RESUMO: A finalidade do presente artigo é analisar a inserção do feminicídio no sistema penal brasileiro como circunstância qualificadora. Mesmo com determinados avanços, o feminicídio ainda é um assunto pouco estudado devido ao pensamento individualista e preconceituoso da sociedade com o papel que a mulher exerce. Tem-se como objetivo geral apresentar discussões referentes à introdução da qualificadora do feminicídio, realizando uma análise acerca do poder punitivo do Estado frente a repressão contra a violência de gênero. Infelizmente, homens e mulheres são criados em um ambiente machista que influenciam diretamente no comportamento em seus relacionamentos futuros. Percebeu-se que existiriam conquistas na desconstrução do patriarcado e na busca de igualdade de direitos, contudo ainda falta muito para conseguir um patamar de igualdade. A Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio, de acordo com dados do Mapa da Violência não tem mostrado eficácia desde que entraram em vigor, demonstrando déficit em suas práticas.
Palavras-chave: Feminicídio. Machismo. Código Penal. Qualificadora.
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze the inclusion of feminicide in the Brazilian penal system as a qualifying circumstance. Even with certain advances, feminicide is still a subject little studied due to society's individualistic and prejudiced thinking regarding the role that women play. The general objective is to present discussions regarding the introduction of the feminicide qualification, carrying out an analysis of the punitive power of the State in the face of repression against gender-based violence. Unfortunately, men and women are raised in a sexist environment that directly influences their behavior in their future relationships. It was realized that there would be achievements in deconstructing patriarchy and in the search for equal rights, however there is still a long way to go to achieve a level of equality. The Maria da Penha Law and the Feminicide Law, of According to data from the Violence Map, it has not shown effectiveness since they came into force vigor, demonstrating a deficit in their practices.
Keywords: Work. Femicide. Male chauvinism. Criminal Code. Qualifier.
1 INTRODUÇÃO
A violência de gênero tem muitas definições, mas de modo geral, se define como qualquer tipo de agressão física, psicológica, sexual ou simbólica contra alguém em situação de vulnerabilidade devido a sua identidade de gênero ou orientação sexual. Em contrapartida, o feminicídio é o homicídio qualificado, desde que a vítima do crime seja do sexo feminino e a prática do delito se dê em razão de a vítima ser mulher ou em decorrência de violência doméstica, sendo estas suas características qualificadoras.
Em relação as qualificadoras, são elementos previstos em um crime específico, que o enquadra em um tipo penal mais grave. São analisadas na primeira fase do cálculo da pena e podem eventualmente sofrer incidência de agravantes, atenuantes ou até causas de aumento de pena.
Desse modo, a recente criação da qualificadora feminicidio constitui resposta aos altimissimos índices da prática de tal conduta e é assunto ainda muito atual no nosso cotidiano, bem como a eficácia da existencia e fiscalização do crime. Essa triste realidade das vítimas do referido crime, motivaram a presente pesquisa.
A problemática da pesquisa se concentra em demonstrar como a discriminação da mulher corrobora para a perpetuação da realidade feminicida e, ainda, se é o direito penal o instrumento correto para o combate a tal comportamento.
Assim, o estudo tem como objetivo analisar o feminicidio como instituto juridico, bem como analisar se o direito penal deve ser utilizado como instrumento de combate a condutas feminicidas e genericamente violentas.
A difusão de informações e esclarecimentos do mencionado tema é de extrema importancia no âmbito social e contrubui diretamente na conscientização e educação acerca do assunto, visto que a ausencia destas implica a criação de um ambiente propício à disseminação de condutas criminosas como essa e similares.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 INFLUENCIA DO CONTEXTO SÓCIO HISTÓRICO
No Brasil, o feminicídio ainda é um tema bastante restrito devido à sociedade machista e patriarcal (em que vivemos e somos construídos), ficando limitado o acesso às informações importantes de como e por que ocorre, onde se pode procurar ajuda e em quais tipos de relacionamentos aumenta-se a propensão de se materializar essa atrocidade e ainda os meios de prevenção, já que se trata de uma morte evitável.
Outrossim, nos últimos anos, tal assunto tem conquistado um maior espaço em discussões e medidas de proteção, visto o numero de mulheres assassinadas no Brasil ter aumentado de forma alarmante, tornando-se uma questão de saúde e segurança pública.
Os fatores que contribuem para a morte das mulheres são diversos, entre os quais, princípios socioculturais, machismo extremo, estrutura familiar, afetividade, condições socioeconômicas, acesso à informação e à educação, tipo de relacionamento vivenciado pelas pessoas, diferença de força física entre o homem e a mulher.
Os primeiros discursos acerca da superioridade masculina descendem da Grécia Clássica, quando Aristóteles (Geração dos Animais, II, 3,737 a, 1961) defendia a ideia da diferenciação natural dos sexos, em que a submissão feminina decorreria da sua inferioridade natural, sendo, portanto, justa e vantajosa, visto ser resultado da vontade da própria natureza. Defendia que a mulher, por sua própria natureza, era imperfeita e falha, e que o nascimento de um ser do sexo feminino traduzia um fracasso da natureza, chegando a sustentar que a “fêmea é um macho mutilado” (Geração dos Animais, II,3,737 a, 1961).
Em suas obras, Aristóteles asseverou que a mulher era um individuo passional e desprovida de racionalidade, enquanto o homem era o ser racional, sendo, assim, ideal que possuísse a superioridade no comando, já que o racional deve comandar o irracional por natureza e, qualquer modificação na cadeia hierárquica seria prejudicial a todos os envolvidos. Em sua obra Política (2010), o filósofo chega a comparar a relação homem versus mulher com a relação homem versus escravo, que, além de natural, demonstra o instinto de sobrevivência e autopreservação humana por parte da mulher e do escravo, e o respeito a tais hierarquias construiria o bem comum e uma vida justa e feliz para todos.
Não bastasse isso, os filósofos iluministas do século XVIII, dentre eles Jean-Jacques Rousseau, defensor da igualdade entre os seres humanos, corroboraram para a gama de discursos normatizadores da inferioridade feminina. Em sua teoria, Rousseau esbarra em sérias contradições, quando, ao mencionar a mulher, assevera que a subordinação feminina é, além de natural, totalmente justificável e deveras necessária (CARVALHO, 2006, p. 75), chegando a propor um projeto educacional amplamente preconceituoso e repressivo para meninas, em sua obra Émile ou de l’éducation, para que fossem doutrinadas e preparadas para serem companheiras ideais para os homens. Nesse sentido, considera:
[...] toda a educação das mulheres deve ser relativa ao homem. Serem úteis, serem agradáveis a eles e honradas, educa-los jovens, cuidar deles grandes, aconselhá-los, consolá-los, tornar-lhes a vida mais agradável e doce, eis os deveres das mulheres de todos os tempos, e o que lhes devemos ensinar já na sua infância. (ROUSSEAU, 1992, p. 433).
Assim, apoiado na ideia de desigualdade natural, Rosseau definiu as funções e os deveres especificos de cada um dos sexos e defendeu que a educação deve ter o objetivo de preparar o menino e a menina para assumirem seus papeis prórprios na sociedade.
Somente na contemporaneidade é possível enxergar a contradição no que diz respeito ao determinismo biológico como pressuposto das relações abstratas. É quando os movimentos sociais adeptos do feminismo começaram a demonstrar que a premissa de dominação do homem sobre a mulher é resultado de uma construção social e ideológica. A nova perspectiva de análise da questão faz emergir, no estudo das ciências sociais, duas novas categorias: o sexo e o gênero.
2.2 DEFINIÇÃO DE FEMINICIDIO
O termo “feminicídio” surgiu em 1970 e compreende-se tal expressão como um agrupamento de crimes (estupro, espancamento, mutilação, perseguição, etc.) que resultam na morte de pessoas na condição de mulher. Tal delito pode ser cometido tanto por um homem qualquer ou um parceiro/ex-parceiro da vítima, como também por parentes dentro do ambiente familiar. Muitas dessas mortes podem, em muitos casos, ser evitadas, pois geralmente são precedidas de sinais e ameaças (Rodrigues, 2016).
Bandeira (2013) descreve o feminicídio como o ato final de violências (abuso psicológico, físico, entre outros) preexistentes em determinado ambiente, as quais são praticadas com o propósito de reprimir e controlar as mulheres. Fazendo com que se reproduza o padrão cultural aprendido durante as gerações, em que o homem dita as regras e à mulher cabe obedecê-las.
Partindo dessas condições mencionadas, Segato (2006) e Romero (2014) definem quatro espécies de feminicídio:
· Feminicídio íntimo, em que o homicida mantinha ou manteve com a vítima relacionamento íntimo ou familiar;
· Feminicídio sexual, ocorre nos casos em que a vítima não possui ligação qualquer com o agressor, mas sua morte foi precedida de violência sexual, no caso de estupro seguido de morte;
· Feminicídio corporativo/feminicídio de segundo estado, por sua vez, dar-se-á em casos de vingança ou disciplinamento, através do crime organizado, como se verifica no tráfico internacional de seres humanos;
· Feminicídio infantil, aquele imputado às crianças e adolescentes do sexo feminino através de maus-tratos dos familiares ou das pessoas que têm o dever legal de protegê-las.
Entre as quatro classes de feminicídio mencionadas, a ocorrência mais comum se dá no feminicídio íntimo, em que o crime geralmente é cometido pelo companheiro/ex-companheiro da vítima advindo de uma série de outras violências (psicológica, verbal, sexual).
Segundo Schraiber e Oliveira (1999) e Rede Nacional Feminista de Saúde (2002), a evolução e o agravamento dos atos violentos interferem diretamente na qualidade de vida da mulher, ocasionando decréscimo da autoestima, do processo de aprendizagem e dos vínculos interpessoais. Ou seja, a vítima passa a não mais enxergar sua própria individualidade no relacionamento, visto não ter mais energia para tal, devido às agressões e ao sentimento de inferioridade, passando a anular-se em prol de seu parceiro.
2.2.1 RELACIONAMENTO ABUSIVO
Segundo Barreto (2015), “relação abusiva é aquela em que predomina o excesso de poder sobre o outro. É o “desejo” de controlar o parceiro, de “tê-lo para si”. Esse comportamento, geralmente, inicia de modo sutil e aos poucos ultrapassa os limites causando sofrimento e mal-estar. É difícil definir quando um relacionamento é abusivo, porém, os principais indicativos de uma pessoa abusiva são: ciúme e posse exagerados; controle sob as decisões e ações do parceiro; querer isolar o parceiro até mesmo do convívio com amigos e familiares; ser violento verbalmente e/ou fisicamente; e pressionar ou obrigar o parceiro a ter relações sexuais.
Em uma pesquisa realizada por Wood (2014) com 22 agressores conjugais, concluiu-se que a violência praticada contra a mulher se dá como uma forma de dominá-la e estabelecer o controle sobre ela, mantendo assim sua masculinidade intacta. Nesse mesmo estudo, o autor percebe uma visão patriarcal de masculinidade, na qual os homens apontam que devem sempre estar no comando dos relacionamentos.
Basta observar um pouco mais atentamente ao redor que será possível notar várias pessoas próximas inseridas nesse tipo de relacionamento hoje em dia. Contudo, há uma tendência de julgar como um comportamento normal e de amor. Segundo Machado (2000), na violência entre homens e mulheres o núcleo de significação parece ser da articulação do controlar, do ter, do perder e o de não suportar que as mulheres desejem algo além deles. Esse núcleo de significação parece ser um desafio, a rivalidade, a disputa entre aqueles que enquanto homens se pensam de certa forma iguais entre si e superiores às mulheres na comparação entre os gêneros, o masculino mata incomensuravelmente mais. O feminino é morto em nome do masculino.
Pode-se observar como o papel de controlador está enraizado no homem, gerando medo obsessivo da perda. O relacionamento começa de forma serena, com o passar do tempo ele começa a enxergar as situações de maneira destorcida, como por exemplo, se a mulher sair com algum (a) amigo (a), o mesmo subentende que por trás disso está o desejo de trair ou trocá-lo por outra pessoa, e então passa a impor meios de exercer controle sob sua parceira impedindo-a de ir a lugares sem sua companhia ou até mesmo de sair com determinadas pessoas, com a justificativa de que a ama e de que quer protege-la de algo.
Diante disso, a cultura e a falta de estruturação familiar colaboram em suma para que a mulher aceite essa condição como algo normal e protetor. E quando ela não o questiona sobre tal comportamento e não lhe impõe limites, (afinal nem ela sabe que tal atitude precisa urgentemente de uma linha demarcadora) seu companheiro tende a tornar-se cada vez mais dominador e coercivo. As violências se tonificam, vão criando formas maiores, transitando de psicológicas para verbais, físicas e vão piorando cada vez mais.
3 A INCLUSÃO DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NO CÓDIGO PENAL
Nos dias atuais, são reconhecidos cinco tipos de violência doméstica. Ao mencionar sobre este assunto, a primeira coisa que nos remete, é a agressão física. Contudo, existem outras formas que também configuram violência e que constam em nosso ordenamento jurídico. (ALBUQUERQUE, 2019).
A Lei nº 14.188, de 29 de julho de 2021, incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra mulher. Trata-se do artigo 147–B do Código Penal. Tal modalidade de violência já era prevista na Lei Maria da Penha (LMP), mas ainda não havia sido detalhadamente tipificada.
É importante frizar também, que das cinco modalidades de violências previstas na Lei Maria da Penha contra a população feminina, não era descrito com clareza a modalidade violência psicológica.
Na ausencia de um tipo penal que datalhasse com segurança a conduta do acusado, as Varas de Violência Doméstica (VD) muitas vezes nao logravam exito ao tentar aplicar essa modalidade de “ataques psicológicos” nos casos das desavenças entre casais. Assim, extremamente importante a providência de, finalmente, definir o crime, sem mais delongas.
A nova norma teve origem no Projeto de Lei nº 741/2021, sugerido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e apresentado pela Deputada Margarete Coelho (PP-PI). No Senado, a relatora da matéria foi a Senadora Rose de Freitas (MDB-ES).
Além da tipificação detalhada da conduta, o texto também prevê o programa “Sinal Vermelho”, que é um “X” pintado em vermelho na palma da mão da mulher ameaçada. Esse sinal é uma denúncia de que aquela pessoa está em perigo e precisa de socorro urgente.
A violência psicológica pode se dar em ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz e insultos. No entanto, na LMP, já havia previsão de cinco formas de violência contra a mulher, a saber: violência física, violência psicológica, violência sexual, violência patrimonial e violência moral.
Violência Física: é qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. Inclui uso da força, desde socos, tapas, pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras até condutas caracterizadoras de crimes como o homicídio, aborto, lesão corporal, deixando ou não marcas aparentes (FARAH, 2004, p. 140).
Violência Psicológica: a violência psicológica pode ser entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”. Tão ou mais grave que a violência física, a psicológica se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima para se valer de um prazer em ver a mulher amedrontada, inferiorizada e diminuída (DIAS, 2007, p. 26). Camargo (2000, p. 36) afirma que: Um tipo comum de Agressão Emocional é a que se dá sob a autoria dos comportamentos histéricos, cujo objetivo é mobilizar emocionalmente o outro para satisfazer a necessidade de atenção, carinho e de importância. A intenção do(a) agressor(a) histérico(a) é mobilizar outros membros da família, tendo como cuidado, compreensão e tolerância.
Violência Psicológica e Sexual: A violência psicológica e sexual pode ser entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar , a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição , mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (DIAS, 2007, p. 17).
Violência Patrimonial: no que tange à violência patrimonial, esta pode ser qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Podem ser aqui enquadrados casos em que a mulher, por medo, coagida ou induzida a erro, transfere bens ao agressor. O exemplo do ocorrido com a própria Maria da Penha, foi caracterizado a premeditação do ato, pelo fato do seu agressor, dias antes da primeira tentativa de assassinato ter tentado convencê-la a celebrar um seguro de vida, do qual ele seria o beneficiário. Sem falar, que, cinco dias antes da agressão, ela assinara, em branco, um recibo de venda de veículo de sua propriedade, a pedido do marido (CUNHA , 2007, p. 87).
Violência Moral: a violência moral, pode ser entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Ou seja, são as hipóteses de crimes contra a honra tipificada no Código Penal: calúnia (imputar à vítima a prática de determinado fato criminoso sabidamente falso), difamação (imputar à vítima a prática de determinado fato desonroso) ou injúria (atribuir à vítima qualidades negativas). A Lei Maria da Penha veio inovar quando enquadrou no rol das violências contra a mulher a violência moral e patrimonial. Nada mais justo da peculiaridade em que se encontra essa relação no que diz respeito à dependência financeira e econômica, além dos comuns insultos e maus tratos verbais a que é submetida à vítima, de forma íntima ou até, muitas vezes, pública.
Quanto melhor esclarecidas ficarem essas modalidades, mais eficaz será a atuação da Justiça e do Ministério Público na proteção aos direitos da mulher vítima.
São sete os verbos constantes do tipo penal, agora em vigor: 1- ameaçar, que consiste na promessa de causar mal injusto e grave; 2- constranger, que significa tentar impedir de realizar algo que a lei não proíbe; 3- humilhar, que significa depreciar, rebaixar; 4- isolar, que consiste em deixar a pessoa só, sem parentes ou amigas, sem apoio; 5- manipular, que é interferir na vontade de outrem, obrigando-a a fazer o que não gostaria; 6- chantagear, que consiste em proferir ameaças perturbadoras; 7- ridicularizar, que significa submeter à zombaria; e 8- limitar o direito de ir e vir, que significa impedir a livre locomoção ou encarcerar.
Com todas essas providências, se estivéssemos em outro país que não o Brasil, poderíamos até acreditar que tudo ou quase tudo estaria solucionado, mas sabemos que não será assim. Estamos, apenas, no início da luta, muito ainda falta realizar.
4 NATUREZA JURÍDICA DO DISPOSITIVO
Analisando o entendimento doutrinário atual, é possível encontrar divergências acerca da natureza jurídica da qualificadora feminicídio, se objetiva ou subjetiva. Aqui, cabe destacar que, a qualificadora é denominada subjetiva quando mantém relação com a motivação do crime, e se diz objetiva quando alusiva ao meio e modo de execução do crime (RODRIGUES, 2017, p. 59)
Feita tal observação, o entendimento que parece mais coeso é o de que feminicídio se enquadra na classificação subjetiva das qualificadoras já que, o legislador se utilizou da expressão “por razões da condição do sexo feminino” e dela se extrai o termo “razões” que, por sua vez, se traduz por “justificações, motivos, pretextos”. Sobre o assunto, discorrem Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes:
O sujeito mata em razão da condição do sexo feminino. Em razão disso, ou seja, por causa disso. Seria uma qualificadora objetiva se dissesse respeito ao modo ou meio de execução do crime. A violência de gênero não é uma forma de execução do crime, sim, sua razão, seu motivo. Por isso que é subjetiva.
Entende-se, portanto, que a qualificadora não busca demonstrar o meio ou modo pelo qual o crime é praticado, mas sim sua motivação.
5 DAS PRINCIPAIS FUNÇÕES DO DIREITO PENAL
A principal finalidade vinculada ao direito penal é a proteção aos bens mais importantes e necessários à sobrevivência da sociedade. Nas palavras de Luiz Regis Prado (1999, p. 47) “o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do Direito Penal radica na proteção de bens jurídicos – essenciais ao indivíduo e à comunidade”.
Nesse sentido, o instrumento de coerção de que se valeria o direito penal para a proteção de bens, valores e interesses mais significativos da sociedade seria a cominação, aplicação e execução da pena (GRECO, 2005, p. 03).
O Direito Penal, portanto, deve proteger os bens que são tão valiosos para a sociedade que não podem ser protegidos o suficiente pelos demais ramos do Direito, como a Vida, a Honra e o Patrimônio, por exemplo. Assim, quando se considera o quão mutável é a sociedade e seus critérios de importância, caso com a passagem do tempo, tal proteção não seja mais primordial e necessária, o direito penal deve se afastar e permitir que outro ramo jurídico assuma, sem seu auxílio, o encargo de protege-los (GRECO, 2005, p. 04).
6 DIREITO PENAL COMO INSTRUMENTO DE COMBATE AO FEMINICIDIO
O advento da Lei nº 13.104/15 trouxe consigo intenso debate para o meio jurídico, entre aqueles que aprovavam a inovação legislativa e aqueles que a condenavam e, nesta segunda hipótese, o faziam por considerar a norma um reflexo do simbolismo penal, que “consiste no uso do Direito penal para acalmar a ira da população em momentos de alta demanda por mais penas, mais cadeias, etc.” (GOMES, 2006, p. 24).
Sempre que o legislador recorre à edição de leis para responder ao clamor social pela redução da criminalidade, estamos diante do simbolismo penal. Com tal fundamento, parte da doutrina insiste em afirmar que a qualificadora feminicídio serve apenas para estimular o exercício do direito penal simbólico e cria a ideia errônea de que antes da mudança os homicídios de mulheres em razão de gênero não eram tipificados, quando na verdade a qualificadora do motivo torpe já exerceria essa função.
Entretanto, é preciso considerar que os argumentos utilizados por essa parcela da doutrina ignoram o quão grave, brutal e essencialmente desigual é a violência de gênero, cujo fim trágico é o feminicídio. Além do que, inviabiliza o reconhecimento das múltiplas formas pelas quais os crimes feminicidas são praticados, tais como: tortura, privação da liberdade e violência sexual (RODRIGUES, 2017, p. 67).
Lado outro, conforme Bruno Gilaberte e Marcus Montez (2015) ensinam, não era unanimidade entre os doutrinadores penais que o feminicídio estaria enquadrado na qualificadora do motivo torpe, pelo que, haver uma qualificadora específica para a situação evita “qualquer interpretação tendente a extirpar o feminicídio da seara do §2º” (GILABERTE; MONTEZ, 2015). Além disso, se o feminicídio já seria considerado homicídio qualificado, que mal pode haver em especificar uma possibilidade que já era abarcada por interpretações do diploma penal?
Segundo essa lógica, não há que se falar em violação ao princípio da intervenção mínima, como muitos sustentam, pois não teria sido criado novo dispositivo penal, apenas se especificou hipótese já existente. Com esse entendimento, aduz Barbara Yllan (2011, p. 197):
Não usar o Direito Penal para estes delitos resultaria absurdo. Não nos equivoquemos, estamos falando de violência contra as mulheres. Não morreram. As mataram. Quando se estabelecem as agravantes do homicídio ou do homicídio qualificado, é para sancionar não quem as matou, senão como as mataram. É a lógica do mundo penal para poder estabelecer as qualificações. A partir deste ponto de vista se faz necessário um tipo penal que qualifique como estão matando estas mulheres e em que condições – que não são as mesmas que contém o homicídio qualificado. Quando falamos da perda da vida o conceito de uma intervenção mínima do Direito Penal é inadmissível. O direito é uma ferramenta de defesa para as mulheres.
É função do direito penal proteger o bem jurídico mais valioso a disposição humana, a vida, e se especificar com o fim de melhorar a proteção desejada, é tão somente a única possibilidade aceitável.
Em relação às demais críticas levantadas em desfavor da qualificadora, é importante observar que, a criação do dispositivo sancionador não garante a prevenção da prática do crime, tampouco sua punição. A reforma legislativa deve ser apenas um dos instrumentos de combate à violência de gênero, e não a única. A criação de políticas públicas e criminais de enfrentamento da causa, aliadas à correta aplicação do dispositivo legal podem gerar impactos consideráveis nas taxas de violência de gênero e feminicídio existentes atualmente. Nesse seguimento (RODRIGUES, 2017, p. 70):
O Direito é incapaz de criar realidades: a realidade está posta. Infelizmente, muitas destas realidades são produtoras e reprodutoras de violência e opressão. Ao optar por conferir-lhes um tratamento jurídico-penal, as instâncias de poder deste país demonstram que estas não podem mais ser toleradas ou aceitas. Aí está o sentido em propor um termo jurídico-penal para identificar a violência fatal que atinge as mulheres brasileiras: reconhecer um sofrimento intolerável e ressaltar a importância de seu reconhecimento nos espaços mais conservadores da sociedade.
Ao tipificar o feminicídio, o Estado brasileiro demonstra não estar alheio a uma problemática tão enraizada e naturalizada e, ainda assim, tão carregada de torpeza.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, buscou-se averiguar os fatores sócio-históricos que contribuem para que um relacionamento chegue a se tornar abusivo, tendo o feminicídio como desfecho. Observou-se que há vários fatores que contribuem para o relacionamento abusivo. Entre eles, a formação e o contexto em que tanto o abusador quanto a vítima foram criados. Um exemplo é a cultura patriarcal, o fato de a mulher crescer em um ambiente em que a figura materna é extremamente submissa à figura paterna. Esse fator pode fazer com que essa mulher leve isso para sua vida adulta, correndo sérios riscos de vivenciar isso em seus relacionamentos amorosos.
Historicamente, os papéis impostos às mulheres e aos homens reforçados pelo sistema patriarcal, a educação diferenciada para homens e mulheres e, além da ideologia de uma sociedade machista induzem a relações violentas entre os sexos. Assim, verificou-se a importância de voltar-se para o cenário masculino com o intuito principal de mostrar a importância de uma reformulação de sua conduta social, no contexto do século XXI, no qual a relação de poder desigual decorrente do sistema de desigualdade de gêneros modificou-se substancialmente com a independência feminina.
Legalmente foram criadas a Lei Maria da Penha para prevenir o feminicídio e outras formas de violências e a Lei do Feminicídio para punir o feminicida. Entretanto o amparo esperado pela aplicação dessas leis é falho, uma vez que a sua eficácia depende da institucionalização de vários serviços protetivos, que não se efetivam.
Concluiu-se que há a necessidade de o Estado criar políticas públicas de prevenção e conscientização que tenham como foco a conduta dos agressores, objetivando a tomada de consciência de seus atos. Tais políticas podem ser compostas pela ampliação dos grupos reflexivos, palestras e dinâmicas no ambiente de trabalho com agressores e não agressores. Outra proposta é buscar uma abordagem da temática de violência nas escolas com as crianças, por meio de práticas que coloquem meninos e meninas em convívio, ensinando, pela vivência, o respeito e a igualdade nos papeis sociais, contribuindo para a reformulação de uma sociedade patriarcal para uma sociedade com igualdade de direitos.
Além disso, é importante destacar a dificuldade para uma mulher conseguir sair sozinha de um relacionamento abusivo, por consequência de fatores sociais, pessoais, bem como dependência financeira e dependência emocional, status social, vergonha e medo de ser julgada entre outros. São fatores que para a mulher tem um grande peso tornando sua saída deste relacionamento extremamente penoso. Nesse aspecto, os achados desta pesquisa são coerentes com Paiva (1999) que destaca ainda ser a intervenção e o auxílio da família do agressor cruciais no combate às violências.
Outro ponto é a necessidade de a mulher ser escutada sem preconceitos e julgamentos. O papel do psicólogo é essencial nesse aspecto, propiciando o acolhimento, auxiliando a vítima no processo de amadurecimento emocional, além de trabalhar aspectos de empoderamento, independência afetiva, diferença entre comportamentos saudáveis e não saudáveis, entre outros. Ao agressor é imprescindível a assistência para uma tomada de consciência do quanto seus atos impulsivos geram danos e prejuízos para o sistema familiar, para si mesmo e toda a sociedade. E a partir disso, traçar estratégias de mudanças de atitudes visando ao bem-estar de todos os envolvidos.
Com este estudo, não se espera esgotar o tema de investigação, mas aguçar, despertando o interesse por futuras investigações, para que possa se construir uma profilaxia. Por fim, discorreu-se acerca das funções imputadas ao Direito Penal, dentre as quais, a principal delas: a proteção ao bem jurídico mais importante do indivíduo, a vida.
No exercício de tal função, se verificou a necessidade de que houvesse um instituto que penalizasse o assassinato de mulheres em razão de seu gênero, tanto para sancionar os autores do crime e prevenir seu cometimento, quanto para desmistificar a naturalização da violência contra a mulher e a vitimização dos agressores. Assim, sugere-se outros estudos sobre o papel do psicólogo e os objetivos da intervenção desse profissional nos casos de violência contra a mulher.
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graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Jales (UNILAGES)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PASQUINI, SANDRA MARIA DE LIMA. Direito penal como instrumento de combate ao feminicídio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2023, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64037/direito-penal-como-instrumento-de-combate-ao-feminicdio. Acesso em: 23 dez 2024.
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