RESUMO: Muitas ações rescisórias correm na Justiça do Trabalho ao fundamento de nulidade processual do acórdão que se visa rescindir, sob alegação de ausência de citação daqueles que poderiam ser, eventualmente, atingidos pelos efeitos da decisão proferida em ação coletiva. O presente artigo visa discorrer acerca da desnecessidade de formação de litisconsórcio passivo multidudinário em Ação Civil Pública, ação voltada à defesa de direitos e interesses difusos e coletivos. Busca defender, especificamente em relação aos sujeitos que possam vir, futuramente, a ser alcançados pelos efeitos do provimento judicial a ser editado, a não aplicação à espécie, de normas sobre litisconsórcio e assistência previstas no Código de Processo Civil, já que a Lei da Ação Civil Pública possui disposições específicas que regulam o litisconsórcio, de modo que, em se tratando de Ação Civil Pública – processo de jurisdição coletiva – inexiste qualquer previsão legal para a admissão de litisconsórcio necessário no polo passivo da lide. Ademais, conforme pacífico entendimento da jusriprudência do Superior Tribunal do Trabalho, considerando-se que, na Ação Civil Pública, se busca a proteção de direitos difusos, transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas, não há como aplicar as normas processuais destinadas à citação em demandas de natureza individual previstas no Código de Processo Civil , sob pena de não se viabilizarem as ações coletivas.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Difusos e Coletivos. Litisconsórcio Necessário. Litisconsórcio Passivo Multidudinário. Ações Coletivas. Ação Civil Pública. Jurisdição Coletiva.
1.INTRODUÇÃO
Litisconsórcio, como é cediço, é a união de mais de uma pessoa em um dos pólos do processo quando, entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide, os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; ou ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito (artigo 46 do CPC).
Ele pode ser ativo, passivo ou misto. Ativo, quando duas ou mais pessoas dividem a titularidade da ação. Passivo, quando mais de uma pessoa oucupa a posição de requerido e misto, quando há mais de uma titularidade em ambos os pólos.
Pode também ser facultativo ou necessário. É necessário quando, segundo disposiçãp do artigo 47 do CPC, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo. Facultativo quando não existe necessidade ou imposição da lei, mas apenas vontade de litigar em conjunto.
O processo de jurisdição coletiva, que abrange a Ação Civil Pública e a Ação Coletiva, possui princípios e regramento próprios que não admitem a figura do litisconsórcio necessário no polo passivo da lide.
Sempre que a decisão judicial tiver força para atingir diretamente várias pessoas que compartilham de uma mesma situação jurídica que reúne um feixe de relações jurídicas materiais emerge o litisconsórcio passivo multitudinário.
Com efeito, a Lei da Ação Civil Pública – Lei nº 7.347/85- possui disposições específicas que regulam o litisconsórcio, em seu art. 5º, §§2º e 5º. Por outro lado, no Código de Defesa do Consumidor, que alterou a Lei nº 7.347/85 (Ação Civil Pública), existe previsão para a intervenção do litisconsorte apenas no capítulo “Das Ações Coletivas para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos”, restringindo-a também ao polo ativo da ação, nada dispondo acerca do polo passivo.
A ausência de normas regulando o litisconsórcio e assistência no polo passivo da lide no sistema processual de jurisdição coletiva, em hipótese alguma, pode ser visto como uma lacuna que autorize a aplicação subsidiária dos referidos institutos, na forma prevista no sistema processual de jurisdição individual, por serem totalmente incompatíveis com a tutela dos direitos difusos e coletivos, conforme será abaixo demostrado.
2.DESENVOLVIMENTO
Em se tratando de processo de jurisdição coletiva, como no caso da Ação Civil Pública, as regras do sistema processual de jurisdição individual contidas na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT e no Código de processo Civil - CPC têm aplicação apenas subsidiária, desde que não contrarie os princípios fundamentais do sistema de jurisdição coletiva (art. 19, da Lei da Ação Civil Pública- LACP).
Assim, não têm aplicação à espécie normas sobre litisconsórcio e assistência previstas no Código de Processo Civil, já que a Lei da Ação Civil Pública possui disposições específicas que regulam o litisconsórcio (art. 5º, §§2º e 5º):
Lei nº 7.347/85
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
(...)
2º Fica facultado ao Poder Público e a outras asso ciações legitimadas nos termos deste artigo habilitar se como litisconsorte s de qualquer das partes.
(...)
5.° Admitir se á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da U nião, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei.
Por outro lado, no Código de Defesa do Consumidor, que alterou a Lei nº 7.347/85 (Ação Civil Pública), existe previsão para a intervenção do litisconsorte apenas no capítulo “Das Ações Coletivas para a Defesa de Interesses Individuais Homogêneos”, restringindo-a também ao polo ativo da ação:
Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no proce sso como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos mei os de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.
Tem-se, dessa forma, que em se tratando de Ação Civil Pública – processo de jurisdição coletiva – não existe qualquer previsão legal para a admissão de litisconsórcio necessário no polo passivo da lide. As normas do sistema processual de jurisdição coletiva acima transcritas prevêem apenas a possibilidade de litisconsórcio facultativo e, mesmo assim, no polo ativo da ação
Ademais, não há previsão na Lei nº 7.347/85, que a disciplina, sobre a possibilidade de que as pessoas físicas ou jurídicas, eventualmente prejudicadas pela decisão a ser proferida, integrem o polo passivo na condição de litisconsortes necessários.
Assim os legitimados do artigo 82, da Lei n.º 8.078/90, podem ajuizar as ações coletivas contra o responsável pelo dano, pela transgressão de direitos difusos e coletivos, mas não contra os que puderem ser, eventualmente, atingidos pela eficácia da decisão.
Do contrário, além da própria confusão entre a natureza, objetos e próprios limites de cognição nas jurisdições coletiva e individual, haveria o próprio risco de inviabilização das ações coletivas, que poderiam, em muitos casos, restar prejudicadas pela própria pluralidade de sujeitos potencialmente afetados pela decisão judicial almejada e que poderiam, em tese, de forma difusa e desordenada, questionar a autoridade da coisa julgada coletiva.
Exigir-se a formação de litisconsórcio passivo necessário em ações civis públicas, com relação às pessoas que poderiam ser atingidas pela decisão, simplesmente inviabilizaria por completo a existência das demandas coletivas, desnaturando totalmente a sua própria razão de existência, que é justamente restabelecer a ordem jurídica violada e efetivar direitos fundamentais previstos na Constituição da República.
Como se não bastasse, acarretaria prejuízo imensurável à entrega célere e eficaz da prestação jurisdicional. É o que ensina o professor Rodolfo de Camargo Mancuso 1:
Além desse óbice de caráter técnico, há também um certo inconveniente no livre acesso de litisconsortes e de assistentes na ação civil pública: é que se pode configurar o indesejado “litisconsórcio multitudinário”, a cujo respeito escreve Cândido Rangel Dinamarco: “Mostra a experiência, ainda, que, pela via da intervenção litisconsorcial voluntária, criam-se, algumas vezes, situação insuportáveis, com um número muito grande de litisconsortes; quando disso resultar dano ao exercício pelos autores originários, ou do jus excipiendi pelo réu, ou ainda (em casos particularmente graves) ao próprio desenvolvimento da função jurisdicional pelo juiz, aí está novo óbice a impedir a intervenção, da mesma forma como é causa impeditiva do próprio litisconsórcio originário.
Analisando especificamente o cabimento do litisconsórcio passivo necessário na ação civil pública trabalhista, preleciona Marcello Ribeiro Silva2 que
(...) no lado passivo da ação civil pública “trabalhista”, são possíveis o litisconsórcio, a assistência simples e litisconsorcial. Para a formação dolitisconsórcio passivo basta que sejam dois ou mais os responsáveis pelaviolação dos direitos transindividuais decorrentes da relação laboral, comona hipótese, v.g., da contratação de trabalhadores subordinados mediantecooperativa de trabalho, com ofensa aos direitos difusos e coletivos doscidadãos trabalhadores. Neste caso, a ação pode ser proposta em face dacooperativa – fornecedora de mão-de-obra – e dos entes públicos ouprivados que a contrataram, que atuarão em litisconsórcio inicial, passivo,comum e facultativo.
(...) dificilmente ocorrerá hipótese de litisconsórcio necessário em sede de ação civil pública ou coletiva, já que a formação deste é subordinadaà expressa previsão legal. (Grifei)
Desse modo, conforme demonstrado acima, não tem cabimento, nos processos de jurisdição coletiva, inclusive na Ação Civil Pública, a figura do litisconsórcio necessário no polo passivo da lide.
Ressalta-se que é evidente que a ausência de normas regulando o litisconsórcio e assistência no polo passivo da lide no sistema processual de jurisdição coletiva, em hipótese alguma, pode ser visto como uma lacuna que autorize a aplicação subsidiária dos referidos institutos, na forma prevista no sistema processual de jurisdição individual, por serem totalmente incompatíveis com a tutela dos direitos difusos e coletivos.
Referido silêncio é claramente proposital em face da natureza jurídica dos direitos transindividuais indivisíveis, que têm por objetivo a tutela de interesses difusos e coletivos, cuja nota característica é a indivisibilidade, contra as chamadas macro lesões.
Daí a possibilidade de manejo de processo coletivo, que não se compadece com a figura clássica do litisconsórcio e assistência e que se rege por regras próprias em relação, inclusive, aos limites subjetivos da coisa julgada (Lei. 8.078/90, arts. 103 e 104).
E mais, ainda que se possa admitir a possibilidade de acesso ao Judiciário por parte daquele que foi afetado pelo provimento judicial coletivo (CF, art. 5º, XXXV), não será a via da jurisdição coletiva – adotada na espécie (litisconsórcio passivo multidudinário) – o caminho processual adequado a esse desiderato.
Logo, não se há de falar, em obrigatoriedade de citação dos eventualmente atingidos pelos efeitos da decisão proferida na referida ação coletiva, visto que o legitimado para figurar no pólo passivo da ação civil pública é aquele ou aqueles que praticaram o ato causador do dano, ou aquele que tinha ou tem o dever jurídico de evitar a ocorrência do dano, e não todos aqueles que possam vir a ser atingidos pela decisão, conforme exposado pelo acórdão objurgado.
Isso porque, repisa-se, tendo a ação civil pública a finalidade de defesa de interesses difusos, não há margem a admitir-se que os indivíduos eventualmente prejudicados com a decisão a ser proferida integrem a lide na condição de litisconsortes passivos necessários da pessoa jurídica que praticou o ato causador do dano, visto que a Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública , não prevê a possibilidade de que as pessoas físicas ou jurídicas eventualmente prejudicadas pela decisão a ser proferida, integrem o pólo passivo na condição de litisconsortes necessários.
A mais alta corte trabalhista - o Tribunal Superior do trabalho, possui precedentes no sentido de que Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, não prevê a possibilidade de que as pessoas físicas ou jurídicas eventualmente prejudicadas pela decisão a ser proferida, integrem o pólo passivo na condição de litisconsortes necessários, conforme jurisprudências abaixo colacionadas:
RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO HOMOLOGATÓRIA DE ACORDO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INVIABILIDADE.
(…) III - Com efeito, entendendo o recorrente que devesse participar da ação civil pública, tanto quanto os empregados integrantes da categoria profissional por ele representado, como litisconsortes necessários, então a norma violada teria sido a do artigo 47 do CPC, da qual o TST não pode cogitar em virtude de ela não ter sido apontada como ofendida.
IV - De qualquer modo, mesmo relevando esse deslize, não se divisa a sua violação literal e direta, visto que a Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, não prevê a possibilidade de que as pessoas físicas ou jurídicas eventualmente prejudicadas pela decisão a ser proferida, integrem o pólo passivo na condição de litisconsortes necessários.
(...) VI - Tendo a ação civil pública a finalidade de defesa de interesses difusos, e não individuais homogêneos, como alega o recorrente, não há margem a admitir-se que os indivíduos eventualmente prejudicados com a decisão a ser proferida integrem a lide na condição de litisconsortes passivos necessários da pessoa jurídica que praticou o ato causador do dano. (3)
E também:
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. PRETENSÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUTOR AFETADO PELO PROVIMENTO JUDICIAL COLETIVO. ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. (...) .
2. Na linha da jurisprudência consolidada no âmbito desta Corte, não há litisconsórcio passivo necessário em ação civil pública , envolvendo a pessoa natural ou jurídica demandada e os sujeitos, físicos ou morais, que possam ser alcançados pelos efeitos do provimento judicial a ser editado. O litisconsórcio na ação civil pública apenas se viabiliza em relação aos demais legitimados ativos para o debate coletivo (art. 5º, §§ 1º e 5º, da Lei 7.347/85). De fato, não se tratando de ação civil coletiva, na qual prevista, de forma facultativa, a formação de litisconsórcio (artigos 81, III e 103, § 2º, da Lei 8.078/90), não há espaço para a atuação judicial concorrente de sujeitos não expressamente habilitados para o embate coletivo (art. 82 da Lei 8.078/90). Com efeito, a tutela judicial de direitos difusos e coletivos foi delegada a entes exponenciais específicos (art. 82 da Lei 8.078/90), razão pela qual a defesa da conduta questionada na ação civil pública incumbe ao próprio ente físico ou moral que figura no polo passivo da relação processual coletiva. Do contrário, além da própria confusão entre as naturezas, objetos e limites de cognição nas jurisdições coletiva e individual, haveria o próprio risco de inviabilização das ações coletivas, cujo trâmite, em muitos casos, poderia restar inviabilizado em face da própria pluralidade de sujeitos potencialmente afetados pela decisão judicial e que poderiam, em tese, de forma difusa e desordenada, questionar a autoridade da coisa julgada coletiva, em franca insegurança jurídica. Mas, para além desses aspectos, da inexistência de litisconsórcio necessário em ações civis públicas advém a própria ausência de legitimidade ativa daquele que –- não estando legalmente habilitado para o debate coletivo (art. 82 da Lei 8.078/90)–- sofre os efeitos da coisa julgada respectiva. Nessa situação, embora se possa resguardar aos afetados pelo provimento judicial coletivo a possibilidade de ingresso judicial (CF, art. 5º, XXXV), não será a via da jurisdição coletiva -– adotada na espécie, pois se objetiva rescindir a coisa julgada coletiva -– o caminho processual adequado a esse propósito. 4
Por fim, muito elucidativo o irretocável trabalho externizado no precedente TST-RO-10261-64.2013.5.03.0000, do c. TST, o qual explica, com maestria, que não háque se falar em litisconsórcio passivo necessário em ação civil pública , envolvendo a pessoa natural ou jurídica demandada e os sujeitos, físicos ou morais, que possam ser alcançados pelos efeitos do provimento judicial a ser editado, o qual pede-se vência para reproduzir seus principais excertos:
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. PRETENSÃO DE DESCONSTITUIÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUTOR AFETADO PELO PROVIMENTO JUDICIAL COLETIVO. ILEGITIMIDADE ATIVA "AD CAUSAM". 1. Hipótese em que se pretende a rescisão de acórdão proferido em ação civil pública, no qual declarada a nulidade de edital de concurso público, por ofensa ao art. 442-A da CLT, e determinada a rescisão dos contratos de trabalho eventualmente celebrados pelo Réu com os aprovados no referido certame. Decisão regional em que pronunciada a ilegitimidade ativa para a ação rescisória, com a consequente extinção do processo sem resolução do mérito (CPC, art. 267, VI). Pretensão rescisória fundada em ofensa aos artigos 1º, 5º, II, XXXVI e LIV, e 37, todos da CF, 18 da Lei 1.533/51, 47 e 462, ambos do CPC. 2. Na linha da jurisprudência consolidada no âmbito desta Corte, não há litisconsórcio passivo necessário em ação civil pública , envolvendo a pessoa natural ou jurídica demandada e os sujeitos, físicos ou morais, que possam ser alcançados pelos efeitos do provimento judicial a ser editado. O litisconsórcio na ação civil pública apenas se viabiliza em relação aos demais legitimados ativos para o debate coletivo (art. 5º, §§ 1º e 5º, da Lei 7.347/85). De fato, não se tratando de ação civil coletiva , na qual prevista, de forma facultativa, a formação de litisconsórcio (artigos 81, III e 103, § 2º, da Lei 8.078/90), não há espaço para a atuação judicial concorrente de sujeitos não expressamente habilitados para o embate coletivo (art. 82 da Lei 8.078/90). Com efeito, a tutela judicial de direitos difusos e coletivos foi delegada a entes "exponenciais" específicos (art. 82 da Lei 8.078/90), razão pela qual a defesa da conduta questionada na ação civil pública incumbe ao próprio ente físico ou moral que figura no polo passivo da relação processual coletiva. Do contrário, além da própria confusão entre as naturezas, objetos e limites de cognição nas jurisdições coletiva e individual, haveria o próprio risco de inviabilização das ações coletivas, cujo trâmite, em muitos casos, poderia restar inviabilizado em face da própria pluralidade de sujeitos potencialmente afetados pela decisão judicial e que poderiam, em tese, de forma difusa e desordenada, questionar a autoridade da coisa julgada coletiva, em franca insegurança jurídica. Mas, para além desses aspectos, da inexistência de litisconsórcio necessário em ações civis públicas advém a própria ausência de legitimidade ativa daquele que –- não estando legalmente habilitado para o debate coletivo (art. 82 da Lei 8.078/90) –- sofre os efeitos da coisa julgada respectiva. Nessa situação, embora se possa resguardar aos afetados pelo provimento judicial coletivo a possibilidade de ingresso judicial (CF, art. 5º, XXXV), não será a via da jurisdição coletiva -– adotada na espécie, pois se objetiva rescindir a coisa julgada coletiva -– o caminho processual adequado a esse propósito. Precedentes. Recurso ordinário conhecido e desprovido .
(...)
Na linha da jurisprudência consolidada no âmbito desta Corte, não há litisconsórcio passivo necessário em ação civil pública voltada à defesa de direitos e interesses difusos e coletivos, relativamente aos sujeitos que possam ser alcançados pelos efeitos do provimento judicial a ser editado.
De fato, não se tratando de ação civil coletiva, que se destina à defesa de direitos individuais homogêneos (art. 81, III, da Lei 8.078/90) e na qual está expressamente facultada a formação de litisconsórcio (art. 103, § 2º, da Lei 8.078/90), não há espaço para a atuação judicial concorrente de sujeitos não expressamente habilitados em lei para o embate judicial coletivo (art. 82 da Lei 8.078/90).
Afinal, a tutela judicial de direitos difusos e coletivos foi delegada a entes exponenciais específicos (art. 82 da Lei 8.078/90), razão pela qual a defesa da conduta questionada na ação civil pública caberá ao próprio ente moral que figurar no polo passivo da relação processual coletiva.
Do contrário, além da própria confusão entre a natureza, objetos e próprios limites de cognição nas jurisdições coletiva e individual, haveria o próprio risco de inviabilização das ações coletivas, que poderiam, em muitos casos, restar prejudicadas pela própria pluralidade de sujeitos potencialmente afetados pela decisão judicial almejada e que poderiam, em tese, de forma difusa e desordenada, questionar a autoridade da coisa julgada coletiva.
Assim, em sede de ação civil pública não se justifica, por razões tanto práticas como jurídicas, a formação de litisconsórcio passivo necessário, uma vez que, tendo a ação civil pública a finalidade de defesa de interesses difusos, e não individuais homogêneos, não há margem a admitir-se que os indivíduos eventualmente prejudicados com a decisão a ser proferida integrem a lide na condição de litisconsortes passivos necessários da pessoa jurídica que praticou o ato causador do dano, pois, ao contrário, prejudicaria a celebridade e a eficiência daquele provimento jurisdcional, inclusive resguardando a estabilidade processual de eventuais tumultos que possam advir com o ingresso de litisconsorte no feito.
3.CONCLUSÃO
As ações rescisórias interpostas perante a Justiça do Trabalho que visam desconstituir sentenças proferidas em ações coletivas sob alegação de nulidade processual em razão da ausência de citação dos eventualmente atingidos pelos efeitos da decisão, ao fundamento de obrigatoriedade de formação de litisconsorcio passivo multitudinário estão fadadas ao insucesso.
A uma porque, conforme linha de jurisprudência consolidada no âmbito do colendo TST, não há que cogitar da obrigatoriedade de citação dos eventualmente atingidos pelos efeitos da decisão prolatada na aludida ação coletiva, porque a legitimação para figurar no pólo passivo da ação civil pública é daquele ou daqueles que praticarem o ato causador do dano ou aquele que tinha ou tem o dever jurídico de evitar a ocorrência do dano.
A duas pois, referidas ações rescisórias, em verdade, predentem ao fundo e a cabo, de forma difusa e desordenada, questionar a autoridade da coisa julgada coletiva.
Dessa forma, conclui-se pela total desnecessidade de formação de litisconsórcio passivo multidudinário em ação civil pública, seja por ausência expressa de previsão legal, seja por respeito a jurisprudência pacífica do c. TST.
4.REFERÊNCIAS:
1. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pág. 246.
2. MARCELLO RIBEIRO SILVA (A ação civil Pública e o Processo do Trabalho, Nacional de Direito,2001, p. 158)
3. Publicação em 14/09 /2007 no Diário Elet rônico da Justiça do Trabalho DEJT)
Disponível em:
https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaunificada2/inteiroTeor.do?action=printInteiroTeor&format=html&highlight=true&numeroFormatado=EDROAR%2520 2520100900034.2004.5.22.0000&base= acordao&rowid=AAANGhAAFAAAQv/AAJ&dataPublicacao=14/09/2007&localPublicacao =DJ&query=%253E
4 Publicação em 19/12/2014 no Diário Elet rônico da Justiça do Trabalho DEJT)
Disponível em:
https://consultaprocessual.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUn ica.
do?consulta=Consultar&conscsjt=&numero Tst=10261&digitoTst=64&anoTst
=2013&orgaoTst=5&tribunalTst=varaTst=0000&submit=Consultar
Bacharel em direito, analista processual do Ministério Público da União
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANACHE, TATIANA COSTA. Desnecessidade de formação de litisconsórcio passivo multitudinário em ação civil pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2023, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64065/desnecessidade-de-formao-de-litisconsrcio-passivo-multitudinrio-em-ao-civil-pblica. Acesso em: 23 dez 2024.
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