RESUMO: Por meio do presente trabalho, discute-se acerca do assédio moral e da síndrome de Burnout como elementos associados à uma rotina de trabalho esgotante e tóxica, capaz de trazer riscos financeiros e jurídicos aos empregadores que não promovem um ambiente de trabalho equilibrado. O assédio moral, ao ser conceituado pelas condutas abusivas cometidas no ambiente laboral, e a síndrome de Burnout, como um fenômeno ocupacional emergente, principalmente nas relações profissionais estabelecidas durante e pós pandemia de covid-19, são responsáveis pelos elevados números de indenizações trabalhistas, assim como pelo adoecimento da classe trabalhadora que sofre diante de incontáveis metas a serem batidas diariamente, padecem com humilhações constantes e vivem um cenário de esgotamento profissional que gera o adoecimento físico e mental. Assim, ensejam a responsabilização do empregador em face de diversos atos cometidos que dão direito a buscar reparação pelos danos sofridos, cujo direito vai além do dano moral, podendo alcançar concomitantemente dano material e ainda existencial. No que tange à responsabilidade civil e suas diferentes teorias, aplica-se ao contexto a responsabilidade objetiva, cuja conduta, nexo causal e dano são essenciais para a configuração do direito de reparação pretendido.
Palavras-chave: Burnout. Assédio moral. Responsabilidade civil. Empregador.
RESUMO: 1. INTRODUÇÃO. 2. ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E EMPREGO. 2.1 Aspectos gerais que caracterizam o assédio moral. 2.2 Métodos de assédio e as consequências para a saúde.3. A SÍNDROME DE BURNOUT.3.1. Características.3.2 Concepções teóricas e históricas. 3.3 Direitos do trabalhador. 4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. 4.1 A responsabilidade do empregador frente aos casos de assédio moral e síndrome de Burnout enquanto acidente do trabalho. 4.2 Da prevenção. 5. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.
A ciência do Direito é dinâmica e mutável, é fruto da vida em sociedade. Nesse diapasão, a constituição teve diversos sentidos ao longo do tempo, mas dentre os temas doutrinários, superou as concepções anteriores de que não seria norma, mas puramente um fato social, como pregava Ferdinand Lassale e seu sentido sociológico de constituição; assim como não é mais uma decisão política fundamental como pregava Carl Schmitt no sentido político de constituição, sendo importante apenas a matéria, e não sua forma. Viu-se então a entrada do sentido jurídico de Hans Kelsen, em que a constituição é norma jurídica, não há pretensão sociológica, política ou filosófica. Aqui, a validade da constituição independe da aceitação pelos valores sociais de uma comunidade.
A Constituição Federal de 1988 inaugurou o regime democrático em nosso país, dando início a chamada “Nova República” e sendo a constituição que consagrou inúmeros direitos e benefícios aos trabalhadores brasileiros, frutos dos amplos debates no cenário político da época, principalmente no que tange às entidades patronais e sindicais. As diversas alterações ocorridas ao longo do tempo provocaram as garantias trazidas a época da formação da Consolidação das Leis Trabalhistas na era Vargas e foram levadas a status constitucional e muitos outros direitos foram previstos e ampliados.
No rol dos Direitos e garantias fundamentais da Carta Magna encontramos no artigo 5º uma extensa previsão de direitos e deveres individuais e coletivos que permeiam a vida em sociedade. Entre eles, o inciso X considera que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
É desse dispositivo, assim como outros que serão mencionados a frente, que se justifica a responsabilização do empregador e de seus prepostos pelas condutas ilícitas realizadas no âmbito da relação de emprego e que configuram o chamado “assédio moral”. Dos diversos comportamentos que o empregador exerce em nome do poder de direção e chefia, aqueles que induzem a situações humilhantes, individuais ou na presença de outros subordinados, situações que causam não só desconforto, como também constrangimentos no ambiente de trabalho, ambos de maneira recorrente e frequente são abusos que ensejam o assédio moral presente em muitas relações de trabalho.
Por sua vez, no capítulo concernente aos Direitos Sociais na “Constituição Cidadã” há o conhecido artigo 7º, que trata da melhoria das condições sociais e de vida dos trabalhadores urbanos e rurais. No inciso XXVIII do referido artigo tem-se que o “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” como um direito do trabalhador.
Ora, um dos fundamentos que justificam a responsabilização do empregador é justamente o fato de o acidente estar relacionado ao ambiente laboral. Sabe-se que as empresas devem propiciar ambientes de trabalho saudáveis, estando sempre atentas às necessidades que seus funcionários manifestam; contudo, a realidade do cotidiano da maioria dos profissionais que atuam no mercado de trabalho brasileiro vão de encontro ao postulado na constituição, consistindo o ambiente laboral em situação de estresse, esgotamento emocional, ansiedade, depressão, redução da produtividade, dentre tantos outros sintomas cada vez mais presentes nos trabalhadores brasileiros.
Os referidos sintomas são muito comuns para a caracterização da síndrome do esgotamento profissional, mais conhecida por “síndrome de Burnout” e que tem crescido o número de diagnósticos no Brasil. Um dos motivos para o crescimento da doença foi a nova classificação em janeiro de 2022 pela Organização Mundial de Saúde como uma doença presente no capítulo dos problemas gerados e associados ao emprego/desemprego, portanto, passa a ser considerada uma doença derivada do estresse crônico no local de trabalho, não havendo a devida adequação e resolução pelo empregador.
Importante salientar, no entanto, que não é apenas o diagnóstico fator suficiente para ensejar a futura responsabilidade do empregador, mas aliado a outras condicionantes.
Em face do exposto, o presente trabalho apresenta um contexto histórico que discorre acerca das condutas de assédio moral como ensejador da síndrome de Burnout, bem como permeia a implementação da Síndrome de Burnout como doença ocupacional, ambas ensejando a devida responsabilização do empregador na esfera trabalhista. O que se busca alcançar é como as empresas podem evitar o alto número de enquadramento da doença ocupacional nos seus quadros de funcionários.
Em relação aos aspectos metodológicos, as hipóteses foram investigadas por meio de pesquisa bibliográfica. No que tange à tipologia da pesquisa, é básica pura, visto ser realizada com a finalidade de aumentar o conhecimento para uma nova tomada de posição, expandindo o conhecimento disponível, uma vez que é essencialmente teórica. A abordagem é qualitativa, procurando compreender as ações e relações humanas e seus efeitos no cotidiano laboral, observando os fenômenos sociais de maneira intensiva e prática. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, pois descreve fenômenos, busca descobrir a frequência que um fato acontece, sua natureza e suas características, e exploratória, haja vista que aprimora maiores informações sobre o tema em questão. Assim, a pesquisa é bibliográfica, de natureza qualitativa, tendo fins exploratórios e descritivos.
Em que pese, o objetivo geral consiste em analisar a responsabilidade do empregador diante de cenários de assédio moral e de esgotamento profissional. Tem-se como objetivos específicos: examinar a obrigação do agressor em indenizar as vítimas de assédio moral no ambiente do trabalho; investigar o crescimento exponencial da síndrome de Burnout após a nova classificação como doença ocupacional; e, por fim, analisar como o assédio moral está presente na identificação da síndrome do esgotamento profissional e como as empresas podem gerir o quadro de funcionários, evitando futuras responsabilizações em face dos ilícitos.
Foram necessários realizar questionamentos que desencadeariam no desenvolvimento da pesquisa, quais sejam: O assédio moral configura-se como uma das razões que desencadeiam a síndrome de Burnout? Há tendência no crescimento do diagnóstico da síndrome após classificação nova como doença ocupacional? Causas não relacionadas ao trabalho, mas que o empregado leva para seu ambiente laboral, também se caracterizam na concepção de doença do trabalho? Basta o diagnóstico de enquadramento na síndrome de Burnout para surgir o dever de reparação pelo empregador? Qual o papel do empregador na fiscalização de seus prepostos e outros agentes no desempenho de suas funções que levam ao assédio moral e a síndrome de Burnout? Como fica a responsabilização das empresas quando o dano está configurado e comprovado?
Para isso, pensou-se a seguinte ordem: no primeiro capítulo, aborda-se a configuração do assédio moral nas relações de trabalho e emprego e como ele enseja a síndrome de Burnout; já no segundo capítulo discorre-se acerca da síndrome de Burnout, suas características, concepções teóricas e seu enquadramento como doença ocupacional, bem como haverá explicações sobre as consequências diretas do diagnóstico da síndrome, como a possibilidade de rescisão indireta do empregador e outros direitos trabalhistas; e, por fim, no terceiro capítulo será discutida a responsabilidade civil do empregador nos casos de assédio moral e Burnout enquanto acidente de trabalho e dano à imagem, honra, vida privada e outros do trabalhador, ampliando-se a discussão para discorrer a respeito das indenizações moral, material e existencial em decorrência do dano. Por fim, também serão apresentadas medidas de prevenção, controle e repreensão.
2. ASSÉDIO MORAL NAS RELAÇÕES DE TRABALHO E EMPREGO
Conforme Marques Jr. (2009, p. 11), “ o assédio moral é um fenômeno tão antigo quanto o próprio trabalho”. Segundo o autor, teve início ainda nos tempos da escravidão, sendo o escravo um mero bem do seu senhor, sujeito a humilhações físicas e psicológicas. Passando-se para o início do capitalismo, os empregados foram levados a exaustão física a fim de maximizar a produção, com salários baixíssimos e condições de miserabilidade.
No Brasil, começou-se a pensar em saúde do trabalhador mais recentemente, embora já tenha sido reconhecida a relação de desequilíbrio com o surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho, cujo propósito era justamente proteger a parte hipossuficiente da relação, o empregado.
A denúncia da prática de abusos cometidos e relacionados ao ambiente de trabalho veio a crescer desde o início dos anos 2000. Com a publicação de diversos trabalhos envolvendo a temática, as vítimas de assédio moral passaram a se importar com sua própria dignidade, se desvencilhando de ofensas e maus tratos constantes, tornando o assédio moral uma verdadeira preocupação social. (HIRIGOYEN, 2011)
2.1 Aspectos gerais que caracterizam o assédio moral
No Direito do Trabalho, o assédio moral configura-se principalmente pela prática de atos abusivos recorrentes e decorrentes da relação de trabalho, em que impera a submissão do empregado a situações vexatórias em seu ambiente laboral.
Segundo Vólia Bomfim (2018, p. 930), caracterizam assédio moral as condutas de estabelecimento de metas consideradas “impossíveis” de serem cumpridas, assim como a realização de tarefas diversas em curtíssimo lapso temporal, dentre outras. A autora, inclusive, usa o termo “psicoterrorismo” como sinônimo de assédio moral.
Assim, uma definição que melhor abrange o conceito de assédio moral pode ser observada nas revistas dos próprios Tribunais do Trabalho, como a mencionada abaixo:
Conduta que visa causar dano, geralmente afastar o outro do trabalho, através de ataques que desestabilizam o sujeito. Palavras ou movimentos fragilizadores do Ego, enfraquecedores das defesas, onde algo (nome, sobrenome, posição, cor, origem, composição física, tipo de poder ou posição na instituição) é escolhido como ponto-alvo dos ataques.
(Ivan Capelatto. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 37, 2010)
Superada a definição, Hirigoyen (2011, p.15) já sinalizava sobre a insistência, não devendo ser caracterizado como assédio moral o que tem caráter pontual, mas sim ataques repetidos, pois são esses de efeito cumulativo os que constituem agressão. Ademais, também traz à tona a questão da intencionalidade do agressor e o fim específico de prejudicar e desestabilizar o outro, já que, em alguns casos, não há intenção nociva presente.
Marques Jr. (2009, p. 16), também reforça acerca do assédio moral ser um processo, devendo ser compreendido como uma sequência de atos. As ações isoladas, por mais que também possam causar danos à saúde das vítimas, sejam psicológicos ou morais, não são enquadradas como assédio moral justamente por faltar o elemento da continuidade, ou seja, da reiteração da conduta.
Tais manifestações causam, dentre outras consequências na saúde do trabalhador, a perda da vontade de continuar frequentando o mesmo ambiente onde ocorre o assédio, por isso há o abandono do trabalho diante dessa realidade.
Outrossim, Hirigoyen (2011, p. 18) afirma que “quanto mais se sobe na hierarquia e na escala sociocultural, mais as agressões são sofisticadas, perversas e difíceis de caracterizar”. Assim, é comum o assédio moral se acentuar nas relações diretas entre patrão e empregado, configurando o chamado assédio vertical, no qual se percebe que o elemento “subordinação” característico das relações de emprego é condicionado a uma série de regras e imposições que comumente excedem o que estava previsto na relação contratual, passando a contrariar a dignidade do outro, mas que o empregado se sente obrigado em aceitar para permanecer trabalhando. Contudo, também ocorre nos próprios grupos de trabalho, assédio horizontal, em que os sentimentos de inveja e ciúme aliados à rivalidade na relação de um com o outro e com todos se potencializa, como, por exemplo, da não aceitação de um empregado que se veste de forma diferente, fala de um modo diferente ou tem orientação sexual diversa da maioria.
Isto posto, ressalta-se que a intencionalidade maldosa em prejudicar um empregado específico é o que caracteriza o assédio moral, uma vez que hoje é cada vez mais necessária nas empresas a busca por um profissional multitarefa, que saiba lidar com a pressão em seu dia a dia, enfim, que saiba gerir sua eficiência em face das altas demandas exigidas com o propósito de aumentar a produtividade, e isso não é considerado assédio moral por si só. O estresse que é causado pelo agente agressor nessas circunstâncias torna o assédio destruidor, haja vista que a sobrecarga de trabalho, tarefas múltiplas constantes e pressões intermináveis aliadas ao fim de humilhar e faltar com o respeito com o indivíduo em si podem causar o esgotamento e levar a síndrome discutida neste trabalho.
Portanto, é importante compreender o que não se configura assédio moral e, por sua vez, não enseja futuramente a um Burnout, como o fato de o empregado receber uma crítica pelo seu trabalho, ter uma avaliação sobre um trabalho que foi executado, ser transferido de função, etc. Tudo isso não se considera abuso, mas sim decisões referentes à organização do próprio trabalho. (HIRIGOYEN, 2011)
2.2 Métodos de assédio e as consequências para a saúde
As atitudes consideradas hostis e que são visíveis para se concretizar o assédio moral são divididas em quatro grupos conforme Hirigoyen (2011, p. 107-109): deterioração proposital das condições de trabalho; isolamento e recusa de comunicação; atentado contra a dignidade e violência verbal, física ou sexual.
No que tange à primeira classificação, percebe-se que tudo relacionado à visão de mundo do indivíduo que é levada para o trabalho é motivo para julgamento, bem como tudo que possa ser necessário para a execução do trabalho é omitido dele. O intuito é o rebaixamento da pessoa, torná-la incompetente. Por sua vez, o isolamento caracteriza-se pelas constantes interrupções em sua fala, pois são consideradas sem valor, evitam dialogar com a vítima, tornando a comunicação puramente restrita e escrita.
Já se elevando para os níveis mais severos de assédio moral, na fase de atentado contra a dignidade tem-se a utilização de gestos de desprezo, atribuição de problemas psicológicos, críticas à vida privada e tarefas humilhantes. Assim, desencadeia-se para a quarta fase, onde há constantes ameaças de castigos e outras violências físicas, ambiente movido pelo grito, invasão da vida privada e a própria agressão e assédio.
Ressalta-se ainda, conforme Marques Jr. (2009, p. 17), sobre a receptividade da vítima frente as condutas de assédio moral. Para se falar em indenização, conforme será discutido adiante, é preciso haver dano. Em face disso, os sentimentos de desestabilidade e de fragilidade devem aparecer na vítima para que se possa discutir sobre o dano, pois não havendo tais reações, não há que se falar em dano moral.
Não obstante a saúde do trabalhador ser a principal afetada diante dos quadros de assédio moral vivenciados, as sintomatologias se relacionam muito mais à quantidade de vezes em que a pessoa é submetida aos abusos e à intensidade de sua duração. É por isso também que muitos profissionais se questionam se realmente estão vivenciando isso, pois a recusa em acreditar logo se manifesta, fazendo-o se questionar sobre a própria realidade.
No que tange aos males diretos e indiretos, Marques Jr (2009, p. 36) descreve os sintomas e os efeitos colaterais do assédio moral em homens e mulheres vítimas, sendo crises de choro, dores generalizadas, palpitações ou tremores, sentimentos de inutilidade, insônia e depressão os mais expressivos e presentes em ambos.
O estresse, como mencionado, é uma das primeiras consequências que se materializam, aliado à ansiedade. Quando não resolvidos ou administrados, a depressão pode se solidificar.
Médicos classificam como consequências específicas do assédio moral: a vergonha e a humilhação, em que a vítima sente a necessidade de se esconder do mundo, presente na grande maioria dos casos de assédio; a perda do sentido, em que a pessoa duvida de sua própria saúde mental; modificações psíquicas, provocando a destruição da identidade; desvitalização, onde o estado depressivo se torna crônico; e, por fim, a “rigidificação”, onde surgem traços paranoicos. (HIRIGOYEN, 2011)
Em face do exposto, torna-se claro que o assédio moral é um dos elementos decisivos que desencadeiam na síndrome de Burnout. Segundo Marques Jr. (2009, p. 15), “tal sujeição decorre, principalmente, do aumento do desemprego, que ocasiona o receio do empregado em exteriorizar sua indignação quanto à violência sofrida”.
“O trabalho é uma escolha, não só da sobrevivência econômica do indivíduo, mas da sua sobrevivência como sujeito de uma sociedade; é a promoção de sua identidade como pessoa (CAPELATTO, 2010, p. 4). ” Assim, quando o trabalho se torna exaustivo, degradante, tóxico e disfuncional, também o fica o indivíduo que suporta essa realidade em seu cotidiano profissional, desencadeando inúmeras problemáticas à sua saúde física, mental, profissional e social inclusive.
Primeiramente, é comum observar que a maioria das pessoas com Burnout possuem uma dedicação excessiva quando o assunto é sua atividade profissional. No entanto, essa não é a única, tampouco a principal característica. A busca da perfeição profissional, a identificação com os ideais da profissão, com o fito de ser o melhor, com alta performance de desempenho está intimamente associada à síndrome, pois é seguida posteriormente de um sentimento intenso de incapacidade, frustração e desmotivação, haja vista a dedicação exacerbada dos profissionais sob pressão de empregadores interessados em resultados rápidos se transformar em uma resposta prolongada do ambiente estressante crônico vivenciado junto a fatores interpessoais diretamente associados com ele.
Assim, o adoecimento inicia pela busca de demonstrar a capacidade de realização técnica frente aos diversos meios de solucionar os problemas em série, bem como pela busca do sucesso profissional. Indo de encontro a essas expectativas, quando o trabalhador não obtém o devido reconhecimento, mas ao contrário, é sempre pressionado para continuar solucionando e suprindo todas as demandas e necessidades com a mesma perfeição técnica que demonstra, costuma surgir o desinteresse, a desconexão e a indignação.
Conforme consta na descrição sobre esgotamento da CID-11 feita pela Organização Mundial de Saúde, em que pese ser entendida em suas três dimensões: sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho; e sensação de ineficácia e falta de realização, Freudenberger (apud Capelatto, 2010, p. 4) descreve e subdivide em doze os estágios da síndrome do esgotamento profissional, quais sejam: necessidade de autoafirmação; dedicação intensa e realização dos afazeres de forma individual; descaso com necessidades pessoais por perder o sentido em realizá-las; recalque de conflitos, consistindo no não enfrentamento do problema; reinterpretação dos valores, como isolamento e fuga dos conflitos, pois a nova e única medida de autoestima passa a ser o trabalho; negação de problemas; recolhimento e antissocialização; mudanças comportamentais normalmente desencadeadas pelo assédio moral; despersonalização; vazio interior; depressão, indiferença e exaustão e, por fim, a síndrome do esgotamento profissional propriamente dita, que corresponde ao colapso físico e mental.
Importante ainda mencionar que não necessariamente ocorrem na ordem específica retratada, uma vez que o contexto é fator determinante para vivenciar os estágios, bem como sua intensidade.
Percebe-se, logo, que não é apenas o estresse e a fadiga mental que sinalizam a presença da síndrome, mas sim um conjunto de fatores que, somados, se relacionam ao ambiente corporativo e são decorrentes das atividades diárias nele exercidas, ou seja, é uma doença que tem a causa no trabalho, é dele que ela se origina, sendo possível, portanto, responsabilizar judicialmente a empresa responsável pelo acometimento da doença no empregado.
É preciso salientar, no entanto, conforme exposições da Associação Nacional de Medicina do Trabalho que, embora situações estressantes possam ocorrer no dia a dia laboral, em que o estresse é um mecanismo de adaptação natural à manutenção da vida, considera-se patológico quando atinge certos níveis de exaustão, sendo-os aqui encaixados no contexto da síndrome.
Além disso, não são apenas fatores ligados ao esgotamento mental, mas também físico, como: dores de cabeça constantes, problemas gastrointestinais, mudanças no apetite e no humor, distúrbios do sono, etc.
Na grande maioria das vezes, o último estágio é o fator de alerta e preocupação, sendo nele, e não diante de todos os outros fatores que já poderiam servir de embasamento para solucionar o problema, considerado o estágio de emergência, carecendo de ajuda médica e psicológica, haja vista ser só então considerado sinônimo de urgência.
3.2 Concepções teóricas e históricas
Segundo Fontes, (2020, p. 2), o surgimento da síndrome deu-se com a autodescoberta do psicanalista judeu de origem alemã e radicado nos Estados Unidos, Herbert J. Freudenberger, que a diagnosticou em si mesmo no início dos anos 1970. Em 1974, trouxe o conceito de Burnout para nomear então o esgotamento típico das profissões ao analisar que seus colegas de profissão sob alta pressão no trabalho também partilhavam dos mesmos comportamentos, sendo os principais o desprezo e a negligência com seus pacientes.
Logo, nota-se que o contexto histórico da síndrome remonta a década de 70, auge dos ideais de romantismo e liberdade em que já se falava sobre a importância de um ambiente de trabalho equilibrado, mas é vista apenas hoje como a doença do século, cada vez mais presente nos diversos países e sistemas capitalistas de produção.
Ademais, como o Burnout não surge de um acontecimento único e limitado no tempo, mas sim do acúmulo de anos de trabalho, desenvolve-se principalmente nas pessoas que possuem envolvimento interpessoal intenso e há áreas de trabalho mais propensas ao desenvolvimento da síndrome, por conta de fatores externos como a falta do reconhecimento profissional, baixas remunerações e constante desgaste emocional, principalmente nas áreas ligadas à educação e à saúde.
Considerada como uma doença ocupacional, as leis brasileiras enquadravam a síndrome como acidente de trabalho, o que desde antes já garantia uma série de direitos para quem se encaixava no diagnóstico, como a possibilidade de usufruir dos benefícios por incapacidade do INSS. No entanto, dificultava não só o diagnóstico e o reconhecimento, mas também punha em discussão a questão da comprovação da culpa do ambiente de trabalho e do empregador.
O período da crise mundial de saúde relativo à pandemia de covid-19 elevou os diagnósticos da doença pelo mundo e propiciou um olhar diferenciado e de maior cautela para a situação, em face da sobrecarga de trabalho, do receio pela demissão em massa; tudo em decorrência das drásticas mudanças dos ambientes corporativos, o que causou o receio pela perda do emprego e da submissão de novas formas e jornadas de trabalho exaustivas por parte dos empregados de muitas organizações.
Diante de levantamentos realizados pela International Stress Management Association (ISMA) nos anos de 2019 e no período de Covid-19, que apontaram grandes percentuais de trabalhadores e da população economicamente ativa com sintomas de Burnout e o Brasil como um dos países do topo da doença, foi preciso repensar o conceito e revisar a definição de Burnout feita pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID).
No ano de 2022, a partir de 1º de janeiro, é, contudo, que a síndrome de Burnout passa a ser tratada como uma doença que está relacionada ao estresse crônico em virtude do trabalho, sem o devido gerenciamento, e não mais como um mero problema relacionado ao trabalhador e sua saúde mental. Isto posto, na própria descrição de Burnout proposta é justa a afirmação de que o termo se refere aos “fenômenos no contexto ocupacional e não deve ser aplicado para descrever experiências em outras áreas da vida. ” O motivo desse novo enfoque foi a mudança realizada pela Organização Mundial de Saúde, que com a décima primeira atualização da CID, trouxe uma nova classificação, passando do capítulo que trata sobre transtornos mentais e comportamentais para o capítulo que envolve fatores que influenciam o estado de saúde ou o contato com os serviços de saúde, dentre eles problemas associados ao emprego e ao desemprego, cujo código para identificação é o QD85. (CID-11, 2023)
Assim, passa-se da cobrança interna do empregado para um arcabouço de situações negligenciadas e não gerenciadas pacificamente pela empresa, como são os casos de assédio moral, metas inalcançáveis, cobranças agressivas, entre outros.
O acidente de trabalho é conceituado pelo artigo 19 da lei 8.213/91 como:
“...o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.”
Um dos direitos da pessoa diagnosticada com a síndrome é poder usufruir de benefícios de incapacidade pelo INSS, uma vez que a síndrome é equiparada a acidente de trabalho. Sérgio Pinto Martins esclarece que entre o acidente e o trabalho exercido deve haver necessariamente um nexo causal ao dispor que
“é preciso que, para existência do acidente do trabalho, exista um nexo entre o trabalho e o efeito do acidente. Esse nexo de causa-efeito é tríplice, pois compreende o trabalho, o acidente, com a consequente lesão, e a incapacidade, resultante da lesão”. (SÉRGIO PINTO MARTINS, 2022, p. 601)
Dentre os direitos trazidos ao trabalhador que tem a síndrome reconhecida pelo perito do INSS estão o afastamento das atividades até que se dê a completa recuperação e a percepção das prestações devidas durante o período.
Nesse diapasão, por mais que as ações trabalhistas tenham alcançado um nível elevado de demandas na Justiça do Trabalho, é comum que o trabalhador deixe as situações degradantes de trabalho se perpetuarem em seu dia a dia, pelo medo de moverem uma ação trabalhista em face da síndrome adquirida. O temor pelas possíveis retaliações do ambiente de trabalho é justificativo para o não acionamento e cobrança pelos seus direitos.
Nos níveis mais críticos, quando o empregado se submete a essas condições mesmo podendo por fim a essas práticas, acaba em certo momento não aguentando mais e opta por pedir demissão, o que vai de encontro a tudo que poderia ser feito para impedir essa prática. Assim, perde inúmeras vantagens a que teria direito se tivesse ajuizado a demanda, como saque do FGTS. Além disso, há os que tentam induzir a dispensa sem justa causa pelo empregador, provocando situações em que pode ocorrer o inverso e ensejar uma dispensa motivada com justa causa em face das práticas realizadas, conforme artigo 482 da CLT.
Assim, torna-se essencial afirmar que o mero diagnóstico da síndrome de Burnout realizado pela perícia técnica adequada não será suficiente para garantir os direitos trabalhistas que o empregado possui, mas é preciso também comprovar a culpa do empregador pelo adoecimento. Portanto, é mister compreender que direitos como a estabilidade só serão válidos se ocorrer a comprovação de que o motivo gerador da doença está intrinsecamente ligado ao ambiente de trabalho e às funções laborais diárias.
Decerto que as provas levadas pelo empregado, como documentos, conversas por e-mail e registros telefônicos, além das testemunhas, são essenciais para comprovação em âmbito judicial de que o ambiente laboral favoreceu o acometimento da síndrome.
No que tange ao reconhecimento da doença, a empresa arca com os quinze dias iniciais de atestado de trabalhador, ao passo que, superados esses primeiros dias, dá-se ensejo ao recebimento do auxílio-doença, com o devido reconhecimento do FGTS por todo o período de afastamento e recebimento do benefício.
Ademais, conforme o artigo 118 da lei 8.213/91, “o segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de 12 meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário...” Portanto, é norma trabalhista incluída na lei previdenciária e, dessarte, constitucional. (MARTINS, Sérgio Pinto. 2022, p. 626)
Por equiparação, a Síndrome de Burnout também concede o direito de estabilidade empregatícia de 12 meses. Decerto explicar que o prazo se inicia após o tratamento do diagnosticado, tendo então o direito de não ser demitido da empresa pelos 12 meses seguintes após seu retorno.
No entanto, é mais viável e pouco conhecida dos empregados, para os casos que configuram os abusos do ambiente laboral e das relações de trabalho, tanto a nível da síndrome de Burnout, como nos casos de assédio moral, discutido no capítulo anterior, a chamada rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme previsão do artigo 483 da CLT. Isto porque fica caracterizada a culpa do empregador, sendo ele o motivo da quebra do contrato de trabalho. Assim, são devidos todos os direitos da dispensa sem justa causa previstos em lei, como direito ao aviso prévio indenizado, décimo terceiro salário, férias simples e vencidas, saque do FGTS e multa de 40% sobre o FGTS.
Marques Jr (2009, p. 50) também reitera que além da indenização devida pela rescisão na modalidade sem justa causa, há ainda a indenização decorrente do dano moral ou material sofrido, hipótese em que se averiguará sobre a existência de dano moral simples ou a hipótese de assédio moral, em que se se observa se a conduta do empregador se deu de forma reiterada, pois havendo habitualidade resta configurada a caracterização de assédio moral.
Dessa forma, mostra-se como solução mais célere aos abusos da relação de emprego, na qual o empregado desliga-se da empresa pela culpa do empregador. Assim, sai antes de mover a ação trabalhista, mas não renuncia aos seus direitos trabalhistas, desde que comprove o nexo de causalidade entre as funções exercidas na empresa e suas condições com a doença adquirida, sendo reconhecida essa forma de rescisão pela Justiça.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR
O respeito pela dignidade humana e os valores sociais do trabalho estão previstos expressamente nos incisos III e IV do artigo 1º da Constituição Federal de 1988. Por sua vez, assegura o direito de indenização por dano moral e, ou material a quem violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, conforme previsão do inciso X do artigo 5º também da Constituição.
O Código Civil de 2002, enquanto norma fiel à Constituição, trouxe a responsabilidade objetiva e previu a reparação do dano de natureza exclusivamente moral, independentemente de prejuízo também material.
Art. 186, Código Civil Brasileiro, 2002 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927, Código Civil Brasileiro, 2002 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. (BRASIL, 2002)
Trata-se, portanto, de normas de caráter sancionador e educativo, pois é uma tentativa de o Estado promover a devolução ao ofendido do bem que lhe foi degradado em virtude da comprovação pelo autor da conduta humana, do nexo de causalidade com o dano ou prejuízo sofrido, seja de natureza patrimonial, moral ou estética. Diferentemente ocorria com o Código Civil anterior, de 1916, que previa apenas a responsabilidade subjetiva, com a comprovação da culpa.
Ferrari, 2005 (apud. Marques Jr, 2009, p.52) afirma que a responsabilidade civil faz sua máxima representatividade no âmbito da Justiça do Trabalho no que tange ao dano moral e à responsabilidade civil no que tange à obrigação de indenizar. Isto porque, conforme a Constituição Federal trata no artigo 114, inciso VI, a Justiça do Trabalho é hoje a justiça competente para processar e julgar as ações que visem à reparação do dano moral e material decorrentes da relação de trabalho.
Fernandez (2013, p. 12) trazia para a Responsabilidade Civil uma dupla acepção no que tange aos seus sentidos amplo e restrito, quais sejam:
Em significado amplo, a Responsabilidade Civil denota uma situação jurídica em que alguém tem o dever jurídico de indenizar outrem, em virtude de obrigação que decorre de uma dada situação fática, podendo significar também, nesse sentido, instituto jurídico regrado pelas normas que disciplinam o conteúdo e o cumprimento da aludida obrigação de indenizar. Em sentido estrito, a Responsabilidade Civil é tomada como o específico dever de indenizar, oriundo de um dado fato lesivo imputável a um determinado agente. Nesse raciocínio, já se percebem regras relativas a atos ilícitos e a práticas que violam comandos normativos.
É preciso discorrer primeiramente acerca do que é o dano. Assim, conceitua-se a definição de dano nos ensinamentos de Vólia Bomfim Cassar (2018, p. 888), como “o fato gerador da responsabilidade de pagamento de indenização ou de reparação. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano”. Ademais, dispõe ainda que dano é “a violação de um bem juridicamente tutelado pelo direito, seja ele patrimonial ou não patrimonial” (CASSAR, Vólia Bomfim, 2018, p. 889).
Cavalieri Filho (2004, p. 95-96) afirma que dano é “o resultado de uma ação ou omissão, não estribada em exercício regular de um direito, em que o agente causa prejuízo ou viola direito de outrem, por culpa ou dolo”.
Tendo em vista os conceitos apresentados, é preciso ainda mencionar os requisitos para que haja o direito à indenização de dano, seja de natureza moral ou patrimonial, que são: a ocorrência do dano, proveniente de ato ilícito, abusivo ou atividade de risco e ainda a presença do nexo causal, elementos caracterizadores da responsabilidade civil objetiva. (CASSAR, Vólia Bomfim, 2018, p. 888). É por isso que se torna indispensável a ocorrência dos prejuízos à saúde do trabalhador, consideradas como danosas, pois não há que se falar em indenização sem dano, o que acarretaria a prática de enriquecimento ilícito.
4.1 A responsabilidade do empregador frente aos casos de assédio moral e síndrome de Burnout enquanto acidente do trabalho
Conforme mencionado acima, a Carta Magna tem na dignidade da pessoa humana um princípio fundamental que norteia as relações humanas. É desse princípio que são coibidos todo e qualquer ato que ofenda e lese a saúde do trabalhador. Além disso, o inciso XXII do artigo 7º, no que tange aos direitos sociais, a necessidade de um trabalho digno, com o fito de “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (BRASIL, 1988).
Na esfera civil e trabalhista, a responsabilidade decorrente do assédio moral, que inclusive é motivo determinante para o desencadeamento da síndrome de Burnout, será objetiva. (Marques Jr., 2009, p. 54)
Assim, o dever de indenizar o assédio moral é consequência jurídica do ato ilícito, sendo indispensável para a caracterização da responsabilidade civil a coexistência da conduta, do dano moral ao ofendido e do nexo de causalidade entre a conduta e o dano.
Com relação aos entendimentos dos Tribunais, no que tange ao assédio moral, ao julgar o respectivo Recurso Ordinário Trabalhista abaixo a Décima Primeira Turma entendeu pela extrapolação do poder diretivo do empregador, o que deu ensejo à prática do assédio moral e ao dever de reparação.
ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO. CONDUTA INTOLERÁVEL. Ao imputar ao empregado a responsabilidade pela inadimplência de clientes, bem como pelos danos causados por terceiros ao empreendimento, inclusive com a assinatura de notas promissórias, em garantia desses prejuízos e ameaças sistemáticas de descontos salariais, o empregador extrapola inegavelmente seu poder diretivo, impondo ao trabalhador um ambiente de trabalho que atenta contra a sua integridade psíquica e moral, caracterizando-se, assim, afronta aos direitos da personalidade e o consequente dever de reparação.
(TRT-3 - ROT: 0011871-44.2018.5.03.0048, MG. Relator: Des. Antonio Gomes de Vasconcelos, Décima Primeira Turma, Data de Julgamento: 16/06/2021, Data da publicação: 18/06/2021.)
O direito à reparação pelo dano causado nasce da omissão do empregador ao não observar ou se adequar as normas de segurança do trabalho, em concordância com o artigo 927 do Código Civil e com seu parágrafo único, que tira a necessidade da comprovação do elemento culpa. Dessa forma, restando configurado o nexo de causalidade entre a síndrome de Burnout e a atividade exercida pelo trabalhador, surge ao empregador o dever de reparação dos danos, independentemente de culpa, por se tratar de responsabilidade civil objetiva.
Ainda quanto à síndrome de Burnout, os Tribunais do Trabalho também vêm adotando o posicionamento da responsabilidade objetiva de forma mansa e pacífica. In verbis:
DOENÇA OCUPACIONAL - SÍNDROME DE BURNOUT - INDENIZAÇÃO. Diagnosticada no curso do contrato de trabalho a Síndrome de Burnout (síndrome do "esgotamento profissional") que levou ao afastamento previdenciário do autor, no curso do aviso prévio, por um ano e quatro meses, por doença ocupacional equiparada a acidente do trabalho, é devida a reintegração ao emprego e ainda a indenização de cunho moral, nos termos dos arts. 118 da Lei nº 8.213/91, segunda parte do item II da Súmula 378 do TST e artigos 186 e 927 do CCB e art. 5º, incisos V e X da Constituição Federal.
(TRT-3 - ROT: 0011012-62.2017.5.03.0048, MG. Relator: Des. Antonio Gomes de Vasconcelos, , Décima Primeira Turma, Data de Julgamento: 03/03/2021, Data de Publicação: 05/03/2021.)
Por força dos artigos 949 e 950, previstos no Código Civil, configurada a síndrome, o empregado tem o direito de receber a indenização pelas despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além dos outros prejuízos que o ofendido conseguir fazer a prova de ter sofrido. Além disso, inclui também pensão correspondente à importância do trabalho, havendo inabilitação ou capacidade reduzida.
Caldas e Testa (2020, p. 113) trazem o caráter preventivo como determinante para rastrear e a diagnosticar precocemente os danos cometidos à saúde dos trabalhadores, tendo em vista que a modernização do trabalho trouxe a necessidade de gerência do tempo e das atividades laborais cotidianas, em face da intensificação do trabalho, do ritmo acelerado, das longas jornadas a que são submetidos, dos níveis altos de cobrança por resultados e da administração estressante e da alta exigência cognitiva e mental. Nesse sentido, a medicina do trabalho surge para amenizar a agressividade dos processos produtivos através de métodos e organização da execução das tarefas e do trabalho em si.
Ainda na lei 8.213/91, o artigo 20 apresenta um rol exemplificativo das doenças associadas ao trabalho, que, assim como Decreto n° 3.048/99, que regulamentou a Previdência Social, e a Portaria n° 1.399/99 do Ministério da Saúde, apresentam a síndrome como doença ocupacional.
No tocante ao dano moral, revela-se ser o dano de maior subjetividade a ser atribuída, pelo simples fato de atingir apenas bens incorpóreos, como a privacidade, a honra, o nome, etc. Denota-se, portanto, de bens imateriais de valor incalculável, possuindo valores diferentes para cada um. É por isso que é salutar estabelecer o nexo causal entre os prejuízos ocasionados à vítima e sua saúde com a conduta do agressor no ambiente laboral.
Para além disso, Machado (2020, p. 101) reflete que
“o adoecimento pode referir-se, preponderantemente, a elementos físicos ou psíquicos da saúde do trabalhador. Um pode interferir no outro: o adoecimento físico pode repercutir negativamente no bem-estar psíquico-mental da pessoa e vice-versa”.
Decerto que o empregador que não segue as normas de saúde, higiene e segurança estabelecidas nas leis comete ato ilícito, ensejando a busca do empregado pela reparação civil do dano estabelecido, sem prejuízo de outras prestações.
Para isso, torna-se essencial que o empregado traga junto a sua petição trabalhista todos os exames, documentos e testemunhas que comprovem a ocorrência do assédio moral ou da síndrome de Burnout obtida, mostrando cabalmente que os danos são decorrentes da relação de emprego e do local de trabalho.
Conforme previsão da súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça, pode haver a cumulação de indenizações por dano moral e estético. Para isso, precisam ser oriundas do mesmo fato. O artigo 223-F da CLT também admite a cumulação das indenizações por dano material e dano moral.
No que tange à reparação indenizatória, é preciso que a extensão e a magnitude do dano sejam identificadas, pois em concordância com o artigo 944 do Código Civil, que preza pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o valor das indenizações não pode ensejar ao enriquecimento sem causa, como mencionado anteriormente. Salienta-se, então, que o tipo de indenização pleiteada vai variar de acordo com o dano sofrido.
Vale ressaltar ainda que, conforme disposto no artigo 206, parágrafo 3, inciso V, do Código Civil, a ação de reparação civil tem a prescrição no prazo de três anos.
Sabe-se que o direito à saúde é norma constitucional. Na esfera trabalhista, então, é essencial que o trabalhador tenha seu direito respeitado, a fim de que seu modo de vida não seja afetado pelo fazer laboral. Hoje, o tema em pauta, para além da síndrome de Burnout e do assédio moral, é a saúde mental, que vem preocupando os especialistas na área da saúde para os riscos efetivos que o indivíduo precisa conciliar para não ser vítima desse mal.
Dessa forma, com o fito de cuidar da saúde mental, uma das formas de se precaver contra seus riscos é promover a prevenção contra o assédio moral, que, conforme preceitua Marques Jr., pode partir da própria vítima ao utilizar de métodos repressivos para fazer cessar ou minimizar o assédio, como também de métodos preventivos, evitando novos casos; buscando uma antecipação ao agressor. Dentre as possibilidades de refutar essa conduta, estão: anotação de dados referentes às humilhações sofridas, dar visibilidade ao problema, chamando atenção de colegas e superiores ou ainda de testemunhas que viveram situações semelhantes, caso seja necessário interagir com o agressor, estar acompanhado por testemunha, dirigir-se ao Ministério Público do Trabalho para denunciar o ocorrido, dentre outras. (Marques Jr., 2009, p. 37-38).
No que tange ao Burnout, é notório que grande parte das faltas injustificadas, desligamentos trabalhistas e também da maior rotatividade de empregados nas empresas atuais estão relacionados ao estresse e ao Burnout, uma vez que o mercado exige a excelência da produtividade aliada à lucratividade e competitividade. Assim, é imperioso reconhecer a existência da síndrome e atuar efetivamente em estratégias de prevenção e de intervenção.
Quanto às empresas, faz-se imprescindível a utilização de ferramentas de fiscalização e controle para que o assédio moral e o Burnout sejam, antes de tudo, gerenciados os seus conflitos; bem como promover a repreensão, sendo as práticas preventivas a melhor forma de lidar com a questão. Para os casos de assédio moral, é preciso impor sanções por parte dos colaboradores, gestores e sócios, a fim de que condutas permissivas impróprias não sejam toleradas e caracterizadas como “meras brincadeiras”.
Destarte, é imperioso também se pensar na proporcionalidade e na razoabilidade das sanções, disciplinando os funcionários e demais colaboradores de maneira gradual, com o escopo de evitar também que a empresa receba processos judiciais contra demissões por condutas impróprias no trabalho, mas ao mesmo tempo demonstre às vítimas de que as condutas estão sendo enxergadas e devidamente punidas conforme o caso.
Para além das punições, o desenvolvimento de manuais internos de boas condutas no ambiente de trabalho, bem como a introdução de seminários e palestras informativas quanto aos temas aqui explanados, instauração de sindicância para apuração dos casos de assédio moral e canais internos para o recebimento de denúncias sigilosas, evitando, assim, possíveis imparcialidades, são também ferramentas de controle plausíveis.
Outrossim, com o advento do Compliance trabalhista, percebe-se outra forma eficiente na investigação de casos de assédio, em face de uma abordagem multidisciplinar e cooperativa que é desenvolvida pela integração de advogados trabalhistas e criminais junto a empresas, facilitando a confiança do colaborador ao se sentir confortável diante do profissional do Compliance em vez de seu próprio empregador. Assim, preserva-se a imagem da empresa, dos gestores e da própria vítima.
Conclui-se que a prevenção do assédio moral e dos casos cada vez mais diagnosticados de Burnout precisa ser pauta de discussão nos ambientes de trabalho, com o fito de produzir uma política de prevenção de riscos profissionais, haja vista que a ofensa à saúde física e mental dos empregados é também uma ofensa a um direito fundamental constitucional.
Por todo o exposto, é imprescindível que as empresas e os empregadores repensem a nova política empresarial do capitalismo desenfreado, uma vez que correm sérios riscos de terem um quadro de profissionais doentes, assediados constantemente e imersos em uma síndrome de danos irreparáveis. Urge para isso a necessidade de elencar mudanças nas relações trabalhistas, em que as empresas devem, sobretudo, propiciar ambientes de trabalho saudáveis e favoráveis à saúde de seus empregados, estando sempre atentas às problemáticas apontadas pelos próprios funcionários.
O assédio moral que contamina o ambiente de trabalho como um todo ou é praticado especificamente contra um empregado tenta vencer o trabalhador pelo cansaço. A má gerência do ambiente de trabalho que desencadeia a síndrome de Burnout traz à tona a problematização da relação empregado, empregador e ambiente. Como visto, tudo permeia o âmbito do ambiente de trabalho, que deve ser digno e se adequar aos princípios fundamentais e sociais. Para isso, o acompanhamento de profissionais que atuam em saúde mental e qualidade de vida também é outro diferencial, pois para promovendo colaboradores dispostos e satisfeitos a consequência direta dá-se na produtividade e na rentabilidade das empresas.
A reclassificação da Organização Mundial de Saúde no que tange à síndrome de Burnout para um fenômeno ocupacional a partir de 2022 evidencia o olhar diferenciado que a matéria vem recebendo nos últimos anos, principalmente pós pandemia de covid-19 e o aumento dos diagnósticos, o que evidencia a fragilidade do ser humano em contato com agentes estressores.
Ademais, as alterações pelas quais a sociedade e o Direito passam são balizadoras das relações. É nesse contexto que instituto da responsabilidade civil objetiva do empregador pelos danos decorrentes do assédio moral e da síndrome de Burnout como acidente de trabalho se evidenciam, uma vez que a responsabilidade subjetiva com base na culpa demonstrou-se insuficiente, diante da impossibilidade de as vítimas conseguirem tal demonstração.
Os ambientes laborais carecem de humanização. O resgate dos valores sociais do trabalho e a moderação das expectativas são fatores que precisam ser reconsiderados para que o assédio moral seja coibido e o esgotamento profissional não seja regra no ambiente profissional.
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Bacharela em Direito - Universidade de Fortaleza. Especialista em Direito e Processo do Trabalho - PUCRS
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Lidiane Gomes dos. O assédio moral e a síndrome de Burnout como doença ocupacional: responsabilidade civil do empregador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2023, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64225/o-assdio-moral-e-a-sndrome-de-burnout-como-doena-ocupacional-responsabilidade-civil-do-empregador. Acesso em: 23 dez 2024.
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