RESUMO: Este artigo aborda a questão da inconstitucionalidade e inconvencionalidade da tese da legítima defesa da honra, que embora destituída de respaldo legal no ordenamento jurídico brasileiro, suscita reflexões cruciais quando analisada sob a lente do machismo estrutural e institucional. Este artigo visa explorar as complexidades dessa temática, destacando a importância da independência funcional do defensor público no enfrentamento de desafios que permeiam casos sensíveis, como aqueles envolvendo alegações de legítima defesa da honra em situações de violência de gênero.
PALAVRA-CHAVE: Legítima defesa da honra. Machismo estrutural. Violência institucional de Gênero. ADPF 779. Independência funcional do(a) Defensor(a) Público(a).
INTRODUÇÃO:
A tese da “legítima defesa da honra” era utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher para justificar o comportamento do acusado. O argumento era de que o assassinato ou a agressão eram aceitáveis quando a conduta da vítima supostamente ferisse a honra do agressor.
No Brasil, a tese da legítima defesa da honra ganhou notoriedade no caso Ângela Diniz, socialite mineira, que foi brutalmente assassinada por seu companheiro, Raul Fernando do Amaral Street (Doca Street), em 30 de dezembro de 1976, em sua casa na praia em Búzios/RJ.
A tese foi utilizada pelos advogados de defesa, entre eles Evandro Lins e Silva, atribuindo à vítima a culpa do crime, em virtude de seu próprio comportamento, sendo o julgamento marcado por falas machistas que expuseram Ângela como sendo promíscua, que seduzia homens e mulheres, o que teria acarretado imenso sofrimento ao Doca Street em sua rejeição.
Evidenciou-se no caso, o machismo estrutural da sociedade brasileira, em que o réu confesso de um crime repugnante e brutal, se tornou vítima, defendendo ser pessoa honesta, trabalhadora e de boa moral, enquanto julgavam Ângela Diniz por ser uma mulher que usufruía de sua liberdade sexual.
Embora a tese fosse aceita culturalmente como uma justificativa para atos violentos, não encontrava respaldo nas leis vigentes no Brasil. O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 23, elenca as excludentes de ilicitude, porém, não reconhece a honra como motivo legítimo para justificar a prática de crimes.
Ademais, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, estabelece princípios fundamentais que garantem a igualdade e a dignidade da pessoa humana, preceitos que norteiam o repúdio a qualquer forma de discriminação, incluindo aquelas baseadas em gênero. Nesse contexto, a ideia de que a honra pode justificar atos violentos foi sendo gradativamente rechaçada, e o sistema jurídico passou a valorizar a resolução pacífica de conflitos.
A alegação de legítima defesa da honra, muitas vezes utilizada como subterfúgio para justificar atos de violência, revela a influência do machismo estrutural em nossas tradições. O machismo estrutural, arraigado na cultura e nos costumes, e o machismo institucional, presente nas práticas e decisões dentro das instituições, desempenham um papel significativo na interpretação de casos envolvendo alegações de legítima defesa da honra.
As estruturas jurídicas historicamente moldadas por visões patriarcais podem contribuir para a manutenção de práticas discriminatórias. Nesse contexto, a independência funcional do defensor público surge como ferramenta fundamental na mitigação desses reflexos prejudiciais e na busca por uma análise jurídica desprovida de preconceitos.
A Emenda Constitucional (EC) nº 80 de 2014, ao modificar o artigo 134 da Constituição Federal, conferiu uma nova dimensão ao princípio da independência funcional no âmbito da Defensoria Pública. O texto introduziu o § 4º ao artigo 134 da Constituição Federal, conferindo à independência funcional um destaque expressivo no ordenamento jurídico brasileiro.
1.ADPF 779 E A SOBERANIA DOS VEREDICTOS.
Em dezembro de 2020 foi ajuizada Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 779) em face dos artigos 23, II e 25, caput e parágrafo único do Código Penal e artigo 65 do Código de Processo Penal, a fim de se afastar a tese jurídica da legítima defesa da honra e se fixar entendimento acerca da soberania dos veredictos.
Do julgamento, extrai-se as seguintes conclusões: a) a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, da CF/88), tem raízes arcaicas no direito brasileiro, constituindo a institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988; b) deve ser conferida interpretação conforme à Constituição ao art. 23, II e art. 25, do CP e ao art. 65 do CPP, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa, não apenas pela falta de moderação, mas também devido ao fato de que a honra é um atributo de ordem personalíssima, não podendo ser considerada ultrajada por um ato imputável a terceiro, mesmo que este seja a esposa ou o marido do adúltero; e c) a defesa, a acusação, a autoridade policial e o juízo são proibidos de utilizar, DIRETA OU INDIRETAMENTE, a tese de legítima defesa da honra (ou QUALQUER ARGUMENTO QUE INDUZA À TESE), nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento:
EMENTA: Referendo de medida cautelar. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Interpretação conforme à Constituição. Artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e art. 65 do Código de Processo Penal. “Legítima defesa da honra”. Não incidência de causa excludente de ilicitude. Recurso argumentativo dissonante da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF). Medida cautelar parcialmente deferida referendada. 1. “Legítima defesa da honra” não é, tecnicamente, legítima defesa. A traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas. Seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo direito subjetivo de contra ela agir com violência. Quem pratica feminicídio ou usa de violência com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa. O adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal. 2. A “legítima defesa da honra” é recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra a mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões. Constitui-se em ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988. 3. Tese violadora da dignidade da pessoa humana, dos direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres (art. 1º, inciso III , e art. 5º, caput e inciso I, da CF/88), pilares da ordem constitucional brasileira. A ofensa a esses direitos concretiza-se, sobretudo, no estímulo à perpetuação da violência contra a mulher e do feminicídio. O acolhimento da tese tem a potencialidade de estimular práticas violentas contra as mulheres ao exonerar seus perpetradores da devida sanção. 4. A “legítima defesa da honra” não pode ser invocada como argumento inerente à plenitude de defesa própria do tribunal do júri, a qual não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. Assim, devem prevalecer a dignidade da pessoa humana, a vedação a todas as formas de discriminação, o direito à igualdade e o direito à vida, tendo em vista os riscos elevados e sistêmicos decorrentes da naturalização, da tolerância e do incentivo à cultura da violência doméstica e do feminicídio. 5. Na hipótese de a defesa lançar mão, direta ou indiretamente, da tese da “legítima defesa da honra” (ou de qualquer argumento que a ela induza), seja na fase pré-processual, na fase processual ou no julgamento perante o tribunal do júri, caracterizada estará a nulidade da prova, do ato processual ou, caso não obstada pelo presidente do júri, dos debates por ocasião da sessão do júri, facultando-se ao titular da acusação recorrer de apelação na forma do art. 593, III, a, do Código de Processo Penal. 6. Medida cautelar parcialmente concedida para (i) firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF); (ii) conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa; e (iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utilizem, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. 7. Medida cautelar referendada.- STF. Plenário. ADPF 779, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 15/03/2021.
Após o julgamento, iniciou-se uma controvérsia jurídica se essa vedação ofenderia o princípio constitucional da “soberania dos veredictos” atribuída ao Tribunal do Júri pelo artigo 5º, XVIII, “c”, da Constituição Federal. Ocorre que, com essa vedação não está se limitando a soberania do veredicto, e sim a argumentação dos sujeitos do processo em plenário, que não podem revitimizar a vítima/justificar o comportamento de um autor de homicídio em razão do que fez a vítima. Além disso, soberania dos veredictos não é absoluta, mas relativizada em razão da possibilidade de recurso quando a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos.
Convém destacar, que essa decisão surgiu após a publicação do Relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, do ano de 1997, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) expressou a sua preocupação em relação à conhecida tese da legítima defesa da honra em defesas apresentadas no Plenário do tribunal do júri.
Vejamos:
“(...) Em algumas áreas do país, o uso da ‘defesa da honra’ persiste e, em algumas áreas, a conduta da vítima continua a ser um ponto central no processo judicial de um delito sexual. Em vez de centrarem na existência dos elementos jurídicos do delito, as práticas de alguns advogados defensores – toleradas por alguns tribunais – têm o efeito de requerer que a mulher demonstre a santidade de sua reputação e sua inculpabilidade moral a fim de poder utilizar os meios judiciais à sua disposição. As iniciativas tomadas tanto pelo setor público como pelo setor privado para fazer frente à violência contra a mulher começaram a combater o silêncio que tradicionalmente a tem ocultado, mas ainda têm de superar as barreiras sociais, jurídicas e de outra natureza que contribuem para a impunidade em que amiúde enlanguescem”.
Há que se mencionar também a elaboração do enunciado nº 47 do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (FONAVID):
ENUNCIADO 47: A plenitude da defesa no júri deve se conformar ao disposto no art. 7°, “e”, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher “Convenção de Belém do Pará” e ao disposto no capítulo IX itens 9.1.2 e 9.1.3 das Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres – Feminicídio, sendo recomendável à juíza e/ou ao juiz presidente considerar como excesso de linguagem argumentos violentos ofensivos à dignidade da mulher por questão de gênero, devendo intervir nos termos dos arts. 400-A, 474-A e 497, III, do CPP, e art. 10-A da Lei 11.340/06. (Alterado por unanimidade no XIII FONAVID – Teresina (PI)).
O enunciado reforça a aplicação de leis nacionais e internacionais de respeito à intimidade, à honra e à imagem da pessoa ofendida, entre elas, a Lei 14.245/2021 (Lei Mariana Ferrer). Outra orientação do Fórum é que, para proteger as vítimas de violência doméstica, sejam aplicados os fundamentos da modalidade do depoimento especial.
2.VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL DE GÊNERO
Nas Regras de Brasília, há o conceito de vitimização primária e secundária. Existe toda uma preocupação de localizar a responsabilidade do sistema de justiça no que tange à vitimização secundária.
V. Regras n. 10-12; vitimização primária e secundária:
“(10) Para efeitos das presentes Regras, considera-se vítima toda a pessoa física que tenha sofrido um dano ocasionado por uma infracção penal, incluída tanto a lesão física ou psíquica, como o sofrimento moral e o prejuízo económico. O termo vítima também poderá incluir, se for o caso, a família imediata ou as pessoas que estão a cargo da vítima directa [vítimas indiretas no marco do sistema interamericano].
(11) Considera-se em condição de vulnerabilidade aquela vítima do delito que tenha uma relevante limitação para evitar ou mitigar os danos e prejuízos derivados da infracção penal ou do seu contacto com o sistema de justiça, ou para enfrentar os riscos de sofrer uma nova vitimização. A vulnerabilidade pode proceder das suas próprias características pessoais ou das circunstâncias da infracção penal. Destacam para estes efeitos, entre outras vítimas, as pessoas menores de idade, as vítimas de violência doméstica ou intra familiar, as vítimas de delitos sexuais, os adultos maiores [pessoas idosas], assim como os familiares de vítimas de morte violenta.
(12) Estimular-se-á a adopção daquelas medidas que sejam adequadas para mitigar os efeitos negativos do delito (vitimização primária). Assim procurar-se-á que o dano sofrido pela vítima do delito não seja incrementado como consequência do seu contacto com o sistema de justiça (vitimização secundária). E procurar-se-á garantir, em todas as fases de um procedimento penal, a protecção da integridade física e psicológica das vítimas, sobretudo a favor daquelas que corram risco de intimidação, de represálias ou de vitimização reiterada ou repetida (uma mesma pessoa é vítima de mais do que uma infracção penal durante um período de tempo). Também poderá ser necessário outorgar uma protecção particular àquelas vítimas que vão prestar testemunho no processo judicial. Prestar-se-á uma especial atenção nos casos de violência intra familiar, assim como nos momentos em que seja colocada em liberdade a pessoa à qual se atribui a ordem do delito.”
Ao se falar de violência institucional de gênero, deve-se pautar pela lógica dos direitos humanos das pessoas em situação de vulnerabilidade, para que se responsabilize os atores e atrizes do sistema de justiça para não reproduzirem/perpetuarem a lógica da vitimização secundária, que se relaciona com a incrementação da violência como consequência do contato da vítima com o sistema de justiça, de acordo com a Regra 12.
A CIDH ao mencionar a violência institucional no Relatório sobre o Brasil, considerou as mulheres um grupo sobre o qual incidem discriminações históricas e socioeconômica como causa de desigualdade estrutural. Está na estrutura da sociedade brasileira, historicamente desigual e colonizada, essa questão da discriminação, que precisa ser enfrentada.
São múltiplos fatores estruturais que perpetuam a discriminação contra as mulheres e acentuam a situação de risco a que estão expostas. Essas sociedades são baseadas no patriarcalismo, na prevalência de estereótipos sexistas que geram processos de discriminação estrutural e que acabam por permitir e tolerar a violência em todas as suas dimensões (físicas, psicológicas, sexual, econômica, etc).
“92. A CIDH também reitera que, no tocante à vitimização de mulheres em assassinatos por razões de gênero, também tendem a incidir fatores interseccionais de discriminação, que as expõem ainda mais a vulnerabilidade expressões”. As mulheres pobres e negras estão mais sujeitas ao risco de violência. Dado trazido pelo relatório: MULHERES AFRODESCENDENTES ASSASSINADAS aumentaram 14,5%. No período de 2006 a 2016, 71% das mulheres que foram vítimas de feminicídio eram de outras origens étnico-raciais; especialmente se defensoras de DH [sujeito de direito que está no debate público, ocupando efetivamente um espaço destinado tradicionalmente ao homem branco e heterossexual - vide o caso Marielle Franco, que representou uma violência política, que é a violência específica em razão do gênero quando se ocupam espaços de poder político]. A CIDH lembra o dever do Estado de enfrentar essa tolerância com a violência contra as mulheres, especialmente aquelas que resolvem quebrar a caixinha as quais foram confinadas e ocupar a arena pública/política.
93. (...) “Não obstante, a CIDH continua recebendo informações acerca dos obstáculos enfrentados pelas mulheres para acessarem a justiça e essas medidas de proteção. Entre esses obstáculos estão a tolerância social que existe ante a violência contra as mulheres, reforçada pela ideia de que as mulheres seriam “propriedade” dos homens; [é muito importante que o EE continue adotando medidas efetivas para combater] a persistência de atitudes estereotipadas e discriminatórias por parte de agentes do Estado; a lentidão da justiça e dos processos para a obtenção de medidas protetivas, assim como a falta ou a inexpressiva presença de entidades especializadas na temática espalhadas pelo território brasileiro.”
Nesse contexto de violência institucional de gênero, o sistema judicial deve pautar-se na ideia é de que os casos envolvendo o tema do “Direito das Mulheres” devem ser analisados com perspectiva de gênero, a partir de uma interpretação constitucional feminista, uma vez que os estereótipos e abordagens discriminatórias que foram por anos naturalizados na sociedade, deixaram marcas no direito constitucional e nas tradições legais.
Convém destacar, que a adoção de uma perspectiva de gênero no sistema de justiça ganhou notoriedade no sistema de justiça brasileiro a partir de um “Protocolo de Julgamento de Perspectiva de Gênero” editado pelo Conselho Nacional de Justiça no ano de 2021.
No Direito Internacional do Direitos Humanos o assunto não é novidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) há muito tempo expede orientações e diretrizes aos seus Estados membros para a adoção de uma perspectiva de gênero. Tanto é assim, que o Comitê CEDAW das Nações Unidas destacou que:
“os estereótipos e os preconceitos de gênero, no sistema judicial, têm consequências de amplo alcance para o pleno desfrute, pelas mulheres, de seus direitos humanos; por essa razão, recomendou que os estados-partes adotem medidas, incluindo programas de conscientização e capacitação de todos(as) os(as) operadores(as) do sistema de justiça, para se eliminar os estereótipos, sobretudo para se assegurar que os programas tratem em particular da “questão da credibilidade e do peso dado às vozes, aos argumentos e depoimentos das mulheres, como partes e testemunhas” (item 29 da Recomendação Geral n. 33, do Comitê CEDAW).
Na jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o tema já foi tratado nos casos Velasquez Paiz e outras vs. Guatemala e, mais recentemente, Márcia Barbosa e outras vs. Brasil.
3.INDEPENDENCIA FUNCIONAL DO DEFENSOR E SEUS LIMITES
A independência funcional é um princípio institucional que além de ser previsto na Legislação institucional, também passou a ter status constitucional com a EC 80/14 (artigo 134, §4º, da CF e artigo 3º da LC nº 80/1994), e, em razão de tal princípios os(as) Defensores(as) Públicos(as) podem atuar livremente no exercício de suas funções institucionais, em observância apenas à lei e à sua própria consciência.
Muito se debate se a vedação de utilização da tese da legítima defesa da honra seria ou não uma limitação arbitrária e inconstitucional da independência funcional. A questão não é pacífica.
Contudo, deve-se destacar que este princípio não é absoluto, e, em que pese as9os) Defensoras(es) tenham liberdade em atuar de acordo com sua própria consciência, esta atuação deve observar certos limites, tais como a legislação (não só a legislação nacional, como também os tratados de direitos humanos), bem como não pode subverter a missão institucional e constitucional da Defensoria Pública como instrumento e expressão do regime democrático e de promoção dos direitos humanos.
Nesse sentido, destaca-se o entendimento da Defensora Pública Renata Tavares:
“No Brasil, é a defensoria pública instituição essencial ao estado democrático de direito e instrumento da democracia bem como possui o dever de promover os direitos humanos. Dessa função extrai-se uma obrigação positiva, ou seja, de assegurar o efetivo acesso de gozo de tais direitos, bem como uma posição negativa, qual seja, de abster-se de determinadas atitudes que aprofundem a violação deste direitos. Isso, em hipótese alguma, pode significar uma limitação de atuação no campo de defesa, que deve ser amplo. Mas efetivamente no reconhecimento de que esta defesa deve ser ética e feita dentro dos parâmetros institucionais previstos na Constituição. Ou seja, o Defensor não pode ter a esquizofrênica posição de promover os direitos humanos e, ao mesmo tempo, sustentar teses que sustentem tais violações de direitos.”
CONCLUSÃO
Em um contexto jurídico que busca constantemente a equidade e a justiça, a análise da legítima defesa da honra sob a ótica do machismo estrutural e institucional ressalta a importância da independência funcional do defensor público. Essa independência não apenas preserva a integridade do sistema de justiça, mas também representa um passo crucial na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, onde os direitos fundamentais são protegidos sem distinção de gênero. O defensor público, ao atuar com autonomia e imparcialidade, torna-se um agente essencial na promoção de uma justiça verdadeiramente equitativa e comprometida com os princípios democráticos consagrados na Constituição Federal brasileira.
BIBLIOGRAFIA
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PODCAST, Série Praia dos Ossos, ep. 01, 2020
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ADPF 779 MC-REF / DF
BARBOZA, Estefânia; TOMAZONI, Larissa. Interpretação constitucional feminista e a jurisprudência do STF. (In) FACHIN, Melissa Girardi; SILVA, Christine Oliveira Peter da; BARBOZA, Estefânia. Constitucionalismo feminista. Bahia: Juspodivm, 2018, p. 241
http://www.oas.org/pt/cidh/decisiones/2020/BRAD32-07PO.pdf
https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-18-10-2021-final.pdf
https://www.oas.org/pt/cidh/relatorios/pdfs/brasil2021-pt.pdf
Os direitos humanos como limite ético na defesa dos acusados de feminicídio no Tribunal do Júri. In: XII Congresso Nacional de Defensores Públicos. Livro de teses e práticas exitosas. Curitiba, 2015, p. 207
advogada formada pela PUC-RIO .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COUTINHO, Natália Maria Madureira da Rocha. A Legítima Defesa da Honra e o Papel Determinante da Independência Funcional do(a) Defensor(a) Público(a) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2023, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64134/a-legtima-defesa-da-honra-e-o-papel-determinante-da-independncia-funcional-do-a-defensor-a-pblico-a. Acesso em: 23 dez 2024.
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