RESUMO: O presente artigo tem por escopo analisar a prova testemunhal e demonstrar a sua falibilidade. Apesar de ser o alicerce da justiça criminal brasileira, seja por fatores voluntários ou involuntários, ela é a mais questionável das provas. Será feito um panorama quanto as possíveis críticas e sugestão de algumas soluções.
Palavras-chave: Prova testemunhal. Falsas memórias. Entrevista cognitiva.
ABSTRACT: The present article has as its objective to analyze the testimony and its fallibility. Despite being the foundation of the Brazilian criminal justice, under the influence of voluntary and involuntary factors, it is the most questionable evidence. It will be made a broad approach about its critics and suggestion of some solutions.
Keywords: Witness testimony. False memories. Cognitive interview;
1 INTRODUÇÃO
A prova testemunhal, a despeito de sua fragilidade, é a base do sistema penal, sendo na esmagadora maioria dos casos, o principal fator das sentenças condenatórias ou absolutórias.[1] É, sem dúvida alguma, o meio mais antigo de prova e o mais onipresente nos delitos como um todo.
Existe, de modo geral, a exigência de sua objetividade, contudo, conforme será demonstrando, sem as devidas cautelas e reformas do instituto, tal previsão não passa de uma exigência fútil por parte do legislador, pois as lembranças não são um fenômeno de simples e fácil explicação. Variando ainda a depender se se lembra de modo espontâneo ou se de forma solicitada, e com quais palavras é feito o pedido para rememorar. Sendo assim, muitas vezes os testemunhos proferidos se encontram em absoluta disparidade com o que realmente aconteceu.[2]
De forma a ilustrar isso se pode trazer o caso de Jennifer Thompson, que ao ser estuprada, se manteve calma, e tentou memorizar o rosto do agressor. Ao escapar e conseguir ajuda, denunciou tudo a polícia e dias depois identificou Cotton como sendo o agressor, tanto por meio de foto, quanto pelo reconhecimento presencial do acusado. Tendo em vista seu inequívoco testemunho, Cotton foi condenado à prisão perpétua. Na prisão Cotton conheceu Bobby Poole, que possuía características físicas parecidas com ele e havia sido condenado pelo mesmo crime, com modus operandi similar, tendo descoberto com a ajuda de terceiros que ele era realmente o culpado.
A par dessas novas informações Cotton solicitou um novo julgamento, no qual Jennifer Thompson confrontada pessoalmente com os dois, escolheu Cotton mais uma vez. Anos mais tarde com a descoberta do DNA, Cotton foi inocentado e se descobriu que Bobby Poole era o verdadeiro perpetrador do crime, pois a amostra armazenada dos vestígios da prática delitiva confirmou o ocorrido.[3]
O sistema de justiça criminal brasileiro, em muitos casos, não possui o mesmo respeito à cadeia de custódia e o acesso a exames de DNA não é tão certeiro, assim como nem todo tipo de crime deixa vestígio.
O presente artigo traçará um esboço sobre o procedimento processual da coleta de prova testemunhal, quais as precauções tomadas atualmente contra sua contaminação e qual a forma de inquirição adotada no nosso ordenamento jurídico.
Também tratará da falibilidade do testemunho, contextualizando inúmeras problematizações, mas aprofundando sobre a questão das falsas memórias e como elas impactam os relatos.
Por fim, trar-se-ão algumas soluções apontadas pela doutrina com o intuito de maximizar a confiabilidade do testemunho e minimizar qualquer chance de condenação com base em um arcabouço probatório frágil.
2 A PROVA TESTEMUNHAL
De acordo com o doutrinador Renato Brasileiro, o conceito de testemunha é
Pessoa desinteressada e capaz de depor que, perante a autoridade judiciária, declara o que sabe acerca de fatos percebidos por seus sentidos que interessam à decisão da causa. A prova testemunhal tem como objetivo, portanto, trazer ao processo dados de conhecimento que derivam da percepção sensorial daquele que é chamado a depor no processo (LIMA, 2023, p. 675).
É fundamental que a testemunha diga a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade (La verité, Toute la verité, rien que la verité). A lógica do sistema processual penal é a confiança de que a verdade é a força motriz por detrás da sociedade, ao mentir o ser humano estaria desviando-se da sua natureza e, portanto, seria possível ao magistrado examinar e auferir com uma probabilidade aceitável se o testemunho é honesto ou falso.[4]
Fato é que, como se verá adiante, a distinção entre verdadeiro e falso é diferente da honestidade e mentira. Um testemunho falso pode ser dado com a confiança de alguém que jura estar dizendo a verdade, não havendo dúvida alguma na sua consciência de que está sendo honesta.
Retomando a análise da testemunha no processo penal, pode-se afirmar que o código processual estabelece, dentre os artigos 202 a 225, regras procedimentais quanto à tomada do testemunho em juízo. Tais previsões têm por escopo garantir a maior fidedignidade ao depoimento e permitir um juízo de certeza satisfatório ao magistrado.
Dentre as previsões que visam assegurar a higidez do relato tem-se o juramento de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado[5]; não ser permitido a uma testemunha ouvir o depoimento de outra (incomunicabilidade)[6]; não serem admitidas perguntas que induzam a resposta[7]; não ser admitido opinião pessoal, salvo quando inseparável da narrativa[8] e a retirada do réu da sala, quando esse puder influenciar a testemunha.[9]
Existem outras prerrogativas espalhadas pelo Código de Processo Penal e na legislação esparsa, mas não há pretensão de esgotar aqui todos os mecanismos movimentados pela legislação para assegurar a fidedignidade do discurso.
O Processo Penal apenas almeja atingir algum tipo de verdade dentro do seu escopo limitado, pois a verdade completa é inatingível. De acordo com Ferrajoli[10], o juiz não pode experimentar diretamente os fatos pretéritos e, portanto, apenas pode induzir o que realmente aconteceu, se trata de um mero juízo de probabilidade. A busca, sempre será, da verdade processual, dentro das regras do jogo, e não de uma verdade real, inalcançável a qualquer ser humano, por mais que se esforce.
A testemunha é um meio de prova, ou seja, um instrumento por meio do qual os elementos de prova serão introduzidos no processo. A declaração da testemunha, composta tanto pelo seu relato, quanto pela resposta às indagações feitas a si, se trataria da prova em si considerada. Sua formação ocorre no seio do processo, por meio do contraditório, e diante do controle judicial.
Tratar-se-á agora das características da prova testemunhal assim como são estabelecidas pela doutrina processualista clássica. Duas das características principais da prova testemunhal são a oralidade e a imediação, sendo, em regra, vedado depoimento por escrito[11]. É por meio da observação do discurso presencial, ou virtual, mas simultâneo, que as partes e o magistrado podem perceber a higidez e a inconsistência presente no depoimento. Outro elemento essencial, é a objetividade. Esta deve apenas informar e não opinar, por óbvio que, o subjetivismo é inerente ao testemunho e não deve ser desconsiderado. Todo testemunho também será retrospectivo, ou seja, a testemunha deporá sobre acontecimentos passados.
Em relação à inquirição em si da testemunha é importante ressaltar que não mais vigora o modelo presidencialista, no qual o magistrado iniciava as perguntas e as partes apenas podiam dirigir-se às testemunhas por intermédio deste. A partir de 2008, o juiz perdeu o protagonismo, agora as partes quem diretamente questionam e, apenas ao final, pode o juiz perguntar quanto a pontos que mereçam esclarecimento.
Foi adotado em nosso ordenamento o cross examination, com forte influência norte-americana, o qual é caracterizado, principalmente, pelo fato que cada uma das partes possui autonomia para questionar a testemunha, sem a necessidade de mediação judicial, que serve apenas para tolher excessos e abusos.[12]
Essa mudança reforçou o paradigma acusatório e fortaleceu as bases constitucionais de um processo penal democrático. A função do juiz não deve ser perseguir a verdade ou combater a impunidade, mas garantir que o advogado e o Ministério Público respeitem as regras legalmente impostas e que o processo chegue ao seu fim, hígido e livre de máculas.
O trâmite processual da elaboração da prova testemunhal passou por inúmeros avanços, mas ainda insuficientes. A importância desse meio probatório é inigualável e a função do presente artigo não é propugnar sua extirpação, mas expor sua falibilidade e sugerir alguns melhoramentos.
3 FRAGILIDADE DO TESTEMUNHO
O testemunho jamais será perfeito, afinal o todo é demais para nós e, além disso, também somos incapazes de professar o pouco que experienciamos de maneira exata, pois as palavras são incapazes de traduzir a realidade que experienciamos[13].
Existem outras explicações que não filosóficas para a falibilidade do testemunho, podemos cientificamente delimitar a memória como um complexo processo no qual retemos aquilo que percebemos, para no futuro retomar o que se encontra dentro do cérebro. Tudo isso envolve inúmeros processos biológicos, os quais não se limitam à visão, mas envolvem todos os sentidos.[14]
Complementando o exposto afirma Ávila
Antes de tudo, os canais sensoriais trabalham de forma seletiva, pois o aparato perceptivo possui capacidade limitada, eis que, exposto a estímulos simultâneos, acaba por captar aqueles a respeito dos quais está acostumado (em um mesmo contexto, os guardas de trânsito e os pedestres observam coisas distintas) e também dependerá do estado emotivo da pessoa. Além disso, a imagem mental irá se converter em palavra, de mesmo conteúdo mental, ou seja, irá variar, de acordo com a habilidade do narrador (são raras e cansativas as descrições consideradas adequadas) e, ainda, quando o discurso não fluir como deve, a figura do interrogador será fundamental (ÁVILA, 2013, p. 51).
Outros pensadores estabeleceram teorias que explicam os equívocos na memória, dentre eles podemos falar da pesquisa de Munstenberg, um psicólogo social alemão do início do século XX, que explica que o cérebro não retém todos os detalhes daquilo que se vê e com o passar do tempo vai preenchendo os vazios com os valores e experiências de cada um. Desse modo, geralmente, as lembranças não refletem de forma irretocável aquilo que se vivencia.[15]
Sendo assim, mesmo os relatos mais coesos e honestos ainda sofrem com a incapacidade de retenção inerente à condição humana. Existem muitos fatores que afetam como se processam os acontecimentos do cotidiano, tais quais nervosismo, estresse, ângulos, variações hormonais e infindáveis outros que garantem o funcionamento do cérebro, mas que também asseguram que a memorização de algo nada se assemelhe a um vídeo capturado por uma câmera.
A memória não funciona como microfilmes, ou qualquer tipo de cópia, pois isto geraria problema de armazenamento ao longo da vida. Todas as vezes que se lembra de algo, cria-se um evento, que apesar de semelhante ao que ocorreu, não pode ser tido como uma fotocópia deste.[16]
Como bem explica Loftus,
as memórias das pessoas não são a somatória de tudo que fizeram, mas são mais que isso: as memórias são a somatória do que as pessoas pensam, do que a elas é dito, do que elas acreditam. Nós somos moldados pelas nossas memórias, mas nossas memórias também são moldadas por quem somos e por aquilo que fomos levados a acreditar (LOFTUS, 2003, p. 872).
Além disso, um dos principais fatores para a fragilidade do testemunho é a existência das falsas memórias, que nada mais são do que memórias deformadas da realidade e que o dono acredita serem verdadeiras. Podem ser totais ou parciais, alterando eventos que de fato ocorreram ou criando eventos que nunca existiram fora da mente do autor.
O maior problema é que essas falsas memórias geralmente existem em algum grau, em todas as recordações e são facilmente implantadas através de sugestões, comentários aleatórios ou, até mesmo, quando nada acontece.[17]
Existem inúmeros experimentos realizados para testar o quão fidedigno são os relatos de testemunhas oculares. Dentre eles, podemos citar o de Lippmann (apud, Ávila) que realizou um experimento para testar a capacidade da audiência de reter os detalhes de um evento e o fez no melhor local possível, um congresso de cientistas, pessoas as quais estão não apenas acostumadas a observar fenômenos, mas a quem é usualmente atribuído possuir uma excelente memória. O experimento consistia no seguinte: um palhaço entrava correndo dentro de um auditório perseguido por uma pessoa negra com um revólver na mão, em seguida eles se engalfinhavam e caem no chão, um disparo ocorre e eles saem do auditório.
Do início ao fim do acontecimento não se passa mais que 20 segundos. Em seguida todos os presentes recebem uma folha de papel em branco e escrevem um relato do que ocorreu. De acordo com o experimento, a distribuição do resultado se deu nestes termos: 10 eram fantasiosos (longe da verdade), 24 eram duvidosos (possuíam algumas características reais e outras imaginadas) e apenas 6 tinham um valor probatório forte, pois retratavam fielmente o que aconteceu.[18]
Há um estudo realizado por Loftus sobre o foco e a credibilidade das testemunhas na presença de armas de fogo. De acordo com os testes empíricos conduzidos nos crimes em que há a presença de algum tipo de armamento, a fidedignidade das testemunhas em identificar os suspeitos diminui sobremaneira, pois, em tese, o elemento estranho e de caráter mortal acaba por atrair a atenção de tal forma daqueles que presenciam o fato que estes são incapazes de assimilar os arredores de maneira confiável (LOFTUS; LOFTUS; MESSO, 1987, p. 57-62).
Foram também realizados estudos nos quais as pessoas foram expostas a encenações criminosas, sendo que imediatamente após presenciarem o falso delito eram indagadas, com uma linha de suspeitos, a escolherem quem elas tinham visto realizar o crime. Mais da metade escolhiam alguém, apesar de nenhum dos suspeitos ter sido o autor da encenação em questão. Indicando a tendência das testemunhas de dar alguma resposta, pois dela se espera confiança e resolutividade, não a incerteza que acompanha nossa memória.[19]
Tratando mais concretamente das falsas memórias, Elizabeth Loftus, já citada e a maior teórica do assunto, demonstrou por meio de experimentos que conduziu que não é complicado alterar memórias que cada um possui, e que às vezes, pode-se até embutir memórias completamente inventadas. Já foram realizados mais de 200 experiências, em torno de 20 mil pessoas, a respeito do tema. Inclusive tendo presenciado bizarros casos da vida real, como, por exemplo, o de Nadean Cool que foi convencida por seu psiquiatra que havia sido abusada por seus pais e participado de um culto satânico, no qual havia comido bebês, quando nada disso havia acontecido na vida real.[20]
O maior problema deste tipo de memória é que sua identificação não é possível, a não ser que haja a possibilidade de confrontar o testemunho com alguma prova irrefutável, tais como vídeo ou DNA. A quantidade de detalhes, a certeza, a emoção ou ausência dela, assim como quaisquer outros fatores associados à verdade não servem para aferir a veracidade de uma falsa memória, pois o seu autor crê estar sendo honesto. [21]
Tendo em vista a fragilidade do processo de construção das lembranças, verifica-se a consequência que cada vez se torna mais difícil de contornar: a influência da mídia e das redes sociais na construção de fatos investigados.
É notório o conhecimento que, basicamente, não existe operação policial que não possua matéria em algum jornal, seja a nível municipal, estadual ou nacional e as testemunhas do caso sempre serão bombardeadas com versões do que ocorreu.
As matérias jornalísticas e as redes sociais compartilharão versões, fotografias, reconstruirão o que ocorreu e entrevistarão testemunhas, assim como policiais e delegados, tudo com o intuito de criar um retrato fiel do ocorrido, mas causando como efeito dominó uma alteração na mente daqueles que presenciaram o crime. A testemunha isenta dessa influência seria uma raridade sem igual na contemporaneidade.
4 SUGESTÕES DE SOLUÇÕES
A prova testemunhal deve ser valorada com cuidado, não podendo ser endeusada e exigindo uma condução com a devida cautela, além de sempre ser cotejada com as demais provas colhidas. Não basta haver o contentamento com o fácil, é imperioso o comprometimento do sistema de justiça em buscar, dentro da legalidade e dos limites do possível, a verdade.
De maneira a melhorar a colheita de prova sugere-se como mudanças básicas, que a prova seja colhida antes que decorra muito tempo entre o fato e o depoimento; a adoção de técnicas de interrogatório e a entrevista cognitiva, permitindo a obtenção de informações qualitativa e quantitativamente superiores às das formas atuais de inquirição, que são altamente sugestivas; gravação dos testemunhos realizados na fase do inquérito, principalmente os realizados por assistente sociais e psicólogos, de forma que o juiz possa ter acesso a um completo registro da entrevista.[22]
Tendo em vista os limites do artigo, aprofundaremos apenas na entrevista cognitiva, explicando sua história e bases metodológicas. A técnica foi desenvolvida por Geiselman e Fisher, em 1984. O objetivo é recuperar a memória por meio de princípios mnemônicos e cognitivos, dinâmicas sociais e em elementos de comunicação.[23]
Em 1992, eles formularam a entrevista cognitiva melhorada, que incentiva a flexibilização no caso concreto, mas traça cinco etapas estruturais passíveis de adaptação a diversas situações que serviriam de guia para assegurar um melhor relato. [24]
Em um primeiro momento, cabe àquele que conduz a entrevista estabelecer um ambiente agradável e livre de stress, tentando criar um bom relacionamento com a testemunha. Deve ser cordial e evitar um tom de voz agressivo ou de superioridade, explicando os deveres do depoente. Pode aclimatar o interrogado fazendo perguntas sobre amenidades com tons abertos, além de ressaltar seu papel fulcral para o deslinde da questão.
Cabe ao entrevistador reforçar que a testemunha, ao narrar o ocorrido, deve falar tudo o que sabe, além de não interromper o seu discurso, limitando-se a realizar indagações vagas, quando absolutamente necessárias. Esta transferência de controle, permitirá um relato mais completo e abundante em detalhes, ressaltando que esta deve relatar até o que considerar trivial ou contraditório. Deve haver incentivo para que seja honesta e não relate o que não presenciou, além de que quando ouça algum tipo de equívoco por parte do entrevistador (seja no conteúdo de uma pergunta ou na fase de resumo), sinta-se à vontade para corrigir.
Antes da narrativa ser iniciada deve o entrevistador instruir a testemunha a recriar mentalmente o contexto no qual experienciou os fatos, tanto externos quanto internos, abarcando o máximo de sentidos possíveis e o cenário emocional no qual se encontrava. [25]
Na etapa das questões complementares, caso reste alguma dúvida, pode o entrevistador realizar perguntas abertas com o intuito de esclarecer pontos que tenham remanescido obscuros. Tais indagações devem ser de cunho aberto, evitando a todo custo realizar perguntas de respostas fechadas; sugestivas ou confirmatórias. Sempre partindo do amplo para o específico, assim como do mais importante para o menos relevante.
Na fase das recuperações múltiplas e variadas o entrevistador pode se utilizar de técnicas mnemônicas que buscam ativar novas formas de rememorar o relatado. Por exemplo, pode pedir que realize uma mudança de ordem na narrativa (do começo para o fim ou do menos para o mais importante), especial relevância nos casos de testemunhas que vivenciam muitas experiências semelhantes (como policiais).
Na etapa do resumo, deve o entrevistador elaborar um sumário da narrativa, se utilizando ao máximo das palavras da testemunha, que poderá corrigir os erros, omissões ou acrescentar novas lembranças. Após, deve encerrar a entrevista, mantendo a cordialidade e se dispondo a esclarecer quaisquer dúvidas.[26]
Esse método, apesar de imperfeito, gera relatos substancialmente mais fidedignos que as inquirições usuais realizadas pelo sistema de justiça, seja em sede de inquérito policial ou em audiências judiciais. Existem pesquisas que afirmam haver uma melhora de mais de 50% na acuidade e riqueza dos detalhes prestados seguindo essa forma de entrevista. [27]
5 CONCLUSÃO
É importante frisar que não se pode cogitar a extirpação da prova testemunhal do ordenamento jurídico, não apenas ela é a base de inúmeras condenações, como em muitos casos apenas as testemunhas presenciaram os crimes e não existem outras provas possíveis.
As medidas aqui propostas e críticas realizadas visam reforçar o instituto e garantir que este possa seguir no Direito pátrio, com uma reforçada confiabilidade. Óbvio que é impossível qualquer reforma resolver o funcionamento biológico do ser humano, não há como nossa memória se tornar perfeita e sempre existirão falhas nos testemunhos. A bem da verdade, sempre existirão falhas em todas as provas.
O ato de julgar e condenar pessoas é uma tarefa árdua e que nunca será exercida com base na verdade real e absoluta, sendo que sempre existirão casos limítrofes e erros cometidos. Tudo que se pode fazer é tratar o Direito Penal como um dique de contenção da sanha punitiva, seguindo os dizeres de Zaffaroni[28], de forma que asseguremos o maior respeito possível às garantias processuais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE, Pedro; BULL, Ray; PAULO, Rui. A entrevista cognitiva melhorada: pressupostos teóricos, investigação e aplicação. Revista Psicologia, v. 28, n. 02, p. 21-30, 2014, p. 23.
AMBROSIO, Graziella. Psicologia do testemunho: técnicas de entrevista cognitiva. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 46, p. 31-51, jan./jun. 2015.
ÁVILA, Gustavo Noronha de. “Falsas” Memórias e Processo Penal: (Re) discutindo o Papel da Testemunha. 12ª Edição. São Paulo: Zahar, 2015, p. 5-6.
ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas Memórias e Sistema Penal: a Prova Testemunhal em Xeque. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2013, p. 51.
BULL, Ray; FISHER, Ronald; MILNE, Rebecca. Interviewing Cooperative Witnesses. Current Directions in Psychological Science, v. 20, n. 1, p. 16-19, 2011, p. 17.
FEIX, Leandro da Fonte; PERGHER, Giovanni Kuckartz. Memória em Julgamento: técnicas de entrevista para minimizar as falsas memórias. In: STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas Memórias: Fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre: Artmed, 2010. Disponível em: <htttps://books.google.com.br/books?id=Zge17ZVgvLkC&pg=PA26&lpg=PA26&dq=#v=onepag&q&f=false>. Acesso em: 10 ago. 2023.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 42 e ss.
G.L. Wells. “What do we know about eyewitness identification”. American Psychologist, n.48, mai1993, p. 53-71.
IZQUIERDO, Iván. Memória. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. Disponível em: <https://docero.com.br/doc/e150se>. Acesso em: 10 ago. 2023.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 12. ed. Rev., atual. E ampl. – São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.
LOFTUS, Elizabeth. Make-Believe Memories. American Psychologist, v. 58, n. 11, p. 864-873, 2003, p. 872.
LOFTUS, E. F. (1997, September). Creating false memories. Scientific American, 277, (3), 70-75.
LOFTUS, Elizabeth F.; LOFTUS, Geoffrey R.; MESSO, Jane. Some facts about “Weapon Focus”. Law and Human Behavior, v. 11, n. 01, p. 55-62, 1987, p. 57-62.
LOPES JR, Aury; DI GESU, Cristina Carla. Falsas Memórias e Prova Testemunhal no Processo Penal: Em Busca da Redução de Danos. Revista de Estudos Criminais. Abr./Jun. de 2007, p. 67.
LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 12ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 463.
MALATESTA. A Lógica das Provas em Matéria Criminal. São Paulo: Saraiva, 1960, Vol. II.
MLODINOW, Leonardo. Subliminar-Como o inconsciente influencia nossas vidas. 12ª Edição. São Paulo: Zahar, 2015, p. 64-67.
MÜSTENBERG, Hugo. On the Witness Stand: Essays on Psychology and Crime. Edição online. 1908. Disponível em: <file:///C:/Users/estel/Downloads/Material%20para%20artigo/ps000149.pdf.>. Acesso em: 15 ago. 2022.
NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. Seleção de textos de Gerard Lebrun. Tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho. Posfácio de Antônio Cândido. -3. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1993, p. 47.
[1] LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 12ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 463.
[2] Idem. Página 477.
[3] Este caso assim como outros são utilizados pelo projeto social norte-americano “The innocence Project”, que ajuda pessoas que sofreram falsas condenações a conseguirem absolvição e revisão dos seus casos, pois nem sempre as mesmas provas e o mesmo aparato são disponibilizados à defesa e à acusação. Disponível em: <https://innocenceproject.org/cases/ronald-cotton/>. Acesso em: 2 nov 2023.
[4] MALATESTA. A lógica das provas em matéria criminal, Saraiva, São Paulo, 1960, vol. II.
[5] Art. 203 do Código de Processo Penal: A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua credibilidade
[6] Art. 210 do Código de Processo Penal: As testemunhas serão inquiridas cada uma de per si, de modo que umas não saibam nem ouçam os depoimentos das outras, devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho.
[7] Art. 212 do Código de Processo Penal: As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
[8] Art. 213 do Código de Processo Penal: O juiz não permitirá que a testemunha manifeste suas apreciações pessoais, salvo quando inseparáveis da narrativa do fato.
[9] Art. 217 do Código de Processo Penal: Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor
[10] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 42 e ss.
[11] Art. 204 do CPP. Há exceções como o art. 221
[12] Importante ressaltar, inclusive, a novidade trazida pela lei Mariana Ferrer que visa a tolher a vitimização secundária causada pelo questionamento ofensivo a vítimas de crimes sexuais, ainda que praticados por advogados em busca da verdade e no exercício de defesa, sendo papel do magistrado tolher tais condutas, sob pena de responsabilização.
[13] NIETZSCHE, Friedrich. Obras incompletas. Seleção de textos de Gerard Lebrun; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho; posfácio de Antônio Cândido. -3. Ed. São Paulo: Abril Cultural, 1993, p.47.
[14] IZQUIERDO, Iván. Memória. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011, p. 21-22.
[15] Müstenberg, Hugo. On the Witness Stand: Essays on Psychology and Crime. Edição online. 1908. Disponível em: <file:///C:/Users/estel/Downloads/Material%20para%20artigo/ps000149.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2022.
[16] IZQUIERDO, Iván. Memória. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. Disponível em: <https://docero.com.br/doc/e150se>. Acesso em: 15 ago. 2022.
[17] ÁVILA, Gustavo Noronha de. Falsas Memórias e Sistema Penal: a Prova Testemunhal em Xeque. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Iuris, 2013, p. 51
[18] ÁVILA, Gustavo Noronha de. “Falsas” Memórias e Processo Penal: (Re)discutindo o Papel da Testemunha . 12ª Edição. São Paulo: Zahar, 2015, p. 5-6.
[19] G.L. Wells, “What do we know about eyewitness identification”, American Psychologist, n.48, mai1993, p. 553-71.
[20] LOFTUS, E. F. (1997, September). Creating false memories. Scientific American, 277, (3), p. 70-75.
[21] LOFTUS, Elizabeth F. Make-Believe Memories. American Psychologist, v. 58, n. 11, p. 864-873, 2003, p. 871.
[22] LOPES JR, Aury; DI GESU, Cristina Carla. Falsas Memórias e Prova Testemunhal no Processo Penal: Em Busca da Redução de Danos. Revista de Estudos Criminais. Abr./Jun. de 2007, p. 67.
[23] BULL, Ray et al. The Cognitive Interview: A Meta-Analysis. Psychology Crime and Law, v. 5, p. 03-27, jan. 1999, p. 04.
[24] ALBUQUERQUE, Pedro; BULL, Ray; PAULO, Rui. A entrevista cognitiva melhorada: pressupostos teóricos, investigação e aplicação. Revista Psicologia, v. 28, n. 02, p. 21-30, 2014, p. 23.
[25] FEIX, Leandro; PERGHER, Giovanni. Memória em julgamento: técnicas de entrevista para minimizar as falsas memórias. In: STEIN, Lilian Milnitsky et al. Falsas memórias: fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas. Porto Alegre: Artmed, 2010, p. 217, (e-book).
[26] AMBROSIO, Graziella. Psicologia do testemunho: técnicas de entrevista cognitiva. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, n. 46, p. 31-51, jan./jun. 2015.
[27] BULL, Ray; FISHER, Ronald; MILNE, Rebecca. Interviewing Cooperative Witnesses. Current Directions in Psychological Science, v. 20, n. 1, p. 16-19, 2011, p. 17.
[28]ZAFFARONI, Eugenio Raúl et al. Derecho penal. Parte General. Buenos Aires: Ediar, 2000.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Faculdade FAVENI.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, João Paulo de Moura. Prova testemunhal: críticas e soluções Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2023, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63733/prova-testemunhal-crticas-e-solues. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Precisa estar logado para fazer comentários.