas da sociedade ao longo do tempo. Para evitar problemas decorrentes de uma rigidez constitucional, o próprio poder constituinte originário prevê a possibilidade de modificação da Constituição. Essas alterações visam a preservação e regeneração da Constituição, eliminando normas obsoletas e adicionando novas que atendam melhor aos propósitos de moldar a sociedade. Essas transformações estão previstas e regulamentadas na própria Constituição (MEIRELLES, 2018).
O poder constituinte reformador é o responsável por realizar as reformas constitucionais, com o objetivo de atualizar e adaptar a Constituição Federal às necessidades da sociedade. Além disso, este poder é o responsável por garantir a proteção dos direitos sociais, tendo em vista a evolução das necessidades e desafios sociais (DI PIETRO, 2010; LENZA, 2016).
As jurisprudências fundamentais e o constitucionalismo estão intimamente relacionados. Sabe-se que o nascimento desta foi decisivo para a materialização daquela. Portanto, definir e estudar suas correlações e efeitos práticos na sociedade é indispensável para a ampliação da compreensão sobre essas agremiações (BOBBIO, 1997; RAWLS, 2011).
As constituições, em seu geral, não são analíticas e pragmáticas, como as leis, o que propicia a essas uma necessidade de melhor detalhamento através de sistemas regulamentadores por parte de legisladores ordinários para serem aplicados aos casos que se destinam, os atos e fatos reais ou concretos (KELSEN, 2002).
Nesse contexto, o Congresso Nacional expediu, somente no ano de 2022, um total de 14 emendas à Constituição Federal de 1988, totalizando até o final daquele ano, 114 emendas à Carta Magna desde sua promulgação em 1989 (BRASIL, 2023).
Entre essas, foi promulgada pelo Congresso Nacional, em 15 de marco de 2021, a Emenda Constitucional (EC) nº 110 que acrescenta o art. 18-A ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal (CF) de 1988, para dispor sobre a convalidação de atos administrativos praticados no Estado do Tocantins entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1994, in verbis (BRASIL, 2021):
Art. 1º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias passa a vigorar acrescido do seguinte art. 18-A:
Art. 18-A. Os atos administrativos praticados no Estado do Tocantins, decorrentes de sua instalação, entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1994, eivados de qualquer vício jurídico e dos quais decorram efeitos favoráveis para os destinatários ficam convalidados após 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
A EC nº 110/2021 resultou da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 397/2017 e visa objetivamente legitimar condutas administrativas praticadas no Estado do Tocantins originarias de sua instituição e sucedidos no lapso temporal de 1º de janeiro de 1989 a 31 de dezembro de 1994.
O sistema jurídico nacional já exerce há algum tempo a presunção do feito administrativo anulável, como é apresentado no texto da Lei Federal 9.784/1999 em seu art. 54, a qual conduz a norma administrativa federal, diante da execução subsidiada específica perante estados e municípios que não usufruir de normatização típica, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em sua Súmula nº 633.
Contudo, a EC nº 110/2021 valida e estabelece de forma abrangente todas as condutas administrativas praticadas dentro dos primeiros cinco anos da administração pública estadual do Tocantins. Entretanto, essa EC entra em confronto com a conduta e percepção jurisprudencial edificada pelo Direito Administrativo, onde considera não só o prognóstico geral, mas sim, uma recuperação definida e admitida mediante cada caso concreto.
Gerando dessa maneira, entre outras possíveis repercussões, o objeto deste estudo, a demanda da revalidação de resultado de concurso público para provimento de cargos do executivo estadual, tido como irregular e, portanto, anulado, em razão da concessão de pontuações extras para os detentores dos títulos públicos certificados oficialmente pelo Estado do Tocantins, de “Pioneiros do Tocantins” (Lei nº 157/1990), ressalta-se, tema central da análise e discussão para este artigo.
A vigência da EC nº 110/2021 causa preocupação à atual administração do Estado do Tocantins, em face dos potenciais efeitos da mesma em confronto com a decisão administrativa do Estado e, em especial, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 598/1991 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que resultou na exoneração de diversos servidores que atuaram na origem e evolução da fundação do Estado por meio de concurso público anulado.
O ato administrativo do Estado do Tocantins, em composição de governo posterior àquele que realizou o citado concurso público, que determinou a exoneração desses servidores e cujo litígio teve seu último “combate” na arena judicial pela ADI nº 598, é parte da história de uma “batalha” que ainda está campo de “guerra”.
Nessa seara, a pretensão daqueles “Pioneiros do Tocantins” que reclamam a reparação judicial ainda persiste, imbuídos pela razão de que nunca foram despojados de direitos constitucionalmente previstos, fato corroborado e potencializado pela esperada aplicação objetiva, a eles, do disposto pelo art. 18-A do ADCT/CF/88.
O objetivo deste artigo é apresentar e discutir, considerando aspectos gerais do constitucionalismo na modulação do poder constituinte reformador e a moderna teoria do direito processual, os efeitos das alterações constitucionais sobre os atos administrativos e a estabilidade da coisa julgada (processo tramitado em julgado), utilizando como modelo de estudo a Emenda Constitucional nº 110/2021.
2.METODOLOGIA
A metodologia para construção deste trabalho envolveu uma abordagem exploratória e descritiva dos temas estudados, integrando pesquisa bibliográfica, análise de processos judiciais, documentos públicos e demais materiais diversificados, objetivando organizar e consolidar a informação de interesse e construir um panorama geral sobre a reforma constituinte e a relativização do instituto da coisa julgada, com foco na EC nº 110/2021. Assim, essas diferentes fontes de pesquisa foram usadas para a descrição e discussão dos seguintes assuntos:
• O constitucionalismo e direitos fundamentais sociais no ordenamento jurídico relativos ao poder constituinte reformador, no contexto dos aspectos motivadores e condicionantes das emendas à constituição;
• A EC nº 110/2021, sua fundamentação e objetivos político-sociais, e os entendimentos doutrinários sobre suas possíveis implicações concretas nos âmbitos administrativo e judicial relativas à demanda de reintegração de posse de servidores exonerados em concurso público anulado;
• Considerações gerais sobre a imutabilidade das decisões transitadas em julgado e seu possível confronto com os efeitos retroativos de emendas constitucionais, sob o enfoque da moderna teoria do direito processual quanto à relativização da coisa julgada.
3.1. CONSTITUCIONALISMO: ASPECTOS GERAIS RELATIVOS AO PODER CONSTITUINTE REFORMADOR
O constitucionalismo é o conjunto de normas e princípios que regulam o funcionamento do Estado, tendo como objetivo a proteção dos direitos fundamentais da sociedade. Neste sentido, a Constituição Federal é o documento que define as regras fundamentais para o Estado brasileiro, estabelecendo as garantias individuais e coletivas, bem como as competências e deveres de cada poder (FERRAZ JUNIOR, 2006; 2008; NERY JÚNIOR, 2014).
Segundo Barroso (2022), o poder de limitar a validade das emendas constitucionais (reforma constitucional) é um dos poderes mais importantes da Suprema Corte, pois tal atributo acaba por interferir frontalmente com as decisões tomadas pelo Legislativo. Sobre as emendas à Constituição Federal de 1988 (CF/88), o Congresso Nacional deve seguir os procedimentos previstos no artigo 605 da CF/88, respeitando inflexivelmente as restrições impostas ao texto da emenda constitucional.
O progresso dos acontecimentos sociais pode exigir uma revisão da vontade expressa nos documentos do poder tradicional ou constituinte (FACHIN, 2009; MEIRELLES, 2018). Por isso, o próprio poder constituinte originário prediz a hipótese de um poder, por ele criado, para modificar a Lei Maior. Dessa forma, o poder constituinte originário não precisa se demonstrar, às vezes, para transformações simplesmente pontuais (TAVARES, 2003).
Reduzem-se os resultados adversos contínuas violações da ordem constitucional. Aceita-se, então, que a constituição seja alterada, justamente com o propósito de regenerá-la, de preservá-la em sua essência, de erradicar as normas que não têm mais justificativa política, social e jurídica, de adicionar outras que revitalizem o compêndio ao qual pode satisfazer mais apropriadamente o propósito de moldar a sociedade. As transmutações são previstas e regulamentadas pela própria constituição (SILVA, 2006; LOPES JÚNIOR, 2016).
O “direito de reforma” é um termo que combina tanto o direito de emenda quanto o direito de revisão do texto (art. 3º do ADCT da CF/88), dessa maneira sendo criado pelo poder constituinte originário, o qual determina o método a seguir e quais restrições necessitam de observações. Não sendo assim a jurisdição constituinte inicial nem absoluta ou ilimitada (MENDES, 2015).
A composição dos atos legislativos segue um rito legalmente regulamentado no pergaminho constitucional sob a chancela de “processo legislativo”, expressão que possui diversos significados. Em primeiro lugar, pode ser interpretado como o meio pelo qual a jurisprudência modula seu próprio universo e constitui regras que regem a produção de outras regras. Nessa acepção, deve ser definido como o grupo de normas e princípios que regem a produção do direito objetivo, contendo normas relativas à competência de iniciativa e modo de criar, modificar ou anular normas gerais (DELGADO; CARNEIRO, 2017).
De acordo com Delgado e Carneiro (2017), o controle de constitucionalidade tem o sentido de verificar se as normas da constituição seguem a Lei Fundamental ou se as emendas à constituição estão em compêndio à constituição.
Segundo Coelho (2003), o controle de constitucionalidade é uma ferramenta essencial para preservar a proteção dos direitos fundamentais sociais, verificando a conformidade das emendas constitucionais com o ordenamento jurídico. É por meio deste controle que se garante a integridade da Constituição Federal e a proteção dos direitos sociais, evitando a ocorrência de reformas que prejudiquem os direitos fundamentais. É dever do poder constituinte reformador realizar as emendas de maneira responsável, sem prejudicar a proteção destes direitos.
De acordo com Lima e Souza (2016), a constitucionalização do ordenamento jurídico, que consolida a supremacia das constituições e a força normativa dos princípios e valores nelas contidos, é um fenômeno observado desde as mudanças sociais ocorridas no século XX, com a transição do Estado liberal ao Estado social.
Morais (2011), ressalta que o Estado Liberal se consolidou para acabar com o Estado Absoluto, clamando por uma separação entre estado, economia e independência política. O estado Social, por outro lado, caracteriza-se por disseminar os ideais de justiça social e igualdade para assegurar-se os direitos sociais da população.
Somam-se a isso os ideais de república e Estado Democrático de Direito, que podem ser entendidos como um governo popular restringido pela lei e voltado para a realização dos interesses da comunidade (GRINOVER, 2006). Nesse contexto, foi editada no Brasil a Constituição Federal de 1988, cujo objetivo é de instaurar um estado democrático que contenha por propósito a prática das jurisprudências social e individual tendo a segurança, prosperidade, desenvolvimento, igualdade e justiça como valores fundamentais para uma sociedade fraterna, pluralista e imparcial, baseada na harmonia social (MARTINS, 1999).
Para Lôbo (2006), essa nova condição afetou todas as áreas do direito e consagrou o texto constitucional como predefinição a seguir para a concretização dos direitos fundamentais dos cidadãos, iniciando-se também a interpretação e aplicação do direito à luz dos valores e princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988.
Em nexo, o constitucionalismo e os direitos fundamentais sociais são aspectos fundamentais para o ordenamento jurídico, sendo o poder constituinte reformador e o controle de constitucionalidade ferramentas importantes para garantir a proteção destes direitos e a integridade da Constituição Federal. A defesa e a proteção destes direitos são fundamentais para a existência de uma sociedade democrática e justa, o fortalecimento e preservação do Estado Democrático de Direito (BARROS, 2001; RAMALHO, 2002; BONAVIDES, 2006; MEIRELLES, 2009).
3.2. A IMUTABILIDADE DA COISA JULGADA E A NOVA TEORIA PROCESSUAL
As Cláusulas Pétreas da CF/88 não podem ser modificadas por Emendas Constitucionais por serem dispositivos taxativamente definidos como imutáveis, portanto, limitações jurídicas ao poder constituinte derivado. Essas cláusulas constam explícitas no 60, § 4º, sendo elas: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais (MEIRELLES, 2018)
Segundo Nogueira (2019), o entendimento jurisprudencial e doutrinário consolidado, caracteriza outros elementos da Carta Magna que têm valor e, portanto, efeitos de Cláusulas Pétreas, as chamadas cláusulas pétreas implícitas, que são várias e difusas no texto constitucional, mas destaca-se para fins desse trabalho a "coisa julgada" ou "processo (causa) transitado(a) em julgado", estabelecendo-se que, após uma decisão judicial ter sido proferida e não mais cabível recurso, ela se torna definitiva e não pode ser mudada ou anulada por qualquer outro processo ou ação judicial posterior.
Isso significa que, uma vez que uma decisão tenha sido proferida e transitada em julgado, ela tem o efeito de coisa julgada terminantemente e passa a ser respeitada como verdadeira e inalterável, independentemente de qualquer outro ato ou decisão judicial posterior (MACHADO, 2015). Esse princípio é importante para garantir a estabilidade da ordem jurídica, pois evita a incerteza e a insegurança quanto à validade das decisões judiciais, e assegura a proteção da confiança da sociedade na Justiça e no Estado de Direito (LOPES JÚNIOR, 2016).
O regimento da coisa julgada remete a efetivar uma decisão aplicada pelo Poder Judiciário a estipulado conflito que a ele disponha submissão. E essa é particionada em seu geral, em dois tipos, a coisa julgada material e a coisa julgada formal (MORAES, 1996; SOARES, 2003; BERTOLDI, 2015).
A coisa julgada formal indica que em determinado processo judicial subsistiu decisão transitada em julgado, pela qual se fixou o seu termo final, sem que dela tenha subsistido recurso. A coisa julgada é estabelecida na imutabilidade da jurisprudência apenas no contexto do período em que foi editada.
Por sua vez, a coisa julgada material é a carácter específico da imutabilidade e indiscutibilidade, ou de forma mais direta a autoridade de que é investida determinada sentença de mérito. Assim, a coisa julgada material se destina a garantir a seguridade convencionada das conexões jurídicas, contendo qualquer decisão contraria a respeito do mesmo pleito (ALVIM; ALVIM NETO, 2018).
No entanto, como as demandas sociopolíticas diferem no espaço e evoluem no tempo, a moderna teoria processual tem levado a uma relativização da concepção tradicional da coisa julgada, a qual é tradicionalmente vista como absoluta e inquestionável. Essa relativização é baseada na ideia de que a coisa julgada não é um fim em si mesma, mas sim um meio para alcançar a justiça processual e material (GRECO FILHO, 2013).
De acordo com a nova concepção, a coisa julgada não é vista como uma barreira intransponível à revisão da decisão judicial, mas sim como um obstáculo a ser superado somente em casos excepcionais, em que há uma necessidade de proteção de um direito fundamental ou de correção de uma injustiça material (BANDEIRA DE MELO, 2009). Dessa forma, a relativização da coisa julgada permite a revisão de decisões judiciais em casos específicos, desde que haja justificativa adequada e respeito às normas processuais que regulam a revisão. Isso significa que, em alguns casos, a revisão de uma decisão anterior pode ser permitida, desde que atenda aos requisitos e pressupostos legais previstos em lei, como ocorre com as ações rescisórias e ações de nulidade (MEDINA, 2012; ARENHART, 2016).
Além disso, a relativização da coisa julgada também permite a interpretação dinâmica das decisões judiciais, considerando as transformações sociais, econômicas e políticas que ocorrem ao longo do tempo. Isso é fundamental para garantir a evolução da jurisprudência e a adequação da Justiça às novas realidades sociais (BEVILÁQUA, 2011).
Em síntese, conforme entendimento de Machado (2015) corroborado por Nogueira (2019), a moderna teoria processual e a relativização da coisa julgada representam uma evolução do pensamento jurídico, buscando equilibrar a proteção dos direitos fundamentais e a estabilidade da ordem jurídica, com a busca da justiça material e processual.
De acordo com Liebman (2009), as nulidades carecem de uma imputação por meio de recurso, ou por meio de ação judicial autônoma, a qual não deixa de ser uma referência à querela nullitatis ou ação de nulidade, uma ação de conhecimento que visa anular uma decisão anterior proferida em um processo judicial, por motivos como a falta de competência do juiz, a ausência de defesa técnica, a inobservância de alguma formalidade processual essencial, entre outros aspectos de ordem formal. Para a nulidade ser declarada, é necessário que o vício seja evidente e que tenha afetado o resultado da decisão anterior (OLIVEIRA, 2009).
Já as ações rescisórias tem a finalidade de desconstituir decisões judiciais com vícios ou irregularidades, como ausência de citação, incompetência do juízo, prevaricação ou corrupção do magistrado, desacordo com a legislação vigente ou com a jurisprudência dos tribunais superiores, entre outros. O instituto das ações rescisórias está disposto no Código de Processo Civil, em seu artigo 966, portanto só podem ser propostas em casos taxativamente previstos em lei (ZAFFARONI, 2004).
Essas ações devem restabelecer a correta interpretação e aplicação do direito com a finalidade proteger os direitos fundamentais das partes envolvidas no processo, garantindo a justiça material e processual e assegurando a efetividade dos direitos constitucionais.
A EC n° 110/2021 que, como relatado, surgiu também para enfrentar a ADI n° 598, motivou ação, em 2022, por parte da Procuradoria Geral da União (PGU) a qual ajuizou a ADI nº 7143/2022, questionando a validade e os limites de eficácia da emenda, com medida cautelar. A PGU expõe que a alteração legislativa infringiu as Cláusulas Pétreas da Constituição Federal do 1988, uma vez que essas legitimam a disjunção entre os poderes e a independência dos instrumentos federados, levando ao “(...) ultraje de princípios como o da segurança jurídica e da coisa julgada (...)” (BRASIL, 2022; CHAVES, 2003).
O STF acolheu a medida cautelar supracitada e suspendeu temporariamente os efeitos da EC nº 110/2021 até o julgamento do mérito da ação, no entanto, em decisão proferida pelo então Ministro Ricardo Lewandowski, o mesmo exclama a seguinte ponderação: “(…) verifica-se haver controvérsia jurídica relevante em torno da correta interpretação do novel art. 18-A do ADCT, tanto no que pertine aos efeitos concretos que dele decorrem quanto no que toca à possibilidade de convalidação de atos declarados nulos, porquanto manifestamente inconstitucionais, pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal em decisão cujo trânsito em julgado se deu há cerca de 30 anos (...)”.
Litígio posto à decisão da Suprema Corte, em que pese a satisfação da justiça com a resolução do mérito da causa que efetivamente proteja os direitos constitucionais legítimos às partes, respeitando a equidade no abismo entre Estado e o pequeno grupo social que pleiteia na arena da justiça a reintegração de posse aos cargos públicos dos quais estavam, em tese administrativo-jurídica, estabilizados estatutariamente, equilibrando a “balança” do juízo decisório entre o tradicional processo legal e nova teoria processual.
3.3. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 110 DE 2021
Umas das principais consequência prática objetivadas pelos legisladores, muito embora não esteja explicitamente descrita no texto da emenda, em síntese e em tese, é que seja revisto o ato administrativo estadual do Tocantins, que demitiu todos os servidores admitidos em concurso público para provimento de cargos para o quadro geral do Poder Executivo do Estado do Tocantins, em 1990, conhecido como certame “Pioneiro do Tocantins”, conforme evidenciado pelo acúmulo de demandas administrativas e judiciais a partir da vigência da EC nº 110/2021.
No ano de 2017 o então senador pelo Estado do Tocantins, Vicentinho Alves, leva ao Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 48/2015, a qual objetivou certificar e convalidar as práticas administrativas do Estado do Tocantins à data de sua criação. Essa PEC foi posteriormente convertida na PEC nº 397/2017 e representada diretamente pelos então deputado federal, Vicentinho Alves Júnior, filho do proponente original. A emenda decorrente, EC nº 110/2021, apesar ter sido modificada quanto ao seu texto original, manteve sua essência quanto á conceção do amparo legal a atos administrativos realizados no Estado do Tocantins, justificando assegurar a instituição do Estado em sua origem.
De acordo com Vicentinho Alves Júnior, ainda que houvesse a existência de determinados vícios jurídicos, estes seriam validados ao passar de cinco anos anunciados à data que houve sua prática a favor de seus beneficiários. Entretanto, se for comprovado má-fé em sua edição a regra se torna nula (AGÊNCIA SENADO, 2017).
No ano de 2021, o Congresso Nacional promulga a Emenda Constitucional 110/2021, a qual adenda o artigo 18-A ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, com a subsequente composição, ressalva-se: “Os atos administrativos praticados no Estado do Tocantins, decorrentes de sua instalação, entre 1º de janeiro de 1989 e 31 de dezembro de 1994, eivados de qualquer vício jurídico e dos quais decorram efeitos favoráveis para os destinatários ficam convalidados após 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé” (BRASIL, 2021).
Como mencionado, no ano de 1990, em concurso público realizado no Estado do Tocantins o qual instituiu cerca de 15.900 aprovados, dos quais a maioria eram possuidores do título público “Pioneiro do Tocantins”, concedido pelo Estado do Tocantins em reconhecimento formal, via certificação pública, ao pioneirismo daqueles que formaram a sociedade originária do Estado em sua constituição e, com isso, entraram com vantagem de trinta pontos no aludido certame. A vantagem precede ao edital do concurso decorrente da Lei nº 157, de 27 de junho de 1990, que determinava em seu art. art. 25, § 1º, que cidadãos possuidores do título de “Pioneiro do Tocantins”, teriam trinta pontos percentuais assegurados em concurso de provas e títulos realizado pelo Estado do Tocantins.
O STF, na ADI nº 598/1991, em 2013, após 21 anos de litígio, concluiu o processo com seu trânsito em julgado, declarando a inconstitucionalidade da expressão “inclusive para fins de concurso público de títulos e provas” contida no parágrafo único do art. 25 da Lei nº 157/1990, do art. 29 e seu parágrafo único do Decreto nº 1.520/90, e da expressão “cabendo ao ‘Pioneiro do Tocantins’, como título, 30 (trinta) pontos, nos termos do art. 25, único, da Lei nº 157/1990 e seu regulamento”, contida no item 4.4 do edital de concurso público de 15.10.90, publicado no D.O.E. de 16/10/90.
O STF na decisão sobre a ADI nº 598/1991 impetrada pelo próprio Estado do Tocantins em composição de governo posterior àquele que instituiu a Lei nº 157/1990, anulou essa lei e, consequentemente, todos os seus efeitos ou desdobramentos, dentre os quais o primeiro concurso público para provimento de cargos para o quadro geral de servidores do Poder Executivo do Estado.
Essa decisão causou a demissão sumária de todos aprovados, independentemente de possuidores ou não do título público em discussão; da supressão dos 30 pontos vinculados ao título em questão e reclassificação dos concorrentes (saneamento processual/solução administrativa: princípios da autonomia da discricionaridade da administração pública); da inexistência de processo administrativo respeitando os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório; e, em muitos casos, da estabilidade na função ou cargo público, uma vez atingido ou superado o período quinquenal de vínculo efetivo para muitos daqueles servidores, o que poderia em tese, ter exaurido o prazo decadencial para os efeitos da ADI nº 598/1991.
O STF (2013), declarou a inexistência de inconstitucionalidade no título de “Pioneiro do Tocantins”, como antevisto no caput do art. 25 da Lei nº 157/90, conferido a servidores do Estado vinculados por outros concursos públicos posteriores àquele anulado, em comento. Porém reafirmou que ao ser empregue em concursos com favorecimento em provas e títulos, destrata o princípio constitucional que assegura a todos igualdades de condições e equidade ao ingresso em cargos públicos, visto, conforme argumentado por Hamdy (2021), (...) “o método aclamado nas regras discutidas, de forma esguelha, mas eficiente, distorce o concurso a passo de lesar a convenção constitucional em seu art. 37, II (...)”.
Ainda de acordo com Hamdy (2021), o possível induto promovido pela EC nº 110/2021, a qual, enquanto dispositivo constitucional, é abrangente e integral às práticas administrativas estabelecidas pelo Tocantins nos seus cinco primeiros anos de existência, não teria aplicação ao revés da anulação do concurso “Pioneiros do Tocantins”, visto esses não serem um grupo socio-historicamente excluído e, portanto, passíveis do alcance ex tunc da emenda como medida de reparação de injustiça social e política. E acrescenta que por via seja disposta a restituição aos postos na administração do Estado, decorreriam relevantes danos às contas públicas, por meio de compensações de proventos não pagos, entre outras potenciais indenizações.
Por outro lado, a principal questão que este trabalho busca discutir e sua relação com o tema abordado é que o artigo 18-A do ADCT é o elemento central da controvérsia, e não a mencionada ADI nº 598/1991.
Diante disso, constata-se a existência de uma relevante controvérsia jurídica em torno da correta interpretação e dos possíveis desdobramentos práticos do artigo 18-A do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), tanto em relação aos efeitos concretos decorrentes dele, quanto à possibilidade de convalidação de atos e fatos, sejam eles administrativos ou jurídicos, previamente declarados nulos por manifesta inconstitucionalidade pelo Plenário do STF, em decisão transitada em julgado há mais de uma década.
Conforme apresentado pela defesa dos interesses dos ex servidores nos autos do processo da ADI nº 7143/2022, a centralidade do artigo 18-A do ADCT é de extrema importância nessa discussão, destacando-se os seguintes pontos (síntese modificada do texto original):
a) O artigo 18-A do ADCT, inserido no texto constitucional pela Emenda Constitucional nº 110/2021, pode ter o potencial de restaurar atos e decisões previamente declarados nulos, indo além da finalidade original do dispositivo, que é apenas estabelecer um prazo decadencial para a convalidação de processos cuja legalidade não tenha sido contestada em até 5 (cinco) anos a partir da data em que foram praticados, seguindo o que já existe inclusive na legislação infraconstitucional, mais precisamente no artigo 54 da Lei nº 9.784/99. Se considerarmos essa hipótese como a única razão para sua existência, isso tornaria o dispositivo desnecessário e o trabalho legislativo realizado seria inócuo, podendo inclusive violar o princípio constitucional da proibição do retrocesso legal.
b) O artigo 18-A do ADCT deve ser interpretado em consonância com o princípio da unidade da Constituição, não eliminando a garantia da intangibilidade da coisa julgada (artigo 5º, XXXVI, da CF/88), mas podendo relativizá-la de acordo com a orientação da moderna teoria processual, respeitando os preceitos constitucionais relacionados ao pacto federativo e à autonomia dos estados-membros para promoverem sua organização administrativa (artigos 1º e 18 da CF/88).
Como o artigo 18-A do ADCT existe, é válido e eficaz, e não houve incidente de inconstitucionalidade em relação a ele desde a sua proposição até sua promulgação por ampla maioria no Congresso Nacional (AGÊNCIA SENADO, 2021), é imprescindível que o Poder Judiciário proceda à sua efetivação. Caso contrário, haveria uma violação à Súmula Vinculante nº 10 pelo STF, que estabelece: "Viola a cláusula de reserva de plenário (artigo 97, CF/88) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte".
É importante ressaltar que a situação em análise não configura uma afronta à decisão do STF no caso da ADI nº 598/1991, que tratou do título "Pioneiro do Tocantins" concedido a servidores estaduais e previsto no artigo 25 da Lei nº 157/90. Nesse caso, o título em si foi mantido, como consta em uma ementa do acórdão da ADI, destacando: "O título 'Pioneiro do Tocantins', previsto no artigo 25 da Lei nº 157/90 e atribuído a servidores do Estado, não possui qualquer inconstitucionalidade". Esse fato evidencia e corrobora o posicionamento do STF, que nunca determinou a perseguição ou privação de direitos constitucionalmente garantidos aos "Pioneiros do Tocantins", como é o caso da aplicação do artigo 18-A do ADCT.
Merece ainda a ressalva, com a mesma relevância dos pontos destacados anteriormente, outras considerações relativas aos fatos ocorridos para a discussão que este trabalho propõe, quais sejam:
1. A administração do Estado do Tocantins, no ano de 1995, em consequência do processo da ADI nº 598/1991, como ação saneadora do processo administrativo, excluiu a bonificação dos 30 pontos no concurso público e reclassificou os concorrentes, readequando a ordem dos que foram efetivamente classificados e aprovados, que foram reempossados nos devidos cargos (D.O.E. n.°433, de 02 de maio de 1995), contudo, deliberadamente, em 1997, por meio de ato administrativo, através da Portaria do Estado do Tocantins nº 20/97, exonerou todos esses servidores. Vale lembrar que o Estado do Tocantins já havia impetrado a ADI nº 598 em 1992, cujo trânsito em julgado ocorreu muito tempo depois, em 2013;
2. O caso em análise, se trata de demissão sem qualquer obediência aos princípios do devido processo legal e da segurança jurídica, por meio de ato administrativo unilateral do Governador do Estado, dos servidores que estavam em pleno exercício de suas funções públicas, via concurso público há mais de 05 (cinco) anos (aqueles reclassificados que se mantiveram aprovados), portanto, em tese administrativo-jurídica, devidamente estabilizados em seus cargos estatutário.
3. No caso em apreço, não há qualquer evidência de má-fé por parte dos servidores exonerados, ainda que se entenda inconstitucional as normas do edital ou o próprio concurso público, pode ser sustentada a tese da reintegração dos servidores aos seus respectivos cargos, principalmente, após a convalidação dos atos de nomeação por força da EC nº 110, notadamente aos servidores que se efetivaram após cumprido o período quinquenal de exercício, situação que segundo a regra jurídica básica caracterizaria a decadência ao direito potestativo do Estado do Tocantins nessa contenda que, infelizmente confronta com seus pioneiros, os coadjuvantes da sua criação.
Nesse contexto, é crucial ressaltar que não se pode aceitar que os cidadãos de boa-fé fiquem indefinidamente sujeitos à arbitrariedade do Estado, enfrentando insegurança jurídica devido a possíveis equívocos iniciais da Administração Pública, mesmo que haja uma consolidação factual ao longo do tempo e incorporação na sociedade.
Diante dessa situação, torna-se evidente a importância de estender o prazo decadencial de cinco anos para a anulação de atos administrativos não jurídicos que resultem em benefícios para os destinatários, a todas as entidades federativas. Essa medida fortalecerá ainda mais a estabilidade das relações jurídicas, que é um princípio fundamental em nosso Estado Democrático de Direito. A Emenda Constitucional nº 110 foi criada com o propósito de cumprir essa missão.
Os legisladores, que são os representantes legítimos do povo, agiram com o objetivo de defender um segmento da população e corrigir situações que consideraram injustas e que geravam instabilidade jurídica na sociedade.
Portanto, a vontade popular agiu em um contexto político e de valores, exercendo sua função de determinar o conteúdo dos direitos, diante de opiniões divergentes sobre a melhor maneira de promover a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais.
É de suma importância destacar que a interpretação constitucional realizada pelo STF não deve ser considerada absolutamente inquestionável, uma vez que isso iria contra o § 2º do art. 102 da Constituição Federal de 1988, a saber:
§ 2º - As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Ressalva-se, esse dispositivo exclui o Poder Legislativo do efeito vinculante do controle de constitucionalidade, estabelecendo que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzem efeito apenas em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
4.CONCLUSÃO
O principal debate suscitado por este trabalho gira em torno dos possíveis efeitos concretos decorrentes da EC nº 110/2021, bem como da possibilidade de convalidação de atos declarados nulos e inconstitucionais, seja como se apresenta diretamente como dispositivo constitucional, seja através de algum instrumento regulatório que se faça oportuno. A Procuradoria Geral da União argumenta que a emenda viola Cláusulas Pétreas da Constituição, como a segurança jurídica e a coisa julgada.
Este artigo destacou a análise da possível reintegração de posse dos ex-servidores estatutários, referente ao concurso "Pioneiros do Tocantins", por meio da convalidação do certame público de provas e títulos, previamente invalidado.
A EC nº 110/2021 está intimamente ligada a uma decisão de cunho político-valorativo e se enquadra no legítimo poder de governar das maiorias democráticas, com a tese de que a insegurança jurídica causada por equívocos da administração pública não deve afetar indefinidamente os cidadãos de boa-fé.
A soberania popular exerceu seu papel na escolha do conteúdo dos direitos diante das divergências sobre a melhor forma de promover a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais. Assim, os legisladores, por meio da EC nº 110/2021, agiram em defesa de um segmento da população e buscaram corrigir situações injustas e causadoras de instabilidade jurídica.
A interpretação judicial da Constituição pelo STF não pode ser absolutamente inquestionável, conforme estabelecido no § 2º do art. 102 da Constituição Federal de 1988, que exclui o Poder Legislativo do efeito vinculante do controle de constitucionalidade.
A moderna teoria processual apresenta a coisa julgada como um obstáculo superável em casos excepcionais, quando há necessidade de proteção de direitos fundamentais e correção de injustiças materiais. Nesse sentido, a relativização da coisa julgada permite a revisão de decisões judiciais em casos específicos, desde que haja justificativa adequada e respeito às normas processuais.
A aplicação da EC nº 110/2021 deve ser guiada pelos princípios constitucionais, garantindo uma análise criteriosa e justa dos casos específicos, com equidade de tratamento entre as partes envolvidas, especialmente no que diz respeito à reintegração de posse dos servidores afetados pelo concurso "Pioneiros do Tocantins". Somente dessa maneira será possível alcançar um equilíbrio entre a proteção dos direitos fundamentais e a estabilidade jurídica, em conformidade com o Estado Democrático de Direito.
A EC nº 110/2021 representa um desafio nesse contexto, sendo necessário esperar e avaliar os resultados práticos dessa emenda em garantir a efetiva proteção dos direitos pretendidos pelos legisladores, direitos estes fundamentais, como disposto no texto constitucional e, assim, a promoção da justiça material e processual tão esperada, especialmente por aqueles “pioneiros do Tocantins” prejudicados por uma honraria concedida espontaneamente pelo próprio Estado que fundaram.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BALESTRA, Rafael Antônio Machado. Emenda constitucional Nº 110: O caso do concurso “Pioneiros Do Tocantins” Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 set 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63116/emenda-constitucional-n-110-o-caso-do-concurso-pioneiros-do-tocantins. Acesso em: 25 dez 2024.
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