Resumo: O presente artigo faz uma incursão na fase processual mais enigmática do processo brasileiro, buscando descortinar os caminhos legais e jurisprudenciais que levam à efetividade da execução. Para isso, serão analisados tanto os mecanismos tecnológicos mais modernos, como as ferramentas digitais de investigação patrimonial, quanto a expropriação tradicional, com a penhora de máquinas, veículos e imóveis, que ainda constituem os principais mecanismos de satisfação do título executivo no âmbito trabalhista.
Palavras-chaves: Execução forçada; Penhora; caminhos processuais; entendimentos jurisprudenciais atuais; manejo da legislação.
Abstract: This article makes an incursion into the most enigmatic procedural phase of the Brazilian process, seeking to uncover the legal and jurisprudential paths that lead to the effectiveness of the execution. For this, both the most modern technological mechanisms will be analyzed, such as digital tools for heritage investigation, as well as traditional expropriation, with the attachment of machines, vehicles and real estate, which still constitute the main mechanisms of satisfaction of the enforceable title in the labor field.
keywords: Forced execution; Garnishment; procedural paths; current jurisprudential understandings; legislation management.
Sumário: Introdução. A Penhora Como Pedra de Toque da Teoria Geral da Execução. A Visão Doutrinária Sobre Técnicas Executivas. Principais Aspectos Jurisprudenciais na Execução Trabalhista. Negócios Jurídicos Atípicos nos Atos Expropriatórios. A Execução Trabalhista nas Relações Desportivas. Conclusão. Referências.
Introdução
A figura da esfinge existiu em diversos povos antigos. A esfinge no Egito era uma guardiã espiritual. Já a esfinge persa tinha significado diverso. Esfinge é um termo grego, existindo artefatos que remontam ao século VII a.C. Na mitologia grega, a esfinge trouxe destruição a Tebas, até que Édipo resolveu seu enigma. O ser mitológico então lançou-se ao precipício.
A comparação da execução com o enigma da esfinge se justifica. Afinal, apesar de receber em tempo hábil uma folha de papel com seu direito transcrito, o credor dificilmente o terá concretizado. Na Justiça do Trabalho, tradicionalmente, a ineficácia na execução é de cerca de 70%. Somados aos processos com baixa temporária ou definitiva, em decorrência da prescrição intercorrente, a execução frutífera se torna uma exceção. Poucos processos em que há recalcitrância do executado resultam em um cumprimento forçado exitoso.
Acerca da fase de execução, os levantamentos estatísticos do CNJ (Justiça em Números 2022, pág. 216) apontam que:
“a fase de conhecimento, na qual o juiz tem de vencer a postulação das partes e a dilação probatória para chegar à sentença, é mais célere que a fase de execução, que não envolve atividade de cognição, mas somente de concretização do direito reconhecido na sentença ou no título extrajudicial. Porém, esse tempo pode ser prejudicado pelas dificuldades na execução e constrição patrimonial que ocorre nessa fase. Para receber uma sentença, o processo leva, desde a data de ingresso, aproximadamente o triplo de tempo na fase de execução (3 anos e 11 meses) comparada à fase de conhecimento (1 ano e 3 meses). Esse dado é coerente com o observado na taxa de congestionamento, 85% na fase de execução e 68% na fase de conhecimento. A Justiça do Trabalho e a Justiça Federal se destacam por possuir tempo médio de tramitação na fase de conhecimento inferior a um ano, sendo 9 meses entre os Tribunais Regionais do Trabalho e 10 meses entre os Regionais Federais. Na execução, ao contrário, o maior tempo médio está na Justiça Federal, 6 anos e 4 meses, seguido da Justiça Estadual: 4 anos. Os dados, assim, revelam agilidade na fase de conhecimento, mas dificuldades na fase executória”.
Não se desconhece que muitos negócios no Brasil são encerrados precocemente. Segundo os levantamentos do Ministério da Fazenda, Sebrae e IBGE, a taxa de mortalidade das empresas nos primeiros dois anos de funcionamento é de cerca de 60%. Nesse cálculo não se pode considerar apenas as baixas na SRF, já que muitas empresas encerram fisicamente suas atividades, mas demoram para regularizar sua situação nos órgãos oficiais, em parte, porque os donos têm a esperança de reativar seus negócios em um futuro próximo. Nada obstante o princípio da alteridade, previsto no art. 2º da CLT, essa conjuntura econômica impacta na execução forçada.
Mas há outras questões. Sabe-se que o Brasil possui um desenvolvimento desigual, com algumas regiões ostentando elevado PIB per capita, em comparação com outras regiões menos desenvolvidas. No entanto, mesmo em regiões mais ricas, os gargalos da execução se mantêm. Fala-se que há uma cultura do calote que vigora no país de norte a sul, que também afeta as relações de trabalho. O calote é diferente da inadimplência. Esta advém de condições instáveis do devedor, como o infortúnio. Aquele advém da conduta voluntária de não honrar as dívidas, com a única finalidade de locupletamento.
No Brasil, a inadimplência dos consumidores é atrelada a juros altos, inflação, desemprego, falta de educação financeira e consumismo. Cerca de 70 milhões de pessoas no país estão inadimplentes. Contribui para este quadro o calote dos salários pelo empregador, que gera o infortúnio ao empregado, que por conta disso se torna inadimplente no comércio.
Sobre a cultura no Brasil de locupletamento à custa de terceiros, discorremos no livro “Neuroimputação: a culpabilidade à luz da neurociência” (editora Dince, 2023, pp. 240):
“Sérgio Buarque de Holanda falava do homem cordial, um artifício psicológico e comportamental, que se deixava levar pelas emoções nas interações sociais. No Brasil, era comum a prática da ‘Lei de Gérson’. Gérson era um jogador da seleção brasileira, campeão do mundo em 1970. Em uma propaganda de cigarros, ele utilizou a expressão do futebol ‘levar vantagem’, que significa chegar na frente. No entanto, a expressão acabou sendo associada à malícia pela mídia da época, sendo incorporada com igual sentido pelo senso popular.”
Há um conhecido ditado popular no Brasil que diz que “o mundo é dos espertos”, que levam vantagem sobre terceiros. Os gargalos da execução estão ligados em grande medida a essa cultura, como a prática disseminada de blindagem patrimonial. Para contornar esse cenário, é necessário desvendar os enigmas que cercam a execução, sob pena de ser por ela devorado em atos infindáveis sem utilidade, levando o processo à ruína. Para isso, é preciso manejar adequadamente a legislação e os entendimentos jurisprudenciais mais recentes de forma a atingir o escopo da execução.
A Penhora Como Pedra de Toque da Teoria Geral da Execução
No âmbito de uma teoria geral, a execução se divide em duas modalidades: a execução direta por sub-rogação, que pode ser por expropriação, desapossamento ou transformação; e a execução indireta por coerção, que pode ser pessoal (prisão civil) ou patrimonial (multa).
A penhora é o principal instrumento da execução por sub-rogação expropriativa, que é o rito da execução por quantia certa contra devedor solvente. Ela se qualifica como um ato premonitório, que afeta o bem, a fim de sujeitá-lo aos fins da execução. Visa segregar bens do devedor, não importando de imediato a perda da posse ou do domínio. Consiste em um vínculo processual que afeta os bens à execução. Qualquer ato de disposição do bem penhorado será ineficaz ao credor, podendo ainda configurar o crime do art. 179 do CP, cuja ação penal é de natureza privada. Dentre os efeitos da penhora estão a garantia do juízo, a concentração da atividade executiva sobre o bem e o direito de preferência. A sujeitabilidade, a segregação e a afetação caracterizam o ato executivo de penhora.
A penhora está estreitamente vinculada a institutos de direito processual e material, a exemplo da responsabilidade patrimonial, patrimônio, coisa e bem. A responsabilidade patrimonial é a sujeitabilidade do patrimônio do devedor às medidas executivas, e vem prevista nos arts. 391 do CC e 789 do CPC. Pode ser primária ou secundária. Por sua vez, patrimônio é o complexo de relações jurídicas de uma pessoa, com conteúdo econômico, vale dizer, mensuráveis em dinheiro. Já coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem. Por fim, bens são coisas que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econômico. Os bens estão previstos nos arts. 79 a 103 do CC, enquanto as coisas são tratadas nos arts. 1.196 a 1.510-E do CC.
Tendo o Código Civil encampado o conceito de bem como coisa suscetível de apropriação e com conteúdo econômico, será sobre ele que a penhora recairá. Ela terá como limite máximo tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios, e como limite mínimo as custas da execução, conforme expresso, respectivamente, nos arts. 831 e 836 do CPC.
Doutrinariamente, a penhora constitui o ato pelo qual se especifica o bem que irá responder concretamente por determinada execução. Sua funcionalidade reside em determinar o bem sobre o qual se realizará a expropriação e fixar sua sujeição à execução (Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil. v. IV. ed. 4. São Paulo: Malheiros, 2019. p. 577; Francesco Carnelutti. Instituições do processo civil, v. 3. São Paulo: Classic Book, 2000. p. 18, item 683).
Entende-se que a penhora tem natureza instrumental, a constituir pressuposto para os ulteriores atos executivos. Dessa maneira, a penhora não se confunde com a posterior adjudicação ou alienação do bem gravado (Araken de Assis. Manual da execução. 21. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021). Destaca-se também que a penhora não se equipara ao bloqueio e às restrições preliminares viabilizadas por meio do sistema Renajud. Tampouco se confunde com o depósito do bem, o qual é ato complementar à penhora, e não necessário à sua efetivação. Nesse sentido, entende o STJ que a mera ausência de nomeação do depositário no auto ou termo de penhora, bem como a recusa do depositário/executado em assiná-lo não invalida a penhora, conforme os seguintes precedentes: REsp 399.263/RS, 3ª Turma, DJe 24/2/2003; REsp 248.864/GO, 3ª Turma, DJe 29/9/2003; e REsp 990.502/MS, 4ª Turma, DJe 19/5/2008. Trata-se de atos diversos, ainda quando realizados concomitantemente.
O ato específico de penhora acarreta efeitos nos planos processual e material. Processualmente, conduz à individualização dos bens do patrimônio do executado; à garantia do direito de preferência (art. 797, caput, CPC/15); à conservação dos bens penhorados por meio de sua entrega a depositário (art. 383, IV); ao desencadeamento de técnicas expropriatórias (art. 825); e à viabilização do efeito suspensivo à defesa do executado (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: execução. 11º. ed. Salvador: Juspodivm, 2021. págs. 838-842). No plano material, a penhora serve à reorganização da posse em favor do depositário (art. 839 e 840, §2º, do CPC/15); ineficácia relativa dos atos de disposição (art. 804 do CPC/15); e perda relativa dos direitos de fruição (art.868 do CPC/15) (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 21. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021).
A Visão Doutrinária Sobre Técnicas Executivas
Muitos mecanismos despontaram nos últimos anos para atingir o objetivo de solver a dívida no âmbito trabalhista, tais como ferramentas tecnológicas e agilidades processuais. Como exemplos na doutrina, Ricardo Calcini, Richard Wilson Jamberg, Rafael Guimarães (Execução Trabalhista na Prática, editora Mizuno, 2ª edição, 2022, p. 1.133) discorrem sobre a formação de um consórcio de credores para a arrematação de bens em leilão judicial. A esse respeito, o Código de Processo Civil regula o concurso singular de credores no art. 908, §2º, estabelecendo a distribuição do dinheiro entre os concorrentes conforme a ordem de anterioridade da penhora.
Por sua vez, Mauro Schiavi (Execução no Processo do Trabalho, editora Juspodivm, 15ª edição, 2023, p. 485) analisa a possibilidade de arrematação parcelada dos bens no leilão judicial. O art. 895 do CPC permite essa modalidade de arrematação, e o art. 17 do Provimento GP/CR nº 07/2021 do TRT2, por exemplo, dispõe que o lance à vista terá preferência sobre o lance parcelado.
Um caso prático pode ilustrar a agilidade que essa modalidade pode trazer à execução. O TRT-MG julgou o Agravo de Petição no processo nº 0011983-21.2015.5.03.0144 em 2018, entendendo válida a arrematação de imóvel pela metade do valor e em cinco parcelas. O imóvel foi reavaliado em R$ 2,5 milhões, sendo arrematado por R$ 1,2 milhão, em cinco prestações. O tribunal entendeu que os arts. 884, 887 e 895 do CPC são compatíveis com o processo do trabalho, por força do disposto no art. 2º da IN nº 39 do TST.
Segundo Enoque Ribeiro dos Santos e Ricardo Antonio Bittar Hajel Filho (Curso de Direito Processual do Trabalho, editora Atlas, 4ª edição, 2020):
“Algumas inovações têm surgido nas penhoras efetuadas na Justiça do Trabalho. Entre elas encontramos a possibilidade de penhorabilidade de recursos repassados por ente público (art. 833, IX, do CPC) e a penhora sobre empréstimo consignado (art. 833, IV, do CPC), pois se admite a possibilidade de reserva de até 30% na penhora de salário do executado, com mais razão ainda a penhora da totalidade do produto da operação de crédito, com pagamento indireto, cujas parcelas são deduzidas diretamente da folha de pagamento.
Já Maximiliano Silveira Sabóia (Penhora à Luz do CPC, editora Memória Forense, 9ª edição, 2022, pág. 1.095) discorre sobre a restituição das sobras na arrematação. Acerca do assunto, o art. 907 do CPC dispõe que, pago ao exequente o principal, os juros, as custas e os honorários, a importância que sobrar será restituída ao executado. No entanto, na Justiça do Trabalho tem sido comum as sobras serem direcionadas para outras execuções em face do mesmo devedor, desde que tramitem no mesmo juízo ou foro. Neste último caso, com feitos em ofícios de justiça distintos (art. 150 do CPC) pertencentes a um mesmo foro, é comum a adoção do procedimento de reunião de execuções, enquanto outros aplicam o art. 860 do CPC, procedendo-se à penhora no rosto dos autos.
Percebe-se que a doutrina especializada tem se debruçado sobre as inúmeras alternativas para que a execução atinja seu escopo. No entanto, todas essas medidas têm mostrado pouco efeito prático, em parte pelo desconhecimento de seus meandros. No âmbito jurisprudencial não é diferente, sendo necessário conhecer as sinuosidades que cercam as principais medidas executivas no âmbito trabalhista, como a penhora de veículos, imóveis, máquinas e salários. Nessa discussão, destaca-se a relação entre CPC e CLT, STJ e TST, cautelas necessárias, boa-fé e costumes nos negócios. Senão, vejamos.
Principais Aspectos Jurisprudenciais na Execução Trabalhista.
No julgamento do Recurso de Revista nº 1000648-58.2018.5.02.0322 realizado em 2020, a 5ª turma do TST desconstituiu a constrição judicial de um automóvel, uma vez que o negócio jurídico pactuado foi realizado de boa-fé. Isso porque, quando o automóvel foi adquirido, conforme documento com reconhecimento de firma em cartório, não havia ainda direcionamento da sua execução ou registro da constrição do veículo. Segundo o acórdão, deve-se levar em consideração o costume social de aquisições de bens sem a devida cautela do adquirente, principalmente envolvendo pessoas de pouca ou nenhuma escolaridade, de quem não se pode exigir a adoção das cautelas recomendadas.
Já no julgamento do Recurso de Revista nº 184-97.2018.5.09.0567 realizado em 2022, a 2ª turma do TST afastou a penhora de um imóvel residencial de São Bernardo do Campo-SP, decretada em ação trabalhista. Isso porque, por ocasião da assinatura do contrato de compra e venda, não havia nenhum registro da penhora na matrícula do imóvel. A escritura não foi lavrada porque a compra teria sido parcelada, e somente depois haviam quitado o saldo devedor, como é costume nas transações imobiliárias. No entanto, o TRT2 manteve a penhora, uma vez que na data do contrato de compra e venda, a ação principal já estava em curso. Segundo o regional, se os compradores tivessem tomado as cautelas necessárias, teriam ciência de que o vendedor constava no polo passivo da ação trabalhista. No julgamento do recurso de revista, o ministro Sérgio Pinto Martins destacou que o TST adotou o entendimento da Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça, de que somente se reconhece a fraude à execução quando há registro da penhora na oportunidade da alienação do bem ou quando comprovada a má-fé do terceiro adquirente. No entanto, esses requisitos não foram observados pelo regional, que fundamentou a manutenção da penhora no fato de a ação principal já estar em tramitação.
No tocante à alegação de fraude, comum nos casos de alienação de bens, o TST entendeu no julgamento do Recurso de Revista nº 6-58.2015.5.01.0024 realizado em 2021 que, não tendo sido comprovada a má-fé do comprador nem a sua ciência de que, na época do negócio, corria ação trabalhista capaz de reduzir o devedor à insolvência, não há como presumir a fraude à execução. Segundo o acórdão, o requisito para a constatação da fraude à execução não é puramente objetivo. É necessária a análise do elemento subjetivo, qual seja, a existência de má-fé do terceiro adquirente. Conforme o relator, ministro Caputo Bastos, ainda que a venda do imóvel tenha ocorrido após o ajuizamento da ação, sem a comprovação de que o comprador tenha agido de má-fé ou tivesse conhecimento da ação na época da compra, não há como presumir a fraude à execução.
Outra questão de grande interesse prático diz respeito à copropriedade. O art. 843 do CPC, e seus parágrafos, estabelece a preferência para arrematação em favor do coproprietário ou do cônjuge do executado, na hipótese de penhora de bem indivisível – uma forma de evitar a dificuldade de alienação apenas da parte do devedor e a constituição forçada de condomínio entre o arrematante e o coproprietário ou o cônjuge. Desta forma, nas execuções judiciais, para que haja o leilão de imóvel indivisível registrado em regime de copropriedade, a penhora não pode avançar sobre a cota da parte que não é devedora no processo, cujo direito de propriedade deve ser assegurado. Estabelecida essa limitação à penhora, é permitida a alienação integral do imóvel, garantindo-se ao coproprietário não devedor as proteções previstas pelo dispositivo mencionado – como a preferência na arrematação do bem e a preservação total de seu patrimônio, caso convertido em dinheiro.
Esse entendimento foi encampado pelo STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.818.926 realizado em 2021. Segundo o acórdão, o CPC/2015 garante ao coproprietário o direito de preferência na arrematação, caso não queira perder sua propriedade mediante compensação financeira. Além disso, se não exercer essa prerrogativa, o coproprietário não devedor conserva o seu direito à liquidação de sua cota-parte no valor da avaliação do imóvel – e não mais conforme o preço obtido na alienação judicial, como ocorria no CPC/1973. O coproprietário, cônjuge ou não, deve ser oportunamente intimado da penhora e da alienação judicial, na forma dos artigos 799, 842 e 889 do CPC/2015. O ato de penhora importa individualização, apreensão e depósito dos bens do devedor; após efetivado, resulta em indisponibilidade sobre os bens afetados à execução – tratando-se, assim, de gravame imposto pela justiça com o objetivo de realizar, de forma coercitiva, o direito do credor.
Atualmente, por força do art. 843 do CPC/2015, é admitida a alienação integral do bem indivisível em qualquer hipótese de propriedade em comum, resguardando-se, ao coproprietário ou cônjuge alheio à execução, o equivalente em dinheiro da sua quota-parte no bem. Não exercendo tal direito, preserva-se hígido, ainda, o seu patrimônio, mediante a liquidação da sua quota-parte com base no valor da avaliação do imóvel (§ 2º), não mais segundo o preço obtido na alienação judicial, como ocorria no regime anterior. Deveras, conforme precedente do STJ: “essa nova disposição legal amplia a proteção de coproprietários inalcançáveis pelo procedimento executivo, assegurando-lhes a manutenção integral de seu patrimônio, ainda que monetizado” (REsp 1.728.086/MS, 3ª Turma, DJe 03/09/2019).
Acerca da razão pela escolha pela alienação total do bem, conforme a doutrina de Fernando da Fonseca Gajardoni:
“bastante reduzida seria a procura pelo bem, caso o arrematante/adjudicante só pudesse adquirir o domínio de parcela do bem, mantendo, assim, o estado de indivisão da coisa e o condomínio com terceiro não executado (o cônjuge do devedor), no mais das vezes pessoa desconhecida. Aliás, seria uma dupla perda de tempo, obrigando o credor/arrematante/adjudicante a ajuizar ação de dissolução de condomínio, justamente para se chegar naquela mesma fase processual anterior, que é a da alienação do bem em sua totalidade. Óbvio que a solução anterior era totalmente inadequada, para todos os envolvidos, inclusive com discussões sobre o uso exclusivo do bem por um em detrimento do outro. Aliás, se uma das finalidades da penhora é a alienação do bem para que o seu equivalente monetário venha a satisfazer o crédito do exequente (art. 708, I, do CPC), não havia sentido para que se impusessem óbices à efetiva transformação dos bens do devedor em dinheiro, ainda que, com isso, o cônjuge, em certas condições e preservado o direito ao recebimento de parcela de produto, fosse atingido” (Penhora e expropriação de bem indivisível: pela evolução da jurisprudência do STJ em prol da interpretação potencializada do art. 655-b do CPC. In: O papel da jurisprudência no STJ. São Paulo: RT, 2014, p. 919-934).
Por sua vez, o STJ julgou o Recurso Especial nº 2.035.515 em 2023, refutando a tese de que seria possível aplicar ao caso de alienação fiduciária, por analogia, a regra prevista no artigo 843 do Código de Processo Civil e em seus parágrafos, os quais estabelecem a preferência para arrematação em favor do coproprietário ou do cônjuge do executado, na hipótese de penhora de bem indivisível. Para a corte, a situação descrita no CPC não se aplica ao processo em discussão, pois a garantia fiduciária não representa nenhuma forma de copropriedade. Segundo o acórdão, no leilão realizado, o que ocorreu foi a transferência do crédito garantido e representado pela cédula de crédito bancário, inexistindo similitude que atraia a incidência da regra que garante o direito de preferência.
No tocante à penhora de máquinas e equipamentos, o art. 833, V, do CPC/2015 sucedeu o art. 649 do CPC/1973. Tradicionalmente, a jurisprudência entendia que as máquinas eram absolutamente impenhoráveis, havendo um alargamento para além das pessoas físicas, a fim de proteger o maquinário de pequenas e microempresas.
Como exemplo, o aresto oriundo do TRF3, na Apelação Cível nº 0020516-36.2016.4.03.9999/SP, que manteve a anulação de penhora de máquinas de uma microempresa de confecções de Pompeia/SP, em execução fiscal promovida pela Fazenda Nacional, por considerá-las essenciais à atividade da indústria. Ao julgar o recurso, a Segunda Turma do TRF3 destacou que o artigo 649, inciso VI, do Código de Processo Civil, dispõe que são absolutamente impenhoráveis os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão e a tendência jurisprudencial é no sentido de alargar o seu alcance para as microempresas, empresas de pequeno porte e firmas individuais, desde que os bens penhorados se afigurem indispensáveis ao regular exercício de suas atividades. Conforme o acórdão, o inciso V do art. 649 do CPC/1973 originariamente orientou-se no sentido de proteger a pessoa física, enquanto profissional. O microcomputador do advogado, a plaina do marceneiro e o automóvel do taxista constituem exemplos de bens impenhoráveis. Apesar disso, a jurisprudência já estendeu essa impenhorabilidade aos bens da microempresa e da empresa de pequeno porte.
No entanto, atualmente a jurisprudência passa por uma viragem, tendo os tribunais conferido maior agilidade à execução ao interpretar o art. 833, V, do CPC, com a exclusão do termo “absolutamente” do caput. Como exemplo, um recente aresto lavrado pelo TRT/MG, em Agravo de Petição no processo nº 0010226-25.2018.5.03.0002. Neste caso, a parte executada aduziu que a máquina penhorada (plotter de impressão digital, marca Roland, modelo SC-500) era indispensável para o desempenho de suas atividades (comunicação visual). Segundo o acórdão, a jurisprudência anterior era no sentido de que a norma beneficiava exclusivamente as pessoas naturais que se valiam dos bens móveis neles indicados para garantir a própria subsistência. Em razão disso, firmou-se o entendimento de que os bens da empresa estavam sujeitos à penhora sem limitações. Isso porque as sociedades empresárias exercem atividades comerciais, e não profissionais. Entretanto, no julgamento do Resp 1.114.767/SP realizado em 2016, já sob o manto do novo CPC, o STJ consolidou entendimento no sentido de que a regra de impenhorabilidade pode ser estendida aos empresários individuais e às pequenas e microempresas nas quais os sócios exercem pessoalmente as atividades inerentes ao objeto social, e desde que o bem penhorado seja imprescindível ao exercício dessas atividades. Contudo, a agravante não demonstrou, conforme lhe competia à luz das regras de distribuição do ônus probatório, que os seus sócios desempenham pessoalmente as atividades relativas ao objeto social. Assim sendo, em que pese a agravante ser qualificada como empresa de pequeno porte, bem ainda ser possível inferir que o bem penhorado seja necessário para a execução do objeto social, não há como se descurar que os requisitos para a aplicação do entendimento consagrado pelo STJ acima referido não foram integralmente comprovados pela recorrente. É dizer, inexistindo comprovação do exercício pessoal de atividades da agravante por parte de seus sócios, incabível a incidência do art. 833, V, ao caso em espeque. Por conseguinte, conclui-se que os bens que integram o patrimônio da agravante não são abarcados pelo dispositivo legal que versa acerca da impenhorabilidade de instrumento necessário ao exercício da profissão, devendo o bem penhorado ser considerado, para fins de responsabilização patrimonial da executada, bem de capital, integrante do ativo empresarial.
De seu turno, no processo nº 0010060-28.2013.5.03.0144, julgado em 2022 pelo TRT/MG, houve a manutenção da penhora do veículo do sócio da empresa executada. Segundo o acórdão, para o reconhecimento da impenhorabilidade de bens com fundamento no art. 833, V, necessária a demonstração específica da utilidade do bem à atividade profissional do executado. Em outras palavras, se o devedor comprovar que o automóvel indicado à penhora ou já penhorado é utilizado como seu instrumento de trabalho, o juiz deverá determinar a desconstituição da penhora, a suspensão da alienação ou da adjudicação do bem. Segundo magistério de Fernando Gajardoni:
“Em medida bastante simplificadora (prevista desde a Lei n.º 11.382/2006), tratando-se de imóveis e veículos – bens que constam em registros públicos –não há a necessidade de a penhora se efetivar por meio presencial, com a presença física e efetiva constrição do bem. O mesmo se verifica, por exemplo, em relação à penhora on-line de dinheiro (vide arts. 854 e ss.). Para esses dois bens mencionados no artigo, é possível que a penhora seja realizada por “termo nos autos”. Isso se aplica tanto a bens que estejam situados no local onde tramita o processo ou em qualquer outro local. Para isso, o exequente deverá apresentar a matrícula do imóvel ou certidão do departamento de trânsito quanto ao veículo, para que o escrivão, em cartório, elabore a penhora por simples termo nos autos. Após, o termo de penhora será enviado ao CRI ou Detran (sendo possível essa comunicação por meio eletrônico), para que sejam feitos os apontamentos devidos. Posteriormente à conclusão do termo de penhora, o exequente poderá pleitear a imissão na posse no imóvel penhorado ou, no caso de veículo, a busca e apreensão. Trata-se de medida que tem o condão de agilizar consideravelmente o tempo para a efetivação de penhora e que, infelizmente, ainda encontra resistência por parte de muitos cartórios judiciais. Contudo, nada impede que a penhora de imóveis e veículos seja realizada da forma usual, a saber, com a atuação presencial do oficial de justiça, e constrição e entrega do bem ao depositário. Porém, isso seguramente leva mais tempo, de modo que pode prejudicar a parte exequente, especialmente pensando na preferência que decorre da penhora”. (Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021).
Por sua vez, não se desconhece que a facilidade autorizada pela legislação pode, eventualmente, esbarrar no percalço relacionado a não localização, por período indefinido, do veículo já penhorado (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de processo civil comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Juspodivm. p. 1464).
A esse respeito, no julgamento do Recurso Especial nº 2.016.739, realizado em 2023, o STJ entendeu que é possível a penhora de veículo não localizado. Segundo o acórdão, havendo provas da existência do veículo por meio de certidão acostada aos autos, é de ser reconhecida a possibilidade de sua penhora sem condicionante. A prova da existência do veículo pode ser feita por meio de certidão do órgão de trânsito ou mesmo pela juntada de cópia do CRLV do veículo, expedido em data recente. A fotografia do veículo também constitui evidência de sua existência. No entanto, nada obstante o entendimento externado pelo STJ, deve-se atentar para a advertência do Daniel Amorim Assumpção Neves. Isso porque, um veículo penhorado com muitos anos de fabricação não pode ser avaliado por tabelas de referência, como FIPE e icarros, previstas no art. 871, IV, do CPC, necessitando de uma vistoria, indicada no art. 872 do CPC, ou mesmo uma inspeção, com uso de ultrassom e outros equipamentos. Isso é necessário para aferir possíveis imperfeições que impactam substancialmente no valor de mercado do bem, tais como parafusos diferentes sob o capô, que indicam histórico de batidas, caixa de câmbio, cabeçote do motor e desgaste dos amortecedores. Nesse sentido o precedente julgado pelo TRT2 em 2022, no processo nº 1001826-93.2016.5.02.0263, que se baseou no Ato GP/CR nº 02/2020, para veículos com mais dez anos de fabricação.
No tocante à substituição da penhora em dinheiro por outros bens, o TST julgou o ROT nº 80273-31.2020.5.22.0000 em 2023, no sentido de sua impossibilidade, ainda que em execução provisória. Segundo o acórdão, a penhora deve obedecer à ordem de preferência prevista no artigo 835 do CPC, segundo o qual o dinheiro tem preferência sobre automóveis, não se aplicando o art. 847 do CPC. Consta dos autos que a parte executada havia indicado para execução "um caminhão, composto de cavalo e carreta, correspondendo ao valor de mercado entre R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e R$ 440.000,00 (quatrocentos e quarenta mil reais)". Sobre a mencionada ofensa ao art. 805 do CPC, a interpretação mais coerente com a sistemática estabelecida pelo legislador é aquela que trata com relatividade o princípio da execução menos gravosa ao devedor, harmonizando-o com os princípios de que a execução deva ser realizada no interesse do credor, da celeridade e da economia processual. Logo, não se pode conferir ao art. 805 do CPC, que protege o patrimônio do devedor, o poder de afastar a obediência à ordem de preferência estabelecida pelo art. 835 do mesmo diploma processual. Com efeito, inviável a substituição de penhora pretendida, pois a decisão impetrada apenas fez respeitar a ordem legal estabelecida pelo art. 835 do CPC, donde a penhora sobre dinheiro prefere à de automóveis. Sob a égide do CPC/1973, prevalecia no TST o entendimento de que, em se tratando de execução provisória, fere direito líquido e certo do impetrante a determinação de penhora em dinheiro, quando nomeados outros bens à penhora, pois o executado tem direito a que a execução se processe da forma que lhe seja menos gravosa, nos termos do art. 620 do CPC (Súmula nº 417, III, do TST). Contudo, com a superveniência do CPC/2015, a gradação legal dos bens penhoráveis deve ser observada igualmente na execução provisória e na definitiva, de modo que a rejeição dos bens oferecidos à penhora não importa em ofensa a direito líquido e certo, tutelável pela via mandamental. Trata-se da inteligência da Súmula nº 417, I, do TST, já adequada ao CPC/2015.
No tocante ao bloqueio de dinheiro, em dados de 2018, a ferramenta BacenJud havia bloqueado mais de R$ 40 bilhões, segundo o Banco Central, sendo que 58% das ordens de bloqueio advieram da Justiça do Trabalho. De lá para cá, as empresas devedoras criaram artifícios para esquivar-se do bloqueio. Em muitos casos, a empresa tenta modificar a penhora, oferecendo outros bens, com a sua individualização, conforme determina o art. 847, §2º, do CPC. Isso decorre do fato de os valores bloqueados não poderem ser usados pelas empresas durante o curso da execução, forçando-as a recorrer a instituições financeiras para ter acesso a capital de giro. De igual modo, a execução de veículos é mais efetiva quando o bem é removido a depósito público, como o pátio do DETRAN, ou é entregue ao exequente sob o encargo de fiel depositário, sem aplicação do art. 840, §2º, do CPC. Nesses casos, o executado fica privado do bem durante o curso da execução, o que o força a pagar a dívida ou firmar um acordo com o exequente.
Sobre o tema, o TRT/MG julgou recurso no processo n° 0010060-28.2013.5.03.0144 em 2022, delimitando o alcance do art. 833, V, do CPC. No caso, o sócio de uma gráfica executada na Justiça do Trabalho se insurgiu contra a penhora de um automóvel, sob alegação de que o bem seria utilizado no exercício de sua profissão. Várias foram as tentativas de satisfação da dívida, como citação para pagamento, BacenJud, Renajud, mandados de penhora e inclusão do nome da empresa no Serasa. Todas infrutíferas. Foi deferida, então, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, sendo a execução redirecionada em face do sócio. Mais uma vez, foram praticados atos executórios, sem êxito. Por fim, a penhora de um automóvel foi exitosa. No recurso, o tribunal considerou que a mera juntada de cópia da CNH era incapaz de provar a impenhorabilidade do bem, chegando à conclusão de que a penhora levada a efeito não seria prejudicial ao exercício profissional do sócio/executado. Após essa decisão, foi juntada aos autos uma petição de acordo entre as partes em março de 2023. O acordo foi homologado judicialmente, mas a penhora sobre o veículo foi mantida, até o cumprimento integral e a quitação das custas, no importe de R$ 1.154,70.
No tocante à penhora de salários, pensões e aposentadorias, o CPC/2015 traz um limite de valor a partir de 50 salários mínimos como exceção. Já para poupanças e outras aplicações financeiras o limite para penhora é ligeiramente inferior, de 40 salários mínimos. Qualquer que seja a natureza da obrigação, admite-se a penhora do que exceder esses limites. Outra exceção diz respeito às obrigações de natureza alimentar. Em suma: em se tratando de prestação alimentícia de qualquer origem, podem-se penhorar as importâncias de salário e aposentadorias e a quantia depositada em caderneta de poupança, qualquer que seja o montante. Em se tratando de outras prestações, pode-se penhorar apenas o que sobejar aos limites indicados. Em ambas as situações, deve ser preservado percentual capaz de assegurar a dignidade do devedor e de sua família. Além disso, a impenhorabilidade de bens é relativizada pelo art. 834, segundo o qual podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, como juros.
A despeito da previsão do CPC/2015, o órgão especial do STJ julgou o EREsp. Nº 1.874.222 em 2023, entendendo por relativizar a impenhorabilidade do salário para pagamento de dívida não alimentar. A corte confirmou a penhora de 30% do salário do executado – em torno de R$ 8.500. A dívida objeto da execução tem origem em cheques que somam R$ 110 mil.
O julgamento do órgão especial se deu no âmbito de embargos de divergência. E a divergência entre os órgãos fracionários da corte residia em definir se a impenhorabilidade, na hipótese de dívida de natureza não alimentar, estaria condicionada apenas à garantia do mínimo necessário para a subsistência digna do devedor e de sua família ou se, além disso, deveria ser observado o limite mínimo de 50 salários mínimos recebidos pelo devedor. A corte considerou a supressão da palavra "absolutamente" no caput do artigo 833, ponderando os princípios da menor onerosidade para o devedor e da efetividade da execução para o credor. Segundo o acórdão, a fixação do limite de 50 salários mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo, além de não traduzir o verdadeiro escopo da impenhorabilidade, que é a manutenção de uma reserva digna para o sustento do devedor e de sua família. No âmbito da Justiça do Trabalho, a penhora sobre salários inferiores a 50 salários mínimos já era extensamente praticada, nada obstante ainda remanesça na doutrina o debate se as verbas trabalhistas se enquadram na exceção trazida pelo CPC/2015, ou se limita a verbas de natureza alimentar em sentido estrito, como pensões alimentícias. O entendimento externado pelo STJ reforça o primeiro argumento. Além disso, possibilita a extensão da penhora na Justiça do Trabalho para verbas de natureza não salarial, como multas sindicais, cuja execução costuma ser tortuosa, além de autuações da SRTE, débitos previdenciários e verbas indenizatórias, decorrentes de condenação por danos morais em acidentes de trabalho ou assédio.
No tocante a verbas de natureza indenizatória no âmbito trabalhista, André Araújo Molina vaticina em substancioso artigo na Revista do TRT/MG nº 104 de 2021 (págs. 72 e 86):
“Também para que haja dever de indenizar do empregador deverá haver dano, que pode ser conceituado como a lesão do conjunto de direitos e bens de que é titular uma pessoa, ofendendo interesses juridicamente protegidos. O ataque repercute sobre a vítima podendo atingir os seus interesses patrimoniais e/ou extrapatrimoniais. Na experiência nacional, as repercussões patrimoniais são conhecidas como danos materiais e as extrapatrimoniais, inicialmente, como os danos morais. Essa experiência foi recolhida pela Constituição Federal de 1988, no art. 5º, V e X, e, mais recentemente, no art. 186 do Código Civil, onde o legislador utiliza as expressões danos materiais e danos morais como representativos dos dois grandes gêneros dos danos. Especificamente no artigo 5º, V, da Constituição, o constituinte acrescenta os danos à imagem, o que levou a doutrina e a jurisprudência a reconhecer os danos estéticos como uma espécie autônoma de dano extrapatrimonial (Súmula n. 387 do STJ), bem como o art. 223-B, introduzido na CLT pela Lei n. 13.467/2017, positivou os danos existenciais. As respostas tendentes à generalização, do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que os assaltos seriam sempre tidos como um problema de segurança pública, rompendo com a obrigação de indenizar, ou do Tribunal Superior do Trabalho ao imputar, quase sempre, ao empregador a responsabilidade civil, sem avançar sobre os dados fáticos e estatísticos da situação concreta dos assaltos naquelas atividades e circunstâncias, não são soluções seguras e cientificamente adequadas.”
Acerca da penhora do bem de família, o STF julgou o Recurso Extraordinário n° 1.307.334, com repercussão geral, em 2022, por maioria de 7x4. Segundo a corrente minoritária, o bem de família do fiador de contrato de locação não residencial é impenhorável, uma vez que o direito constitucional à moradia deve prevalecer sobre os princípios da livre iniciativa e da autonomia contratual. Por outro lado, para a corrente vencedora, a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991) não fez distinção entre fiadores de locações residenciais e comerciais em relação à possibilidade da penhora do bem de família, não cabendo ao julgador criar distinção onde a lei não distinguiu. De outra forma, haveria violação do princípio da isonomia, pois o fiador de locação comercial manteria incólume seu bem de família, enquanto o de locação residencial poderia ter seu imóvel penhorado. Segundo o acórdão, o direito à moradia, inserido na Constituição Federal entre os direitos sociais, não é absoluto. Ele deve ser sopesado com a livre iniciativa do locatário em estabelecer seu empreendimento, direito fundamental também previsto na Constituição Federal (artigos 1º, inciso IV e 170, caput), e com a autonomia de vontade do fiador, que, de forma livre e espontânea, garantiu o contrato. Afinal, entre as modalidades de garantia que podem ser exigidas, como caução e seguro-fiança, a fiança é a mais usual, menos onerosa e mais aceita pelos locadores. Preponderou para o entendimento da corte as consequências e os aspectos práticos no mercado locatício.
A esse respeito, o TST julgou o Recurso de Revista n° 1265-18.2014.5.09.0019 em 2022, entendendo cabível a penhora de vagas de garagem. Estas só se qualificam como bem de família se estiverem matriculadas no registro imobiliário. Segundo o acórdão, não havia dúvidas de que as vagas não tinham matrícula própria e estavam vinculadas aos respectivos imóveis de propriedade das executadas. Assim, de acordo com a Súmula 449 do STJ, nessa circunstância, a vaga não constitui bem de família para efeito de penhora, e a jurisprudência do TST tem se firmado no mesmo sentido. No caso concreto, foram penhoradas quatro vagas de garagem vinculadas ao apartamento de uma das sócias, avaliadas em R$ 300 mil, e outras quatro vagas, mais um depósito, pertencentes ao imóvel da outra sócia, avaliados em R$ 310 mil.
Ainda sobre o tema, o TST julgou o Recurso de Revista n° 130300-69.2007.5.04.0551 em 2018, entendendo incabível a constrição de bem de família, ainda que o executado nele não resida. Segundo o acórdão, verifica-se que a sentença de origem, proferida em sede de embargos à penhora, reconheceu que no caso não há controvérsia quanto ao fato do imóvel constrito ser o único bem de propriedade do embargante. E que não descaracteriza a impenhorabilidade do bem de família, mesmo que não seja o local de residência, condizente com a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana e ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. O fato de o executado não residir unicamente no imóvel penhorado não descaracteriza a exceção mencionada, sobretudo porque segue destinado à residência da unidade familiar, mesmo que na maior parte do tempo seja utilizado unicamente por sua filha. Ademais, encontra-se expressamente consignado no acórdão regional, no voto vencido de lavra do Exmo. Relator Desembargador João Alfredo Borges Antunes de Miranda, que “no caso específico do presente processo, restou configurada a impenhorabilidade do bem de família com relação ao imóvel de matrícula 72.530, registrado no 1° Cartório de Registros de Imóveis de São Paulo/SP. A prova trazida aos autos deixa evidente que o executado arca com os custos da residência utilizada pela filha, a qual reside no local correspondente ao imóvel constrito na cidade de São Paulo, ainda que alugue imóvel na cidade de Chapecó/SC, conforme constou no auto de penhora. Nesse contexto, as premissas retratadas nos autos do processo (único imóvel de propriedade dos recorrentes), e na decisão recorrida (responsabilidade pelo pagamento de contas de telefone, gás, condomínio, luz, internet, em nome do executado), somadas ao fato, comprovado mediante a certidão do oficial de justiça, de que o imóvel é utilizado como residência pela filha dos recorrentes, são suficientes a demonstrar que o imóvel penhorado é utilizado pela unidade familiar para moradia, tratando-se, portanto, de um bem de família, impenhorável nos termos da lei”.
De outro turno, o TST julgou o Recurso de Revista n° 1850700-90.2005.5.09.0029 em 2018, entendendo por desconstituir a penhora sobre imóvel de alto valor, considerando-o um bem de família. O TRT9 manteve a penhora sobre o imóvel de matrícula nº 27.836 da 5ª CRI de Curitiba e a averbação na matrícula da reserva de R$1.000.000,00 do produto da arrematação para a aquisição de outro imóvel pelos executados, a fim de garantir-lhes o direito à moradia. O imóvel situava-se em Curitiba, tendo área total de 5.470 metros quadrados. A residência, com 1.226 metros quadrados, tinha churrasqueira e quadra esportiva. O TST aplicou ao caso o art. 5º, caput, da Lei nº 8.009/90, o qual estabelece que “para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”. Decorre do texto da lei, para caracterização do bem de família, e consequente impenhorabilidade, a exigência de que o bem indicado à penhora seja o único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. A exigência contida no art. 5º, parágrafo único, da citada lei, de inscrição do imóvel no Registro de Imóveis, constitui exceção na hipótese de o casal possuir vários imóveis utilizados como residência. Segundo o acórdão, demonstrado que o imóvel penhorado constitui-se como bem de família, nos moldes da Lei nº 8.009/90, o simples fato de ser considerado suntuoso e de elevado valor não é capaz de afastar a proteção legal da impenhorabilidade, à luz das garantias constitucionais. No caso concreto, a residência se constituía a única dos donos, e nela residiam também um filho, dois netos e quatro bisnetos.
Por outro lado, o TRT15 julgou recurso no processo n° 0001656-62.2012.5.15.0055 em 2019, desconstituindo penhora sobre bem de família. No caso, foi firmado um acordo entre as partes na ação trabalhista, estabelecendo-se o pagamento de 15 parcelas mensais de R$ 1.100 ao exequente. Por se tratar de empresa individual, foi determinada a inclusão da proprietária no polo passivo, renovando-se a requisição de penhora de valores e outras diligências para satisfação do crédito. Em seguida, procedeu-se à penhora de três lotes de terrenos urbanos, todos registrados no Cartório de Registro de Imóveis. No auto de penhora e avaliação, constou informações do Setor de Cadastro da Prefeitura de Barra Bonita de que nos terrenos havia uma área construída de 589,76 metros quadrados, além de imagens fotográficas que ilustram a construção de uma residência de entidade familiar e o respectivo quintal. As contas de água, telefone e faturas de cartão de crédito em nome da proprietária da empresa e de seu marido foram juntadas aos autos, bem como o croqui demonstrando a unificação de três imóveis de propriedade da empresária e de seu marido. Segundo o acórdão, a certidão do imóvel data de 29 de agosto de 2012, antes do ajuizamento da ação, ocorrido em 21 de novembro de 2012, o que desconfigura a má-fé da executada, à luz do disposto no art. 5° da Lei n° 8.009/1990, que assegura a impenhorabilidade de um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente. A Lei 8.009/1990 também não exige a formalização no registro de imóveis da condição de bem de família para a incidência da proteção legal de impenhorabilidade. Por fim, não restou comprovada a possibilidade de desmembramento do terreno sem prejuízo da edificação.
Outro tema bastante debatido diz respeito à responsabilidade pelos impostos, taxas e multas incidentes sobre bens leiloados, em especial sobre imóveis e veículos, sejam eles terrestres, aquáticos ou aéreos. A esse respeito, o STF afetou o Recurso Extraordinário n° 1.355.870 em 2022, para definição de tese com repercussão geral. No caso paradigma, o Estado de Minas Gerais ajuizou execução fiscal contra o Banco Pan S.A., credor fiduciário, e o devedor fiduciante, solidariamente, por débitos relativos ao IPVA. A decisão de primeira instância decretou a extinção do processo em relação ao banco, por considerá-lo parte ilegítima para figurar como corresponsável pelo pagamento do tributo. Mas, ao julgar apelação, TJMG reformou a sentença sob o fundamento de que, por força de regras da Lei Estadual nº 14.937/2003, a instituição financeira credora fiduciária ou arrendadora é responsável pelo pagamento do imposto por ser proprietária dos veículos dados em garantia de financiamento.
No recurso ao STF, o banco argumentou que a lei estadual viola o conceito de propriedade e extrapola a própria hipótese de incidência do tributo, previsto no artigo 155, inciso III, da Constituição Federal. Alegou também que, de acordo com o Código Civil, o credor fiduciário passa a ser responsável pelo pagamento de tributos apenas a partir da transmissão de propriedade plena e consequente imissão na posse. No recurso afetado, o STF analisará se a Lei estadual nº 14.937/2003 obedeceu aos limites constitucionais de competência legislativa tributária, especialmente quanto à correta atribuição do fato gerador e do responsável tributário do imposto sobre a propriedade de veículo automotor. Na decisão de afetação, o ministro Luiz Fux ressaltou a relevância social e econômica da matéria em razão do modelo de alienação fiduciária, uma das principais formas de aquisição de veículos no Brasil. Segundo ele, "a temática em análise revela potencial impacto em outros casos, tendo em vista a multiplicidade de recursos sobre essa específica questão jurídica". Apesar de a discussão girar em torno da alienação fiduciária, a tese trará implicações imediatas na seara trabalhista.
O art. 130 do CTN dispõe que no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço. No tocante a imóveis, sua aplicação é segura. Assim, se a casa foi arrematada em um leilão judicial, o IPTU já está incluso no preço. Ou seja, o juízo responsável pelo leilão deve direcionar parte do valor recebido para a quitação do tributo. Se os débitos fiscais forem maiores que o preço de arrematação, todo o valor será destinado para o pagamento da dívida, e o débito fiscal será tido por quitado quanto ao bem. Isso ocorre porque a aquisição de um bem por meio de leilão judicial tem natureza originária, excluindo qualquer vinculação com o proprietário anterior, uma vez que inexiste relação jurídica entre este e o arrematante. O art. 130 do CTN fala apenas em bens imóveis, não dizendo nada sobre os móveis. Mesmo que o CTN tenha sido omisso quanto aos veículos, no STJ há farta jurisprudência no sentido de que o mesmo raciocínio aplica-se aos bens móveis. Isto é, os débitos sub-rogam-se no respectivo preço de arrematação. Aqui inclui-se, também, as multas de trânsito e seguros obrigatórios, que devem ser zerados. Em resumo, o veículo deve ser entregue apto à transferência e utilização. No entanto, quando o edital prevê a responsabilidade do arrematante pelo pagamento, não há consenso na aplicação do dispositivo do CTN.
No âmbito trabalhista, prevalecia a interpretação literal do dispositivo. A título ilustrativo, julgando um Agravo de Petição no processo n° 01737-2005-009-03-00-3 em 2007, o TRT/MG negou provimento à pretensão recursal de um arrematante que buscava a transferência do veículo arrematado para o seu nome, independente do pagamento de qualquer ônus pendente sobre o bem. Na ocasião, o tribunal entendeu que na alienação judicial de automóvel, os ônus que pesam sobre o bem passam à responsabilidade do arrematante. Segundo o acórdão, tal obrigação assume maior relevo no caso dos autos, em que consta da Certidão de Praça/Leilão observação de que as despesas e multas do bem arrematado correrão por conta do arrematante. A decisão ressaltou que o arrematante tem pleno acesso do site do DETRAN, onde constam os débitos pendentes sobre o automóvel, e que o fato de não ter constado do edital de praça a existência de multas e outros débitos é irrelevante, já que o agravante assinou a Certidão de Praça, que continha a observação da obrigatoriedade do arrematante arcar com os ônus sobre o veículo. Assim, o agravante terá que pagar o IPVA, seguro, taxas de licenciamento e multas que incidem sobre o automóvel para que possa fazer a transferência do bem para o seu nome.
No entanto, atualmente essa interpretação jurisprudencial tem passado por uma viragem. A título ilustrativo, o TST julgou o RO nº 6626-42.2013.5.15.0000 em 2015. Neste caso, a Fazenda Pública paulista sustentava, em mandado de segurança impetrado no TRT15 a ilegalidade da decisão judicial com o argumento de que também era credora, e não poderia ser prejudicada pelo não recolhimento do tributo. Alegou ainda que o artigo 130 do CTN, segundo o qual, no caso de arrematação judicial, a sub-rogação (substituição do credor) ocorre sobre o preço, não trata de bem móvel, mas sim imóvel. Para a PGE-SP, o fato de o veículo ter sido arrematado não seria causa da exclusão do crédito tributário decorrente do IPVA, e a baixa na documentação não impediria a cobrança do imposto pelo fisco. O TST considerou correta a decisão do TRT15 que denegou o mandado de segurança. Segundo o acórdão, o comprador, ao arrematar um veículo em leilão judicial, não pode ser responsabilizado por débitos fiscais em atraso, pois o crédito da Fazenda Pública deve ser satisfeito com o valor da oferta de preço no leilão. Interpretando o artigo 130 do CTN, o TST entendeu que as regras relativas à alienação judicial de bem imóvel se aplicam, por analogia, aos bens móveis.
Nesse mesmo sentido foi o entendimento externado pelo TRT-DF/TO no julgamento de recurso no processo n° 0000837-87.2015.5.10.0111 realizado em 2019, segundo o qual o artigo 130 do CTN, que prevê que os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, poderia ser aplicado a situações que envolvam veículo automotor. No caso dos autos, houve a arrematação de uma Toyota Hilux SW4, ano/modelo 2008/2008, avaliada em 76.900,00. Referido veículo ainda garantia outras execuções que tramitavam no mesmo juízo (a decisão elencou ao menos seis processos), cuja soma ultrapassa o valor da avaliação. Após o parecer do MPT, o TRT10 destacou ainda que o art. 186 do CTN e a LRF reforçam que o crédito trabalhista tem preferência ao fiscal.
Quanto aos débitos tributários lançados após a arrematação e antes da expedição da respectiva carta, a 2ª turma do STJ julgou o AgInt no REsp n° 1.921.489-RJ em 2023, decidindo a favor do fisco. Interpretando o art. 130 do CTN, o STJ entendeu que não há afastamento da responsabilidade do arrematante quanto aos débitos de IPTU posteriores à arrematação, ainda que postergada a respectiva imissão na posse. Logo, ainda que haja demora na expedição de carta de arrematação para averbação no Registro Geral de Imóvel – RGI, quando ocorrer a sua formalização ela será considerada perfeita e os débitos fiscais deverão ser suportados pelo próprio arrematante. Em termos práticos, a decisão abre precedentes para que em casos semelhantes seja atribuída a mesma interpretação, de modo que o adquirente passe a responder pelo débito após a aquisição.
Há precedentes do STJ entendendo que, quando há previsão no edital de hasta pública, a responsabilidade pelo adimplemento dos débitos tributários que recaiam sobre o bem imóvel é do arrematante. No entanto, diante da divergência, o STJ afetou em 2022 o Recurso Especial n° 1.914.902 para definir se o arrematante de imóvel em leilão público é responsável pelos débitos tributários anteriores, em consequência de previsão no edital. No referido recurso discute-se a preclusão do direito de o Município de São Paulo exigir da arrematante créditos tributários de IPTU anteriores à arrematação, em razão da inércia daquele Município em apresentar eventuais valores devidos e requerer o levantamento a partir do produto da arrematação, apesar de devidamente intimado o ente público, no processo executivo em que se dera a arrematação. Segundo constou na decisão de afetação, no acórdão dos EDcl na ProAfR no REsp nº 1.914.902, tais questões de mérito, tidas como questões prejudiciais pela embargante, serão analisadas, oportunamente, por ocasião do julgamento do mérito do Recurso Especial afetado, sem prejuízo da tese a ser firmada. Após juntada do parecer do MPF, o recurso encontra-se atualmente concluso à relatora para julgamento. A exemplo do entendimento que emanará do STF, aqui também haverá implicações na execução trabalhista.
A penhora internacional também começa a ganhar corpo. Como exemplo, cite-se a penhora de ativos financeiros localizados nos Estados Unidos determinada pelo TJPR, por meio de cooperação jurídica internacional, para cobrança de uma dívida de R$ 100 milhões no Brasil. O tribunal determinou a penhora de quatro imóveis do executado localizados em Manhattan, em Nova Iorque.
Em 2023, o TRT/SC decidiu em recurso no processo nº 0001197-95.2015.5.12.0004 pela possibilidade de utilização do sistema Sniper na execução trabalhista. Segundo o acórdão, o objetivo do sistema é identificar possíveis vínculos patrimoniais, societários e financeiros entre pessoas físicas e jurídicas para a satisfação do montante executório, não havendo qualquer exigência para a utilização do convênio.
O Sniper foi inicialmente arquitetado para a investigação patrimonial vinculada à lavagem de dinheiro. No entanto, seu uso tem sido estendido paulatinamente para execuções patrimoniais. Trata-se de uma ferramenta digital que se soma a dezenas de outras ferramentas de pesquisa patrimonial, mas com maior potencial de êxito, por contornar alguns métodos de blindagem patrimonial corriqueiramente utilizados pelos devedores. O sistema foi desenvolvido no âmbito do programa Justiça 4.0 do CNJ, com apoio operacional das Nações Unidas (Pnud), CJF, CSJT, TSE e STJ, visando diminuir o acervo de execuções pendentes, de cerca de 40 milhões de processos. O sistema integra dados da Receita Federal, TSE, CGU, Tribunal Marítimo, CNJ, Infojud e Sisbajud, já estando integrado à Plataforma Digital do Poder Judiciário.
Esse laboratório judicial também trabalha na elaboração de sistemas de leilões, além do bloqueio de criptoativos, com acesso ao blockchain, e de financial technology (fintechs). Soma-se ao Superbid market-place, que facilita o leilão de bens penhorados e apreendidos. No entanto, para sobrepujar as modernas blindagens patrimoniais, é necessário fazer uso de recursos tecnológicos cada vez mais avançados, que impactam no direito constitucional ao sigilo. Acerca do assunto, apontamos em artigo sobre tema correlato:
“A criptografia quântica ameaça a criptografia pública – ou algoritmos assimétricos – usados para assinaturas digitais e troca de chaves. Já existem algoritmos quânticos, como o famoso algoritmo Shor, que pode quebrar os algoritmos RSA e Elliptic Curve, assim que um computador quântico estiver disponível. As grandes empresas de tecnologia anunciaram computadores com supremacia quântica para os próximos anos. O Eagle de 127 qubits ainda não representa uma revolução na área. A vantagem comercial quântica, o ponto em que um computador quântico pode resolver problemas genuinamente úteis significativamente mais rápido do que os computadores clássicos, é esperado para essa década. (https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58134/o-sigilo-absoluto-nas-mídias-digitais)”.
Outro tema de interesse diz respeito à possibilidade de penhora de animais domésticos. Afinal, algumas raças de cães e gatos podem chegar a valer até R$10 mil no mercado de pets, o suficiente para cobrir grande parte das execuções trabalhistas. Como regra, o art. 835, VII, do CPC dispõe ser possível a penhora de semoventes. Além disso, o art. 82 do Código Civil classifica os animais como bens móveis. Tradicionalmente, a doutrina trata os animais como coisas, assim como as máquinas, mas com a proibição de maus-tratos, conforme o art. 225 da CF, art. 2ª, §3º, do Decreto nº 24.645/34, Lei nº 5.197/67 (Código de Caça) e art. 32 da Lei de Crimes Ambientais, alterado pela Lei 14.064/2020. Nessa lógica, a penhora poderia recair nos animais domésticos, desde que o devedor possua mais de um, a exemplo do ocorre com a penhora de televisores.
No entanto, há uma corrente doutrinária que sustenta que os animais passaram a ser sujeitos de direitos, e não apenas objetos de direitos. No âmbito jurisprudencial, o STJ enfrentou o tema no julgamento do REsp. nº 1.944.228. Segundo o entendimento do ministro Ricardo Villas Boas Cueva, o tratamento jurídico a ser conferido aos animais evoluiu, notadamente para os animais de estimação, não podendo mais serem considerados como simples coisas. No entanto, prevaleceu no julgamento o tratamento do caso à luz do direito de propriedade.
De seu turno, o TJSP declarou em 2022 a inconstitucional a Lei Municipal nº 6.278/2022, de Catanduva, que dava desconto de IPTU para moradores que adotarem cães e gatos, na ADI 2154891-76.2022.8.26.0000. No entanto, o cerne do debate centrou-se na afronta ao art. 113 do ADCT da CF/88, que exige estimativa de impacto orçamentário e financeiro de medidas de renúncia fiscal. No Congresso Nacional tramitam projetos de criação da figura da família multiespécie, composta de cães e gatos, além do PL 53/2019, que busca proibir a penhora de animais domésticos.
Afora as medidas patrimoniais examinadas acima, a jurisprudência tem se debruçado sobre as medidas atípicas, como o bloqueio de cartões de crédito e a retenção de passaporte e CNH, inclusive a digital. A esse respeito, o STF recentemente autorizou o uso de tais medidas no julgamento da ADI 5.941. A ação foi ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores, alegando abstratamente que as medidas restringem direitos constitucionais. No entanto, o tribunal entendeu que as medidas são constitucionais, desde que concretamente respeitem os arts. 1º, 8º e 805 do CPC e os direitos fundamentais da pessoa humana. O ministro Edson Fachin foi o único vencido, mas ainda assim entendeu pela aplicação das medidas atípicas em dívidas alimentares.
A doutrina indica que essas medidas não podem estar dissociadas do perfil essencialmente patrimonial da execução, disposto no art. 789 do CPC. Desta forma, se o devedor tem uma promessa de emprego no exterior, o passaporte lhe será fundamental. De igual modo, se o devedor atua como motorista de aplicativo, a liberação da CNH será imprescindível. Nos dois casos, deve haver o comprometimento do devedor com a dívida, sob pena de nova retenção de seus documentos.
A título ilustrativo, em 2023, a 13ª Vara Cível de São Paulo determinou o bloqueio de CNH, passaporte e cartões de crédito do devedor. O juízo fundamentou a decisão nos entendimentos recentes do STF e STJ sobre o tema, entendendo que se o devedor tem condições de viajar ao exterior a lazer, deve antes quitar total ou parcialmente o débito, a indicar lealdade processual. Nesta questão também impacta a publicidade da vida privada nas mídias digitais.
Por sua vez, a SDI-2 do TST limitou a apreensão de CNH e o bloqueio de cartões de crédito no julgamento do Recurso Ordinário no processo nº 1087-82.2021.5.09.0000, realizado em 2023. Segundo o acórdão, a utilização das referidas medidas pelo magistrado deve assumir caráter excepcional ou subsidiário, apenas sendo lícita quando as vias típicas não viabilizarem a satisfação da coisa julgada. No caso concreto, a ordem de bloqueio dos cartões de crédito foi emanada na mesma decisão em que instaurada a fase de cumprimento de sentença, sem nem sequer antes se tentar as medidas executivas tradicionais Portanto, não observada, pela autoridade judicial, a indispensável adequação e a proporcionalidade na adoção da medida executiva atípica, que não deve ser empregada como mera punição dos devedores, desafia direito líquido e certo do impetrante a determinação de bloqueio de uso de cartões de crédito, ensejando a concessão integral da segurança.
As medidas atípicas se aproximam da doutrina estrangeira do contempt of court. Historicamente, no período anterior à Lei das XII Tábuas (450 a.C.), o inadimplemento era uma espécie de delito, autorizando o credor a fazer justiça pelas próprias mãos. No direito romano antigo, aplicava-se a pena Secare Partis, quando o devedor era esquartejado e suas partes eram divididas entre os credores. Houve grande progresso nesse tema, e atualmente a prisão por dívidas é rechaçado por tratados internacionais, como a Convenção Americana de Direitos Humanos e Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. No entanto, a servidão por dívidas ainda é praticada em algumas nações periféricas.
Nada obstante, há exemplos de dívidas que resultam em prisão em países desenvolvidos, tanto na tradição do commom law quanto do civil law. Em geral, a prisão por dívidas é rechaçada em termos genéricos, mas na prática, condutas fraudulentas do devedor podem levá-lo à cadeia. Nos EUA, há casos de prisão pelo não pagamento de dívidas, como nos casos de pensão alimentícia, impostos federais e desrespeito à ordem judicial, com aplicação da doutrina do contempt of court. Neste último caso se encaixam fatos recentes reportados na imprensa internacional de prisão por dívidas hospitalares e empréstimos estudantis.
Como garantia contra abusos, a Lei de Práticas Justas de Cobrança de Dívidas (FDCPA) entrou em vigor nos EUA em 30/11/2021, e prevê que o cobrador não poderá ameaçar o devedor de prisão, sob pena de assédio. Por sua vez, a lei trabalhista da Pensilvânia (WPCL) prevê na seção 11.1.(b) a prisão por até 90 dias do empregador que violar as disposições da lei sem uma justificativa de boa-fé. De seu turno, o Código do Distrito de Colúmbia prevê a penhora e o arresto no capítulo 5 (attachment and garnishment). No §16-513, o mesmo código dispõe que é ilegal o pagamento antecipado do salário para evitar a penhora sobre os rendimentos do devedor dentro de um período de seis meses, havendo presunção relativa de fraude. Essa disposição tenta evitar condutas fraudulentas, onde o empregador do devedor antecipa seu salário para evitar a incidência da penhora.
Os mandados de penhora são cumpridos pelos U.S. Marshals, que acumulam funções equivalentes a delegados de polícia e oficiais de justiça no âmbito federal, em funcionamento desde 1969.
Por sua vez, na Alemanha também é prevista a prisão por dívidas em alguns casos. Mesmo em situações onde a prisão não é diretamente aceita, condutas fraudulentas do devedor podem na prática resultar em sua detenção. A lei alemã entrou em vigor em 2013, obrigando o devedor a cooperar com a execução. Deve ele preencher um formulário de forma fidedigna com a indicação de seus bens e sua situação financeira, para a elaboração de um plano de solvência de suas dívidas, procedimento também adotado em outros países europeus, como a Noruega. Caso seja constatada fraude nesse procedimento, a lei permite a prisão do devedor.
Negócios Jurídicos Atípicos nos Atos Expropriatórios
Também importa analisar a possibilidade de negócios atípicos nos atos expropriatórios, a fim de garantir o objetivo maior de viabilizar o pagamento do credor trabalhista, contornando formalidades legais.
Quanto à sua natureza jurídica, pode-se de antemão afastar todo e qualquer entendimento de que a penhora seria um direito real de garantia. Também deve ser afastado o entendimento de que a penhora possuiria natureza cautelar. É certo que, por meio da penhora, ocorre a individuação e a indisponibilidade do bem do executado. Isto não torna a penhora uma cautelar, pois tal ato é o primeiro ato executivo. Não possui a referibilidade ou acessoriedade, típicos das cautelares. O simples fato de o bem penhorado ficar sob a proteção do Judiciário, o qual deverá, por meio do depositário, conservar o bem até que ele seja expropriado, não torna a penhora uma cautelar. (Michele Taruffo; Corrado Ferri; Luigi Paolo Comoglio. Lezioni sul processo civile, 1998, p. 349).
O art. 1.196 do CC encampou a teoria objetiva da posse, elaborada por Rudolf von Ihering. Por ela, a posse se caracteriza tão somente pelo corpus, conceito que inclui a affectio tenendi, consistente no animus de agir como se fosse o proprietário. Desta forma, não é necessária a vontade de ter a coisa para si (animus domini ou animus rem sibi habendi), estabelecida na teoria subjetiva de Savigny, para caracterizar a posse, bastando a vontade de agir como se fosse proprietário. Por sua vez, o art. 1.197 do CC prevê a mediatização da posse, consistente em seu desdobramento em posse direta e indireta, ou posse imediata e mediata. Já o art. 1.198 do CC dispõe sobre os atos de mera detenção, ou fâmulo da posse. A doutrina entende por posse própria quando é exercida com animus domini, ou vontade de ter a coisa como sua. E posse imprópria a que não possui esse animus. Nessa toada, para a teoria objetiva, determinados atos caracterizam a posse, enquanto para a teoria subjetiva, os mesmos atos consistiriam em mera tença. Como exemplo, no contrato de locação, o locatário é posseiro, exercendo a posse direta, à luz da teoria objetiva. Para a teoria subjetiva, o locatário é mero detentor do bem.
Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito Privado, Tomo 10, leciona que: “no fato jurídico stricto sensu da detenção ou tença, a irradiação de eficácia é quantitativamente e qualitativamente inferior à irradiação de eficácia do fato jurídico strito sensu da posse”. A tença ou detenção é uma posse degradada, juridicamente desqualificada. Nessas situações, o legislador entendeu que o poder fático sobre a coisa não alcança repercussão jurídica. O art. 1.208 do CC dispõe que os atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse. Assim, a tença não constitui posse por lhe faltar o animus tenendi.
O Código Civil estabelece no art. 1.228 os poderes inerentes ao direito real de propriedade. O exercício de algum desses poderes caracteriza a posse, conforme art. 1.196. O domínio importa o ius utendi, ius fruendi e ius disponendi, além do direito de reaver a coisa e o direito de sequela. De outro giro, o art. 1.267 determina que a tradição da coisa é elemento essencial para a transferência da propriedade móvel.
A penhora impõe limites ao uso e gozo da coisa penhorada. Esse efeito decorre da tutela ao mecanismo expropriatório. Enquanto a subtração, a supressão, a destruição, a dispersão e a deterioração da coisa penhorada constituem ilícito penal (art. 179 do CP), não houvesse a constrição, e em princípio, ao proprietário afigurar-se-ia lícito destruir o que é seu. Em consequência, feita a penhora, fica interditada a remoção e o transporte da coisa penhorada pelo executado e seus prepostos, salvo autorizando o juiz que o bem continue afetado à sua atividade econômica, como acontece com navios e aeronaves (art. 864).
A penhora é ato destinado, cedo ou tarde, a convolar-se num dos meios executórios previstos no art. 925, I a III, ou a desaparecer no caso de êxito da oposição do executado tendente a repelir a execução injusta ou a ilegalidade da constrição (art. 917, II, 1ª parte). A penhora não recai sobre toda e qualquer coisa, mas apenas nas coisas qualificadas como bens, conforme art. 789 do CPC. Desta forma, apenas quando o executado for efetivamente desapossado do bem é que restará caracterizada a transferência da propriedade móvel pela tradição. Já no tocante aos bens imóveis, o art. 1.245 do CC exige registro do título translativo no Registro de Imóveis, com expedição de ordem de imissão na posse, se for o caso, para a consecução da transferência.
A jurisprudência dos tribunais é farta no acolhimento de pedidos de desistência de arrematação, mesmo após a assinatura do auto, mitigando-se o teor do art. 903 do CPC. São arestos oriundos de TRTs, TRFs e TJs, em sede de recursos próprios dos incidentes da execução, julgados à luz do novo CPC. As razões para a desistência da arrematação após a assinatura do auto são diversas, porém, deve ter uma justa causa demonstrada. Conclui-se, assim, que a arrematação somente se considerará definitiva quando da remoção e entrega dos bens ao arrematante.
Desta forma, a tradição que importa transferência da propriedade se dará com a remoção e entrega dos bens arrematados ou adjudicados. O desapossamento do executado de bens corpóreos necessita ser efetiva, conferindo a propriedade alodial ao arrematante ou adjudicante, com poderes plenos inerentes ao domínio.
Neste tema, é usual o executado oferecer proposta pelos bens por ocasião do cumprimento da ordem de entrega. A prática é tão comum, que existem arrematantes especializados em leilões judiciais, buscando primordialmente negociar acordos com os executados pelos bens arrematados, sem ostentarem interesse pelos bens propriamente.
Compete ao exequente fornecer os meios para a execução. Idêntico ônus recai sobre o arrematante, conforme previsto nos editais de leilões judiciais, bem como sobre o adquirente nas alienações particulares. A proposta do executado ocorre na maioria das vezes quando os bens são removidos pela capatazia para os veículos de transporte.
O executado se vê premido pela iminente perda dos bens e oferece um valor pecuniário por eles. O acordo se assemelha a um contrato verbal de compra e venda entre arrematante e executado. O art. 481 do CC dispõe que na compra e venda o contratante se obriga a transferir o domínio de certa coisa. Como o domínio já foi transferido ao arrematante por ocasião da homologação judicial e expedição da ordem de entrega dos bens, o negócio é válido e eficaz.
O comprador-executado, ainda não despojado dos bens, exerce posse direta sobre eles. Por sua vez, o vendedor-arrematante ou adjudicante vende seu domínio sobre os bens ao executado, desistindo do desapossamento. O arrematante tornou-se proprietário dos bens por ocasião da expedição da ordem de entrega, logo, o objeto do contrato é unicamente o domínio sobre os bens.
A própria adjudicação se assemelha a um contrato de dação em pagamento, adaptado para a execução forçada. Ao contrário do Código Civil anterior, o art. 356 do CC/02 permite que a obrigação se extinga mediante a execução de uma prestação diversa, de qualquer natureza, inclusive dinheiro. Quando o adjudicante procede à remoção dos bens, já possui o domínio sobre eles, buscando complementá-lo com a posse direta. Assim, é possível ao executado comprar os bens do adjudicante, evitando sua retirada do estabelecimento.
Esse procedimento executivo, apesar de atípico, se encaixa na liberdade das formas da execução, expressa nos arts. 798, II, a, e 190, do CPC. Além disso, confere preferência à satisfação do crédito em dinheiro, conforme a ordem do art. 835 do CPC.
Em consequência da compra e venda realizada no âmbito da diligência de remoção e entrega dos bens, eles retornarão ao patrimônio do executado, podendo incidir penhoras subsequentes. A hipótese poderá configurar o concurso singular do art. 908, § 2º, do CPC. A remoção dos bens ao veículo de transporte pela capatazia, por ocasião do cumprimento da ordem de entrega, não se qualifica como tradição, uma vez que não houve efetivo desapossamento. Deveras, nessa circunstância, os bens ainda permanecem na órbita de vigilância do executado. Somente com a retirada do bem do estabelecimento executado, e seu efetivo transporte para outra localidade, é que se perfectibiliza o desapossamento, perfazendo a tradição do bem.
A jurisprudência entende que a propriedade do bem é transferida para o adjudicante ou arrematante no instante em que a ordem de entrega é expedida, com a homologação judicial. No entanto, a posse direta do bem somente se configura após seu transporte a outra localidade, quando então o arrematante poderá exercer os direitos inerentes ao domínio, tais como o de uso e fruição do bem. Estando o executado no encargo de fiel depositário, exercerá a posse direta sobre o bem, podendo usá-lo e fruí-lo, bem como reavê-lo de quem ilegitimamente o detenha. Entretanto, não poderá dispor do bem, como doá-lo, vendê-lo ou empenhá-lo. Consequentemente, com a penhora do bem e a nomeação do executado como fiel depositário, será ele despojado de um dos poderes inerentes à propriedade, a saber, o ius disponendi. Nessas circunstâncias, a posse indireta ficará com o juízo da execução, de onde emanou a ordem de penhora, ficando o executado com a posse direta. Mesmo que o ato de constrição seja cumprido em juízo diverso, a exemplo da carta precatória executiva, a posse indireta ainda restará com o juízo da execução originário, a quem caberá dispor do bem como entender devido para a satisfação do crédito.
Na arrematação, é possível que o próprio exequente utilize seus créditos na execução para oferecer lances. Nessa situação, arrematado o lote de bens e expedida a ordem de entrega, haverá convolação em adjudicação. A vantagem desse rito é permitir a adjudicação dos bens por preço não vil. Isso porque, o art. 876, § 4º, I e II, do CPC determina que a adjudicação seja efetuada pelo valor da avaliação, e o preço não vil é inferior a este, beneficiando o exequente. Por sua vez, o art. 895, I e II, do CPC estipula que a arrematação será realizada pelo valor da avaliação no primeiro leilão e por preço não vil no leilão seguinte. O preço não vil pode ser de até 50% do valor da avaliação, conforme o art. 891, parágrafo único, do CPC. Excepciona-se o imóvel de executado incapaz, cujo valor não vil é de 80% da avaliação, segundo se extrai da interpretação do art. 896 do CPC.
Assim, poderá o exequente adjudicar os bens penhorados pelo valor pago na arrematação, e não pelo valor da avaliação. A depender da disputa de lances, o valor arrematado pode ser inferior à avaliação. Evita-se, assim, uma discriminação injusta do adjudicatário. O procedimento concilia o princípio do resultado com o princípio da menor onerosidade, expressos nos arts. 836, 899 e 805 do CPC.
A Execução Trabalhista nas Relações Desportivas
Vejamos agora os meandros na execução de dívidas trabalhistas desportivas, que sobrecarregam os fóruns trabalhistas.
Sabe-se que atualmente os maiores salários no Brasil e de muitos outros países são de jogadores de futebol. Em algumas nações, essa condição é ostentada por atletas de outras modalidades, como o basquete, além da elite da classe artística. Mas no Brasil atual, são os jogadores que têm os maiores salários. No entanto, trata-se de uma realidade restrita à elite do futebol. Os litígios salariais envolvendo clubes de futebol enfrentam execuções tortuosas, resultando na penhora de rendas de jogos e até do próprio estádio do clube.
A título ilustrativo, a justiça do trabalho de Alagoas, por meio da Vara do Trabalho de Palmeira dos Índios, determinou a penhora do estádio Juca Sampaio por dívidas trabalhistas do CSE. O estádio ganhou projeção em 2019, com a classificação do CSA, o clube rival, para a primeira divisão do campeonato brasileiro, após 32 anos, com a obtenção de três acessos seguidos, da série D para a série A, um feito inédito. Com isso, os treinos do CSA nesse estádio passaram a ser cobertos pela imprensa nacional. Neste mesmo ano, as execuções trabalhistas do CSE foram objeto de acordos, que envolveram o repasse de valores de patrocínio da prefeitura municipal de Palmeira dos Índios, além de bloqueio de verbas do Fundo de Participação dos Municípios-FPM. O estádio foi avaliado em R$ 600.000,00, mas deve ser arrematado por valor bem superior em um eventual leilão judicial, tendo em vista se localizar em uma área nobre da cidade, com grande interesse imobiliário. Em 2023, o leilão do estádio foi novamente suspenso, por conta da alegação do município de se tratar de um imóvel público.
Já o estádio de Ribeirão Preto, com 35.000,00 m², em forma elíptica, foi a leilão no mês março de 2023, com lance mínimo de R$ 54,7 milhões na primeira praça. Diversos outros estádios no Brasil foram penhorados para saldar dívidas trabalhistas ou fiscais. Em geral, são estádios de clubes pequenos. Contudo, alguns grandes clubes estão com seus estádios ameaçados de penhora por dívidas, como a Arena Grêmio.
A dívida dos grandes clubes brasileiros soma mais de R$ 10 bilhões. Somente Cruzeiro e Atlético-MG devem mais de um quarto desse valor. A receita dos clubes também impacta nessa relação. O Atlético-MG, que tem a maior dívida do Brasil, de cerca de R$ 1,5 bilhão, tem uma relação dívida/receita de 2,6, enquanto Cruzeiro e Botafogo possuem dívidas sete vezes maiores que suas receitas. A esse respeito, a Lei 14.193/21 criou a Sociedade Anônima do Futebol-SAF, cujo art. 9º limita sua responsabilidade pelas dívidas do clube. A Justiça do Trabalho de Minas Gerais discutiu a aplicação desta lei nas dívidas do Cruzeiro, ora entendendo pela aplicação da responsabilidade inserta nos art. 2º, §2º e 19 da Lei da SAF, ora aplicando o disposto no art. 2º, §2º, e 448-A da CLT, reconhecendo a existência de grupo econômico por coordenação, com aplicação da responsabilidade solidária ou subsidiária entre o clube e a SAF. A esse respeito, o Atlético-MG busca um modelo de SAF para rolar sua dívida. O tema ainda pende de consolidação na jurisprudência.
Outro assunto que ganha dimensão na execução de dívidas de jogadores é a penhora de patrocínios. O TRT18 acatou a penhora de valores repassados por patrocinadores ao Campinense Clube, determinada pelo juízo de Goiânia. Mas determinou a soma dos percentuais de todos os processos, a fim de não ultrapassar o limite de 30%. De seu turno, o TJSP já acatou a penhora incidente sobre patrocínio incentivado, que envolve dedução fiscal do patrocinador, em caso envolvendo a TIM e o Botafogo Futebol e Regatas. Neste caso, o tribunal entendeu que o percentual da penhora deve recair apenas sobre os recursos próprios do patrocinador, no importe de R$ 840 mil, um sexto do valor total do patrocínio, excluindo-se da constrição os valores vinculados ao incentivo fiscal. O tema ganha projeção na dívida dos grandes clubes. Como exemplo, os Supermercados BH, patrocinador do Cruzeiro, teve um faturamento recorde em 2022, da ordem de R$ 14 bilhões, ainda bem inferior ao Carrefour, o líder do segmento, que faturou mais de R$ 100 bilhões. O patrocínio desta rede de supermercados consiste em uma operação de debêntures conversíveis no valor de R$ 100 milhões.
Já nos pequenos clubes, os jogadores com valores a receber lutam pela penhora das cotas de participação repassadas pela CBF, que são liberadas conforme o time avança nas fases de uma competição. A esse respeito, o TRT/CE decidiu por maioria o Mandado de Segurança nº 0080045-15.2016.5.07.0000 em 2016, entendendo pela possibilidade de penhora trabalhista e bloqueio para garantia do juízo, das cotas de participação e rendas dos jogos do clube. Diferentemente, os valores recebidos pelos clubes por meio de convênios com o poder público para o incentivo à educação desportiva são impenhoráveis, nos termos do art. 833, IX, primeira figura, do CPC, com reforço do art. 217, II, da CF/88 e art. 3º, I, da Lei nº 9.615/1998.
Ainda envolvendo a execução em clubes pequenos, importa destacar o tema da responsabilidade solidária do patrocinador pelas dívidas trabalhistas. O TRT/CE enfrentou o assunto no Agravo de Petição no processo n° 0010006-78.2013.5.07.0038 em 17/01/2020, entendendo não haver responsabilidade do patrocinador. No caso, houve a juntada aos autos do mandado dando prazo de 15 dias para o patrocinador do clube de futebol pagar a dívida de 13 exequentes, no importe de R$ 820 mil, ou garantir a execução, sob pena de penhora. O total do passivo trabalhista do clube é de cerca de R$ 5 milhões. No entanto, no julgamento do recurso o TRT/CE, por maioria, reformou a decisão, entendendo não haver responsabilidade do patrocinador. Segundo o voto vencido, não havia dúvidas quanto à efetiva doação conjunta efetuada pelo clube e seu patrocinador às famílias dos atletas vitimados pelo incêndio no Centro de Treinamento do Clube de Regatas Flamengo, no Rio de Janeiro, fato reconhecido pelo patrocinador na peça recursal. Mencionou ainda que a contabilidade financeira do clube de futebol, a partir do novo patrocinador, passou a ser feita pela contadora da empresa. Além disso, havia livre acesso de empregados do patrocinador, a seu mando, às instalações do clube de futebol, mormente para movimentação e transferência de móveis e colchões para um novo espaço de treinamento dos atletas, cedido pelo patrocinador, enquanto o antigo seria reformado às suas expensas. Concluiu, assim, pela existência de comando único e de coordenação entre o clube e o seu patrocinador, por meio de uma incorporação informal das atividades desportivas, o que configura a hipótese de grupo econômico prevista no artigo 2º, §2º, da CLT, e faz nascer à responsabilidade solidária. No entanto, para a corrente vencedora, expressa no voto do relator, não se pode questionar que o esforço necessário para reerguer um clube de futebol que se encontra praticamente falido não se resume apenas em injetar dinheiro na agremiação. É necessário fazer muito mais que isso. E o que se colhe dos autos é que a instituição patrocinadora também se preocupou em reorganizar a parte administrativa e financeira do clube, cedendo a sua própria contadora para executar essa tarefa, como também realizou importantes melhorias no centro de treinamento do clube para melhor preparação dos atletas. O fato de pegar alguns móveis e colchões na sede do clube para transferir para o novo centro de treinamento é muito pouco relevante para justificar uma assunção de gestão do clube a ponto de configurar a interferência administrativa justificadora do suposto grupo econômico. A atividade futebolística vai muito além de tais práticas, se estendendo desde a contratação de atletas, técnico de futebol, preparador físico, definição de estratégias de jogos, tratativas com órgãos de administração do futebol estadual e nacional, viagens, transmissão de partidas por meio de rádio e televisão, negociação de vendas de direitos de imagens etc, ou seja, um mundo de atividades que não se tem qualquer notícia de ingerência por parte da entidade patrocinadora. Os fatos apontados pelo magistrado de primeiro grau são pontuais e não justificam a responsabilização solidária da agravante por dívidas pretéritas do clube, relativo ao tempo que a mesma ainda não possuía qualquer acordo com a agremiação. Também entendo que o fato da agravante ter feito certas exigências para firmar o contrato de patrocínio com o clube não possui o condão de descaracterizar a sua natureza meramente acessória, convolando-o em verdadeira intervenção administrativa. Ora, quem em sã consciência iria transferir grandes somas de dinheiro a uma agremiação gerida por alguém em quem não se confia. Com esses argumentos, o tribunal afastou a responsabilidade solidária pelo passivo trabalhista do clube.
Conclusão
A fase de execução pode se transformar em um verdadeiro pesadelo labiríntico, trazendo desalento ao exequente que almeja receber seu crédito. Muitos avanços recentes podem contornar essa dificuldade. O princípio da inevitabilidade reza que a jurisdição somente estará completa com a concretização do direito. Para tanto, os órgãos de gestão do Poder Judiciário têm priorizado em suas metas e capacitações a fase executiva, para que o processo não vire um conto de Lewis Carrol. Tanto que nos últimos anos os valores movimentados na Justiça do Trabalho têm aumentado, ultrapassando a casa de R$ 30 bilhões por ano, com tendência de crescimento atrelado ao aumento do salário mínimo. Alguns tribunais do trabalho aumentaram em mais de 40% a movimentação de recursos em 2022. No entanto, o estoque de processos na fase de execução ainda supera o estoque das fases de conhecimento e liquidação juntas. Os tribunais têm promovido cursos de técnicas avançadas de execução, como os promovidos pelos TRTs da 2ª e 8º regiões, com exame de blindagens patrimoniais, tais como a interposição de pessoas, negócios fraudulentos e falsas estruturas societárias, além da análise de ferramentas digitais de investigação, que têm se tornado uma mera formalidade. Já se disse que a execução é uma verdadeira corrida de gato e rato, com devedores arquitetando novas formas de burlar os atos executivos, muito além da mera alteração do CNPJ ou firma social (arts. 10-A, parágrafo único, e 448-A, parágrafo único, da CLT). Nesse sentido, é premente que a comunidade jurídica conheça os atuais caminhos legais e jurisprudenciais no labirinto processual, em derredor dos principais atos constritivos, que constituem a maior parte dos mecanismos de execução no âmbito trabalhista, a fim de conferir-lhes eficácia prática.
Referências:
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Cândido Rangel Dinamarco, Instituições de direito processual civil. Volume IV. 4º edição, Malheiros, 2019.
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Maximiliano Silveira Sabóia, Penhora à Luz do CPC, editora Memória Forense, 9ª edição, 2022.
Michele Taruffo, Corrado Ferri e Luigi Paolo Comoglio. Lezioni sul processo civile, 1998.
Ricardo Calcini, Richard Wilson Jamberg, Rafael Guimarães, Execução Trabalhista na Prática, Editora Mizuno, 2ª edição, 2022.
Oficial de Justiça do TRT 7° Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, LEONARDO RODRIGUES ARRUDA. O enigma da execução: decifra-me ou te devoro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2023, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63514/o-enigma-da-execuo-decifra-me-ou-te-devoro. Acesso em: 23 dez 2024.
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