RESUMO: O presente trabalho busca melhor compreensão sobre o pactum de non petendo. Instituto jurídico que vem tomando contornos atuais no Brasil, principalmente após autorização do Código de Processo Civil de 2015 para as convenções processuais atípicas. Nesse intuito, analisou-se sua constitucionalidade e sua natureza jurídica, com limites legais e inserção no ordenamento jurídico brasileiro através do método da revisão bibliográfica, explicando o tema com referenciais teóricos doutrinários e jurisprudenciais. Observou-se com nesse estudo que a promessa de não processar ganha significado relevante quando utilizada como cláusula de paz, se prevista em contratos creditícios, onde é mais utilizada, aumentando as chances de autocomposição e evitando o litígio, ou mesmo quando inserida no direito público, como é o caso do acordo de não persecução criminal e no acordo de não persecução cível, tornando por muitas vezes viável a ideia de justiça também nos âmbitos do direito criminal e do direito administrativo.
Palavras-chave: Negócios jurídicos processuais. Promessa de não processar. Pacto de non petendo. Autorregramento da vontade. Direito de ação. Inafastabilidade da jurisdição.
ABSTRACT: The present work seeks a better understanding of the pactum de non petendo. Legal institute that has been taking on current outlines in Brazil, mainly after the authorization of the 2015 Code of Civil Procedure for atypical procedural conventions. In this regard, its constitutionality and legal nature have been analyzed, with legal limits and insertion in the Brazilian legal system through bibliographic research, explaining the theme with theoretical doctrinal and jurisprudential references. Convenant not to sue gains meaning when used as a peace clause, if provided for in credit agreements, where it is more used, increasing the chances of self-composition and avoiding litigation, or even when inserted in public law, as is the case of the criminal non-persecution agreement and the civil non-persecution agreement, often making the idea of justice even in the areas of criminal law and administrative law viable.
1 INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil (CPC) de 2015, em seu artigo 190, autoriza as partes do processo a realizar negócios jurídicos processuais, desde que plenamente capazes e em causas que versem sobre direitos que admitam autocomposição. A existência desses negócios jurídicos processuais não é totalmente inovadora no CPC de 2015, já que o diploma revogado de 1973 versava sobre pontuais negócios jurídicos típicos, que ocorria sempre que a lei os previa de forma expressa. O exemplo mais habitual desses negócios processuais já comum aos contratos é a cláusula de eleição de foro, permitindo às partes, antes mesmo da propositura da ação, alterar o foro competente para o ajuizamento de uma pretensa ação.
Contudo, não existe correspondência para o diploma anterior quando se fala em uma cláusula geral de negócio jurídico processual. Inclusive, parcela da doutrina, defende a existência de um novo princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil (NEVES, 2019). Anteriormente apenas o direito material se submetia à vontade das partes, o direito processual apenas deveria garantir a paridade de armas quando houvesse litígio (MENDONÇA NETO; GUIMARÃES, 2017).
Cabral (2018 apud TRIGO, 2020, p. 40) apresentou onze razões pelas quais as convenções processuais deveriam ser consideradas úteis:
I – processo cooperativo e igualdade entre as partes;
II – eficiência processual;
III – flexibilidade e adaptabilidade do procedimento de forma cooperativa;
IV – atração de negócios internacionais;
V – possível solução ao caos administrativo;
VI – redução de tempo e custo do processo;
VII – reforço do acesso à justiça na perspectiva das necessidades dos litigantes;
VIII – gestão de risco processual e previsibilidade;
IX – controle e limites;
X – rearranjo das relações entre direito material e direito processual;
XI – melhor administração da justiça a partir da celebração de protocolos de procedimento (CABRAL, 2018 apud TRIGO, 2020, p. 40).
Ocorre que, mesmo com a autorização expressa e a nítida consagração de uma maior liberdade também para o processo civil, o instituto do negócio jurídico processual evolui a partir de casos concretos e assim, a cada caso que institui ou altera um procedimento, surgem dúvidas sobre sua possibilidade e limites legais já impostos. A complexidade dessas dúvidas pode influenciar na capacidade interpretativa do juiz, até porque ainda não foram previstas pelo legislador.
Nessa conjuntura de negociação processual pelas partes surge a possibilidade de celebração do pactum de non petendo ou Promessa de Não Processar, onde há, como na cláusula arbitral, verdadeiro afastamento da pretensão à tutela jurisdicional, mesmo que temporária, pois na promessa de não processar há a previsão contratual de não acessar a justiça para a satisfação da obrigação.
Historicamente a Promessa de Não Processar vem sendo estudada e implementada pelo Direito Europeu, mais particularmente e com maior ênfase no direito italiano. O próprio termo pactum de non petendo nasce no direito romano e significa que durante um período ou de forma perpétua, o credor se comprometia com o devedor a não iniciar demandas com o objetivo de satisfazer o crédito. O pacto não gerava qualquer obrigação para o credor, mas também não tinha efeito de extinguir totalmente o crédito. Caso fosse descumprida a promessa e o credor demandasse a cobrança judicial, haveria a possibilidade da chamada exceptio pacti, que tinha o objetivo de defesa do devedor e de tornar a demanda inefetiva (TRIGO, 2020).
No Brasil, apesar de discutida a constitucionalidade do instituto quando em consideração ao princípio da inafastabilidade do acesso à justiça, a doutrina tem aceitado o pacto, principalmente quando temporário, pois se trataria de uma restrição voluntária, obedecendo ao princípio da autonomia de vontade e previsto no Código de Processo Civil como negócio jurídico. Seria também um meio de viabilizar, através da autocomposição, o negócio jurídico em contratos creditícios e outras situações que poderiam surgir no cotidiano, beneficiando as partes e muitas vezes tornando-o eficaz, classificando-o ainda como cláusula de paz.
Além disso, existe ainda discussão sobre a natureza jurídica da cláusula, se tal promessa seria um instituto do direito civil e equivaleria à remissão de uma dívida ou seria do âmbito instrumental pré-processual, caracterizando dessa forma, um negócio jurídico processual.
A discussão sobre o instituto vem evoluindo também em outros ramos do direito como no direito processual penal, com o acordo de não persecução penal, e no direito administrativo com a promessa de não processar na improbidade administrativa, também chamado de acordo de não persecução cível, tomando sentido atual e prático, mas ainda em aberto quando se trata de entendimento do conceito e seus efeitos.
Assim, a investigação sobre o pactum de non petendo está sendo realizada na doutrina brasileira, principalmente após autorização do Código de Processo Civil de 2015 para as convenções processuais atípicas. No entanto, o entendimento sobre o tema ainda se encontra carente, com poucos e recentíssimos artigos publicados e apenas um livro dedicado ao tema.
Para Antônio do Passo Cabral (2020), compreender corretamente o conceito e os efeitos de um pactum de non petendo é o primeiro passo para o profissional ligado ao contencioso e ao planejamento sobreviver à revolução trazida pelas convenções processuais sobre a maneira de encarar os litígios. O doutrinador complementa que saber sobre seu objeto e suas relações com o direito material é a porta para explorar as suas potencialidades.
A relevância do tema encontra respaldo também, tanto nos passos lentos traçados pelas decisões do Poder Judiciário no nosso país, quanto na deficiência na eficácia trazida por essas decisões para as partes.
Diante disso, com relação aos negócios jurídicos processuais e a discussão sobre a Promessa de Não Processar na doutrina e jurisprudência brasileiras, pretende-se responder nesse estudo: há constitucionalidade na promessa de não processar? Qual a natureza jurídica do instituto? Há limites para sua utilização? Quais as espécies mais utilizadas no direito brasileiro?
Desde já é possível perceber a ainda incipiente discussão sobre o instituto como negócio jurídico processual que contribuiria para aprimorar o relacionamento entre as partes, inclusive afastando temporariamente o litígio e podendo se caracterizar como cláusula de paz e incentivo à autocomposição.
Nesse contexto, o presente artigo pretende, ao utilizar de uma revisão bibliográfica, descrever o “estado da arte” do instituto jurídico promessa de não processar no Brasil. Para isso procurará explicá-lo a partir de referências teóricas publicadas em artigos, livros, dissertações e teses dos principais doutrinadores estudiosos do tema, procurando também analisar as contribuições culturais e científicas do passado e do direito comparado.
O artigo discorrerá sobre a história da promessa de não processar, com o conceito e o debate acerca da constitucionalidade do instituto, em sequência a apresentação da discussão sobre a natureza jurídica do pacto, os limites impostos para sua utilização e as espécies que estão sendo normatizadas. Por fim, as considerações finais com a conclusão aduzida pela pesquisa.
2 A PROMESSA DE NÃO PROCESSAR: HISTÓRIA, CONSTITUCIONALIDADE E CONCEITO
O instituto da promessa de não processar nasceu no direito romano e vem sendo aplicado em todo mundo e em diversos ramos do direito (CABRAL, 2020). Naquele ordenamento o instituto era descrito como um pacto, que poderia ser unilateral, mas usualmente bilateral, em que uma das partes, o credor, se comprometia a não exigir a dívida de outra, o devedor, caracterizando-se como um acordo informal e que poderia ser realizado com termo ou condição, ou ainda ser firmado com prazo indeterminado (CRISTOFARO, 2015, apud TRIGO, 2020, p. 59).
A forma do pacto não era prescrita em lei. No entanto, o negócio ganhava valor jurídico quando havia efetivamente a demanda e o devedor alegava a exceção do negócio não cumprido pelo credor, a exceptio. A convenção poderia tanto ser limitada a um determinado tema ou demanda específica como poderia ser total, regulando a totalidade da dívida. Poderia ainda ser relacionada a apenas uma pessoa (pactum de non petendo in personam) ou poderia beneficiar coobrigados ou herdeiros (pactum de non petendo in rem) (BERGER, 1953 apud TRIGO, 2020, p.60).
Hoje o instituto jurídico da promessa de não processar é praticado em diversos ordenamentos jurídicos, principalmente na Europa. Na Itália, a convenção é atualmente estudada distinguindo-a das remissões de dívidas, próprias do direito material. O pacto é utilizado inclusive no common law da Inglaterra e dos EUA, onde é aplicado recebendo o nome de convenant not to sue (FARINA, 2018; CABRAL, 2020).
Quanto a essa diferenciação entre a promessa de não processar como instituto do direito processual e a sua possível natureza de remissão de dívida, própria do direito material, Pontes de Miranda (2016 apud TRIGO, 2020, p.63) em seu Tratado das Ações afirmava que se tratava de pacto concernente ao exercício, dele nascendo exceção, que deveria ser oponível ao devedor e ao cessionário. Complementando de forma lúcida, que se, ao invés de pacto de não processar, o crédito era desfeito, então se trataria de destrato, de renúncia, de desistência ou ainda de algum meio de desfazimento do vínculo, não seria pactum de non petendo.
De fato, o problema da natureza do pactum de non petendo provou ser decididamente complexo. A doutrina italiana, que inicialmente reservava um compromisso fugaz e às vezes superficial com o assunto, a partir da década de 2000 começou a dar atenção mais significativa à reconstrução do instituto e à sua revisão crítica. Naquele país, alguns autores que não distinguem o pacto do instituto de direito civil de remissão da dívida, partem de uma consideração básica: a inexistência para o direito civil de um direito de crédito sem a exigência de sua executoriedade contra o devedor (FARINA, 2018).
No Brasil a tendência da doutrina é a de conceber a promessa de não processar, quando sobre direito disponível e por tempo determinado, de natureza processual, o que de maneira alguma, põe um ponto final nessa discussão.
Na verdade, o que há é uma crescente atenção em torno dos acordos processuais e uma tendência, trazida pelo Código de Processo Civil de 2015, a dar maior autonomia às partes, promovendo dessa forma que os litigantes deliberem sobre o seu destino no processo e, caso isso não aconteça, incidirá a norma legal (CABRAL, 2020).
Os artigos 190 e 200 do CPC trazem cláusulas gerais de negociação. Com elas as partes não necessitam seguir estritamente o que é previsto na legislação processual, podendo negociar em alguns momentos, antes ou depois do litígio, ou até incidentalmente no processo, buscando autonomia ou um protagonismo para o alcance de um destino condizente com o que é esperado por elas (NEVES, 2019).
Nesse contexto, o instituto da promessa de processar tem sido utilizado em contratos como uma maneira de retardar o processo e dar tempo às partes para acordos, fomentando a autocomposição e até mesmo uma execução do contrato em período mais extenso (CABRAL, 2020).
Concordando com a natureza processual do pacto, Trigo (2020) defende uma amplitude que não o restringe aos contratos creditícios, acrescentando sobre o instituto uma riqueza de efeitos que podem ser ajustados pelas partes. Para ele, devem ser consideradas situações diversas que podem vir do cotidiano quando se trata de direitos disponíveis, até porque a ideia de que a promessa de não processar está somente ligada aos direitos patrimoniais impediria qualquer disposição sobre os direitos processuais, pois o pacto não tem qualquer relação com o crédito em si.
A convenção ainda é discutida quando se trata de prazo para sua eficácia. Para Cabral (2020), por causa de sua natureza processual o pacto deve ser limitado no tempo (acordo ad tempus) e não deve ser estipulado para além do prazo prescricional ou decadencial, caso contrário iria produzir uma obrigação natural. O autor não admite que a promessa de não processar eterna (pactum in perpetuum) possa ser de natureza processual e aduz que, caso fosse perpétua a convenção, poderia incentivar um uso abusivo para esconder uma disposição de direito material ou de direito subjetivo. As partes poderiam perdoar a dívida, mas somente utilizando-se da autorização dos artigos do Código Civil.
Já Trigo (2020), em livro escrito a partir de sua dissertação de mestrado, defende a natureza processual do pacto de forma que uma determinada parte se compromete, de forma temporária ou definitiva, a não exigir determinado direito, ou ainda, parte dele. O instituto também contempla os casos em que uma parte não poderia se valer de um determinado procedimento ou mecanismo processual que tivesse direito para a obtenção da obrigação. Nesse caso, quando o pacto se restringe a determinado requerimento, o autor identifica a situação como pactum de non petendo parcial ou promessa de não postular.
A portuguesa Paula Costa e Silva (2015 apud TRIGO,2020, p. 55) entende que a convenção sobre o exercício de ação recai sobre a pretensão material. A partir dessa afirmação, a autora deduz que haveria impossibilidade de haver a convenção pois influenciaria sobre o direito de ação, atingindo o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional também presente no direito português. Dessa forma, a autora traz à baila outra controvérsia que precisa ser enfrentada que é a constitucionalidade do pacto também no nosso ordenamento jurídico.
2.1 A constitucionalidade e o conceito da promessa e não processar
A constitucionalidade da promessa de não processar vem sendo discutida com base no direito de ação prescrito no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal. Como o pacto atinge o direito de exigir judicialmente o direito material ou a possibilidade de exigir o cumprimento de uma obrigação, poderia ir de encontro a um direito fundamental garantido na Carta Magna.
No entanto, a promessa de não processar não parece ferir o direito de ação ou a inafastabilidade do controle jurisdicional. Para Cabral (2020), a convenção significa uma “autorrestrição voluntária”, isto é, os titulares do direito ao acesso à justiça se submetem ao pacto para atingir outros objetivos no negócio.
Ademais a autonomia privada é um dos pilares da liberdade e dimensão inafastável da dignidade da pessoa humana. A liberdade garantida constitucionalmente também atua no processo produzindo um subprincípio: o do respeito ao autorregramento da vontade. No processo, ele não tem exatamente as mesmas características com que se apresenta no direito civil, por envolver o exercício da jurisdição. A negociação processual, então, é mais regulada e tem o objetivo mais específico (DIDIER JR., 2018).
O termo autorregramento da vontade é típico do âmbito processual. Cunhado por Pontes de Miranda (1954 apud TRIGO, 2020, p. 36), a expressão seria mais apropriada, pois não iria de encontro a ação da vontade no direito público, como acontece com a expressão mais utilizada no direito civil: autonomia privada.
A doutrina especializada em negócios jurídicos processuais vem observando que há tendência na ampliação dos limites do autorregramento da vontade no processo civil (NOGUEIRA, 2011; DIDER Jr., 2018; CABRAL, 2020).
Tal premissa advém da evolução do exercício da liberdade como maneira de concretizar o devido processo. Fredie Didier Jr. (2018, p. 19) explica que: “Um processo que limite injustificadamente o exercício da liberdade não é um processo devido. Um processo jurisdicional hostil ao exercício da liberdade não é um processo devido, nos termos da Constituição brasileira.”
No entanto, como nos outros ramos do direito, também no processo civil, o poder de autorregramento da vontade não é ilimitado. A atribuição de poderes do órgão jurisdicional deve conviver com o respeito à liberdade e a mediação legislativa é indispensável, delimitando a sua extensão, como o faz o art. 190 do CPC, ao proteger os incapazes e os vulneráveis (DIDIER Jr., 2018).
Adiante veremos mais profundamente, quando falamos sobre limites do pacto, que as convenções processuais são institutos que aparecem com a finalidade de possibilitar o autorregramento da vontade no processo civil em circunstâncias em que o direito em disputa é passível de autocomposição.
Diante de todas essas premissas sobre negócios jurídicos processuais, sobre o princípio do autorregramento da vontade e o atual incentivo a negociação, mediação e conciliação prévia ao ingresso em juízo no processo civil a doutrina não considera o pacto como convenção inconstitucional.
Ocorre que, conforme argumenta Trigo (2020), o conceito desse instituto ainda está repleto de controvérsias, pois há uma intersecção com o direito material. Para o autor, há razoabilidade nessa ideia, mas somente do ponto de vista clássico, em que há confusão entre direito e ação. Atualmente, essa versão não está afinada com a concepção de processo.
Em 2017, enquanto o então novíssimo CPC apresentava ao mundo jurídico a possibilidade dos negócios processuais atípicos, Mendonça e Guimarães (2017) discutiram a conjuntura para surgimento do pacto, conceituando-o como contrato por meio do qual as partes acordam pela impossibilidade de exigir-se, judicialmente, um crédito. Nele, o credor renunciaria ao direito de exigir no Poder Judiciário que seu devedor cumpra uma obrigação que lhe é devida.
De fato, a promessa de não processar pode ser mais benéfica em contratos creditícios, porém, também é verdadeiro que essa convenção pode ser e vem sendo utilizada no direito brasileiro para tornar outros tipos de contratos eficazes e sendo considerada uma cláusula de paz. Isso porque, durante o prazo estipulado para a promessa ser cumprida, ou seja, não serem ajuizadas ações, há a possibilidade de novas negociações sobre a obrigação, inclusive podem ser previstos métodos de autocomposição ou transação que devem ser executados durante aquele prazo.
Em parecer publicado em 2011 a respeito de Recurso Especial, José Manoel de Arruda Alvim Netto analisou um pedido de indenização fundado em transação realizada no distrato em que as partes se outorgavam ampla e recíproca quitação, com renúncia do direito material e à respectiva ação pela recorrida. Por obvio que, entre as duas pessoas jurídicas envolvidas no recurso, havia uma promessa de não processar. Ao analisar o caso, observa que em todas as instâncias jurisdicionais houve o reconhecimento da existência do pacto, porém, de forma a negar-lhe eficácia, com alegação de que o direito público subjetivo de ação seria irrenunciável. De forma ímpar o doutrinador refuta essa alegação (ALVIM NETO, 2011).
A Constituição Federal e o ordenamento jurídico brasileiro permitem e incentivam a autocomposição, enaltecendo meios de prevenir litígios ou extingui-los com a transação. Não deveria, então, ser inconstitucional a pactuação entre as partes, no exercício de sua autonomia privada, dirimindo o conflito porventura existente, sem acessar o Poder Judiciário. E ainda, o pacto deveria ser reconhecido e legitimado, tão logo tivesse sido alegado como exceção da convenção não cumprida, assim como ocorre com a alegação da cláusula compromissória (ALVIM NETO, 2011).
A arbitragem é uma forma de se resolverem pendências igualmente válida no ordenamento jurídico, sendo baseada também na autonomia privada. Complementa que a autonomia privada incidindo na modalidade de solução de conflitos é uma tendência que se acentua mundialmente. Na realidade, se as partes transacionaram sobre não acionar a justiça, existe um ato jurídico perfeito e acabado (ALVIM NETO, 2011).
Trigo (2020, p. 55) compara mais veementemente a promessa de não processar parcial, ou promessa de não postular, com a arbitragem:
Em verdade, um exemplo essencial de promessa de não postular é exatamente a cláusula compromissória, prevista nos arts. 3º e 4º da Lei 9.307/64. Esta, como frequentemente conceituada na doutrina, é negócio jurídico processual que produz efeitos negativos em relação à jurisdição estatal e efeitos positivos no que tange à jurisdição arbitral (TRIGO, 2020, p. 55).
Pois bem, se há liberdade para a escolha da arbitragem como meio de resolução de um conflito e se há liberdade para a propositura da ação, deve haver liberdade também para se excluir a pretensão de se exigir a obrigação.
Em verdade, a promessa de não processar parece ser não apenas constitucional, mas instrumento para resolução simplificada de conflitos, além de uma maneira de colocar em prática o princípio do autorregramento da vontade, braço processual da garantia constitucional à liberdade.
Na contramão do entendimento majoritário da doutrina brasileira e estrangeira e da autorização legislativa do art. 190 do CPC, assentou-se orientação recente da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 1810444/SP, com relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, que limitou a amplitude da liberdade das convenções processuais às imposições do devido processo legal. Para o eminente ministro o controle sobre os negócios jurídicos processuais se descortina complexo, pois “não se limita à observância dos requisitos de validade apontados na legislação híbrida entre direitos processual e direito civil, mas também, e principalmente, aos ditames constitucionais” (SALOMÃO, 2021 apud TUCCI, 2021, p.12).
Dito isso, é mais que necessário que se discuta sobre a natureza jurídica do pacto e como ela pode afetar sua utilização no direito brasileiro.
3 A NATUREZA JURÍDICA DA PROMESSA DE NÃO PROCESSAR
Cabral (2020), em seu recente artigo sobre o tema, esclarece que a investigação e dedução sobre o objeto do pactum de non petendo auxilia na conclusão sobre a natureza do instituto. Nesse intuito, o debate sobre o pacto, em regra, remete às discussões sobre as relações entre direito material e direito processual. Essas discussões e definições doutrinárias são primordiais para que o instituto possa vir a ser utilizado e juridicamente acatado pelos tribunais.
Para Trigo (2020) o estudo do objeto da promessa de não processar deve perpassar inicialmente pelo quadrinômio de Pontes de Miranda (2016 apud TRIGO, 2020, p.63), que divide o direito em categorias: direito subjetivo, pretensão, ação de direito material e remédio jurídico-processual, o autor ainda acrescenta a pretensão de direito processual diferente da pretensão de direito material, classificando a promessa de não processar naquela categoria. Complementa com o esclarecimento ponteano de que o pacto não se confunde com o direito subjetivo, a pretensão de direito material ou o direito de ação, pois diz respeito ao processo, por isso recairia sobre o remédio jurídico processual ou, se parcial, sobre alguns pedidos no procedimento.
Ocorre que o tema tem relação com conceitos básicos da Teoria do Processo e da Teoria dos Negócios Jurídicos, se tornando uma questão que não é de simples solução, havendo confusão terminológica também na doutrina europeia (CABRAL, 2020).
É necessário então que se discuta sobre os principais conceitos citados pela doutrina relacionados ao instituto para melhor compreensão do objeto da promessa de não processar e, consequentemente, da sua natureza.
3.1 Direito subjetivo ou pretensão
De início, se faz necessária a diferenciação demonstrada por Pontes de Miranda (2016 apud TRIGO, 2020, p.3) entre o pactum de non petendo e o desfazimento do crédito, pois o objeto da convenção que o torna existente pode não parecer claro a partir dos seus efeitos ou dos instrumentos que pode atingir.
Para Paula Costa e Silva (2015 apud TRIGO, 2020, p. 69), o pacto não cria obrigação natural, ou seja, não atinge o direito subjetivo, ao contrário, atinge apenas a pretensão jurídico-material. Trigo (2020) e Cabral (2020) concordam em parte com a doutrinadora portuguesa, pois, apesar de também não considerarem o instituto de direito subjetivo, definem a promessa de não processar não como relacionada à exigibilidade da prestação, mas sim com a exigibilidade do direito, portanto pretensão processual.
Para essa conclusão, se faz necessário o esclarecimento sobre o que diferencia o objeto do direito subjetivo, a pretensão material e a pretensão processual.
Clóvis Beviláqua (1977 apud VENOSA, 2017, p.24) define obrigação como relação jurídica transitória, que constrange a dar, fazer ou não fazer algo, geralmente, de caráter patrimonial, em proveito de alguém que, por ato ou em virtude de lei, tem o direito de exigir essa ação ou omissão. Essa relação jurídica é de direito subjetivo.
As situações jurídicas que fazem nascer o direito subjetivo são situações substanciais (ativas e passivas, direitos e deveres, por ex.) e correspondem ao mérito de um possível processo (Didier Jr., 2018).
De fato, tal relação jurídica obrigacional é identificável quando nasce a exigibilidade da prestação, ela é efeito da relação entre crédito e débito, quando o crédito se converte em pretensão (LOBO, 2011).
A existência de tal pretensão material é o que garante o cumprimento da obrigação quando isso não se dá de forma espontânea.
A relação jurídica obrigacional possui, portanto, o condão de aforar a responsabilidade caso o devedor deixe de realizar uma prestação ao seu credor. Essa responsabilidade parece não integrar o âmago do conceito da obrigação, embora seja de importância fundamental, pois nasce junto com o seu inadimplemento (VENOSA, 2017).
Mas o destino natural de uma obrigação é, em regra, o seu cumprimento, decorrente do interesse dos sujeitos envolvidos na prestação pactuada. No entanto, existem casos em que o credor não tem mais interesse nesse cumprimento e, de forma inequívoca, dispensa a obrigação. Sendo, dessa forma, retirada a exigibilidade do crédito. A esse perdão dá-se o nome de remissão (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).
Para Cabral (2020) não há interferência do pacto no direito material, não existem efeitos de remissão de dívida, não há impacto na pretensão material. Inclusive as partes poderiam exigir seus direitos fora do processo, com outras formas de cobrança.
É possível imaginar, então, uma convenção que permita, com o inadimplemento da prestação, tanto o perdão da dívida, recaindo sobre a pretensão material, quanto uma outra convenção para não se cobrar a dívida em juízo, ou até uma outra que se relacione com alguns pedidos processuais, buscando a satisfação do direito, mas sem relação com a pretensão material, correspondendo à pretensão processual.
Trigo (2020) dispõe que não haveria compatibilidade do objeto do pactum de non petendo com o direito subjetivo e sua pretensão material, ou seja, com o perdão da dívida, até porque, não haveria nenhuma utilidade nessa disposição, pois para o desfazimento do crédito seriam utilizados outros instrumentos dispostos no código civil, como a doação ou a própria remissão. Para o autor, não se pode confundir a convenção sobre o exercício do direito, com a convenção sobre o próprio direito.
Haveria a possibilidade, inclusive, da existência do processo em si, exigindo-se o direito e a prestação, apenas com restrição de pedidos, o que Trigo (2020) chama de promessa de não postular, ou promessa de não processar incidente sobre parte da demanda. Um exemplo seria o afastamento de concessão de tutelas antecipadas no curso do processo.
Posto isso, seria correta a dedução de que o pacto não incidiria sobre o direito, apenas sobre a sua exigibilidade. No entanto, a promessa de não processar não diz respeito apenas a relação obrigacional. A doutrina tem demonstrado que a convenção tem espaço em outros ramos do direito, atingindo sim, mas apenas em última instância, direitos (não de forma exclusiva) e ônus processuais, o que trataremos adiante neste artigo (TRIGO, 2020; CABRAL, 2020).
3. 2 Direito de ação ou remédio processual
O art. 5º, XXXV da Constituição Federal garante o direito de ação ao não excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
O direito de ação é razão de ser do ordenamento jurídico e premissa básica da atuação estatal detentora do jus imperium. Ao lado dele existe o princípio dispositivo, que se traduz no poder das partes para pedir a tutela jurisdicional e fixar o objeto interno do litígio. A partir desse princípio, as partes definem o que interessa ser levado à apreciação estatal (MENDONÇA NETO; GUIMARÃES, 2017).
De fato, esse direito assegurado constitucionalmente, não tem qualquer relação com o direito material peticionado pelo autor, nem tampouco com o direito à defesa do réu, sendo possível o ajuizamento de qualquer ação, inclusive aquela com convenção processual para não processar. O pacto não pretende vedar o acesso ao Poder Judiciário, até porque seria impossível essa restrição.
Trigo (2020) defende que a promessa de não processar não impede o acesso à justiça e a análise do juiz. Da mesma forma que ocorre com a cláusula compromissória, a convenção deverá ser alegada pela parte a quem aproveita, ou seja, o juiz não pode, após a verificação de existência de promessa de não processar, extinguir o processo, pois ela não é uma condição da ação por si mesma. No entanto, o direito de ação não significa o direito de mérito, sendo necessária de início a análise das questões processuais. Nesse sentido, como no direito romano, a exceptio deve ser alegada.
Ocorre que, em nome de outros objetivos negociais, há a autorrestrição voluntária, que os próprios titulares se impõem. Sendo assim, tendo sido garantido o acesso ao Poder Judiciário para uma das partes e, tendo apresentado a outra parte a promessa de não processar como defesa, o processo deverá ser extinto (CABRAL, 2020; TRIGO, 2020).
Por isso, a doutrina brasileira é unânime em considerar que o pacto não fere o direito de ação, no sentido de acesso à justiça, não excluindo a apreciação do Poder Judiciário em nenhuma espécie de promessa de não processar total ou parcial.
Como dito anteriormente, Pontes de Miranda (2016 apud TRIGO, 2020, p.84) considera o pactum de não petendo como remédio jurídico processual, ou como Trigo (2020) prefere chamar, instrumento processual, que nada mais é que o mecanismo técnico, previsto na lei processual para tutela de direito material violado.
Para esse autor, é razoável que seja celebrado o pacto sobre os poderes das partes como um aspecto negativo instrumental, em que, apesar de não ser excluída a pretensão inteira, há limitação parcial nos direitos postulatórios, como por exemplo, as partes podem prometer não propor ação uma contra a outra perante o juizado especial cível, sendo competente para julgar o futuro processo, somente a justiça comum, ou mesmo quando se opera a cláusula compromissória. (TRIGO, 2020).
Em verdade, parece que a doutrina brasileira, a partir de Pontes de Miranda até os anos 2020, classifica o pactum de non petendo, tanto total como parcial como de direito processual, mais especificamente como convenção negativa de pretensão processual, atuando com mais ênfase no direito privado, sendo um pacto pre-processual que tenta gerir o risco do inadimplemento.
Nesse sentido, recai a opinião de Cabral (2020), quando afirma que as partes que prometem não processar, tanto credor quanto devedor, terão que avaliar a iniciativa e o impulso de agir na justiça e repensar outras formas não judiciais de cobrança e exigência no cumprimento do contrato.
Não há dúvidas que ao restringir a pretensão processual, haveria a possibilidade de maior período para tentativas de autocomposição e até mesmo de adimplemento contratual. Dessa forma, nasce mais uma utilidade do pacto, que, ao ser firmado, pode ser considerado cláusula de paz, com a promoção de meios alternativos de resolução de disputas, com a vantagem de diminuir o número de processos que chegam ao Poder Judiciário, além de ser uma forma de deixar as partes mais satisfeitas com a solução do impasse porventura existente, diante da satisfação do regramento proposto por elas próprias (TRIGO, 2020).
3. 3 A promessa de não processar como negócio jurídico processual atípico
O Código de Processo Civil de 2015 adotou uma flexibilização procedimental ao processo para dar maior efetividade ao direito material discutido, com respeito aos princípios constitucionais. Dessa forma, o CPC trouxe a teoria dos negócios jurídicos processuais regulamentada em seu art. 190 e seu parágrafo único (THEODORO JÚNIOR, 2017).
Didier Jr. (2018) defende em seu livro sobre os negócios jurídicos processuais que:
Negócio processual é o fato jurídico voluntário, em cujo suporte fático se confere ao sujeito o poder de regular, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais ou alterar o procedimento (DIDIER JR., 2018).
Os negócios jurídicos processuais se coadunam com princípios constitucionais como o da cooperação e tentam superar o que se poderia chamar de hiper publicismo, podendo as partes dispor sobre certos direitos processuais, ou até renunciar ao exercício (THEODORO JÚNIOR, 2017; TRIGO, 2020).
Fredie Didier Jr. (2018) classifica e exemplifica diversos negócios processuais. Para ele, existe a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais atípicos, tendo em vista que o art. 190 é cláusula geral de negociação sobre o processo, sendo esse a principal concretização do princípio do respeito ao autorregramento no processo.
O negócio processual atípico pode ter por objeto o ato processual. É possível, então, o acordo sobre pressupostos processuais. Não se trata de negócio sobre o direito litigioso, negocia-se apenas sobre o processo, alteram-se suas regras, derrogam-se normas processuais (DIDIER JR., 2018).
A promessa de não processar parece-nos ser vista como negócio jurídico processual atípico, ligada ao período pré-processual de liberdade contratual, sem que incida qualquer tipo de norma cogente e condicionada aos limites legais.
Assim, para ser válida, a promessa de não processar deve obedecer aos requisitos de validade de todo o negócio jurídico descritos no código civil. Ademais, nos termos do art. 190, parágrafo único, do código de processo civil, o desrespeito a qualquer um desses requisitos implicará nulidade do negócio processual, inclusive podendo ser reconhecida ex officio. No entanto, como dito anteriormente, não pode o juiz de ofício conhecer do inadimplemento da promessa de não processar. Como qualquer outro negócio jurídico processual, a alegação da convenção não cumprida será ônus da parte que a aproveita.
Um exemplo ilustrado por Fredie Didier Jr. (2018) quando se fala na alegação do inadimplemento do negócio processual atípico, é o acordo de instância única, quando se negocia que não haverá recurso por nenhuma das partes. Se ocorrer de uma das partes recorrer, o órgão jurisdicional não pode deixar de admitir o recurso por esse motivo, caberá a parte recorrida alegar e provar o inadimplemento da convenção processual, sob pena de preclusão.
Como a convenção para não processar é autônoma em relação ao negócio jurídico principal, se esse for invalidado, não será a promessa de não processar. Tal noção também vale sobre a possibilidade do pacto ser invalidado parcialmente, ou totalmente, não incidindo a nulidade sobre o negócio principal.
A capacidade processual é requisito de validade para a promessa de não processar, mas não se limita a ela, sendo necessária a capacidade processual negocial. Essa questão é de importante menção, pois o sujeito pode ser incapaz civilmente e capaz processualmente, no entanto, incapazes não podem celebrar negócios processuais sozinhos, somente se estiverem representados. Um outro exemplo de incapaz processual negocial é o consumidor, pois o art. 190 do código de processo civil literalmente limita a atuação de parte que se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade (DIDIER JR., 2018).
É importante acrescentar que que Administração Pública pode se utilizar da negociação processual, desde que preservado o princípio da indisponibilidade do interesse público. Acontece que, como veremos adiante, diversas questões de direito público têm sido submetidas a soluções negociadas, pois não se trata de dispor, renunciar ou transacionar em relação ao direito material em si, o qual permanece indisponível e impassível de transação (COÊLHO, 2019).
A questão do objeto do negócio jurídico processual atípico se mostra tão conflituosa quanto a já discutida questão da promessa de não processar. Fredie Didier (2018) sugere padrões dogmáticos ou diretrizes gerais para o exame da licitude do objeto para serem seguidas, sem, no entanto, exaurir o tema: (i) na dúvida deve se admitir o negócio jurídico processual, exceto existente alguma regra que imponha interpretação restritiva, como é o caso do art. 114 do código civil, em que negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente; (ii) somente pode realizar-se em causas que admitam a autocomposição, pois pode haver reflexo na resolução do direito litigioso, no entanto, “a indisponibilidade do direito material não impede por si só, a celebração de negócio jurídico processual”(EN.135, FPPC apud DIDIER JR, 2018, p. 37); (iii) somente é possível negociar comportamentos lícitos; (iv) quando a lei regular expressamente um negócio jurídico processual, deverá delimitar os contornos de seu objeto; (v) negócio processual não pode ser admitido quando o seu objeto afastar regra processual cogente que sirva à proteção de direito indisponível; (vi) o negócio processual pode ser inserido em contrato de adesão, desde que não seja abusivo; (vii) as partes poderão definir deveres e sanções, distintos do rol legal processual, para o caso de descumprimento do negócio jurídico processual atípico.
Com relação à forma do negócio jurídico processual atípico, a doutrina cita que é livre. Assim seria possível que que ele fosse escrito ou oral, expresso ou tácito, apresentado por documento extrajudicial ou formado em audiência (DIDIER JR.,2018). Porém, como serve para criação de deveres não previstos na legislação processual e para possível troca de evidências e provas, sendo também descrito como acordo obrigacional que altera o procedimento, dando origem à situação jurídica das partes, é interessante que se convencione de forma escrita (TRIGO, 2020).
Como ocorre com o art. 200 do código de processo civil, quando prevista sua necessidade em lei, a homologação judicial é condição legal de eficácia do negócio jurídico processual, consequentemente, quando ocorre o negócio processual atípico os seus efeitos são imediatos, não necessitando da homologação. Para Didier Jr. (2018), não possuindo defeito, o juiz não pode recusar aplicação do negócio processual.
4 LIMITES DA PROMESSA DE NÃO PROCESSAR
Para adentrarmos na seara dos limites ao pactum de non petendo se faz necessária a análise do artigo 190 do Código de Processo Civil. Em seu caput, ele delimita os casos de negócios jurídicos processuais aos direitos que admitam autocomposição e às partes com capacidade processual negocial.
Mendonça Neto e Guimarães (2017) atentam para o fato de que não há qualquer relação entre direitos disponíveis e direitos que admitem a autocomposição, sendo essa categoria mais ampla que aquela.
A autocomposição é uma técnica processual e a indisponibilidade diz respeito ao direito material. A técnica não afasta a cognição, nem a pretensão da tutela jurisdicional, por isso não haveria razão para a recusa do processo negociado, sob pena de privar as partes da possibilidade de se alcançar melhor solução para o caso concreto. Assim, o mérito do negócio jurídico processual sempre deve ser sindicado pelo juízo, sendo dessa forma aceito, alterado ou recusado (MENDONÇA NETO; GUIMARÃES, 2017).
Um bom exemplo desenvolvido por Mendonça Neto e Guimarães (2017) é o seguinte:
Pode-se supor, que as partes envolvidas, num processo de interdição – o qual não dispensa a tutela judicial – firmem um acordo processual no qual somente a parte autora dispense recurso, caso a sentença venha a reconhecer a capacidade do interditando. (...). No caso hipotético, a solução faz sentido até mesmo porque a parte poderia decidir não recorrer. O que fez foi somente antecipar para o início do processo uma decisão que tomaria ao final do exercício da jurisdição de 1º grau. Não haveria razão para negar a possibilidade do negócio jurídico processual nesses casos, ainda que a pretensão à tutela judicial fosse indisponível (MENDONÇA NETO; GUIMARÃES, 2017, p.7)
Trigo (2020) comenta com fulcro no artigo 190 do CPC, que seria possível, num mesmo processo, concorrerem direitos que podem ser objeto da promessa de não processar e outros que não poderiam, possibilitando a utilização de um pacto parcial, ou promessa de não postular, englobando apenas os direitos passíveis de autocomposição.
Com relação à capacidade processual negocial, o artigo 190 determina que as partes devem ser plenamente capazes para a convenção e não apenas para o processo.
Didier (2018) observa que a capacidade processual negocial pressupõe a capacidade processual, mas não se limita a ela.
A vulnerabilidade é um exemplo de incapacidade processual negocial. Casos como os relacionados ao direito do consumidor ou quando a parte não é acompanhada por procurador, podem ser considerados nulos se houver a constatação de manifesta situação de vulnerabilidade, como determina o parágrafo único do artigo 190 do CPC. Caberá ao Poder Judiciário resolver se a negociação foi feita em condições de igualdade ou não.
Tereza Arruda Wambier (2015 apud COÊLHO, 2019) afirma que para a concretização do negócio jurídico processual não é possível que ele tenha por objeto dever processual imperativo imposto à parte. Não é o intuito o “vale tudo” processual, sob pena de ser ilícito o objeto.
Sobre o assunto, Cabral (2020) complementa que não podem as partes transferir a outras pessoas, inclusive ao Poder Judiciário, os custos que deveriam ser arcados pelas próprias partes. Isso porque, a litigância, sendo extrajudicial ou judicial, impõe custos, nesse sentido, não seria possível impor esses custos a terceiros.
Além das limitações impostas às convenções processuais já determinadas no CPC, Cabral (2020) defende não ser possível que a promessa de não processar se estenda além do prazo prescricional, ou se prolongue de forma indeterminada no tempo.
No primeiro caso, se submetidos a prazo fixo, o cumprimento da convenção puder levar à ocorrência de prescrição ou decadência, equivaleria a produzir uma obrigação natural e significaria um dever moral apenas, sem a sua exigibilidade, o que não justificaria a natureza processual do pacto.
Para Trigo (2020), a distinção teórica entre a obrigação natural e a promessa de não processar por tempo maior que a prescrição é simples, pois o pacto exige uma exceção para ser cumprido, ele deve atuar como matéria de defesa no primeiro momento processual. O que não ocorre com a obrigação natural, que, em regra, é reconhecida ex officio. O exemplo claro utilizado pelo autor é a manifestação do julgador quando da impossibilidade da repetição do pagamento de dívida prescrita, sem que isso seja alegado por nenhuma das partes.
Dito isso, fica evidente que para Trigo (2020) é possível que a promessa de não processar seja convencionada além do prazo prescricional.
Com relação a se prolongar por tempo indeterminado, Trigo (2020) enfatiza que os argumentos para que não seja possível essa convenção são o impedimento por completo do acesso à justiça e que não seria possível o nascimento ou a subsistência do débito sem a exigibilidade.
O autor rebate esses argumentos. O primeiro seguiria a mesma linha de que a promessa de processar não significa renúncia ao direito de ação. Podendo o credor levar ao Poder Judiciário sua questão, sendo alegada a exceção e, verificada pelo juiz a inexistência de irregularidades no processo, esse seria extinto (TRIGO, 2020).
Quando se fala em impossibilidade de débito sem exigibilidade, há o contra-argumento de que existe o valor social da promessa de não processar por tempo indeterminado. Como os efeitos da convenção são diversos da remissão de dívida, pois ela afasta a exigibilidade processual apenas, existiria ainda outras formas de cumprimento que não através do processo judicial (TRIGO, 2020).
Considerando a promessa de não processar como negócio jurídico processual atípico, é certo que deve guardar os limites descritos na lei que o regulamenta. De modo que venha a ser considerada como convenção útil no direito brasileiro.
De fato, para o convencimento da sua natureza processual e, principalmente, de sua constitucionalidade nos tribunais, parece-nos que seria necessário o estabelecimento do termo para cumprimento da convenção anterior ao prazo prescricional. Evitando dessa forma, como Cabral (2020) menciona, o seu uso abusivo para esconder uma disposição sobre uma pretensão de direito material, ou do próprio direito subjetivo.
5 ALGUMAS ESPÉCIES DE PROMESSA DE NÃO PROCESSAR
As convenções processuais têm, entre seus objetivos, tutelar os direitos materiais, adequando o procedimento de acordo com as necessidades do conflito, além de possibilitar uma visão democrática do processo, ampliando o diálogo e a interação entre as partes (PONTE; ROMÃO, 2015).
É com esse intuito de cooperação, seja durante ou anterior ao processo, que a promessa de não processar pode atuar, evitando o ambiente excessivamente litigioso que, por muitas vezes se instaura entre as partes. Isso ocorre particularmente em processos que envolvem direitos existenciais, como os processos de família (TRIGO, 2020).
Para dirimir o conflito, alguns ordenamentos jurídicos preveem a obrigatoriedade de um período para negociações previas ao ajuizamento de ação, seja através da mediação ou da conciliação, devendo reservar para a jurisdição somente os conflitos não solucionados por essas técnicas. É o que acontece na Argentina, por exemplo, em que, nas ações de família, uma das partes deve procurar inicialmente um dos mediadores registrados no Ministério da Justiça (ALMEIDA, 2014 apud TRIGO, 2020, p. 132).
O direito francês trata da convenção na qual as partes se comprometem a buscar a execução do contrato com boa-fé e, na eventualidade de litígio, também se comprometem a buscar uma solução negociada. Nesse sentido, é lançado mão da autocomposição antes de qualquer ajuizamento. Essa cláusula contratual é chamada Cláusula de Paz e vai além da boa-fé contratual, prevista no direito material brasileiro. Isso porque ela cria preliminar que pode ser conhecida pelo juiz, desde que alegada por uma das partes, além de suspender o prazo prescricional para o período de composição (TRIGO, 2020).
No Brasil, a partir da década de 1990, com o incremento de técnicas processuais e constitucionalização de um conjunto ousado de garantias, sem a construção de políticas públicas e sociais correlatas, houve ambiente propício para maior judicialização de conflitos (TUCCI, 2015).
Para Tucci (2015) aconteceu o que poderíamos chamar de “banalização de demandas” e com esse afluxo e a manifesta incapacidade do Poder Judiciário de oferecer soluções eficientes para cada caso concreto, existiu também a necessidade de se prestigiar outros meios adequados de solução de conflitos como a arbitragem, a conciliação e a mediação.
Em verdade, o Código de Processo Civil de 2015 infunde a cultura da pacificação em inúmeros preceitos, sugerindo a autocomposição. Em seu artigo 3º, parágrafo 2º dispõe que “o Estado promoverá, sempre que possível a solução consensual dos conflitos” e o Estado tem se empenhado na organização de instituições capacitadas a mediar conflitos entre os cidadãos e entre ele mesmo e os cidadãos. O mesmo código prevê, em seu artigo 174, a criação pela União, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios de câmaras de mediação e conciliação para a solução de conflitos no âmbito administrativo (TUCCI, 2015).
A convenção para não processar, quando utilizada como Cláusula de Paz, pode evitar o litígio num momento crucial de conciliação, em que as partes ainda devem dialogar e não acessar o Poder Judiciário, mantendo as atenções nas negociações.
Em resumo, seria não somente possível, mas aconselhável, que antes de qualquer ação convencionassem as partes a inexigibilidade processual de determinado direito, com o objetivo de concretização do firmado em contrato e mediação do conflito.
Para Trigo (2020), essa cooperação, apesar de ter natureza processual, é decorrente da boa-fé que acompanha a celebração de contratos, que ao surgimento do litígio é para o processo transposta.
Além de ser um meio de concretização do princípio da cooperação processual como a instituição contratual da cláusula de paz, a promessa de processar aparece no ordenamento brasileiro em diversas aplicações, como no processo penal e no processo administrativo.
5.1 O acordo de não persecução penal
A Constituição Federal foi o autorizativo legal para que se expandisse no Brasil a justiça consensual. A partir dela, surgiram leis que instituíram uma nova era no sistema jurídico brasileiro (MPF, 2020; CABRAL, 2020).
As linhas gerais para a composição no processo penal também foram traçadas.
Com a promulgação da Lei 12.850/2013 e seu procedimento consensual como meio especial de obtenção de provas para o enfrentamento de organizações criminosas e crimes transnacionais e da Lei 12.846/2013 com a possibilidade de se formar acordos de leniência em matéria anticorrupção (Lei Anticorrupção Empresarial) observou-se a necessidade de se superar o modelo de que nenhum crime deve ficar impune (nec delicta maneant impunita), característico da obrigatoriedade da ação penal, pois, como o próprio Ministério Público Federal comenta, “o modelo se tornou economicamente inviável e inviabilizador de ideias de justiça e eficiência na persecução penal” (MPF, 2020).
O acordo de não persecução penal foi positivado no artigo 3º da Lei 12.850/2013, com a redação dada pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), sendo também chamado de “acordo de imunidade”, é negócio jurídico processual por meio do qual o Ministério Público promete não ajuizar a pretensão punitiva contra o colaborador, em troca da sua colaboração (CABRAL, 2020).
O artigo 28-A do Código de Processo Penal prevê o acordo de não persecução penal como um dos benefícios trazidos com a colaboração premiada:
Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada (BRASIL, 1941).
Fredie Didier Jr. e Daniela Bonfim (2018) defendem a colaboração premiada como negócio jurídico bilateral como um contrato, com interesses contrapostos e vantagens esperadas por ambas as partes. De um lado o Ministério Público, a fim de colher provas, espera a colaboração do investigado, de outro, o colaborador, apesar de não ter interesse em comum com o Ministério Público, terá como vantagem uma decisão judicial que pode significar a não persecução penal.
Trigo (2020) deduz que o acordo não se trata de negócio entre as partes, mas sim de juízo de opção do Ministério Público, ou convenção, para que não se dê início a ações penais com requisitos estabelecidos no artigo 395 do Código de Processo Penal.
Cabral (2020) e Trigo (2020) concordam ao classificarem o acordo de não persecução penal ou o benefício de não oferecer denúncia, dado pelo Ministério Público com homologação judicial, como promessa de não processar.
Ainda que o acordo de não persecução penal seja negócio jurídico processual penal, pois possui outros requisitos além da vontade das partes (requisito do processo civil) para que tenha eficácia, ele difere do puro arquivamento da denúncia, pois depende da homologação do juízo competente e, segundo a doutrina majoritária é espécie de promessa de não processar.
5.2 O acordo de não persecução cível
A Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime) também alterou o artigo 17, parágrafo 1º da Lei 8.429/1992 (Improbidade Administrativa), prevendo que “admitem a celebração de acordo de não persecução cível”. Antes havia a vedação da transação, do acordo ou da conciliação nas ações de improbidade administrativa (GONÇALVES FILHO, 2021).
A alteração desfaz a equivocada compreensão sobre a indisponibilidade do interesse público. Pois, ao contrário do que se concebia, existem graus de disponibilidade e mesmo algumas regras que foram concebidas nesse interesse podem ser flexibilizadas (CABRAL, 2020).
Antes mesmo da promulgação do Pacote Anticrime, o Supremo Tribunal Federal admitiu acordos em improbidade administrativa, não somente sobre o processo, mas também sobre as sanções determinadas no artigo 12 da Lei 8.429/1992. Com isso, houve a regulamentação da celebração de Termo de Ajuste de Conduta nessa matéria pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CABRAL, 2020).
As alterações legislativas que visam possibilitar e estimular a resolução extrajudicial de conflitos de improbidade administrativa se coadunam com o próprio Código de Processo Civil, que não obstante afirme a inafastabilidade da jurisdição, estimula a resolução consensual dos conflitos (GONÇALVES FILHO, 2021).
Dito isto, é possível afirmar que o pacto de não ajuizar a ação de improbidade administrativa tende a ser cada vez mais comum, bem como as demais convenções processuais que objetivam a resolução dos conflitos extrajudicialmente no âmbito da Fazenda Pública.
O incentivo à autocomposição tem sempre pautado as decisões da altas cortes do país. Nada obstante, o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que é possível acordo de não persecução cível no âmbito da ação de improbidade administrativa inclusive na fase recursal. O momento limite para a homologação do acordo ainda deve ocupar as decisões da corte (GONÇALVES FILHO, 2021).
5.3 A promessa de não executar
De acordo com Fredie Didier Jr e Antônio do Passo Cabral (2018) o pactum de non exequendo é negócio jurídico processual unilateral e hipótese específica do pactum de non petendo, no qual o credor ou um legitimado extraordinário compromete-se a não executar um título executivo, subsistindo, então, a pretensão cognitiva. Tal hipótese se torna possível pela independência entre as pretensões cognitiva e executiva.
Trigo (2020, p. 139) argumenta que existem duas questões a serem abordadas quando se trata do pactum de non exequendo: “(i) o efeito da promessa de não executar sobre a responsabilidade patrimonial do devedor e (ii) a (im)possibilidade de propositura de ação de conhecimento para que se obtenha condenação a pagamento que jamais poderá ser executado, sendo tal convenção prévia ao processo.”
As questões são refutadas, não sendo impeditivas da convenção processual de não executar. Primeiro que não é razoável a restrição do autorregramento da vontade em detrimento da inexistente natureza pública da responsabilidade patrimonial. Isto porque essa responsabilidade nasce no início do processo executivo ou nas medidas tomadas pelo credor após o inadimplemento da obrigação, sendo essas últimas ainda possíveis (TRIGO, 2020).
Quando nos referimos sobre a possibilidade de existir um processo cognitivo sem o seu consecutivo executivo, não existe norma que regule essa situação, além do que, não é possível que se detenha a pretensão processual cognitiva em razão do pacto que impossibilita a posterior execução (TRIGO, 2020).
Por meio da promessa de não executar o credor pactua não intentar ação executiva, podendo-se utilizar de outros meios para cumprimento da obrigação. O acordo, que pode ser bilateral, não significa renúncia no plano material, a parte pode se utilizar de outras modalidades de cobrança de crédito, como a ação monitória, ou a possibilidade de se usar o crédito como compensatório, ou ainda inserir o nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito para pressionar o adimplemento (TRIGO, 2020; DIDIER JR.; CABRAL, 2018).
O enunciado 19 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) que trata da admissibilidade de negócios processuais atípicos cita o acordo de não promoção das execuções provisórias como convenção possível, pacto este considerado por Didier Jr e Cabral (2018) comum e útil.
Sem a pretensão de esgotar o tema, nesse artigo foram abordadas discussões atuais sobre a constitucionalidade da promessa de não processar, sua natureza jurídica, seus limites e sobre algumas espécies do instituto.
A Constituição Federal e o ordenamento jurídico brasileiro são claros ao incentivar a autocomposição e os meios de se evitar o litígio.
A promessa de não processar é um instrumento processual que tem a capacidade de dar tempo para as partes entrarem em acordo, antes do ajuizamento da ação, incentivando a autocomposição e tornando possível a resolução de um conflito de forma simplificada, além de permitir que ele tenha uma resposta mais eficiente e satisfatória.
Em verdade, o pacto parece ser uma maneira de colocar em prática o princípio do autorregramento da vontade, braço processual da garantia constitucional à liberdade, não sendo contrário ao princípio do pleno acesso à justiça, pois o direito de ação é garantido, cabendo a alegação da cláusula de não processar em preliminar de contestação quando a parte a aproveitar.
A promessa de não processar mostrou-se, então, não apenas constitucional, mas instrumento para resolução de conflitos por meio da autocomposição.
Ficou demonstrada a natureza processual do pacto, pois ele recai sobre a pretensão processual, podendo ser relacionado a alguns pedidos processuais ou a não se ajuizar a ação, buscando a satisfação do direito de outras maneiras que não através da intervenção do Poder Judiciário. O que não se confunde com o perdão da dívida, pois ela ainda pode ser cobrada de outras formas, mantendo-se a pretensão material.
A promessa de não processar, de acordo com a doutrina majoritária brasileira classifica-se então como negócio jurídico processual atípico, conforme disposto no artigo 190 do Código de Processo Civil de 2015, mais especificamente como convenção negativa de pretensão processual, com ênfase maior no direito privado, sendo um pacto pre-processual que tenta gerir o risco do inadimplemento.
Sendo assim classificada, se submete aos ditames e limites do mesmo artigo, as partes devem ser plenamente capazes para a convenção e não apenas para o processo, além do que, o direito a ser convencionado deve admitir a autocomposição, que é técnica processual e não se confunde com direito material, podendo inclusive ser instrumento para compor conflitos em direitos indisponíveis.
Ainda quando se fala em limites da promessa de não processar, encontramos na doutrina divergências relacionadas ao período para cumprimento da convenção e se há necessidade do termo antes da prescrição para que o instituto tenha eficácia e o direito não se transforme em obrigação natural.
Para que a convenção processual de não processar seja reconhecida nos tribunais como de fato constitucional e de natureza processual, parece-nos ser necessário o estabelecimento do termo anterior à prescrição para seu cumprimento, evitando seu uso abusivo no intuito de esconder, na verdade, a pretensão de direito material.
Isto porque, deve ficar claro que a intenção primordial da cláusula é a de promover a paz, evitando o litígio em momento que pode ser crucial para a conciliação, em que o diálogo deve prevalecer e, ainda, não se deve acessar o Poder Judiciário, devendo-se manter o foco nas negociações. O que seria não somente possível, mas aconselhável, como já ocorre em alguns ordenamentos jurídicos como na Argentina e na França.
No Brasil, a promessa de não processar vem sendo paulatinamente reconhecida como importante e necessária ao ordenamento.
É o que acontece com o acordo de não persecução criminal que, como o próprio Ministério Público Federal reconhece, veio como uma das maneiras de tornar viável a ideia de justiça e eficiência na persecução penal.
Pela doutrina majoritária, o acordo de não persecução penal trata-se de uma espécie de promessa de não processar com requisitos distintos daqueles estabelecidos pelo processo civil, pois vai além da vontade das partes para que tenha eficácia, mas que não se equipara ao puro arquivamento da denúncia, dependendo sempre da homologação judicial.
No direito público, além do âmbito criminal, ocorreram alterações legislativas também para possibilitar e estimular a resolução extrajudicial de conflitos de improbidade administrativa.
Na verdade, o pacto de não ajuizar em improbidade administrativa, ou acordo de não persecução cível, tende a ser cada vez mais comum, seguindo o mesmo caminho dos demais conflitos que envolvem a Fazenda Pública que, cada vez mais se posiciona a favor da utilização das técnicas de autocomposição nas câmaras de resolução de conflitos.
Dentre as espécies mais estudadas de promessa de não processar no direito brasileiro está a promessa de não executar, que nos parece ser uma das de maior utilidade quando se fala em concretização do direito ou adimplemento de crédito, seja através da opção pela ação monitória, ou através do protesto, ou da inserção do nome do devedor em cadastros de proteção ao crédito, ou ainda na utilização compensatória desse crédito. Evitando o tempo despendido no trâmite de execução do judiciário e compelindo o devedor ao adimplemento.
Por fim, como se pode notar, a promessa de não processar é um tema atual que perpassa vários ramos do direito, que ainda necessita ser mais bem estudado e entendido para que se utilize de todas as suas potencialidades e para que, ao ser alegado no Poder Judiciário, possa ser reconhecido e legitimado como negócio jurídico processual com plena eficácia.
REFERÊNCIAS
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COÊLHO, M. V. F. Art.190 do CPC – Clausula geral de negociação processual. Migalhas. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-marcado/294604/art--190-do-cpc---clausula-geral-de-negociacao-processual. Acesso em: 13 abr.2021.
DIDIER Jr. F. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil. In: DIDIER JR. F. Ensaios sobre os negócios jurídicos processuais. 1. Ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 17-23.
DIDIER Jr. F. Negócios jurídicos processuais atípicos no CPC-2015. In: DIDIER JR. F. Ensaios sobre os negócios jurídicos processuais. 1. Ed. Salvador: JusPodivm, 2018. p. 25-46.
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AGRADECIMENTOS
Esse artigo não teria sido escrito se não fossem os professores do Curso de Direito da UNINASSAU Maceió, em especial as Professoras Rafaela Mendonça e Thelma Vanessa que, durante dois semestres do curso, me incentivaram a escrita e cobraram a melhor pesquisa possível e o Professor Felipe Laurindo, pois de suas aulas e por causa delas as perguntas de pesquisa foram elaboradas, surgindo dele a sugestão e o estímulo para o estudo do tema.
Agradeço aos meus colegas de turma. Amigos em uma época de turbulência em que precisávamos, e ainda precisamos, nos apoiar mais do que em tempos normais. Nunca irei esquecer da ajuda que, muitas vezes sem saber, me deram.
À minha família sempre, por tudo! André, Igor e Inês, parte de mim.
Ao Kiwi, companheirinho que continua do meu lado como sempre, mesmo não estando mais aqui na terra.
Ao Pai do Céu e a minha Mãe do Céu.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SEABRA, LARISSA DE CARVALHO SANTA RITTA. A promessa de não processar como negócio jurídico processual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2023, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63324/a-promessa-de-no-processar-como-negcio-jurdico-processual. Acesso em: 23 dez 2024.
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