ERICA MOLINA RUBIN
(orientadora)
RESUMO: A eutanásia é provocar de forma intencional a uma pessoa uma morte sem dor para aliviar todo sofrimento causado por doenças incuráveis ou dolorosas. Normalmente a eutanásia é feita por profissionais da saúde após um pedido expresso da pessoa doente. É uma prática que envolve muitos debates e opiniões, sendo legalizada em poucos países. O presente estudo tem como finalidade apresentar a eutanásia, suas formas corretas e qual é o tratamento legislativo aplicado no Brasil. No Brasil, existe um grande conflito entre os direitos fundamentais, quando relacionado ao respeito do direito a vida e a dignidade humana, bem como, em relação as dificuldades éticas para os profissionais da saúde ao enfrentarem a possibilidade de legalização da eutanásia. Pretende-se demonstrar a possível legalização do tema segundo análises fornecidas do ordenamento jurídico e entendimento de nossa Corte Suprema sobre o tema vida viável. O estudo apresentará a possibilidade da eutanásia, baseando em princípios como da dignidade da pessoa humana, além de posicionamentos do STF quanto ao tema, demonstrando também que dentro do sistema jurídico nacional possuem diversas formas indiretas de eutanásia. O trabalho conta com pesquisa bibliográfica e documental face a utilização de livros, artigos científicos, dissertações, teses e sites especializados que completem o tema em pauta, bem como documentos oficiais pertinentes.
Palavras-chave: Eutanásia. Brasil, Legalização. Morte.
ABSTRACT: Euthanasia is intentionally causing a person a painless death to alleviate all suffering caused by incurable or painful illnesses. Usually euthanasia is performed by health professionals after an express request from the sick person. It is a practice that involves many debates and opinions, being legalized in few countries. The present study aims to present euthanasia, its correct forms and what is the legislative treatment applied in Brazil. In Brazil, there is a great conflict between fundamental rights, when related to respect for the right to life and human dignity, as well as in relation to ethical difficulties for health professionals when facing the possibility of legalizing euthanasia. It is intended to demonstrate the possible legalization of the subject according to analyzes provided by the legal system and understanding of our Supreme Court on the subject viable life. The study will present the possibility of euthanasia, based on principles such as the dignity of the human person, in addition to the positions of our STF on the subject, also demonstrating that within our national legal system we already have several indirect forms of euthanasia. The work relies on bibliographical and documentary research in the face of the use of books, scientific articles, dissertations, theses and specialized websites that complete the topic in question, as well as relevant official documents.
Keywords: Domestic. Euthanasia. Brazil, Legalization. Death.
1 INTRODUÇÃO
Infelizmente, muitas pessoas sofrem por enfermidades incuráveis que podem lhes causar um sofrimento imensurável, seja por dor física, incapacidade permanente ou debilitante, fazendo com que o indivíduo chegue ao extremo de desejar sua própria morte, pensando ser a única solução para dar basta a este sofrimento. Em razão da limitação para cometer suicídio e assim executar este último ato sozinho, os enfermos pedem ajuda aos profissionais da saúde, o que configura a eutanásia.
Entretanto, o sistema normativo penal brasileiro ainda não possui nenhuma legislação específica no que tange ao assunto eutanásia. Com essa carência, a execução da eutanásia pode ser julgada como auxílio ao suicídio, ou seja, homicídio praticado por pena ou até mesmo como omissão de socorro, mesmo que até pareça um ato de misericórdia, acreditando ser uma morte mais tranquila e com menos sofrimento, será visto como homicídio.
O debate que se cria em relação ao tema, não é novo, pois é um tópico que percorre os debates em bioética e biodireito, circulando em torno da seguinte pergunta: É cabível a uma pessoa tirar a vida de outra para atender seu pedido e por dó?
Existem países como a Holanda e a Bélgica, que já regulamentaram expressamente ou atráves de interpretação do texto legal a eutanásia e o suicídio assistido que consiste no paciente tomar uma substância preparada pelo médico. Porém, no Brasil e em vários outros países do mundo, as discussões continuam com argumentos fortes, tanto prós quanto contra, ligados a valores culturais, sociais, religiosos, éticos e morais.
Justifica-se o presente artigo pela grande necessidade de discussões e esclarecimentos que a eutanásia enseja, tanto na seara médica e jurídica quanto na sociedade em geral. Assim, pretende-se com este artigo, apresentar a eutanásia, identificando as suas formas corretas e o tratamento legislativo que recebe no Brasil e em grande parte do mundo.
2 EUTANÁSIA: CONCEITO E FORMAS CORRELACIONADAS
No século XVII, o filósofo inglês Francis Bacon criou a palavra EUTANÁSIA quando indicou, em sua obra “Historia vitae et mortis”, sendo o tratamento mais eficaz para as doenças incuráveis (SILVA, 2000). O verdadeiro significado da palavra, é na verdade, de origem de duas palavras gregas: EU, que significa bem ou boa, e THANASIA, que significa a morte. Literalmente, a “eutanásia” significa “Boa Morte”, a morte lenta, sem dores, calma e piedosa.
Logo, Lana (2003, p.2) define em sua monografia “Eutanásia - Ritos e Controversas Médico-Legais”, a eutanásia como uma morte bela, sendo uma forma boa de morrer e por fim, define como “ajuda para morrer”.
Outrossim, o renomado professor espanhol Asúa (2003), descreve em sua obra “Liberdade de Amar e Direito de Morrer”, a eutanásia como a “morte que alguém proporciona a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penoso, e a que tende a extinguir a agonia demasiadamente cruel ou prolongada”. O ilustre doutrinador espanhol frisa que esse é o verdadeiro sentido da eutanásia, compatível com o móvel e a finalidade altruística da mesma.
Ademais, não se pode deixar despercebida a opinião do estudioso paraense Bittencourt (1995), que alega a eutanásia somente como a morte boa, humanitária, que por pena e compaixão se proporciona a quem está doente e prefere mil vezes morrer, a viver um eterno sofrimento, com incertezas e desprezo.
Assim, fica perceptível que a eutanásia passou a ser reconhecida como a morte causada a uma pessoa que sofre enfermidade incurável ou muito dolorosa, para suprir a agonia e a dor do paciente que se encontra em fase terminal. O seu sentido ampliou-se e passou a abranger o suicídio, a ajuda a bem morrer, o homicídio piedoso, a exemplo do CP Uruguaio (CARNEIRO, 1998).
Neste sentido, tem-se o conceito da eutanásia sob a ótica de vários doutrinadores. Para Hubert Lepargneur (1999, p43), por exemplo, a eutanásia:
É o emprego ou abstenção de procedimentos que permitem apressar ou provocar óbito de um doente incurável, a fim de livrá-lo de extremos sofrimentos que ao assaltam ou em razão de outro motivo de ordem ética.
Por seu turno, Claus Roxin entende eutanásia como:
A ajuda que se presta a uma pessoa gravemente doente, a seu pedido ao menos levando em conta sua vontade presumida, no sentido de proporcionar-lhe uma morte em consonância com a sua noção de dignidade humana (ROXIN, 2006, p. 189)
Dessa forma, resta demonstrado que o sentido da palavra eutanásia evoluiu durante o decorrer dos anos e exigiu nome específico para designar condutas diferentes, centralizando seu significado apenas para a morte causada por conduta do médico sobre a situação de paciente incurável e terrível sofrimento.
As discussões sobre a eutanásia passaram por diversos períodos históricos. Passou pelos povos celtas, pela Índia, por Cleópatra VII (69 a.c.-30 a.c.); teve grandes participações de Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (On suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia) e Schopenhauer (GOLDIM).
A tese criada pelos defensores da eutanásia reforça o fato de que este método serviria como uma espécie de “último ato de misericórdia” em favor de um enfermo, com o intuito de colocar fim ao sofrimento do paciente que se encontra em estado terminal, não qual foi atingido por uma enfermidade irreversível, onde a continuidade da sua vida serviria apenas para lhe causar maior padecimento.
É certo que a hipótese de aplicação da eutanásia acaba gerando uma grande discussão no meio social, uma vez que o “ato de misericórdia” acaba esbarrando não apenas em normas legais, mas também em princípios e direitos básicos do ser humano, como o direito à vida, à liberdade e a dignidade da pessoa humana.
Do mesmo modo, o âmbito religioso também é responsável pela repulsa à eutanásia, já que segundo seus ensinamentos, não cabe ao homem tirar a vida de seu semelhante.
Na clássica doutrina, a eutanásia pode ser classificada quanto ao tipo de ação empregada pelo “executor”, segundo Neukamp (1937), da seguinte forma:
a) Eutanásia ativa, aquela que é normalmente, isto é feito por meio de injeções de sedativos em excesso. Este é o tipo de eutanásia que mais desperta discussões, já que envolve a ação da equipe médica no sentido de causar a morte do paciente. e;
b) Eutanásia passiva, a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento.
Entretanto, há, ainda, uma segunda forma de classificação do procedimento, agora em relação ao consentimento do paciente, consistente em três espécies:
a) Eutanásia voluntária, quando se atende a vontade expressa do paciente, podendo ser enquadrado também, como “suicídio assistido”;
b) Eutanásia involuntária, quando a morte é induzida contra a vontade do enfermo, caracterizando assim espécie de “homicídio” e;
c) Eutanásia não voluntária, que é quando a morte acontece sem o paciente poder manifestar sua vontade quanto a ela (MARTIN, 1998).
Buscando o mesmo resultado final, que é de tirar a vida de um paciente enfermo, que não existe cura, encontram-se presentes, no mesmo campo da eutanásia, outras duas práticas: a distanásia e a ortotanásia. Entretanto, apesar de terem o mesmo resultado, as duas espécies possuem distinções quanto ao modo em que são executadas.
A autora Maria Helena Diniz (2001), ao falar sobre a distanásia, afirma que este meio não se trata de prolongar a vida, mas sim o processo de morte. Em outras palavras, a distanásia é o procedimento médico pelo qual se busca o prolongamento ao máximo do tempo de vida restante do paciente, fazendo uso de todos os recursos e procedimentos necessários para que isso seja possível, o que, consequentemente, acaba por prorrogar também o sofrimento do enfermo. Tal ato pode ser entendido também como “obstinação terapêutica” (SELLI; ALVES, 2009).
A ortotanásia, por sua vez, conforme explica Tereza Rodrigues Vieira (1999), prioriza a qualidade da vida que ainda resta ao paciente, deixando que a morte ocorra naturalmente. Neste procedimento, não se tem tratamentos agressivos que não tem capacidade de reverter o quadro clínico, dando lugar apenas aos cuidados paliativos, relacionados ao bem estar da pessoa. Assim, neste caso, não mais se luta contra algo que é inevitável – a morte. Com isso, fica o questionamento de que talvez seja a ortotanásia a forma mais “correta” ou “digna” de se morrer, uma vez que se dá prioridade à qualidade da vida remanescente do enfermo, sem prolongar a sua dor por mais tempo do que o necessário.
2.1 Ponto de Vista Médico
Tendo em vista que a questão da eutanásia, regra geral, envolve profissionais da saúde, necessário se faz analisar o Código de Ética Médica e sua regulamentação a respeito de casos em que o paciente se encontra em estado terminal.
Conforme o artigo 41, da Resolução CFM nº 1931/2009, é vedado ao médico abreviar a vida do paciente, mesmo que seja a pedido do mesmo ou de seu representante legal. No entanto, consta disposto no parágrafo único que mesmo oferecendo todos os cuidados paliativos disponíveis, o médico não é obrigado a empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas.
Este dispositivo é o que atribui legalidade ao médico em praticar a “ortotanásia”, caracterizado pelo homicídio piedoso omissivo, gerando a morte no tempo certo, sem prolongar a vida do paciente artificialmente, desde que o mesmo esteja desenganado pela medicina, em estado terminal e com doença incurável. Em suma, seria deixar de ministrar remédios, operações ou intervenções que façam com que o paciente permaneça vivo, porém de forma completamente artificial.
Em que pese haver previsão no Código de Ética Médica e ser considerada decisão socialmente adequada e, portanto, fato atípico, a prática da ortotanásia é discussão polêmica e pode em alguns casos ser entendida como homicídio privilegiado, com diminuição da pena de 1/6 a 1/3 em virtude do relevante valor moral empreendido da atuação médica.
2.2 Ponto de Vista Religioso
Faz-se necessário o apontamento do posicionamento das principais religiões sobre a eutanásia, uma vez que a influência da maioria faz com que o assunto seja visto pelo lado negativo.
2.2.1 Budismo
De acordo com Monica Silveira Vieira (2009, p 159) “os budistas entendem que a vida é transitória, e a morte, inevitável, devendo ambas seguir seu curso natural.”
Conforme ensina Leo Pessini (1999, p. 85):
Tal crença procura levar em consideração todos os aspectos do sofrimento, equilibrando o desejo do individuo por uma morte suave com o dever do médico de não causar dano e o desejo da sociedade de preservar a vida. [...] O budismo reconheceu há tempos o direito de as pessoas determinarem quando deveriam passar desta experiencia para a seguinte, sendo que o importante não é a vida ou a morte do corpo, mas se a mente pode permanecer em paz e harmonia consigo mesma [...] embora a vida seja preciosa, não é considerada divina, pois não existe a crença em um ser supremo ou deus criador. No capitulo dos valores básicos do budismo, além da sabedoria e preocupação moral, que andam juntas, existe o valor básico da vida, que diz respeito não somente aos seres humanos, como é o comum nas outras religiões mundiais, mas inclui também a vida animal e até mesmo os insetos.
Dessa forma, infere-se que o budismo enfatiza o estado de consciência e paz no momento da morte e assim não se opondo à eutanásia.
2.2.2 Islamismo
No dia 19 de setembro de 1981, o Secretário-Geral do Conselho Islâmico para a Europa proclamou a Declaração Islâmica dos Direitos Humanos, baseada no Corão e na Suna (documento que reúne a tradição dos ditos e ações de Maomé), elaborada por juristas e grandes representantes do pensamento mulçumano (VIEIRA, 2009).
De acordo com Leo Pessini (2009, p. 89)
para tal declaração a vida humana é sagrada e inviolável, devendo ser empenhados todos os recursos para que seja protegida, não se podendo expor qualquer pessoa a lesões ou à morte, a não ser por forçada lei; além disso, o caráter sagrado do corpo é inviolável, quer durante a vida, quer após a morte, devendo os muçulmanos cuidar para que o corpo do falecido seja devidamente tratado.
Para essa religião, todos os direitos humanos provêm de Alá, sendo revelados no Corão, motivo pelo qual Alá concedeu ao homem razão e a capacidade de pensar e dirigir suas ações; assim, proíbe não só o homicídio, mas também o suicídio (VIEIRA, 2009, p.160).
2.2.3 Cristianismo
Ao tratar do cristianismo, o Hurtado Oliver pud Vieira (2009, p.153) ensina:
Para os cristãos, a vida é sagrada, uma dádiva de Deus que não pode ser exterminada a não ser por Ele próprio, sendo o homicídio, assim como o suicídio, um pecado gravíssimo. Ainda assim, costuma-se aceitar, em certas condições, a supressão de recursos médicos ministrados ao paciente desacreditado, quando o processo de morte se mostra irreversível e as consequências do prolongamento da vida do doente causam a ele, à família e à comunidade mais danos que benefícios.
Basicamente, todas as religiões cristãs creem que a vida é um bem superior de Deus e qualquer forma de abreviá-la é proibido, entretanto concordam que é desnecessário prolongar a vida no processo de morte iminente e inevitável.
A Igreja Católica é uma das religiões que mais se expressou sobre o assunto eutanásia, mostrando expressamente a sua posição contrária do método, através dos mandamentos e regimes católicos além das declarações feitas pelos Papas; assim, o Papa Pio XII apud Pessini (2004, p. 84):
Toda forma de eutanásia directa, isto é, a administração de narcóticos para provocarem ou causarem a morte, é ilícita porque se pretende dispor directamente da vida. Um dos princípios fundamentais da moral natural e cristã é que o homem não é senhor e proprietário, mas apenas usufrutuário de disposição directa que visa à abreviação da vida como fim e como meio. Nas hipóteses que vou considerar, trata-se unicamente de evitar ao paciente dores insuportáveis, por exemplo, no caso de câncer inoperável ou doenças semelhantes. Se entre o narcótico e a abreviação da vida não existe nenhum nexo causal directo, e se ao contrário a administração de narcóticos ocasiona dois efeitos distintos: de um lado aliviando as dores e de outro abreviando a vida, serão lícitos. Precisamos, porém, verificar se entre os dois efeitos há uma proporção razoável, e se as vantagens de um compensam as desvantagens do outro. Precisamos, também, primeiramente verificar se o estado actual da ciência não permite obter o mesmo resultado com o uso de outros meios, não podendo ultrapassar, no uso dos narcóticos, os limites do que for estritamente necessário.
Em todas as religiões a vida é vista como sagrada, inviolável, intangível e com o dom de Deus (este último, exceto no budismo). Existe, portanto, um enfático sim pela afirmação, preservação, e o cultivo da vida humana que na sua essência nega aquilo que hoje se entende por eutanásia ativa (exceto o budismo, que tem posição mais branda).
Portanto, a maior parte das religiões possui o entendimento de que a prática da eutanásia é inaceitável e que deve ser condenado quem a deseja ou a pratica. Há algumas exceções, como o budismo, em que a prática não é totalmente aceitável, mas pode receber perdão conforme os motivos para a ocorrência da eutanásia.
O maior motivo para a condenação da eutanásia no âmbito religioso é de que a vida é o bem maior do ser humano e apenas o ser superior pode tirá-la, ou seja, o homem não deve interferir nesse “destino” ao qual deve ser vivido de acordo com os preceitos da religião.
Após discorrer sobre como as religiões tratam sobre a eutanásia, veremos como ela é tratada em outros países, bem como no Brasil.
3 A EUTANÁSIA NO MUNDO
Diante de um assunto complexo e que divide muitas opiniões, poucos lugares do mundo atualmente permitem a prática da eutanásia, e a maior parte dos países que toleram esse procedimento estão situados no Continente Europeu.
3.1 Uruguai
O Uruguai se destaca quando se trata de eutanásia, que mesmo não legalizando expressamente a prática, foi o primeiro país a tolerar. Desde o ano de 1934, a legislação Uruguaia, por meio do artigo 37 do Código Penal, prevê que os juízes têm a faculdade de isentar de pena quem comete o denominado “homicídio piedoso”, desde que preenchidos três requisitos básicos (GOLDIM, 1997):
1. O autor da ação deve ter “antecedentes honráveis”;
2. O ato deve ter sido motivado por piedade; e
3. Mediante reiteradas súplicas da vítima (no caso, do paciente).
3.2 Bélgica
Após longos debates, em 20 de maio de 2002, a Bélgica se juntou com a Holanda, e assim o Parlamento aprovou a lei sobre a eutanásia, regulamentando-a “como o ato, realizado por terceiros, que faz cessar intencionalmente a vida de uma pessoa a pedido desta” (PESSINI, 2007).
Consoante como Mônica Silveira Vieira (2009, p. 135-136) descreve a lei:
[...] No artigo terceiro, para que a prática do ato do médico seja legal, exige que o profissional tenha se assegurado de que o paciente, adulto ou menor emancipado, tenha plena capacidade e consciência, no momento da realização do pedido; que este seja ponderado e reiterado, não decorrendo de qualquer pressão externa; que a condição do paciente seja irreversível, caracterizando-se sofrimento físico ou mental constante e insuportável; que tenham sido atendidos todos os procedimentos estabelecidos na lei; que o paciente saiba sobre o seu estado de saúde e sua expectativa de vida, discutindo as terapêuticas possíveis e o pedido de prática da eutanásia; um outro médico seja consultado, independente do paciente e do profissional encarregado do tratamento, para que avalie a gravidade e a incurabilidade da doença; ainda, exige-se pelo menos um mês entre o pedido de que seja aplicada a eutanásia e a efetiva prática desta sendo o pedido por escrito, datado e assinado pelo paciente, ou por um adulto escolhido por ele, se sua condição inviabilizar que o faça pessoalmente, não podendo esse representante ser alguém que vá se beneficiar financeiramente da morte do doente; o direito de cancelamento da eutanásia poderá a qualquer momento [...] Criou-se a Comissão Federal de Controle e Avaliação, composta de dezesseis membros, sendo oito médicos, dentre os quais pelo menos quatro professores de uma universidade belga; quatro membros deverão ser advogados ou professores de Direito e os outros quatro serão selecionados em ambientes profissionais nas quais se lide com problemas de pacientes portadores de doenças incuráveis. Tal comissão deve elaborar um documento registrando toda vez que realizarem uma eutanásia com os dados do paciente, o momento e local da morte, o mal que afetava o paciente, a descrição do sofrimento incurável, o registro dos fatos que confirmaram a voluntariedade do pedido, informação sobre a existência de declaração antecipada, a descrição do procedimento adotado pelo médico. Ressalta-se que o pedido e a declaração antecipada da eutanásia não obrigam os médicos a sua prática., sendo transferindo os registros médicos a outro profissional. Ainda, a morte decorrente da prática da eutanásia será considerada morte natural, no que diz respeito à execução de contratos privados de seguro de que o falecido era parte.
Numa entrevista a um jornal francês em 2016, a atleta belga paraolímpica Marieke Vervoort disse que já havia assinado os documentos necessários para a eutanásia, pois sofre de uma doença degenerativa na coluna cervical desde os quatorze anos e que por isso, passou a ter dores insuportáveis e a dormir dez minutos por noite (CASTANHEIRA, 2016). Em janeiro de 2017, Marieke passou dois dias em coma, conforme sua página na rede social Facebook, acometida por uma infecção (SPORZA, 2017).
3.3 Holanda
Considerada um país de referência da eutanásia, a diferentemente do Uruguai, que não editou lei específica sobre o assunto, foi a primeira nação a efetivamente legalizar e regulamentar a prática da eutanásia, tendo isso ocorrido em 2001.
As discussões acerca do assunto acontecem desde o ano de 1973 no território holandês, como o chamado caso Postma. Nesta ocasião, a médica Geertruida Postma foi julgada e condenada pela prática de eutanásia contra a própria mãe, uma senhora muito doente que pedia reiteradamente para a filha lhe tirar a vida.
Após o fato, a causa foi ganhando apoio público e a jurisprudência do país foi se abrandando, até que foi por fim legalizada. Pesquisas realizadas à época indicaram que cerca de 90% dos holandeses apoiavam a nova lei. Conforme explica Goldim (2003), a eutanásia na Holanda é permitida somente nas seguintes condições, definidas pela lei aprovada em 11 de abril de 2001:
1. O paciente deve ser portador de uma doença incurável e estar com dores insuportáveis;
2. O paciente deve ter pedido, voluntariamente, para morrer e;
3. Somente após um segundo médico ter emitido sua opinião sobre o caso.
Além disso, com a nova lei, é permitido inclusive a realização da eutanásia em menores de idade, a partir dos 12 anos, sendo que para as crianças entre 12 e 16 anos é imprescindível a autorização dos pais ou responsáveis.
4 A EUTANÁSIA NO BRASIL
No Brasil, a eutanásia é prevista como homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal. No entanto, no caso da eutanásia, é levado em consideração o relevante valor social ou moral, diminuindo-se a pena em 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços).
Art 121 – Matar alguém: Pena – reclusão de seis a vinte anos.
§ 1° - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
A eutanásia, no dizer de Heleno Cláudio Fragoso (1988), são os motivos nobres ou altruístas; sendo tratada no Código Penal como homicídio cometido por motivo relevante valor moral.
Segundo Mirabete (2007):
O valor moral em questão, expresso no primeiro parágrafo do artigo, diz respeito aos sentimentos particulares do agente, como a piedade e a compaixão, a legislação brasileira não reconhece a impunidade da eutanásia, nem mesmo com autorização do paciente, mas em razão da ação ser cometida por relevante valor moral, permite a minoração da pena.
É importante mencionar que tramita no Congresso Nacional o projeto nº 126/96, cujo texto propõe que a eutanásia seria permitida, desde que um grupo de cinco médicos atestasse a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente. O próprio paciente teria que requisitar a eutanásia e caso não estivesse consciente, a decisão caberia a seus parentes próximos.
Porém, o assunto volta a ser discutido no Projeto de Lei (PLS 236/2012) do novo Código Penal que traz a eutanásia (morte piedosa) passando a ser crime específico, com pena entre dois a quatro anos de prisão e assim, comete o crime quem matar por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave (art. 122) (BRASIL, 2012). Todavia, segundo o texto, poderá haver casos em que o juiz deixará de aplicar a pena (perdão judicial), em face das circunstâncias do caso, bem como do parentesco e dos lações de afeição entre o autor e a vítima (§1º, art. 122). A prática da ortanásia (morte digna) passa a ser legalmente válida (exclusão de ilicitude). Dessa forma,
não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão (§ 2º, art. 122). (PRUDENTE, 2017).
Em sentença dada em junho de 2013 pelo juiz Alexandre Coelho, na época titular da 2ª Vara Cível do Fórum João Mendes, em São Paulo autorizou a advogada Rosana Chiavassa a ter “morte digna”, o que, nesse caso, significa não ter de passar por tratamento desnecessário caso desenvolva, no futuro, doença irreversível que comprometa a capacidade física e a consciência (OLIVEIRA, 2017).
Além disso, a religiosidade da sociedade brasileira se impõe como outro grande obstáculo no caminho à regulamentação do procedimento, sendo que grande parte da população condena tal prática médica baseada em convicções religiosas.
Ademais, não há como ser considerada digna a vida de um enfermo que se encontra totalmente intermediada aos fios que o ligam a um aparelho de hospital, sem mais nenhuma possibilidade de reversão do quadro clínico, apenas prorrogando o padecimento físico e psicológico pela espera do fim iminente.
5 APLICABILIDADE DA EUTANÁSIA NO BRASIL DE ACORDO COM A LEGISLAÇÃO VIGENTE
O Brasil protege a vida humana, como um direito fundamental, desde a concepção até a morte, assegurado pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Entretanto, não se pode ater-se ao direito à vida de forma isolada, dado que na CF se encontram presentes vários princípios, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, a proibição de tratamento desumano ou degradante e a proibição de privação de direito por motivo de crença religiosa (BRASIL, 1998).
A Constituição também prevê a dignidade a indisponibilidade da vida humana, mas até que ponto pode ser considerada digna, a vida de um enfermo em estado terminal, onde os tratamentos médicos empregados servem apenas para prolongar o sofrimento e a angústia da espera pela morte certa? É notório o conflito de direitos fundamentais.
No Brasil, a prática da eutanásia está tipificada no artigo 121 do Código Penal, ou seja, homicídio privilegiado, considerando-se crime em qualquer hipótese. Ademais, conforme o caso, a conduta do agente pode tipificar o crime de participação em suicídio, segundo o artigo 122 da lei penal (GUERRA FILHO, 2005).
É importante ressaltar que tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei nº 126/96, cujo texto propõe que a eutanásia seja permitida, contanto que uma junta de médicos ateste a inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do paciente.
No mês de novembro de 2006, o Conselho Federal de Medicina aprovou a Resolução nº 1.805/06 a qual dispõe o seguinte: Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhes os cuidados necessários para aliviar os sintomas que o levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006).
A Ordem dos Advogados do Brasil já se posicionou sobre a referida deliberação, afirmando ser “contrária ao Código Penal e que em determinados casos o médico poderia ser acusado por omissão de socorro”, ou até mesmo por participação em suicídio ou homicídio.
Além disso, a aflorada religiosidade da sociedade brasileira se impõe como grande obstáculo no caminho à regulamentação do procedimento, sendo que grande parte da população condene tal prática médica, baseada em convicções religiosas.
Outrossim, não há como ser considerada digna, a vida de um enfermo que se encontra totalmente restrito aos fios que o ligam a um aparelho de hospital, sem mais nenhuma possibilidade de reversão do quadro clínico, apenas prorrogando o padecimento físico e psicológico pela espera de um fim iminente.
6 CONCLUSÃO
A eutanásia não é novidade nos tempos atuais, uma vez que se tem registros de sua prática nas mais longínquas civilizações, entretanto até hoje, é um assunto polêmico. É certo que em épocas remotas, a eutanásia era vista como uma boa morte.
Como visto, a possibilidade de um paciente em estado terminal deliberar se deseja ou não que coloquem um fim na sua vida, por mais sofrida que esteja no momento, não é um tema que permita uma abordagem leviana.
Atualmente, alguns países como Holanda, Bélgica, Suíça e outros, aprovam a prática da eutanásia em casos de doenças incuráveis ou em estado terminal que haja sofrimento constante, porém no Brasil, ainda é interpretada como crime, incluída no Código Penal como homicídio privilegiado ou mesmo como auxílio ao suicídio.
Porém, atentando para as notícias do dia a dia, a incorrência é que a eutanásia já é praticada aqui no Brasil. É só perceber a falta de acesso da população a hospitais, a médicos e notar o descaso com as pessoas que necessitam de tratamentos e não conseguem, ou seja, a mistanásia é uma realidade brasileira.
É importante ressaltar também, que o Código Penal Brasileiro não pode ser interpretado de forma isolada, mas sim em sintonia com a Constituição. Assim, o consentimento do ofendido na eutanásia (no caso, o enfermo) deveria ser tomada pelos juristas como uma possibilidade de exclusão da ilicitude do ato, uma vez que, consoante se infere do texto constitucional, o princípio da inviolabilidade da vida não é superior aos demais; muito pelo contrário, tem-se como princípio norteador da Lei Maior o da dignidade da pessoa humana. Desse modo, há um impasse de princípios constitucionais que deveriam ser sopesados quando da execução da tutela penal.
REFERÊNCIAS
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Graduação em Direito pelo entro Universitário de Jales (Unijales) .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, FABIANO PEDRO DE. A aceitação e legalização da eutanásia no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2023, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63432/a-aceitao-e-legalizao-da-eutansia-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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