RESUMO: O artigo tem o objetivo de realizar uma análise profunda dos diversos dispositivos legais que regem os crimes contra a fé pública, encontrados nos arts. 289 a 311-A do Código Penal e na legislação extravagante. Neste artigo serão analisadas não só as normas que disciplinam os crimes em tese, como também serão colacionados os principais julgados no assunto, sem prejuízo da citação dos comentários doutrinários que se coadunam na perspectiva constitucional em que caminha o Direito Penal.
PALAVRAS-CHAVE: Crimes contra a fé pública. Falsidade documental. Falsidade ideológica. Falsidade material. Documento falso.
1. INTRODUÇÃO
Ao iniciar o tema dos crimes contra a fé pública, é necessária uma explanação sobre a) a definição de fé pública, b) o fundamento da existência de infrações destinadas à sua proteção, c) qual é o caráter da lesividade dos crimes e d) quais são as espécies de falsidade
Segundo Arturo Rocco (1932, pág. 595), a fé pública seria “a confiança que a sociedade deposita nos objetos, sinais e formas exteriores (moedas, emblemas, documentos), aos quais o Estado, mediante o direito, privado ou público, atribui um valor probatório qualquer”.
Cleber Masson (2018, pág. 491) define os crimes contra a fé pública como aqueles nos quais:
“Quem atenta contra a certeza das relações jurídicas, substituindo o não verdadeiro ao verdadeiro, ataca em seu escopo fundamental a fé inerente à sociedade humana. A violação da fé pública caracteriza o crime de falso (delicta falsum). É ele que ofende o bem jurídico protegido pela lei penal, pois é o contrário da certeza ou verdade jurídica, exigida pela ordem social”.
O fundamento de sua proteção decorre da segurança, da necessidade de se acreditar na veracidade de atos, documentos, dados sobre pessoas, símbolos, imagens, etc, necessidade sem a qual inexiste o convívio social.
Neste sentido, os delitos contra a fé pública lesionam, segundo Masson (2018, pág. 420), os seguintes bens: os interesses patrimoniais dos indivíduos, o interesse público na segurança das relações jurídicas, o privilégio monetário do Estado e os meios de prova
Importante observar que apenas o dano potencial é suficiente para a configuração de crime contra a fé pública, ainda que eventualmente tentado. O ato criminoso deve ser potencialmente capaz de enganar a vítima em um aspecto objetivamente considerado. Desnecessário, todavia, que haja um dano econômico, pois não se tratam de crimes contra o patrimônio.
Aqui já é necessária uma análise crítica, pois só deve se pensar em crime contra a fé pública quanto houver mínima potencialidade de ilidir a própria fé pública que merece o documento ou dado, sob o aspecto objetivo; em suma, falsificações grosseiras, insignificantes, facilmente perceptíveis, devem ser excluídas do campo da tipicidade material do delito.
Quanto às espécies, a falsidade pode ser dar basicamente por três maneiras: a) a falsidade material, que incide sobre uma coisa corpórea (o agente fabrica um documento falso, altera um documento verdadeiro ou suprime um documento verdadeiro); b) a falsidade ideológica, em que não há a formação de um documento falso, mas sim a inserção de dados falsos em documento verdadeiro (a falsidade é interna, não externa); e c) a falsidade pessoal, que recai sobre uma pessoa ou um dado relacionado a ela.
Feita a introdução, necessária a análise pormenorizada dos tipos penais que compõem a categoria.
2. MOEDA FALSA
2.1 Introdução.
O texto constitucional em seu artigo 48 enumera as matérias que são de competência da União, sendo o seu décimo quarto inciso sobre a moeda, os seus limites de emissão e montante da dívida mobiliária federal. Quando produzida por particular ou em não acordo com o limite da emissão, configura-se o delito de moeda falsa.
Tendo sua redação presente no 289º artigo do Código Penal, o delito de moeda falsa possui três elementos que o caracterizam, além de elencar uma modalidade privilegiada e duas qualificadas.
O caput do artigo é dividido em três características, sendo elas o núcleo do tipo que é falsificar, através da alteração ou da fabricação, a moeda metálica ou papel moeda e a estar em curso legal no país ou em país estrangeiro.
Destaca-se a fabricação por alteração, pois nela reside a possibilidade de não se configurar crime caso não se altere para de maior valor, como a apagar símbolos ou alterá-la para de menor valor.
2.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material, objetividade jurídica do crime e elemento subjetivo.
Classifica-se como crime comum, doloso, já que não é prevista modalidade culposa para esse delito. É comissivo, podendo também ser realizado por omissão imprópria quando o agente gozar do status de agente garantidor, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente, ou seja, admite a tentativa.
Tal delito pode ter como sujeito ativo qualquer pessoa, sendo os sujeitos passivos o Estado e aquele que for prejudicado pela conduta. O delito possui como objeto juridicamente protegido a fé pública, sendo certo que o objeto material é a moeda falsa, em qualquer dos tipos que pode assumir. O elemento subjetivo é o dolo.
2.3 Tipo penal, modalidade privilegiada e modalidade qualificada
O primeiro parágrafo do título legal analisado trata sobre a circulação de moeda falsa, sendo considerado um tipo misto alternativo, não passível o concurso de crimes quando o agente falsificar a moeda ou papel moeda e introduzi-lo a circulação. Quando o agente de boa-fé, que acredita na autenticidade da nota, colocá-la em circulação, configura-se erro de tipo.
O tipo penal de moeda falsa possui uma modalidade privilegiada elencada em seu segundo parágrafo. É a hipótese de o agente ter recebido a moeda ou papel moeda de boa-fé e, após conhecer sua falsidade, a restitui a circulação, sendo então punível a conduta com detenção de seis meses até dois anos além da aplicação de multa.
Nesse caso, o juízo de reprovabilidade é menor, tendo em vista que o agente não realizou a alteração e a colocou de volta à circulação apenas para evitar o prejuízo pecuniário, não tendo a intenção de lesar a fé pública. A pena para esta modalidade é de detenção, de seis meses a dois anos além da aplicação de multa. Nesta modalidade, é possível a realização de uma suspensão condicional do processo, e compete o seu julgamento ao Juizado Especial Criminal.
A primeira modalidade qualificada é considerada um crime próprio, já que o texto legal lista o rol de agentes que podem cometer a referida modalidade, sendo estes “o funcionário público ou diretor, gerente ou fiscal de banco de emissão que fabrica, emite ou autoriza a fabricação ou emissão” podendo esse agente realizar as condutas previstas no tipo.
O quarto parágrafo trata de circulação antecipada de moeda, fazendo com que o agente incorra nas mesmas penas da primeira modalidade qualificada, quais sejam: reclusão de três até quinze anos e multa.
2.4 A problemática da falsificação grosseira
A falsificação grosseira, ou seja, aquela perceptível facilmente por qualquer pessoa, não configura crime de moeda falsa, afastando a tipificação de um crime contra a fé pública. Isso porque, como lembrado, uma análise crítica dos crimes contra a fé pública permite concluir que a falsificação grosseira não resulta em dano potencial.
Entretanto, dependendo da hipótese, é possível configurar-se em delito de estelionato, caso a moeda seja utilizada para a prática de um delito patrimonial mediante fraude contra terceiros, conforme decisão do Supremo Tribunal de Justiça em sua 73ª Súmula.
Importante observar que o crime de estelionato não será necessariamente de competência da Justiça Federal, neste último caso.
Por fim, insta salientar que também pode se enquadrar apenas em estelionato caso se cumpram os requisitos exigidos pelo tipo penal a falsificação de moeda de curso convencional ou comercial, já que não se enquadram no delito de moeda falsa por não serem de curso legal.
2.6 Crimes assimilados a moeda falsa
2.6.1 Introdução
O legislador penal preocupou-se em inserir no texto os crimes assimilados ao de moeda falsa, no artigo 290, sendo estas condutas que possuem menor juízo de reprovabilidade do que as hipóteses contidas no artigo anterior.
2.6.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material e objetividade jurídica do crime
Através do caput do artigo é possível perceber que existem três núcleos do tipo possibilitando condutas reprováveis. Sendo o primeiro dos núcleos o “formar” a moeda, nota ou bilhete representativo através de fragmentos de papel moeda verdadeiro. O segundo dos núcleos de tipo é o de “suprimir” sinal que indique a inutilização da cédula. E o último núcleo presente é o de “restituir” a circulação, cédula, nota ou bilhete já recolhidos para fim de inutilização ou aquelas que são objetos formados pelas hipóteses anteriores previstas no artigo.
A classificação doutrinária é de crime comum, doloso e comissivo podendo também ser realizado por omissão imprópria quando agente gozar do status de agente garantidor, instantâneo, vinculado, monossubjetivo, não transeunte e plurissubsistente, ou seja, admite a tentativa, que pode ter como sujeito ativo qualquer pessoa e sendo o sujeito passivo o Estado bem como pessoa prejudicada pela conduta.
O objeto material do crime presente no artigo 290 é a cédula e o bem juridicamente protegido a fé pública. A pena dos crimes assimilados ao de moeda falsa é de reclusão de dois a oito anos além da aplicação de multa.
2.6.3 Tipo penal, modalidade privilegiada e modalidade qualificada
Os crimes assimilados ao de moeda falsa possuem uma modalidade qualificada, prevista no parágrafo único do artigo 290, sobre a hipótese do crime ser cometido por funcionário público que trabalha na repartição onde o dinheiro se achava recolhido, ou nela possui fácil acesso. Neste caso a pena máxima do delito poderia ser aumentada para de até doze anos, além da aplicação de multa.
Para Cleber Masson (2018, pág. 507) a modalidade qualificada trata de um tipo penal próprio, conforme explica:
“Cuida-se de crime próprio ou especial, pois somente pode ser praticado pelo funcionário que trabalha na repartição onde o dinheiro se acha recolhido, ou nela tem fácil ingresso, em razão do cargo. Aliás, o fundamento da majoração da pena reside justamente na violação dos deveres inerentes ao cargo do sujeito ativo, que dele se aproveita para a execução do delito.”
2.7 PETRECHOS PARA A FALSIFICAÇÃO DE MOEDA
2.7.1 Introdução
O 291º artigo do Código Penal prevê reclusão de dois a seis anos e a aplicação de multa para quem “fabricar, adquirir, fornecer, a título oneroso ou gratuito, possuir ou guardar maquinismo, aparelho, instrumento ou qualquer objeto especialmente destinado à fabricação de moeda falsa.”
O delito de petrechos de falsificação apresenta divergências doutrinárias, tendo em vista que para Rogério Greco (2019, pág. 587), embora pareça a punição de um ato meramente preparatório, não se configura desta maneira, já que o legislador considerou uma conduta grave e possível de ser tratada como tipo penal autônomo. Entretanto, Cezar Roberto Bittencourt (2017, pág. 299) discorda do mesmo pensamento ao dizer: “Trata-se, na verdade, da fase preparatória do crime de moeda falsa tipificado no dispositivo anterior”.
2.7.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material e objetividade jurídica do crime
O crime de petrechos para falsificação não admite concurso de crimes, por ser um tipo misto alternativo, e a doutrina o classifica como crime comum, doloso, comissivo podendo ser via omissão imprópria quando o agente possuir o status de garantidor, livre, instantâneo podendo ser permanente em relação as condutas de possuir e guardar, monossubjetivo, plurissubsistente e não transeunte. São sujeitos do delito: qualquer indivíduo pode ser sujeito ativo e passivo deve ser sempre o Estado. O bem juridicamente protegido neste crime é a fé pública e o objeto material seria o maquinário destinado a fabricação da falsa moeda. Sendo a ação penal de iniciativa pública incondicionada.
2.7.2 Modalidades comissiva e omissiva, tentada e concurso de crimes
Os núcleos do tipo compreendem uma conduta positiva por parte do agente, caracterizando-se como comissivo. Pode ocorrer, entretanto, a hipótese de omissão imprópria, no caso de agente garantidor que nada faz para impedir o cometimento do ilícito previsto no art. 308 do CP.
A plurissubsistência do tipo penal também possui opiniões divergentes na doutrina, pois para Greco ela faz com que seja possível a tentativa nesse tipo penal. Guilherme de Souza Nucci (2017, pág. 930) e Cleber Masson (2018, pág. 501), entretanto, não admitem a possibilidade de tentativa do delito, sendo que, para este último: “[...] não é cabível, pois a lei incriminou de forma autônoma atos representativos da preparação do delito tipificado no art. 289 do Código Penal (moeda falsa). E, como se sabe, os crimes de obstáculo são incompatíveis com o conatus.” Para Nucci (2017, pág. 931), neste mesmo viés:
“Não se admite tentativa, pois se trata da tipificação da preparação do crime previsto no artigo 289. Ora, a fase de preparação normalmente é penalmente irrelevante, pois o direito brasileiro adotou a teoria objetiva no campo da tentativa [...] assim, quando, por exceção, resolve criar o tipo penal especialmente para puni-la, é natural que não admita tentativa.”
Por fim, cabe destacar o concurso entre os crimes de moeda falsa e de petrechos para a falsificação. Para Rogério Greco não é cabível o concurso entre os crimes por se tratar, nesse caso, de antefato impunível. Entretanto para Cleber Masson (2018, pág. 511), a consumação dos delitos se dá em momentos diferentes, não admitindo assim o raciocínio de antefato impunível, sendo cabível o concurso de crimes.
De certo, a primeira posição parece ser a mais acertada, pois existe na lei uma correlação lógica de gravidade e de trânsito de execução no tocante aos petrechos para a falsificação de moeda e a fabricação de moeda falsa, de forma que a punição cumulativa configuraria dupla incriminação por um mesmo conjunto de atos e pelo mesmo fundamento.
3. EMISSÃO DE TÍTULO AO PORTADOR SEM PERMISSÃO LEGAL
3.1 Introdução.
O artigo 230 do Código Penal versa sobre a emissão de nota, bilhete, ficha, vale ou título que contenha promessa de pagamento em dinheiro ao portador ou que falta a indicação do nome a quem deve ser pago. O delito possui uma modalidade privilegiada indicada em seu parágrafo único.
Trata-se de uma norma penal em branco, já que a permissão legal de que trata o artigo necessita de legislação específica para defini-la. A modalidade privilegiada do artigo leva em consideração o tomador do título, punindo-o com pena de detenção de quinze dias a três esses ou a aplicação de multa.
3.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material e objetividade jurídica do crime.
A emissão de título ao portador sem permissão legal é um crime comum, doloso, comissivo também passível de ser via omissão imprópria, livre, monossubjetivo, plurissubsistente e não transeunte. O sujeito ativo pode ser qualquer indivíduo, enquanto o sujeito passivo deve ser sempre o Estado. A fé pública é o bem juridicamente tutelado e o objeto material é o título que contenha promessa de pagamento em dinheiro.
3.3 Possibilidade da tentativa no delito de emissão de título ao portador sem permissão legal: divergência.
Faz-se necessário apontar ainda a divergência doutrinária a respeito da possibilidade de existir tentativa no delito. Para Cleber Masson (2018, pág. 512) e Rogério Greco (2018, pág. 593) é cabível a tentativa por possibilitar o fracionamento do delito. Entretanto, Guilherme de Souza Nucci (2017, pág. 230) considera impossível a tentativa, pois o núcleo do tipo penal é emitir, então se não for emitido trata-se de um irrelevante penal.
4. DA FALSIDADE DE TÍTULOS E OUTROS PAPÉIS PÚBLICOS
4.1 Introdução
Para a análise do tipo penal previsto no artigo 293 do CP, que tem como núcleo do tipo “falsificar”, é necessário que seja realizada uma breve explicação dos referidos incisos, que tipificam os documentos em questão. Importante ressaltar que o artigo passou por alterações, pela Lei nº 11.035 de 2004.
O primeiro inciso trata sobre “selo destinado a controle tributário, papel selado ou qualquer papel de emissão legal destinado a arrecadação de tributos”, dizendo a respeito dos documentos destinados a arrecadação de tributos.
O segundo inciso versa sobre papel de crédito público que não seja moeda de curso legal, ou seja, títulos de dívida pública, seja federal, estadual ou municipal que servem como meio de pagamento.
O terceiro inciso foi revogado e o quarto inciso discorre sobre cautela de penhor, sendo este o título de crédito representativo do direito real de garantia registrado no Cartório de Títulos e Documentos, caderneta de caixa econômica ou de outro estabelecimento que é mantido por entidade de direito público, que é aonde se anota as movimentações bancárias da conta. Este inciso não se aplica a instituições privadas, sendo esta regulada por diploma legal diferente.
O quinto inciso, por sua vez, alude sobre talão, recibo, guia, alvará ou qualquer outro documento relativo à arrecadação de rendas públicas ou a depósito ou caução por que o poder público seja responsável.
E, por último, o sexto e último inciso refere-se a bilhete, passe ou conhecimento de empresa de transporte administrada pela União, Estado ou Município. Sendo estes respectivamente papel impresso que permite o percurso em um veículo, passe é o bilhete de trânsito gratuito ou não concedido pela empresa de transporte público.
4.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material e bem juridicamente tutelado
A classificação doutrinária do delito é de crime comum, sendo qualquer pessoa o sujeito ativo, enquanto o passivo é o Estado, doloso, comissivo, por representar os núcleos condutas positiva, podendo ser cometido via omissão imprópria, livre, instantâneo, monossubjetivo, sendo na maioria de suas hipóteses plurissubsistente, podendo ser sujeito ativo qualquer indivíduo e o sujeito passivo o Estado e pessoas prejudicadas pelo delito. O objeto material é qualquer um dos documentos apontados pelo artigo e o bem juridicamente protegido é a fé pública.
4.3 Modalidade equiparada e qualificada
No primeiro parágrafo do mesmo dispositivo legal foi acrescentado através da Lei nº 11.035/04, três modalidades equiparadas.
São apresentadas também duas modalidades privilegiadas em seus segundo e terceiro parágrafos de quem suprime as marcas de inutilização dos papéis públicos e quem os utiliza, respectivamente, tendo pena de reclusão de um a quatro anos, não havendo a possibilidade de concurso de crime entre eles.
O artigo apresenta mais uma modalidade privilegiada, com pena de detenção de seis meses até um ano para quem recebe o título de boa fé e repassa após saber de sua falsificação, se tratando de uma figura de menor potencial ofensivo, que compete ao Juizado Especial Criminal julgar, também cabendo requisição de suspensão condicional do processo. Por fim, o quinto parágrafo insere a figura de equiparação entre atividade comercial e comércio clandestino ou irregular.
5. PETRECHOS PARA A FALSIFICAÇÃO
5.1 Introdução
Constitui o delito de petrechos para a falsificação fabricar, adquirir, fornecer, possuir ou guardar objeto especialmente destinado à falsificação de qualquer dos papéis presentes no artigo 293 do Código Penal.
O referido crime presente no artigo 294 é semelhante ao que está presente no artigo 291 sobre petrechos para fabricação de moedas falsas. O que os difere é o artigo analisado não apresentar a possibilidade de ser gratuita ou onerosamente e as hipóteses de possuir ou mesmo guardar.
Seria então, bem como o delito presente no artigo 291, passível de diversas divergências doutrinárias sobre o delito ser autônomo ou conduta preparatória ao cometimento do delito de falsificação de títulos ou papéis públicos.
5.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material, bem juridicamente tutelado e divergência doutrinária acerca da possibilidade de concurso de crimes
É classificado como crime comum, doloso, comissivo, sempre possível a possibilidade de ser cometido via omissão imprópria, livre, instantâneo ou permanente a depender do núcleo do tipo penal presente na hipótese, monossubjetivo, plurissubsistente e não transeunte. O objeto material é aquele que se destina a falsificar o título e o bem juridicamente protegido a fé pública. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa e o passivo sempre o Estado.
Vale ressaltar que se o petrecho para falsificação for para selo, formula de franqueamento ou vale-postal é regulado por lei específica, sendo esta a Lei nº 6.538 de 1978, tendo a pena presente em seu 38º artigo, de reclusão por até três anos e pagamento de cinco a quinze dias multa
Registre-se importante entendimento do STJ, segundo o qual “para tipificar o crime do art. 291 do CP, basta que o agente detenha a posse de petrechos destinados à falsificação de moeda, sendo prescindível que o maquinário seja de uso exclusivo para esse fim”. (REsp 1758958/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 25/09/2018).
Essa posição é a mais acertada, pois os instrumentos normalmente utilizados para falsificar moedas são instrumentos também usualmente utilizados para outros fins (papéis, impressoras, tintas, etc); além disso a lei não exige que os instrumentos sejam especificamente destinados à falsificação.
6. FALSIFICAÇÃO DE SELO OU SINAL PÚBLICO
6.1 Introdução
O delito de Falsificação de Selo ou Sinal Público encontra-se previsto no art. 296 do Código Penal. Ressalta Rogério Greco (2019. Pág. 607), contudo, que, apesar do presente crime figurar no capítulo correspondente à falsidade documental, o selo ou sinal público não devem ser considerados documentos, já que são, na verdade, apenas objetos que, se utilizados, conferem autenticidade aos documentos.
Greco e Masson lecionam que a falsificação a que se refere o artigo pode ocorrer tanto por meio da contrafação, quando o agente fabrica selo ou sinal público, quanto por meio da alteração, que ocorre quando o agente realiza a modificação de selo ou sinal público já existente, para que esse passe a ostentar, seja com acréscimo ou supressão, informação diversa da original.
Ambos doutrinadores também ressaltam que a redação legal do inciso I do art. 296 fala apenas em “da União, de Estado ou de Município”. Sendo assim, a falsificação de selo ou sinal público destinado a autenticar atos oficiais do Distrito Federal não pode ser considerada crime, uma vez que o mesmo não foi incluído no rol citado acima.
O inciso II do artigo versa sobre selo ou sinal atribuído por lei a entidade de direito público, ou a autoridade, ou sinal público de tabelião. Nesse caso, entidades de direito público seriam as autarquias e “autoridade”, segundo Mirabete (2018. Pág. 232), “é a que autentica seus documentos por meio de selo ou sinal”.
6.2 Classificação doutrinária, sujeitos passivo e ativo, objeto material, bem juridicamente protegido
Cumpre ressaltar que tratar-se de crime comum e doloso; em regra, comissivo (podendo ser praticado via omissão imprópria, caso o agente goze do status de garantidor), de forma livre, instantâneo, monossubjetivo, normalmente plurissubsistente e não transeunte.
Qualquer pessoa pode ser sujeita ativa do presente delito, uma vez que os tipos constantes do art. 296 não fazem nenhuma exigência de qualidade ou condição especial.
Isso não impediu, contudo, que o legislador inserisse a previsão de que caso o sujeito ativo deste crime seja funcionário público e tenha praticado a infração penal prevalecendo-se do seu cargo, a pena será aumentada em um sexto no terceiro momento do critério trifásico de aplicação da pena, previsto no art. 68 do Código Penal.
Assim, caso o sujeito ativo seja funcionário público, mas não tenha se aproveitado do seu cargo para cometer o crime, a supracitada majorante não poderá ser aplicada. Já o sujeito passivo da referida infração é o Estado, bem como as pessoas que forem diretamente prejudicadas com a utilização do selo ou sinal público falsificado.
Outro ponto relevante a ser apontado é que o elemento subjetivo desta figura típica é o dolo, o bem juridicamente protegido é a fé pública e o objeto material os selos e sinais públicos.
7. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO
7.1 Introdução
Para os efeitos desse crime, primeiramente, é necessário que se busque uma conceituação de “documento”. Há duas teorias que buscam esclarecer o significado de “documento”: A teoria estrita, que consubstancia-se, geralmente, em um escrito; e a teoria ampla, que adota um conceito mais elástico de documento, considerando não apenas o escrito.
Cléber Masson (2018, pág. 529) entende que o documento tem como seguintes características: a) forma escrita, b) elaboração por pessoa identificada e c) conteúdo revestido de relevância jurídica e eficácia probatória.
Esse conceito mais restritivo é o mais correto; primeiro, com fundamento na intervenção mínima, de modo que não é “qualquer papel” que merecerá a tutela do Direito Penal, mas sim apenas aquele sobre o qual recai alguma fé, de destaque em relação aos demais papéis; documento é aquele em que se deposita uma certa confiança, aquele cuja quebra de confiança abala a segurança na relação entre os indivíduos.
Ademais do conceito de documento, existe a diferenciação entre documento público e documento particular, sendo documento público aquele confeccionado por servidor público no exercício de sua função e de acordo com a legislação que lhe é pertinente, e documento particular aquele que simplesmente não gozar da qualidade de público, segundo Greco(2018, pág. 606).
Assim sendo, o núcleo do tipo penal previsto no art. 297 tem como elementos: a) a conduta de falsificar, no todo ou em parte, documento público; e b) ou alterar documento público verdadeiro, sendo o núcleo “falsificar” utilizado representa a contrafação, explicada anteriormente, uma vez que a alteração, uma das modalidades da falsificação, vem prevista na parte final do caput.
O parágrafo segundo do art. 297 também prevê o documento público por equiparação, enquadrando nessa categoria: documento emanado de entidade paraestatal, título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
Cumpre ressaltar que a expressão “entidade paraestatal” inclui a administração pública indireta. Os demais documentos listados acima foram equiparados a documentos públicos em razão da sua relevância e necessidade de confiabilidade.
É importante ressaltar mais uma vez a posição é de que a falsificação grosseira não se configura delito de falsificação de documento público, uma vez que é incapaz de afetar a credibilidade pública objetiva do documento. Ainda assim, isso não afasta a possibilidade que o agente que pratique este ato responda por estelionato, por exemplo, caso se utilize desse documento grosseiramente falsificado para manter alguém em erro e obter vantagem patrimonial.
7.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material, bem juridicamente protegido e elemento subjetivo.
Quanto a classificação doutrinária, trata-se de crime comum, doloso, comissivo ( havendo a possibilidade de ser praticado em omissão imprópria, nos termos do art. 13, parágrafo 20 do Código Penal, e omissivo próprio, de acordo com o parágrafo 40 do próprio art. 297); de forma livre, conforme o caput, ou vinculada, conforme os parágrafos 30 e 40; instantâneo; monossubjetivo; plurissubsistente; e não transeunte.
Qualquer pessoa pode ser sujeita ativa deste crime, porém caso o praticante seja funcionário público e o tenha cometido prevalecendo-se de sua função, a pena deve ser aumentada em um sexto. O sujeito passivo é o Estado e aqueles prejudicados pela falsificação. O dolo é o elemento subjetivo deste delito.
7.3 Possibilidade de concurso de crimes: falsificação de documento público vs uso de documento falso
Nos casos em que o agente que falsificou o documento venha fazer uso dele, segundo posicionamento de Rogério Greco (2018, pág. 621), não se deve cogitar o concurso entre os crimes de falsificação de documento público e uso de documento falso. Assim, deve-se aplicar a regra relativa ao antefato impunível, isto é, o crime meio (falsificação de documento público) deverá ser absorvido pelo crime fim (uso de documento público falso).
No que concerne à falsificação de documento público utilizada na prática de estelionato, diversas correntes dividem opiniões. A primeira delas entende que há concurso material de crimes, devendo o agente responder por ambas infrações penais. Uma segunda corrente entende que a falsificação é apenas o meio para a prática do estelionato, devendo o autor do crime responder em concurso formal. A terceira corrente defende que, pelo fato do crime em tese possuir pena cominada superior a do crime de estelionato, este segundo deve ser absorvido pelo primeiro. Há ainda uma quarta corrente que entende justamente o contrário, que o estelionato deve absorver a falsificação de documento público, sendo esta ante factum impunível. Por fim, a quinta corrente, à qual Rogério Greco alinha-se, trata-se do entendimento dominante, adotado pelo STJ através da Súmula 17, que diz: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.
Esta última atende à perspectiva crítica, porque vislumbra a tipificação penal sob o aspecto do dolo do agente, que nos casos abarcados pela Súmula 17, é o dolo de obter vantagem patrimonial.
7.3 Modalidade especial do crime no Código Eleitoral
É relevante ressaltar que o Código Eleitoral prevê uma modalidade especial deste crime, em seu art. 348, que traz a seguinte previsão legal: ‘Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro, para fins eleitorais”, tendo como pena reclusão de 2 a 6 anos e pagamento de 15 a 30 dias-multa. Caso o agente seja funcionário público e tenha cometido o crime prevalecendo-se de seu cargo, a pena deverá ser agravada.
8. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR
8.1 Introdução
O delito de falsificação de documento particular é disciplinado pelo art. 298 do Código Penal e prevê como crime “falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro”, incluindo, através de seu parágrafo único, cartões de crédito e débito na categoria de “documento particular”. Por sua natureza, o crime de falsificação de documento particular em muito se assemelha ao crime de falsificação de documento público, especialmente no núcleo do tipo penal.
O advento da Lei 12.737/2012, incluiu o parágrafo único ao art. 298, equiparando os cartões de crédito e débito a documento particular. Isso ocorreu devido ao aumento do número de crimes realizados através de falsificações de cartões de crédito e débito, fazendo com que o legislador tivesse que dar uma resposta.
8.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, elemento subjetivo, objeto material e bem juridicamente protegido
Quanto à classificação doutrinária, trata-se de crime comum, doloso, comissivo (ressalvada a possibilidade de omissão imprópria, nos termos do art. 13, parágrafo 20), de forma livre, instantâneo, monossubjetivo, plurissubsistente e não transeunte.
Greco (2019, pág. 626) leciona que a diferença entre os delitos tipificados nos artigos 297 e 298 do Código Penal diz respeito apenas ao objeto material dos crimes, pois no caso do art. 297 é documento público e no do art. 298 é particular.
O sujeito ativo desse crime pode ser qualquer pessoa, ao passo que o sujeito passivo é o Estado e os particulares prejudicados pela falsificação. Assim como nos tipos penais anteriores, o elemento subjetivo é o dolo.
9. FALSIDADE IDEOLÓGICA
9.1 Introdução
O crime de falsidade ideológica, previsto pelo art. 299 do Código Penal, possui uma diferença essencial em relação aos delitos de falsificação de documento público e particular, previstos pelos artigos 297 e 298, segundo Greco (2019, pág. 631), que aduz que as infrações penais explicadas anteriormente preveem uma falsidade de natureza material, ao passo que o crime previsto no art. 299, tem falsidade de cunho ideológico. Isso nos permite dizer que, nos casos previstos pelo art. 299, o documento, em si, é perfeito, ao passo que a ideia que é nele lançada é que é falsa.
Conforme explica Cleber Masson (2018, pág. 554), na falsidade ideológica o documento é formalmente verdadeiro, não havendo o que se falar em contrafação ou alteração de qualquer espécie, já que, neste delito, o que é falso é o conteúdo presente no documento.
9.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, elemento subjetivo, objeto material e bem juridicamente protegido
Quanto à classificação doutrinária, a falsidade ideológica trata-se de crime comum, doloso, comissivo e omissivo próprio (ressalvada a possibilidade de omissão imprópria), de forma livre, instantâneo, monossubjetivo, plurissubsistente e não transeunte.
O sujeito ativo deste delito pode ser qualquer um, em razão do art. 299 não exigir nenhuma qualidade ou condição especial. O sujeito passivo destes crimes, por sua vez, é o Estado, bem como aquelas pessoas diretamente prejudicadas pelo delito. Este crime, assim como os demais anteriormente explicados, possui o dolo como elemento subjetivo, não admitindo a modalidade culposa.
9.3 Modalidade comissiva e omissiva
Na primeira parte do tipo penal, quando se fala em “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar”, podemos observar um delito omissivo próprio, já que a lei descreve uma conduta negativa. Já no que concerne à segunda conduta, “nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”, temos a previsão de um crime comissivo, podendo ele ser ou indireto conforme ensina Cleber Masson (2018, Pag. 557). Obviamente, ambas condutas só configurarão crime quando representarem fato juridicamente relevante.
9.5 Falsidade ideológica na Lei de Execução Penal, no Código Eleitoral e no Código Penal Militar
Ponto interessante no que concerne a este delito é que o art. 130 da Lei de Execuções Penais prevê como crime de falsidade ideológica, devendo se enquadrar no art. 299 do Código Penal, a conduta de declarar ou atestar falsamente prestação de serviço para fim de instruir pedido de remição. Isso diz respeito ao tempo de trabalho e estudo que os condenados têm direito de remir de sua pena, havendo, contudo, a possibilidade de fraude, a ser punida nos termos do art. 299 do Código Penal.
A falsidade ideológica para fins eleitorais é prevista pelo art. 350 do Código Eleitoral, dizendo: “Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais.”. O parágrafo único do art. 299 do Código Penal se repete no art. 350 do Código Eleitoral, que possui pena cominada de reclusão de até 5 anos e pagamento de 5 a 15 dias de multa, se o documento é público, e reclusão de 3 anos e pagamento de 3 a 10 dias de multa, no caso de documento particular.
Por fim, este delito também está previsto pelo Código Penal Militar, em seu art. 312, que traz pena cominada de até 5 anos de reclusão se o documento é público e até 3 anos de reclusão se particular. Vale ressaltar que a hipótese prevista no art. 312 do Código Penal Militar serve apenas para fato que atente contra a administração ou o serviço militar.
10. FALSIDADE DE ATESTADO MÉDICO
10.1 Introdução
O legislador penal previu no 301º artigo do Código o delito de Falsidade de atestado médico. Sendo este o delito de dar o médico no exercício de sua profissão atestado falso, punível com detenção de um mês até um ano, e possível a aplicação de multa se a conduta visar a obtenção de lucro.
O tipo penal acima descrito não prevê que para a configuração do delito é necessária a especialização do ramo da medicina em que é tratada a doença descrita. Ademais, é importante ressaltar que o delito é de menor potencial lesivo do que o previsto no artigo 299 de acordo com o legislador, pois prevê menor pena, recebendo críticas a respeito pela doutrina de Rogério Greco (2019, pág. 251), já que assume a posição de que é o comportamento é “ tão ou mais mensurável do que o presente no artigo 299”.
10.2 Classificação doutrinária, sujeitos passivo e ativo, objeto material, bem juridicamente protegido.
O delito classifica-se como próprio em relação ao sujeito ativo e comum ao sujeito passivo, doloso, comissivo, podendo ser realizado por omissão imprópria quando o agente gozar do status de garantidor, vinculado, instantâneo, monossubjetivo, plurissubsistente, já que admite a tentativa através da possibilidade de fracionamento do delito e não transeunte. Para Cleber Masson (2018, pág. 581), entretanto, o crime se classifica como de forma livre.
Insta salientar que se o atestado médico falso for utilizado na execução de crime de diverso responderá o médico como partícipe do crime mais gravoso. O delito possui como sujeito ativo o médico que produz a conduta e como sujeito passivo o Estado e aquele que for lesado pelo delito acima descrito.
O objeto material do delito é o próprio atestado médico e o bem juridicamente protegido a fé pública.
10.4 Falsidade de atestado médico e corrupção passiva
Por fim, foi trazida por Cleber Masson (2018. Pág. 582) em sua doutrina a possibilidade de crime de corrupção passiva através do delito de falsidade de atestado médico, caso o sujeito ativo seja funcionário público que aceite para si ou outrem vantagem indevida para fornecer falso atestado.
11. CERTIDÃO OU ATESTADO IDEOLOGICAMENTE FALSO: FALSIDADE MATERIAL DE ATESTADO OU CERTIDÃO
11.1 Introdução
O artigo 301 tem como texto legal “Atestar ou certificar, em razão de função pública, fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem” tendo como pena a detenção de dois meses até um ano. O artigo possui dois núcleos do tipo penal, sendo estes o de “atestar” e “certificar”. Masson (2018, pág. 573) disserta sobre a diferença dos dois:
“A diferença entre ambos reside em que a certidão tem por fundamento um documento guardado em repartição pública (ou nela em tramitação), enquanto o atestado constitui um testemunho ou depoimento por escrito do funcionário público (na hipótese do tipo) sobre um fato ou circunstância.”
11.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material, bem juridicamente protegido e elemento subjetivo
A classificação do delito em questão é de próprio, doloso, comissivo sendo possível o raciocínio de omissão imprópria, livre, instantâneo, monossubjetivo, plurissubsistente, admitindo assim o fracionamento do iter criminis e sendo passível de tentativa, e não transeunte. O sujeito ativo do delito é o funcionário público e o passivo o Estado e as pessoas lesadas pela conduta. Tem como bem juridicamente protegido a fé pública e objeto material o certificado ou atestado falso.
11.4 Possibilidade de falsidade material de atestado ou certidão
O dispositivo legal também traz em seus dois parágrafos a possibilidade de falsidade material de atestado ou certidão, sendo respectivamente “Falsificar, no todo ou em parte, atestado ou certidão, ou alterar o teor de certidão ou de atestado verdadeiro, para prova de fato ou circunstância que habilite alguém a obter cargo público, isenção de ônus ou de serviço de caráter público, ou qualquer outra vantagem” e “se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se, além da pena privativa de liberdade, a de multa.” Nessas hipóteses, o crime deixa de ser próprio e passa a ser comum, já que pode ser cometido por qualquer indivíduo. A pena prevista para o primeiro parágrafo é de detenção de três meses a dois anos e para o segundo parágrafo a mesma acrescida de multa.
12. FALSO RECONHECIMENTO DE FIRMA OU LETRA
12.1 Introdução
O dispositivo legal de número 300 versa sobre “reconhecer, como verdadeira, no exercício de função pública, firma ou letra que o não seja”. Neste delito comina penas diferentes para documentos públicos ou particulares, sendo para o primeiro a reclusão de um a cinco anos e multa e para o particular de um a três anos e a aplicação de multa.
É importante analisar a diferenciação entre firma e letra, pois a primeira seria considerada a assinatura de um indivíduo, sendo por extenso ou abreviada e a letra é o sinal gráfico representativo de vocábulos na linguagem, devendo essas serem objeto de falsificação.
12.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material, bem juridicamente protegido e elemento subjetivo.
A classificação do tipo penal é de crime próprio, doloso, comissivo, podendo ser realizado por omissão imprópria quando o agente gozar de status de garantidor, vinculado, instantâneo, mossubjetivo, plurissubsistente. O sujeito ativo é o funcionário público e o passivo o Estado, bem como qualquer pessoa lesada pelo delito. O objeto material é a firma ou letra, sendo o bem juridicamente protegido a fé pública.
12.3 Concurso de pessoas no crime de falso reconhecimento de firma ou letra
Cleber Masson (2018, pág. 575) destaca a possibilidade de concurso de pessoas, tanto como coautoria como em participação através de duas hipóteses: se o próprio falsário apresentar o documento para autenticação e o funcionário sabendo se sua falsidade reconhece-lo cada um incorrerá em um tipo de crime, o falsário em falsificação de documento público ou particular e o funcionário no delito que está sendo analisado. Já se uma terceira pessoa submeter o documento a autenticação e o funcionário sabendo da ilicitude do documento realizar o reconhecimento, incorrerão os dois agentes em concurso sob o crime analisado e presente no artigo 300.
13. REPRODUÇÃO E ADULTERAÇÃO DE PEÇA FILATÉLICA
13.1 Introdução
Apesar da previsão legal contida no art. 303 do CP, Cleber Masson (2018, p. 581) alerta que o art. 303 do Código Penal foi revogado pelo art. 39 da Lei nº 6.538/1978, na forma do art. 2º, §1º, in fine da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, posto que a lei especial supramencionada tratou inteiramente da matéria do art. 303.
Rogério Greco (2019, p. 655) observa que houve a supressão da expressão “selo” no nomen juris do tipo legal, não se alterando, todavia, a descrição da conduta típica reprovável. Reproduzir traduz-se em uma imitação fiel, porém fraudulenta. Alterar é modificar, mudar, ou ainda falsificar.
13.2 Classificação doutrinária, Sujeito ativo e passivo, objeto material e objetividade jurídica do crime
Crime comum quanto ao sujeito passivo e ativo, doloso, comissivo ou omissivo impróprio, de forma livre, instantâneo, monossubjetivo, não transeunte, plurissubsistente. O objeto material do delito é o selo ou peça filatélica. Selo, conforme interpretação autêntica dada pelo art. 37 da Lei nº 6.538/1978, é a “estampilha postal, adesiva ou fixa, bem com a estampa produzida por meio de máquina de franquear correspondência, destinadas a comprovar o pagamento da prestação de um serviço postal”.
Peça, segundo Guilherme de Souza Nucci (2018, p. 961) é “o pedaço de um todo ou a parte de uma coleção”. O objeto jurídico ou o bem juridicamente protegido é a fé pública.
13.3 Atipicidade e forma equiparada
A conduta será atípica se a reprodução ou alteração estiver visivelmente anotada na face ou no verso do selo ou peça. Nesse caso, é nítido que o agente não tem a finalidade de ludibriar terceiros.
Sobre a forma equiparada, o parágrafo único do art. 39 pune quem, para fins de comércio, faz uso de selo ou peça filatélica de valor para coleção, ilegalmente reproduzidos ou alterados. Trata-se de crime que atinge de forma grave aquele que coleciona peças filatélicas, pois, acreditando estar
improvando sua coleção por meio de trocas e compras, queda-se em fraude realizada por terceiro que objetiva vantagem econômica ou obtenção de uma verdadeira, trocando-a pela falsa.
Como não se admite, in casu, a responsabilidade penal objetiva, o tipo penal exige que o agente que utiliza os selos ou pelas ilegalmente reproduzidos tenha consciência de sua fraudulência.
13.4 Consumação, tentativa e elemento subjetivo
A consumação ocorre com a reprodução ou alteração. É possível a tentativa, pois se trata de crime plurissubsistente. O crime é punível apenas à título de dolo.
14. USO DE DOCUMENTO FALSO
14.1 Introdução
Por se tratar a regra do art. 304 uma norma penal em branco, é necessário a leitura dos artigos referentes às penalidades previstas para a falsificação ou utilização do documento.
O preceito secundário também contém remissões, impondo idêntica pena correspondente à falsificação do papel ou documento àquele que se utilizar do documento de mesma natureza
14.2 Classificação doutrinária, sujeito ativo e passivo, objeto material, objetividade jurídica do crime e elemento subjetivo do crime
Crime comum ou geral quanto ao sujeito passivo e ativo, doloso, comissivo ou omissivo impróprio, de forma livre, instantâneo, mono ou unissubjetivo (ou unilateral ou de concurso eventual) não transeunte, plurissubsistente ou unissubsistente. É formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado. Nesse sentido é a lição do STJ: “O crime de uso de documento falso é formal, consumando-se com a simples utilização do documento reputado falso, não se exigindo a comprovação de efetiva lesão à fé pública” (HC 133.813/RJ, rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, j. 25.05.2010).
Conforme lições de Masson (2018, p. 582) é também delito acessório (de fusão ou parasitário), pois não tem existência autônoma, reclamando a prática de crime anterior. Trata-se também de delito instantâneo, mas seus efeitos podem ser permanentes.
O sujeito ativo é comum. O sujeito passivo é dúplice: o Estado, que vê sua fé ser degenerada, e a pessoa que possa ser prejudicada pela utilização do papel falso. O Estado é o sujeito ativo imediato, e a pessoa prejudicada, o sujeito mediato.
O objeto material, segundo Masson (2018, p. 582), “é qualquer dos papéis falsificados ou alterados a que se referem os arts. 297 a 302 do Código Penal, quais sejam, documento público (art. 297), documento particular (art. 298), documento público ou particular ideologicamente falso (art. 299), documento contendo falso reconhecimento de firma ou letra (art. 300), certidão ou atestado ideologicamente falso (art. 301), atestado ou certidão materialmente falso (art. 301, § 1.º) e atestado médico falso (art. 302).”
O dolo é o elemento subjetivo. Não se imputa o crime àquele que, culposamente, supõe ser verdadeiro o seu documento.
14.3 Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo
A pena varia conforme o papel que será utilizado. Nesse sentido são as lições de Masson (2018, p. 589):
“Conclui-se, pois, que o uso de documento falso pode constituir-se em infração penal de menor potencial ofensivo (exemplo: uso de atestado médico falso – art. 302), bem como em crime de médio potencial ofensivo (exemplo: uso de documento particular falsificado – art. 298), e, finalmente, em crime de elevado potencial ofensivo (exemplo: uso de documento público falsificado – art. 297).
A ação penal, em qualquer caso, será pública incondicionada.
A competência também sofre variação conforme o documento ou papel utilizado, conforme critérios adotados pela Súmula nº 540 do STJ: “A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor”.
Mantendo a mesma coerência, decidiu o mesmo tribunal que “O fato de os agentes, utilizando-se de formulários falsos da Receita Federal, terem se passado por Auditores desse órgão com intuito de obter vantagem financeira ilícita de particulares não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal” (CC 141.593/RJ, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 3.ª Seção j. 26.08.2015, Informativo 568).
Tratando-se de uso de passaporte falso, ofende interesse da União (art. IV da CFRB/88), razão pela qual preleciona a Súmula n° 200 do STJ que “O Juízo Federal competente para processar e julgar acusado de crime de uso de passaporte falso é o do lugar onde o delito se consumou”.
Em relação ao documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino, a Súmula n° 104 do STJ é no sentido de que “Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino”.
Ainda em matéria de jurisprudência, a Súmula Vinculante 36 estabelece que “Compete à Justiça Federal comum processar e julgar civil denunciado pelos crimes de falsificação e de uso de documento falso quando se tratar de falsificação da Caderneta de Inscrição e Registro (CIR) ou de Carteira de Habilitação de Amador (CHA), ainda que expedidas pela Marinha do Brasil.”
14.3 Apresentação de documento pelo agente
Na hipótese em que um agente, ao ter o seu documento solicitado por uma autoridade pública, especialmente policial, entrega a ele um documento falso, restará configurado, na visão de Rogério Greco (2019, p. 663) e Cleber Masson (2018, p. 585) o crime de uso de documento falso, não se podendo falar em exercício do direito de defesa. Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:
“PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. USO DE DOCUMENTO FALSO. AUTODEFESA. ATIPICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que não fica afastada a tipicidade do delito previsto no art. 304 do Código Penal em razão de a atribuição de falsa identidade originar-se da apresentação de documento à autoridade policial, quando por ela exigida, não se confundindo o ato com o mero exercício do direito de defesa. STJ, HC 313.868/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5º Turma, DJe 29/03/2016.
14.4 Documento encontrado em poder do agente
Se o documento for encontrado junto ao agente em uma revista pessoal, sem que esse tenha se utilizado de tal papel, o fato, na visão de Rogério Greco (2019, p. 664) será atípico, em razão do núcleo do tipo exigir expressamente a “utilização”.
Masson (2018, pág. 599) complementa afirmando que “Exige-se o uso real do documento, e não meramente sua utilização para fins de exibicionismo ou vaidade, a exemplo daquele que mostra a terceiros, em conversa informal, um cheque falso de vultosa quantia emitido em seu favor.”
Por fim, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que “A simples posse de documento falso não basta à caracterização do delito previsto no art. 304 do Código Penal, sendo necessária sua utilização visando atingir efeitos jurídicos (RExt 1.183/República Federal da Alemanha, rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, j. 24.06.2010)”.
Ressalta-se que aquele que utiliza permissão para dirigir ou carteira nacional de habilitação falsa está, de fato, utilizando tal documento, ainda que não esteja exibindo, respondendo, portanto, pelo crime.
14.5 Antefato impunível
Se o agente falsificar o papel e posteriormente o utilizar, Greco (2019, p. 664) argumenta que restará absorvido o crime-meio (falsificação de documento) pelo crime-fim (uso de documento falso), não havendo concurso de crimes.
Entretanto, embora esta última posição seja a mais correta, Cleber Masson diverge dessa posição (2019, p. 663), sendo certo que para ele na verdade o uso de documento falso configura post factum impunível, sendo aplicável o princípio da consunção. Esse último é o entendimento do STJ (STJ, REsp 1389.214/DF, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 15/06/2016). Os dois argumentos principais dessa teoria é a existência do consectário lógico entre o crime de falsificação e uso de documento falso e a proibição de punição da mesma conduta pelo mesmo fundamento (ne bis in idem).
14.5 Participação em falsificação e fotocópia não autenticada
Para Greco, o usuário que solicita a confecção de um documento falso para que possa valer-se dele incorre nas penas do crime de falsificação de documento, na condição de partícipe.
Para a doutrina majoritária (Greco) e para o STJ (HC 325.746/RN, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe 1º/12/2015), as cópias xerográficas ou reprográficas sem a respectiva autenticação não configuram documento particular para fins penais. Não se descarta, todavia, sua utilização para o crime de estelionato.
Ainda, segundo Masson (2018, p. 583), os papéis impressos ou datilografados, “sem assinatura, não são considerados documentos”.
14.6 Concurso de crimes e concurso de pessoas
Cleber Masson (2018, p. 587) diferencia duas situações: na hipótese de uso de vários documentos falsos no mesmo contexto fático, haverá punição por apenas um crime de uso de documento falso. Entretanto, se houver uso de documento falso em contextos distintos: nesse caso, haverá continuidade delitiva se presentes os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pela legislação pátria (art. 71) e a jurisprudência dos tribunais superiores, havendo, nos demais casos, possibilidade de incidência do concurso material de crimes (art. 69).
Não há concurso de pessoas entre o responsável pela falsificação ou alteração do documento e o usuário do documento falso (Masson, 2018, p. 587), pois o Código Penal elenca tipos penais diversos para tais agentes, tratando-se de exceção à teoria monista do concurso de pessoas (art. 29)
14.7 Comprovação mediante perícia e extinção da punibilidade do crime principal
Não é imprescindível a prova pericial para se obter a condenação por crime de uso de documento falso. Nesse diapasão, decidiu o Tribunal da Cidadania:
“É possível a condenação por infração ao disposto no art. 304 do CP (uso de documento falso) com fundamento em documentos e testemunhos constantes do processo, acompanhada da confissão do acusado, sendo desnecessária a prova pericial para a comprovação da materialidade do crime, mormente se a defesa não requereu, no momento oportuno, a realização do referido exame”. HC 305.586/SE, rel. Min. Walter de Almeida Guilherme, 5.ª Turma, Info 533.
Esse entendimento deve ser criticado, pois a falsidade é uma elementar do crime de uso de documento falso. Além disso, a autenticidade da carta foge à capacidade jurídica do juízo e das testemunhas; por fim, o próprio art. 158 do Código de Processo Penal estabelece que quando o crime deixar vestígios é imprescindível o exame de corpo de delito. Portanto, deveria prevalecer o entendimento segundo o qual a falsidade só pode ser comprovada por perícia idônea.
14.8 Extinção da punibilidade do crime principal
Ainda que extinta a punibilidade do falsificador do documento, aquele que o utilizou responderá pelas penais cabíveis, pois a extinção da punibilidade de crime que é pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro não se estende a este (art. 108 do C.P.). Cleber Masson (2018, p. 590) argumenta que a extinção da pena do crime principal por abolitio criminis se estende à punibilidade do crime ameba ou parasitário.
15. SUPRESSÃO DE DOCUMENTO
15.1 Introdução
Analisando os verbos do tipo, suprimir tem o sentido de eliminar o documento. Ocultar significa esconder, encobrir. Destruir é extinguir materialmente.
15.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material e objetividade jurídica do crime.
Crime comum ou geral quanto ao sujeito passivo e ativo, doloso, comissivo ou omissivo impróprio, de forma livre, instantâneo, mono ou unissubjetivo (ou unilateral ou de concurso eventual) não transeunte, plurissubsistente, não transeunte ou transeunte. É formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado.
Ressalta-se que é um tipo misto alternativo, crime de ação múltipla e de conteúdo variado.
Praticada a supressão, a inutilização e a destruição conjuntamente, haverá apenas um crime, segundo entendimento pacífico.
O objeto material é o documento público ou particular verdadeiro. O objeto jurídico ou bem juridicamente protegido é a fé pública.
Conforme lições de Masson (2018, p. 593), “a destruição, supressão ou ocultação de documento falso não abala a fé pública, sem prejuízo da caracterização de crime diverso, a exemplo do furto (CP, art. 155), do dano (CP, art. 163)”.
Não é admissível o reconhecimento do crime se o objeto for translado, cópia ou certidão, pois não haverá, de fato, destruição, supressão ou ocultação do documento verdadeiro. O STF possui precedentes nesse sentido (HC 75.078/SC, rel. Min. Sydney Sanches, 1.ª Turma, j. 06.05.1997, noticiado no Informativo 70).
O sujeito ativo é comum. O sujeito passivo é o Estado e a pessoa que for prejudicada com o comportamento.
15.4 Sonegação de papel ou objeto de valor probatório
Se a supressão for de autos, documento ou objeto de valor probatório, que o agente recebeu na qualidade de advogado ou procurador, incorrerá nas penas do art. 356 do Código Penal, em razão do princípio da especialidade. Ressalta-se que o crime previsto no art. 365 é cometido contra a administração pública, especificamente contra a administração da justiça.
16. FALSIFICAÇÃO DO SINAL EMPREGADO NO CONTRASTE DE METAL PRECIOSO OU NA FISCALIZAÇÃO ALFANDEGÁRIA OU PARA OUTROS FINS
16.1 Introdução e classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material, objetividade jurídica do crime e elemento subjetivo
O objeto material é a marca ou sinal empregado pelo poder pública. O objeto jurídico ou bem juridicamente protegido é a fé pública. O sujeito ativo é comum. O sujeito passivo é o Estado e a pessoa que for prejudicada com o comportamento.
Crime comum ou geral quanto ao sujeito passivo e ativo, doloso, comissivo ou omissivo impróprio, de forma livre, instantâneo, mono ou unissubjetivo (ou unilateral ou de concurso eventual) não transeunte, plurissubsistente, não transeunte ou transeunte. É formal, de consumação antecipada ou de resultado cortado.
Ressalta-se que é um tipo misto alternativo, crime de ação múltipla e de conteúdo variado. Praticada a supressão, a inutilização e a destruição conjuntamente, haverá apenas um crime. O elemento subjetivo é o dolo.
16.2 Figura privilegiada
O parágrafo solitário do artigo em questão estabelece um alcance de pena reduzido (reclusão ou detenção, de um a três anos, e multa), se a marca ou sinal falsificado é o que usa a autoridade pública para o fim de fiscalização sanitária, ou para autenticar ou encerrar determinados objetos, ou comprovar o cumprimento de formalidade legal
17. FALSA IDENTIDADE
17.1 Introdução
Por identidade entende-se o conjunto de características de uma pessoa. Identidade são os traços específicos que a distingue das outras, tornando-a um indivíduo.
Tendo em vista que a identidade de alguém gera diversos efeitos jurídicos, não só penais, mas também civis, comerciais, trabalhistas, fiscais e etc, o legislador preocupou-se em punir aqueles que obtêm proveito para si mesmo ou para terceiro ou causa dano a outrem em virtude dessa atribuição falsa.
Como não se trata de crime contra o patrimônio, o proveito pode ser de qualquer natureza (moral, patrimonial, religioso, etc). De fato, por se tratar o delito do art. 307 um crime de natureza subsidiária, caso a vantagem indevida seja patrimonial, incidirá diretamente a responsabilidade pelo art. 171 do C.P.
Com o mesmo raciocínio, caso a vantagem objetivada pelo agente seja de natureza sexual, incidirá o art. 215 do Código Penal (violência sexual mediante fraude).
Ainda seguindo o mesmo entendimento, a atribuição falsa com objetivo de subtrair coisa móvel alheia faz incidir a reprovação do art. 155, §4º do C.P.
Caso típico da infração penal em estudo é a situação daquele que se atribui falsa identidade em concurso público ou provas de qualquer natureza, preenchendo em papel destinado à identificação o nome de um amigo ou familiar para obter-lhe a vantagem da aprovação no certame.
Outro caso frequente é aquele que atribui a si mesmo alguma profissão para cujo desempenho não possui os requisitos legais (pessoa que pretende ser médica, dentista, advogada). A vantagem obtida, nesse caso, pode não só dizer respeito às vantagens profissionais decorrentes da profissão fingida, como pode decorrer da atribuição falsa para a prática de algum ato para cuja prática a respectiva categoria profissional tem alguma facilidade. Ex: uma pessoa, acusada em um processo de estupro de vulnerável, com receio de ser citada no referido processo, mas desejando ter conhecimento sobre o feito, se dirige até o cartório da comarca e solicita uma rápida consulta aos autos, dizendo ser advogado, quando na verdade nunca cursou qualquer faculdade de ensino superior.
17.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material, bem juridicamente protegido e elemento subjetivo
Delito comum ou geral, tanto no que diz respeito ao sujeito ativo ou sujeito passivo. Crime doloso, comissivo (admitindo-se, entretanto, a omissão imprópria), de forma livre, instantâneo, monossubjetivo, monossubsistente e transeunte, em regra. É também um crime subsidiário.
O sujeito ativo é comum, pois qualquer pessoa pode praticar, e os sujeitos passivos são o Estado e a pessoa prejudicada pela atribuição falsa, se houver.
Inexiste objeto material nesse crime. O objeto jurídico é a fé pública.
O delito consuma-se no momento em que o sujeito atribui a si mesmo ou a terceiro a falsa identidade, pois o delito em questão é formal, não havendo necessidade de obtenção da vantagem desejada ou do prejuízo a terceiro.
A tentativa é cabível nas modalidades escritas, pois, nessa hipótese, o delito será plurissubsistente.
O elemento subjetivo é o dolo, não havendo possibilidade de punição do crime a título culposo.
Deve-se ter em mente que o delito, por seu núcleo do tipo, exige uma conduta comissiva do agente (atribuir-se ou atribuir a terceiro), mas pode ser punido se ficar caracterizado que o agente tinha o dever de evitar o crime.
17.3 Falsa Identidade e autodefesa: a problemática
É possível a autoatribuição falsa com o objetivo de se livrar de condenação criminal, no momento em que alguém, preso em flagrante, relata falsa identidade à autoridade policial?
A posição admitida pelo STJ (HC 139.843/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 22/08/2011, STF, HC 80.949/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ªT., DJ 14/12/2001) e do STF (HC 94.082-MC/RS, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 25/03/2008), até determinado momento, era no sentido da atipicidade da conduta, posto que a todos é garantido o direito de não produzir prova contra si mesmo, garantia constitucional conhecida por nemo tenetur se detegere.
Para esse entendimento, a vedação da autoincriminação não abrange apenas o direito de permanecer calado em juízo, sendo interpretado extensivamente para abrigar o direito de não confessar, o direito de não produzir provas materiais, de não ceder seu corpo para a produção de provas e o direito de não praticar atos que possam de qualquer forma lhe prejudicar em matéria criminal.
Como corolário desse pensamento, caso a um indivíduo, por exemplo, fosse solicitado a sua identificação ao ser preso em flagrante, essa solicitação violaria automaticamente o direito não produzir prova contra si mesmo, nascendo direito a repelir essa injusta violação por meio de atribuição falsa.
O pensamento de Greco (2019, pag. 684) afirma que a autodefesa diz respeito a fatos, não tendo relação com identificação, sendo a identificação um direito do Estado de saber contra quem proporá a ação penal, razão pela qual deve o agente responder pelo delito.
O STF mudou seu posicionamento, admitindo a imputação (STF, ARE 870.575 Agr/DF, Rel Min. Roberto Barroso, 1ªT., Dje 23/06/2015). Foi seguido pelo STJ, que editou a Sumula nº 522 “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.”
Deve-se ressaltar, por último, que o agente preso em flagrante que nada diz a respeito da sua identidade não comete o crime em questão. Também não lhe é imputada a prática do crime de desobediência (art. 330 do C.P.), pois não está obrigado a produzir prova contra si mesmo ou adotar conduta que lhe cause prejuízo.
17.4 Legislação especial
Configura contravenção penal (art. 68 do Dec. Lei nº 3.688/41) recusar à autoridade, quando por esta justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, profissão, domicílio e residência, sendo a pena cominada apenas a multa.
Além disso, configura contravenção penal (art. 45 do Dec. Lei nº 3.688/41) fingir-se funcionário público, sendo certo que a pena pode ser a prisão simples, de um a três meses, ou multa. Deve-se atentar para não confundir o delito em questão com a usurpação de função pública (art. 328 do C.P.), posto que a usurpação compreende o exercício contínuo e reiterado de uma função para o qual o agente nunca se habilitou, enquanto o fingimento é ato notadamente instantâneo.
Se o agente se atribuir identidade falsa perante a administração militar, para obter benefício para si ou terceiro ou para causar dano a outrem, responderá pela conduta tipificada no art. 318 do Código Penal Militar
18. USO DE DOCUMENTO DE IDENTIDADE ALHEIA
18.1 Introdução
Sobre o delito que aqui será analisado, é pacífico o entendimento que se trata de uma derivação mais gravosa do delito de falsa identidade, previsto no art. 307 do CP. A denominação do tipo penal é doutrinária, e varia de acordo com o autor.
Trata-se, portanto, de delito expressamente subsidiário, pois o código prevê sua aplicação apenas se o fato constituir crime mais grave.
Os núcleos do tipo são os verbos “usar” e “ceder”.
O tipo penal utiliza-se de interpretação analógica para exemplificar os documentos que podem ser utilizados por parte do transgressor para que consume o crime ora previsto. Como dito, tratam-se de exemplos, não esgotando-se os documentos no rol trazido pelo tipo, já que este mesmo utilizar a interpretação analógica ao aludir “ou qualquer documento dessa natureza”.
18.2 Classificação doutrinária, Sujeitos ativo e passivo, objeto material, objetividade jurídica do crime e elemento subjetivo
Cuida-se de crime comum, doloso, não havendo previsão de modalidade culposa, comissivo, admitindo-se, também, a hipótese de omissão imprópria, de forma livre, instantâneo, monossubjetivo, não transeunte e pluri ou monossubsistente, dependendo da forma como o delito for praticado, podendo ou não ocorrer o fracionamento do iter criminis.
O sujeito ativo deste delito pode ser qualquer pessoa, por se tratar de crime comum, porém, em relação ao sujeito passivo, por ser ele o Estado, titular da fé pública, se caracteriza como próprio quanto a este último.
O objeto material é o documento de identidade alheio e o bem juridicamente protegido é a fé pública. O elemento subjetivo é o dolo.
18.3 Consumação, tentativa e modalidades comissiva e omissiva
Na primeira parte do tipo, cujo verbo é “usar”, o crime consuma-se com o efetivo uso do documento, somente ocorrendo quando o agente fizer uso efetivo do documento, deliberadamente, como se fosse próprio. Quanto à segunda parte, restará o crime consumado quando o agente efetivamente cede, ou seja, entrega seu documento pessoal à outrem para que use como se seu fosse.
A tentativa é admitida dependendo da possibilidade de fracionamento do iter criminis, cuja avaliação se dará de acordo com o caso concreto.
Os núcleos do tipo compreendem uma conduta positiva por parte do agente, caracterizando- se como comissivo. Pode ocorrer, entretanto, a hipótese da omissão imprópria, no caso de agente garantidor que nada faz para impedir o cometimento do ilícito previsto no art. 308 do CP.
18.4 Uso de documentos de identidade alheio e uso de documento falso.
No crime tipificado no art. 308, o uso é de documento verdadeiro, ainda que tal ideia não esteja expressamente abordada no tipo penal. Deste modo, ainda que o agente, ao utilizar documento falso em nome de terceiros, como exemplificado por Masson (2018, pág. 608), como quando o criminoso troca a foto original de um passaporte de outrem para uma sua, visando utilizar-se deste para evadir-se do país, a ele será imputado o delito de documento falso ou falsificação de documento público, tendo em vista sua adulteração.
18.5 Uso de documento pessoal alheio e Código Penal Militar
Greco (2019, pág. 693) explica sobre a existência deste delito no corpo do Código Penal Militar, conforme seu art. 317, punindo com pena de detenção de até seis meses aquele que usa documento de identidade alheia ou licença/privilégio em favor de terceiro, ou ceda a alguém documento próprio de mesma natureza, desde que a utilização do documento implique dano à administração ou ao serviço militar.
19. FRAUDE DE LEI SOBRE ESTRANGEIROS.
19.1 Introdução
A livre circulação de pessoas pelo território brasileiro em tempos de paz é assegurada pela Constituição da República no rol de seu art. 5º, que a alude como sendo um direito fundamental. Ocorre que, apesar da liberdade de locomoção estar prevista na carta magna, tal direito não é irrestrito àqueles que não são brasileiros.
Neste caso, a própria Constituição mitiga o direito de liberdade de locomoção de pessoas estrangeiras, conforme aduzido pelo art. 5º, XV, no qual está disposto que este direito será exercido conforme a lei estipular.
A lei, neste caso, é a Lei de Migração, de nº 13.445, criada recentemente, em 24 de maio de 2017, com o objetivo de revogar o obsoleto Estatuto do Estrangeiro, que tratava dos imigrantes como se representassem perigo a segurança nacional, para que passassem a serem vistos como sujeito de direito em solo brasileiro.
O art. 1º da lei supra é o responsável pela regulação da entrada e estada no país, bem como sobre os direito e deveres dos imigrantes e visitantes que intentem sua estadia no Brasil e, por último, estabelece diretrizes e princípios para as políticas públicas voltadas à esta classe.
Este artigo também abarca definições que se mostrarão importantes para a compreensão do tipo penal objeto deste tópico, definindo como imigrante “pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil”, como emigrante “brasileiro que se estabelece temporária ou definitivamente no exterior”, como residente fronteiriço “pessoa nacional de país limítrofe ou apátrida que conserva a sua residência habitual em município fronteiriço de país vizinho”, como visitante “pessoa nacional de outro país ou apátrida que vem ao Brasil para estadas de curta duração, sem pretensão de se estabelecer temporária ou definitivamente no território nacional” e como apátrida “pessoa que não seja considerada como nacional por nenhum Estado, segundo a sua legislação, nos termos da Convenção sobre o Estatuto dos Apátridas, de 1954”. Depreende-se da leitura da Lei de Migração que os estrangeiros que pretendam ingressar e permanecer no país devem observar as regras estabelecidas pela legislação interna, sob pena, inclusive, de responderem criminalmente por transgressões. O tipo penal ora analisado abarca umas das possibilidades de responsabilização criminal de estrangeiros que transgredem normas pátrias.
A fraude de lei sobre estrangeiros é um crime de médio potencial ofensivo, uma vez que sua pena se compreende em detenção, de um a três anos, e multa.
Da análise do tipo penal supra, podem ser destacados dois aspectos. O primeiro deles é a conduta de usar o estrangeiro nome que não é seu, e o segundo é a finalidade de entrar e permanecer no território nacional.
Aduz Rogério Greco (2018, p. 697 e 698)27 que: “não é a simples utilização de nome falso pelo estrangeiro que caracteriza o delito em estudo. Na verdade, deverá atuar com uma finalidade especial, ou seja, a de entrar e permanecer em território nacional, pois, caso contrário, o fato poderá não se amoldar”.
Neste caso, portanto, se o estrangeiro em território nacional utiliza nome que não é seu para entrar em uma festa, por não agir com o fim especial de entrar e permanecer em território nacional, não responderá pelo crime aqui descrito.
O autor aborda ainda que, pelo fato do tipo abarcar apenas o uso indevido do nome, se o imigrante se utiliza de profissão, status civil e outros que não correspondem com os seus verdadeiros, sua conduta também não se adequará ao tipo.
19.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, bem material, objetividade jurídica e elemento subjetivo.
Cleber Masson (2018, p. 611) classifica o crime de fraude de lei sobre estrangeiros como um crime simples, ou seja, aquele que não é uma fusão entre dois tipos penais diversos, como próprio, uma vez que seus sujeitos ativo e passivo são especificados pelo próprio tipo penal, qual seja: estrangeiros (ativo) e Estado (passivo).
Além disso, trata o tipo penal em análise como sendo formal, ou seja, aquele no qual há a possibilidade de um resultado naturalístico, mas a lei não exige o resultado para que haja a consumação do crime, doloso, de forma livre, comissivo, em regra, no qual a conduta é proveniente de uma ação e não uma omissão, instantâneo, unissubjetivo, só sendo necessária a prática do delito por parte de um único agente, e unissubsistente.
Em relação aos sujeitos, o autor Rogério Greco (2019) explica que sendo este crime próprio, o único sujeito ativo que poderá praticar a conduta é o indivíduo estrangeiro. Quanto ao seu parágrafo único, que estipula modalidade qualificada do crime, trata-se de crime comum, posto que qualquer pessoa pode atribuir a estrangeiro falsa qualidade para promover-lhe a entrada em território nacional. Por se tratar de um crime contra a fé pública, o sujeito passivo é o Estado
Sobre o objeto material, Masson (2018, p. 162) aduz se tratar do nome, no qual se compreendem prenome e sobrenome, conforme artigo 16 do Código Civil. Aborda ainda, em relação à objetividade jurídica, o bem jurídico protegido pelo direito penal é a fé pública, precipuamente no que se relaciona à identidade dos indivíduos, que resulta no controle estatal na migração.
19.3 Consumação, tentativa, modalidades omissiva e comissiva e qualificada
Sobre a consumação do crime em tese, aduz Greco (2019, p. 697) que: “O delito previsto no caput do art. 309 do Código Penal se consuma quando o estrangeiro, efetivamente, usa um nome que não é seu, ou seja, se identifique como outra pessoa”. Deste modo, conforme explicitado pelo douto professor, não é necessário que haja um consequência proveniente da conduta criminosa, apenas que o sujeito ativo se identifique com nome que não é seu, não sendo necessária a persecução do fim (ou seja, entrar e permanecer no país) para que o delito seja consumado.
Sobre a tentativa, também analisada pelo autor supra, esta deverá ser analisada em cada caso, posto que sua ocorrência é muito incomum, não havendo muitos exemplos teóricos que a explicitasse. Masson (2018, p. 612), todavia, informa que esta ocorrerá no caso de crime plurissubsistente, quando da ocorrência do fracionamento do iter criminis, explicitado através do seguinte exemplo: “’A’, depois de desembarcar no aeroporto, começa a preencher o formulário para ingresso no Brasil, mas é preso em flagrante antes de completar o espaço reservado para o nome do imigrante”.
Para ele, não se admite tentativa no caso de crime unissubsistente, como, por exemplo, a verbalização do nome falso, posto que, neste caso, o estrangeiro efetivaria a conduta, e o crime se daria por consumado. No que tange a modalidade qualificada, o crime se consumará a partir da atribuição, ou seja, imputação do nome falso ao estrangeiro almejando sua entrada em solo brasileiro.
No caso do crime em análise, o elemento subjetivo é o dolo, uma vez que a tipificação penal não prevê modalidade culposa do delito, precisando o indivíduo, quanto à prática da conduta, agir com a finalidade específica de entrar e permanecer em solo nacional. O dolo é também elemento subjetivo do parágrafo único, que prevê a modalidade qualificada do crime, também não se admitindo a modalidade culposa.
No que se refere às modalidades comissivas e omissivas, os núcleos dos tipos previstos no artigo e em seu parágrafo único, de usar e atribuir, pressupõem uma conduta positiva por parte do sujeito ativo, resultando, por conseguinte, na modalidade comissiva.
Ocorre que tal delito também pode ser cometido de forma omissiva imprópria se a conduta negativa for exercida por agente garantidor, que, dolosamente, não faz nada para evitar o ingresso ou permanência do estrangeiro que utiliza nome falso ou ao qual foi atribuída qualidade falsa no país.
O parágrafo único do artigo 309 do CP tipifica, com redação determinada pela lei 9.426/96, o crime de atribuição falsa de qualidade a estrangeiro para promover-lhe a entrada em solo nacional, punível com pena de reclusão, de um a quatro anos e multa.
Neste caso, ao contrário do previsto no caput, não é o estrangeiro quem comete a conduta, mas sim alguém inespecífico, motivo pelo qual a conduta qualificada se caracteriza como crime comum em relação à seu sujeito ativo.
No caso em análise pode-se notar que não se trata apenas de atribuição de nome falso, mas de qualidade, sendo este um termo amplo e de difícil caracterização que engloba, para além do nome, outros aspectos da personalidade que podem ser utilizado para a individualização da pessoa, como filiação, data de nascimento, profissão e origem étnica.
Ao contrário do previsto no caput, nota-se que a conduta é de concurso necessário, posto que é preciso que ao menos duas pessoas a pratiquem, quais sejam: a que atribui a falsa qualidade e o estrangeiro beneficiado pela conduta criminosa. Este crime é classificado como de forma livre, já que pode ser exercido através de via oral, escrita, por gestos e etc, no qual também não se admite modalidade culposa.
Para Greco (2018, p. 614), devido ao fato do parágrafo único do art. 309 do CP somente prever como finalidade da conduta a entrada do estrangeiro no país, a conduta visando sua permanência não constitui crime, como o faz no caput do artigo supra.
19.3 Pena, ação penal, suspensão condicional do processo e competência
Para o tipo fundamental do art. 309, a pena cominada é de detenção, de um a três anos, e multa, enquanto para a modalidade qualificada do parágrafo único, é de reclusão, de um a quatro anos, e multa. Ambas são de iniciativa pública incondicionada.
Por se tratar de crime de médio potencial ofensivo, tendo em vista sua pena mínima de um ano de detenção, fica autorizada a suspensão condicional do processo, desde que preenchidos os requisitos do art. 89 da lei 9.099/95.
Sobre a competência de julgamento desse crime, aduz Cleber Masson (2018, p. 614) que a regra de competência nesses casos se dá a partir do art. 109, X, da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: [...]
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;”
Além disso, tal posicionamento também é defendido pelo STJ :
“Compete à Justiça Federal o processamento e julgamento de ações penais que versem sobre delitos praticados em afronta aos serviços da União, assim como aqueles que digam respeito à permanência irregular do agente em solo pátrio. Precedentes. Inteligência dos incisos IV e X do artigo 109 da Constituição da República” (HC 107.018/AL, rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJMG), 6.ª Turma, j. 21.10.2008).
20 FRAUDE EM PREJUÍZO DA NACIONALIZAÇÃO DA SOCIEDADE
20.1 Introdução
Apesar da redação de difícil compreensão, o delito do art. 310 do Código Penal visa basicamente punir aquele que de alguma forma “empresta” ou seu nome a estrangeiro para que este o utilize como proprietário da ação, título ou valor, quando na verdade é o estrangeiro que a possui.
Nos dizeres de Cleber Masson (2018, p. 616), “o núcleo do tipo é “prestar-se a figurar”, no sentido de alguém permitir, a título oneroso ou gratuito (exemplo: amizade, parentesco, dívida pessoal etc.) a utilização de seu nome como possuidor ou proprietário de ação, título o valor, quando em verdade tais bens pertencem ao estrangeiro, em relação a quem a propriedade ou posse é proibida por lei. É a famosa figura do “laranja” ou do “testa de ferro”, na qual se opera a simulação da propriedade ou posse do objeto material, desrespeitando-se as proibições impostas pela legislação pátria.”
Essa proibição fundamenta-se no art. 222, §1.º da Constituição Federal, que ordena que “em qualquer caso, pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.”
20.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material, bem juridicamente protegido e elemento subjetivo
Delito comum ou geral, tanto no que diz respeito ao sujeito ativo ou sujeito passivo. Crime de forma livre, formal, comissivo (admitindo-se, entretanto, a omissão imprópria), de forma livre, instantâneo, monossubjetivo, plurissubsistente, não transeunte.
O sujeito ativo deve ser de nacionalidade brasileira, e o sujeito passivo é o Estado.
O objeto material é a ação, título ou valor pertencente ao estrangeiro. O bem juridicamente protegido é a fé pública.
A consumação se dá quando ocorre a substituição do verdadeiro possuidor pelo falso.
21. ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR
21.1 Introdução
O delito de adulteração de sinal identificador de veículo automotor foi criado pela lei 9.426/96 e adicionado ao CP para coibir a comercialização clandestina de veículos automotores. Isto porque, anos atrás, passou a se tornar prática comum a adulteração de sinais de veículos roubados por parte de mecânicos que visavam ajudar criminosos a assegurar que o objeto do roubo não fosse identificado.
Antes da criação da lei, tal conduta era atípica, tendo em vista que não existia tipo penal que a criminalizava. A partir da alta incidência desse tipo de conduta, mostrou-se necessária a edição de uma lei que abarcasse tal conduta na legislação brasileira, tendo em vista que, devido ao fato desses mecânicos só agirem após a consumação da infração penal, estes ficavam impunes, mesmo contribuindo com a atividade criminosa. Com o advento da lei, passou-se a punir estes transgressores de forma autônoma, possibilitando, inclusive, o concurso de crimes.
Como núcleo do tipo, temos o verbo “adulterar”, ou seja, mudar o sinal, desconfigurando-o, ou “remarcar”, mudar de novo, transformando um sinal em outro. Neste sentido, o transgressor pode mudar o número do chassi do veículo, modificando algumas letras ou número, ou pode mudá-lo completamente para que passe a constar algo totalmente novo.
Insta observar que o legislador não criminalizou, na redação original, a conduta de ocultar, tampouco suprimir estes sinais caracterizadores do veículo automotor. Assim aduz Masson (2018): “não se verifica o delito previsto no art. 311 do Código Penal quando alguém oculta a placa de identificação de automóvel, com o escopo de evitar o pagamento de pedágio”.
Porém, a Lei nº 14.562/2023 deu nova redação ao caput do art. 311, para estabelecer o núcleo “suprimir”, de forma que também a supressão, observada a irretroatividade, configura crime.
21.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, bem material, objetividade jurídica e emento subjetivo
Masson (2018) traz como classificação doutrinária deste crime como sendo ele simples e comum, podendo, portanto, ser cometido por qualquer indivíduo, de consumação antecipada e de forma livre, por ter vários meios de execução, tais quais alteração de códigos dos vidros, alteração de placas verdadeiras, por falsas, modificação de caracteres constantes no motor e em demais peças do veículo e etc.
Aduz ainda ser este crime comissivo, em regra, não transeunte e instantâneo de efeito permanente, bem como unissubjetivo e, em regra, plurissubsistente.
Trata-se, ainda, de crime de tipo misto alternativo já que a lei abarca três núcleos distintos e a conduta voltada à ambas as ações configuram um delito único, ou seja, não importa se o criminoso altera ou remarca o chassi ou qualquer outro sinal identificador do veículo automotor; realizando uma das condutas, esta se enquadrará no tipo penal em análise.
Apesar do comumente pensado quanto a este crime, não necessariamente a conduta enquadrada no art. 311 do CPP deve ser precedida de crime patrimonial já que, neste caso, o bem jurídico tutelado é a fé pública e não o patrimônio.
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo deste crime, uma vez que trata-se de crime comum. O sujeito passivo é o Estado, bem como aqueles que forem prejudicados pela conduta do agente.
O objeto material neste delito é o número do chassi, ou seja, código de identificação inserido na estrutura de aço sobre a qual se monta a carroceria do veículo, ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento.
Interessante se faz ressaltar que a adulteração aludida no tipo penal se estende a qualquer elemento identificador que exista no automóvel, posição que já existia antes da Lei 14.562/2023. Neste sentido, aduz o STF:
“Crime de adulteração de sinal identificador de veículo automotor (art. 311 do Código Penal, com o conteúdo introduzido pela Lei n.º 9.426-96). Tipifica, em tese, a sua prática, a adulteração de placa numerada dianteira ou traseira do veículo, não apenas da numeração do chassi ou monobloco.” (HC 79.780/SP, rel. Min. Octávio Gallotti, 1.ª Turma, j. 14.12.1999)
O bem juridicamente protegido é a fé pública, no que tange à proteção da propriedade e segurança do registro, visando a lei resguardar a autenticidade dos sinais identificadores dos veículos. Importante ressaltar ainda que o Código de Trânsito Brasileiro também faz alusão à identificação de veículos, especificamente nos seus artigos 114 e 115. O artigo 311 do CP faz alusão unicamente ao chassi ou qualquer outro sinal identificador de veículo automotor que demonstra-se como elemento normativo do tipo, fazendo-se necessária, por este motivo, a sua conceituação.
O CTB traz em seu corpo normativo a definição de veículo automotor que compreende “todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisa ou para tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas ou coisas.”
Importante observar que a Nova Lei 14.562/2023 incluiu também a supressão, alteração de veículos elétricos, reboques, semirreboques e híbridos, de forma que não prevalece mais aposição de que o delito não se estende quanto à reboques ou semi reboques (vide STJ, HC 134.794/RS, rel. Min. Jorge Mussi, 5.ª Turma, j. 28.09.2010, noticiado no Informativo 449).
O elemento subjetivo deste delito é o dolo, não havendo previsão para a modalidade culposa.
21.3 Consumação, tentativa, modalidades omissiva e comissiva, e prova da materialidade do fato.
O delito é consumado quando o transgressor adultera ou remarca efetivamente o chassi, placa, motor ou outro sinal identificador do veículo automotor. Uma vez sendo este um crime plurissubsistente, como aludido anteriormente, resta caracterizada a possibilidade do crime tentado.
Por se tratar de crime não transeunte, ou seja, que deixa vestígio, se faz necessário laudo pericial que ateste a adulteração ou remarcação do sinal identificador. Deste modo, será através de exame de corpo de delito, direto ou indireto, não bastando a confissão do acusado, para que reste caracterizada a materialidade.
Suprimir, remarcar e adulterar são condutas positivas e, por isso, configuram comportamento comissivo por parte do agente. O delito, entretanto, pode ser cometido na forma comissiva caso a conduta criminosa parta de agente garantidor que, dolosamente, nada faz para impedir a prática do crime, como exemplificado por Greco (2019, pág. 708):
“[...] imagine-se a hipótese em que um policial, tendo conhecimento de que em determinada oficina mecânica esta sendo realizada adulteração de um chassi de um veículo automotor, pelo fato de ser amigo do agente que levava a efeito o comportamento criminoso, dolosamente, nada faz para impedí-lo. Nesse caso, entendemos que deverá responder, nos termos do art, 13, § 2º do CP, pelo delito tipificado no art. 311 do mesmo diploma legal, e não por simples prevaricação, tendo em vista sua posição de garantidor. “
21.4 Causa especial de aumento de pena e tipo equiparado
O parágrafo primeiro do art. 311, que diz respeito à causa especial de aumento, aduz em seu texto que “Se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é aumentada de um terço”. Neste caso, a conduta do funcionário público, por representar infidelidade para com a função que exerce e por ter maior facilidade para a prática do crime, compreende maior reprovabilidade, motivo pelo qual se faz necessário o aumento da pena.
Ainda sobre as diversas modalidades previstas no art. 311, seu §2º abarca o tipo equiparado e aborda a conduta, também do agente público, que contribui para o licenciamento ou registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo material ou oferecendo informação oficial indevidamente, incorrendo o mesmo nas mesmas penas aduzidas pelo tipo.
No caso em tese, trata-se de crime próprio, posto que seu cometimento deve partir de funcionário público, cuja conduta não se destina à adulteração ou remarcação de quaisquer sinais identificadores do veículo, mas sim na contribuição e auxílio para que o indivíduo que praticou o crime consiga utilizar-se do veículo adulterado ou remarcado mediante licenciamento e/ou registro, facilitado pelo sujeito ativo deste delito.
Ainda há o §2º, II e III incluído pela Lei 14.562/2023, que prevê uma modalidade especial de receptação, consistentes naquele que recebe, transporte e pratica outras condutas em relação ao veículo com o sinal alterado ou o faz em relação à objetos, instrumentos e aparelhos especialmente destinados à falsificação.
Não prevê, porém, art. 311, §3º III que será punido aquele que conduzir veículo automotor com placa suprimida. Ou seja, aquele que pilotar uma moto sem placa não será punido nos termos deste artigo. O inciso III prevê apenas aquele que praticar as condutas nele descritas em relação à veículo adulterado ou remarcado, e não com o sinal suprimido.
21.6 Colocação de fita adesiva na placa de veículo automotor e falsificação grosseira
Sobre a hipótese de colocação de fita adesiva em placa de veículo visando esconder suas informações, de acordo com Masson (2018, pág. 621) são dois os posicionamentos doutrinários sobre o assunto.
O primeiro deles diz respeito à possibilidade de enquadramento desta conduta no tipo penal do artigo 311, posicionamento este confirmado por decisão do STF, que aduz:
A conduta de adulterar a placa de veículo automotor mediante a colocação de fita adesiva é típica, nos termos do art. 311 do CP (“Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo automotor, de seu componente ou equipamento: Pena – reclusão, de três a seis anos, e multa”). Com base nessa orientação, a 2.ª Turma negou provimento a recurso ordinário em habeas corpus. O recorrente reiterava alegação de falsidade grosseira, percebida a olho nu, ocorrida apenas na placa traseira, e reafirmava que a adulteração visaria a burlar o rodízio de carros existente na municipalidade, a constituir mera irregularidade administrativa. O Colegiado pontuou que o bem jurídico protegido pela norma penal teria sido atingido. Destacou-se que o tipo penal não exigiria elemento subjetivo especial ou alguma intenção específica. Asseverou-se que a conduta do paciente objetivara frustrar a fiscalização, ou seja, os meios legítimos de controle do trânsito. Concluiu-se que as placas automotivas seriam consideradas sinais identificadores externos do veículo, também obrigatórios conforme o art. 115 do Código de Trânsito Brasileiro”.RHC 116371/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, 2.ª Turma, j. 13.08.2013, noticiado no rol informativo 715.
O Superior Tribunal de Justiça também vem adotando essa linha de pensamento:
“A jurisprudência deste Superior Tribunal entende que a simples conduta de adulterar a placa de veículo automotor é típica, enquadrando-se no delito descrito no art. 311 do Código Penal. Não se exige que a conduta do agente seja dirigida a uma finalidade específica, basta que modifique qualquer sinal identificador de veículo automotor. A conduta realizada pelo recorrido, que, com o uso de fita isolante, modificou o número da placa da motocicleta, configura o delito tipificado no referido dispositivo” (AgRg no Agravo em Recurso Especial 860.012/MG, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6.ª Turma, j. 07.02.2017).
O segundo posicionamento, ao contrário do primeiro, defende a impossibilidade de sua adequação típica, uma vez que a conduta deve revertir-se de permanência já que, somente assim, seria possível reconhecer a lesão à fé pública. Se temporária e facilmente perceptível, como ocorre no caso em análise, a mudança não implica em adulteração ou remarcação, afastando-se do delito típico do art. 311 do Código Penal.
Sobre a falsificação grosseira, Greco (2019, pág. 711) explica que a falsificação grosseira nos crimes contra a fé pública, não se enquadra ao delito tipificado no art. 311, sendo este posicionamento majoritário da doutrina e da jurisprudência, conforme confirmado por julgado do STJ trazido por Masson (2018, pág. 622) em sua obra, in verbis:
“Nesta instância especial, entendeu-se que, no caso, efetivamente, houve a colocação de fita adesiva ou isolante para alterar letra ou número da placa de identificação do veículo, o que é perceptível a olho nu. Em sendo assim, o meio empregado para a adulteração não se presta à ocultação de veículo, objeto de crime contra o patrimônio. Observou-se que qualquer cidadão, por mais incauto que seja, tem condições de identificar a falsidade, que, de tão grosseira, a ninguém pode iludir. Em suma, a fraude é risível, grotesca. Logo, a fé pública não é sequer atingida. Ressaltou-se que a punição de mera infração administrativa com a sanção criminal prevista no tipo descrito no art. 311 da lei subjetiva penal desafia a razoabilidade e proporcionalidade, porquanto a fé pública permaneceu incólume e, à mingua de lesão ao bem jurídico tutelado, a conduta praticada pelo recorrido é atípica. REsp 503.960/SP, rel. Min. Celso Limongi (Desembargador convocado do TJSP), 6.ª Turma, j. 16.03.2010, noticiado no Informativo 427.
21.7 Utilização de placas frias
Masson (2018, pág. 622) traz em sua obra a situação na qual funcionários públicos, no exercício de suas funções sigilosas, utilizam-se de placas reservadas, fornecidas pela autarquia de trânsito Detran, para substituir placas verdadeiras. Tal situação é corriqueira nas atividades da Policial Federal e Civil e pela Corregedoria da Polícia Militar, para evitar a descoberta de investigações criminais por parte da polícia judiciária. Neste mesmo viés, tais placas são também utilizadas por membros do MP, Receita Federal e outros agentes estatais.
A utilização destas placas, ainda que reservadas, não configuram crime, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar do funcionário público. Isto porque as placas são verdadeiras e o delito somente se configura no caso de substituição de placas falsas.35
21.8 Confronto entre os crimes de adulteração de sinal identificador de veículo automotor e de receptação: unidade ou pluralidade de crimes?
Masson (2018, pág. 623) também traz em discussão a análise conjunta dos art. 180, que trata sobre o delito de receptação, e o 311 que trata do tipo ora analisado, abarcando dois exemplos elucidativos.
O primeiro deles compreende a situação na qual o agente é surpreendido na direção de carro com número de chassi adulterado. Neste caso, se não houver provas do seu envolvimento no crime previsto no art. 311 do CP, este agente será responsabilizado apenas pela receptação, dolosa ou culposa. Ainda que ele tenha conhecimento do roubo/furto anterior, não há como se falar em concurso de agentes já que não é possível a caracterização de coautoria ou participação após a consumação do crime.
A segunda situação exemplificativa diz respeito ao agente que recebe o carro sabendo de sua origem criminosa e, posteriormente, efetua adulteração ou remarcação de sinal identificador do carro. Neste, o agente responderá pelos dois crimes, quais sejam: receptação e adulteração ou remarcação de sinal identificador de veículo automotor em concurso material.
Evidente que essa discussão tem sentido apenas em condutas anteriores à Lei 14.562/2023, afinal foi incluída a figura da receptação expressamente no art. 311, §2º, III como figura equiparada.
22. FRAUDES EM CERTAMES DE INTERESSE PÚBLICO
22.1 Introdução
Este delito foi incorporado ao CP a partir da promulgação da lei 12.550/2011, responsável por autorizar a criação de empresa pública unipessoal de nome Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, por parte do Poder Executivo, não tendo esta, a primeira vista, qualquer relação com o tipo penal em análise.
Com o crescimento exponencial na demanda por concursos públicos, tendo em vista a estabilidade e os salários que se mostram discrepantes aos da iniciativa privada, passou a tornar-se corriqueira a prática de fraudes nesses concursos de candidatos que pretendem encurtar o esforço de alcançar o cargo almejado, que se dá pela pouca fiscalização, por parte do poder público, desses processos. Essas fraudes se estendem em todos os concursos públicos, sejam vestibulares, concursos públicos da esfera municipal, estadual e federal, processos seletivos, dentre outros.
Tendo em vista essa grave situação, o legislador, com pressa, acabou por adicionar os tipos penais ao corpo normativo, aproveitando a lei para nela incluir o crime previsto no art. 311-A do CP, com o intuito de, equivocadamente, transferir ao direito penal, e não ao administrativo, a tarefa de fiscalizar certames de interesse público, como uma forma midiática de demonstrar que os governantes estariam agindo frente à grave situação de fraudes.
Este tipo penal é abarcado por inúmeros verbos nucleares, sendo eles “utilizar”, ou seja, fazer uso, servir-se, núcleo este geralmente praticado pelo candidato em uma das situações previstas nos incisos do tipo penal e “divulgar”, tornar público, este usualmente praticado pelo indivíduo que pretende a utilização, por parte de candidato, de informações sigilosas das quais este não deveria ter conhecimento, para que fosse assegurado o princípio da igualdade entre os candidatos.
O tipo penal prevê que tais atos devem ser praticados de maneira indevida, sendo necessária a utilização ou divulgação de informações sigilosas cujo conteúdo não poderia tornar-se público, visando beneficiar unicamente o próprio agente ou outrem.
Nota-se, portanto, que o tipo prevê o especial fim de agir, ou seja, o agente deve atuar com o objetivo de atingir uma ou ambas das finalidades previstas no tipo (beneficiar a si ou a outrem ou comprometer a credibilidade do certame). Geralmente a conduta de divulgação de informações sigilosas se dá pelo funcionário público, mas é possível sua prática a partir de um indivíduo que não compunha a Administração Pública, estando as duas situações previstas no tipo penal em tese. Sob o agente público, entretanto, recai causa especial de aumento de pena, uma vez que, por representar a administração, sua conduta é mais reprovável.
A utilização ou divulgação do conteúdo sigiloso, conforme dispõe o caput do art. 311-A do tipo penal em análise há de ser indevidas, representando a palavra “indevidamente” uma elementar do tipo. Assim como esta, também caracteriza-se como elementar do tipo a expressão “conteúdo sigiloso” uma vez que seu uso indevido é capaz de causar danos inúmeros à Administração motivo pelo qual se faz necessária a punição de quem o divulga.
22.2 Classificação doutrinária, sujeitos ativo e passivo, objeto material e objetividade jurídica
Rogério Greco (2019, pág. 718) classifica este delito como sendo comum em relação ao sujeito ativo e próprio quanto ao passivo, posto que o Estado é a titular da fé pública no plano primário. Além disso, trata-se de crime doloso, posto que não há previsão de sua modalidade culposa, comissivo - ou omissivo impróprio - ou omissivo no que compreende os núcleos “permitir” e “facilitar” que podem pressupor conduta negativa do agente, instantâneo, de forma livre, monossubjetivo, plurissubsistente e transeunte ou não transeunte, o que dependerá da forma como o delito é praticado.
O bem jurídico que a lei pretende tutelar neste caso é a fé pública, no que compreende a impessoalidade, isonomia e moralidade referentes aos certames de interesse público, tendo em vista sua principal característica: o sigilo, sendo este o responsável por dar credibilidade aos processos. Da análise da teoria constitucional do direito penal, depreende-se que esse tipo tem como fundamento de validade diversos dispositivos da carta magna, em especial o princípio da isonomia, previsto no art. 5º, caput e dos princípios constitucionais norteadores da administração pública, previstos no art. 37 do mesmo diploma.
Como objeto material, este pode ser definido como os concursos públicos, avaliação ou exame públicos, processos seletivos para ingresso no ensino superior e exame ou processo seletivos previstos em lei. Tais conceitos amplos foram propositalmente utilizados pelo legislador de modo a garantir maior amplitude ao texto legal e assegurar punição à quaisquer fraudes relacionadas aos processos acima citados.
O sujeito ativo do delito ora analisado pode ser qualquer pessoa, como, por exemplo, candidato inscrito no ENEM. Se o crime, entretanto, for cometido por funcionário público, passa a ser caracterizado como crime próprio, e sua pena será aumentada em um terço.
Quanto ao sujeito passivo, este é o Estado, titular da fé pública. Também figuram no polo passivo, só que de maneira secundária, pessoas físicas ou jurídicas prejudicadas pela conduta.
Como elemento subjetivo, resta caracterizado o dolo, direto ou eventual. O tipo penal também abarca a necessidade de um especial fim de agir. Não se admite, neste caso, modalidade culposa, restando atípica a conduta daquele que, por negligência, divulga indevidamente conteúdo sigilosos sobre concurso público.
22.3 Consumação, tentativa, elemento subjetivo e modalidades comissiva e omissiva
De acordo com Cleber Masson (2018, pág. 631), por se tratar de crime formal, este consuma- se com a utilização da divulgação indevida de conteúdo sigiloso com o fim de beneficiar a si ou a outrem ou de comprometer a credibilidade dos certames de interesse público, bastando a mera intenção para que o crime se consuma, independentemente de causação de dano À Administração Pública.
Quanto ao núcleo “utilizar”, a consumação do crime se dá com o efetivo uso de conteúdo sigiloso relacionados ao certame de interesse público. Quanto ao “divulgar”, resta consumada a infração no momento em que o agente torna pública informação de caráter sigiloso, não importando de o terceiro ao qual foi dada a informação se utilizou dela ou não.
Já no caso do §1º, a consumação se dará quando o agente permitir ou facilitar efetivamente e por qualquer meio, o acesso de pessoas não autorizadas às informações mencionadas no caput.
A tentativa é possível uma vez que que é possível o fracionamento do crime, por se tratar de delito plurissubsistente, devendo os delitos serem analisados no caso concreto para que se confirme tal possibilidade.
23. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA
Explanadas todas as falsidades, um ponto crucial deve ser abordado inicialmente: é aplicável o princípio da insignificância nos crimes contra a fé pública?
É sabido que para a aplicação do instituto são necessários os requisitos objetivos (mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica) e subjetivos (ausência de habitualidade e reincidência), consoante entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal.
Nos casos dos crimes contra a fé pública, o STJ pacificou o entendimento que não é aplicável, pois “o bem jurídico protegido envolve a credibilidade, a confiança das pessoas e a preservação da fé pública nos documentos particulares” (STJ AgRg-RHC 155.201; Proc. 2021/0323751-6; DF; Quinta Turma; Rel. Min. Jesuíno Rissato; Julg. 13/12/2021; DJE 16/12/2021).
Todavia, já admitiu o STF a aplicação do princípio em uma hipótese excepcional, no crime de atestado médico para justificar ausência de serviço (HC 117638, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/03/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-062 DIVULG 27-03-2014 PUBLIC 28-03-2014).
Além disso, há inúmeros julgados de ambos os tribunais absolvendo o agente em função da existência de falsificação grosseira; embora o fundamento técnico para a absolvição seja diverso, conforme será visto, a fundamentação sobre “ausência de potencialidade lesiva” tangencia um dos fundamentos da insignificância, que é justamente a mínima ofensividade e a ausência de periculosidade social.
O entendimento mais restritivo deve ser criticado, pois imagine-se a situação de um agente, primário, que falsifica uma moeda de cinquenta centavos? Deve ser punido pelo crime de moeda falsa? A posição mais acertada é a de que não, pois a ínfima ofensa ao bem protegido certamente resulta em sua atipicidade material, devendo uma perspectiva crítica do Direito Penal alinhar-se à sua excepcionalidade e à sua fragmentariedade, no sentido material.
24. CONCLUSÃO
A tutela dos crimes contra a fé pública, delitos em constante evolução e construção doutrinária, é essencial para a garantia da segurança jurídica nas relações pública e particulares.
Como visto, os crimes contra a fé pública possuem intensas divergências doutrinárias e a configuração dos tipos penais exige especial atenção, notadamente considerando que a maior parte dos crimes são pluriofensivos.
Também foi explanado que a evolução doutrinária atual permitiu a formulação de uma teoria geral dos crimes contra a fé pública, de modo que na sua aplicação é essencial ter como base os conceitos técnicos e jurídicos abordados ao longo do artigo.
Por fim, foi demonstrado que a análise dos crimes contra a fé pública exige também especial consideração sobre a potencialidade lesiva, os conceitos específicos dos objetos materiais sobre os quais recaem as condutas, e a concorrência dos crime entre si e a necessidade de se evitar dupla incriminação, e a atenção especial para a competência.
25. REFERÊNCIAS
MASSON, C. Direito Penal: parte especial arts. 213 a 359-A. Juspodivm. São Paulo, 2018.
ROCCO. A. Monografia L’oggeto del reato e della tutela giuridica penale. Roma, 1932. Vol. 1, pág. 595.
GRECO, R. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Vol. 3.Impetus. Niterói, 2018.
BITTENCOURT. C.R. Tratado de Direito Penal. Vol. 4. Saraiva. Rio de Janeiro, 2017.
NUCCI. G. de S. Código Penal Comentado. Editora Gen Jurídico. São Paulo, 2017.
MIRABETE, J. F. Manual de Direiro Penal, Vol. 3. 34ª Edição. Editora Gen Jurídico. São Paulo. 2019
BRASIL. Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Poder Executivo, 1940.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988
Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Assessor de juiz. Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, David Ferreira. Dos crimes contra a fé pública: normativa legal, doutrina, jurisprudência e análise crítica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2023, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63447/dos-crimes-contra-a-f-pblica-normativa-legal-doutrina-jurisprudncia-e-anlise-crtica. Acesso em: 23 dez 2024.
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