Resumo: Por meio deste trabalho, buscou-se analisar a aplicação do Direito Civil ao Direito do Trabalho, mormente no que tange à responsabilização civil do empregador, nos casos de acidente do trabalho, doenças ocupacionais e suas demais equiparações. Buscou-se abordar a dicotomia entre a responsabilidade objetiva e subjetiva, ambas adotadas pelo nosso ordenamento jurídico pátrio, mas que gera intensa controvérsia, principalmente no que diz respeito à possibilidade de cumulação entre as indenizações civil e aquela advinda da Previdência Social, bem como o importante papel do compliance para evitar acidentes e maiores passivos trabalhistas.
Palavras-chave: Responsabilidade civil. Acidente do trabalho. Indenização. Compliance
Sumário: 1-Introdução; 2-Noções introdutórias acerca da responsabilidade civil: acepções e espécies; 3-Do acidente de trabalho: conceito, equiparações e indenizações 4 A responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho; 4.1-Benefício previdenciário versus indenização por acidente do trabalho; 4.2-Da importância do compliance para evitar acidentes trabalhistas; 5-Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca analisar os aspectos gerais da responsabilidade civil e de suas influências no âmbito do Direito do Trabalho. Para tanto, foram utilizadas as mais ilustres explicações doutrinárias, assinadas por autores como Sebastião Geraldo de Azevedo, de modo a delinear os principais pontos da temática tratada, ao lado de diversas abordagens jurisprudenciais, como forma de dar respaldo ao que é discutido na teoria.
Sendo assim, o trabalho, preliminarmente, apresentará uma abordagem conceitual e dos aspectos gerais da responsabilidade civil, propondo-se a diferenciar as teorias da responsabilidade, de sorte que serão abordadas as principais disposições que buscaram disciplinar o assunto em comento.
Em seguida, buscar-se-á uma análise da responsabilidade civil no âmbito trabalhista, abordando-se, inicialmente, o conceito do que seria acidente do trabalho e as suas respectivas equiparações. Em seguida, serão feitos comentários sobre as indenizações possíveis que poderão respaldar o trabalhador, bem como quais os critérios que as permeiam. Por derradeiro, será examinada a influência que o compliance exerce sobre o tema.
2 Noções introdutórias acerca da responsabilidade civil: acepções e espécies
Primeiramente, deve-se definir o que seria responsabilidade civil, visto que a sua acepção será essencial para a abordagem ao longo do trabalho, bastante relacionada com a noção de reparação de um dano que tenha sido provocado a terceiro.
Para Carlos Roberto Gonçalves, a responsabilidade “exprime a ideia de restauração de equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano”[1]. Já para Maria Helena Diniz, seria a “aplicação de medidas que obriguem a pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”[2]. Da mesma forma afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que a responsabilidade civil “deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas”[3].
A figura da responsabilidade civil remonta aos primórdios da humanidade, em que o ofendido buscava, através da vingança privada e da autotutela, uma reação ao mal sofrido.
Hodiernamente, a responsabilidade civil constitui gênero, possuindo diversas espécies e subespécies, a depender da classificação adotada. Dentre essas, as principais remetem à dicotomia entre a responsabilidade civil contratual e extracontratual e a responsabilidade civil subjetiva e objetiva.
Quanto à primeira divisão, a responsabilidade contratual seria aquela em que há o prejuízo a outrem, em virtude de descumprimento de obrigação prevista em contrato avençado, previamente, entre as partes plenamente capazes. Nessa, o ônus da prova é do credor, que deverá provar que a prestação não foi cumprida.
Já na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, a obrigação não deriva de contrato, pois há violação direta a uma norma legal, inexistindo qualquer vínculo jurídico entre a vítima e o causador do dano. Nesse caso, ao contrário da responsabilidade contratual, o ônus é do autor da ação, que deverá provar que o fato danoso ocorreu por culpa do agente.
Em síntese:
O fato gerador do direito à reparação do dano pode ser a violação de um ajuste contratual das partes ou de qualquer dispositivo do ordenamento jurídico, incluindo-se o descumprimento do dever geral de cautela. Quando ocorre a primeira hipótese, dizemos que a responsabilidade é de natureza contratual; na segunda, denominamos responsabilidade extracontratual ou aquiliana[4].
Quanto à segunda divisão, a responsabilidade subjetiva decorre do dano causado por culpa ou dolo do agente. Por culpa, entende-se aquele que atua por negligência ou imperícia. Aqui, o autor deverá se desincumbir do onus probandi, pois deverá provar a culpa do réu. Assim, torna-se necessária a existência de três elementos: o dano, o nexo de causalidade e a culpa ou dolo do agente.
No entanto, há casos em que é irrelevante a comprovação de culpa ou dolo do agente causador do dano, devendo-se comprovar apenas o dano e o nexo causal. Nesse caso, trata-se da responsabilidade objetiva ou legal. Quando se diz que a culpa ou o dolo são irrelevantes, significa que estas podem ou não existir, sendo desnecessárias para surgir o dever de indenizar.
Ocorre que, buscando delimitar e justificar a responsabilidade objetiva, surgiram diversas teorias, as chamadas teorias do risco, acarretando a subdivisão da espécie da responsabilidade civil objetiva.
A primeira, pela teoria do risco proveito, busca-se responsabilizar aquele que tira proveito da atividade. Assim, haveria responsabilização pelos danos que a atividade possa acarretar. Porém, o principal empecilho dessa teoria recai na dificuldade de se provar a obtenção do proveito, bem como de definir o que seria este.
A segunda teoria, a do risco profissional, impõe o dever de indenizar, quando o dano decorre da atividade profissional da vítima, estando diretamente ligado aos acidentes do trabalho, abrangendo todas as atividades laborais.
Já na teoria do risco excepcional, indeniza-se sempre que houver um risco acentuado ou excepcional ao trabalhador, em virtude da natureza perigosa da atividade. Seriam consideradas atividades perigosas aquelas relacionadas com redes elétricas de alta tensão, materiais radioativos e energia nuclear.
A quarta diz respeito à teoria do risco integral, considerada a teoria mais extrema, por exigir que a vítima seja indenizada, mesmo nos casos em que haja a sua culpa exclusiva, caso fortuito ou força maior. Para alguns, essa teria sido a teoria adotada pelo Direito do Trabalho, em virtude do disposto no art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho[5], que afirma que o empregador assume os riscos da atividade econômica, tratando-se de uma cláusula geral da responsabilidade do empregador e fundamento para a inexistência de responsabilidade subjetiva, e do princípio da proteção do trabalhador:
A tese que expomos aqui é justamente a de que o Direito do Trabalho, inserido que está na lógica do direito social e de uma visão social de Estado, é precursor na adoção da teoria do risco integral do empregador, sequer admitindo subdivisões tendentes a legitimar a defesa de uma responsabilidade subjetiva, em determinadas situações. A regra do artigo segundo, inspirada na noção de proteção que justifica e orienta o Direito do Trabalho, não deixa margem a dúvidas[6].
No entanto, ampla maioria dos doutrinadores entende que o dispositivo acima seria aplicado apenas ao risco de insucesso do negócio, devendo o empregador realizar o pagamento do salário e dos demais encargos trabalhistas.
Por fim, tem-se a teoria do risco criado, em que, pela simples criação do risco, surge o dever de indenizar, caso aquele se concretize, não se indagando se houve ou não proveito da atividade, pelo empregador. Difere-se do risco profissional e do risco proveito, pois não se aplica somente ao Direito do Trabalho, abrangendo as demais áreas jurídicas:
A idéia do risco perde seu aspecto econômico, profissional. Sua aplicação não mais supõe uma atividade empresarial, a exploração de uma indústria ou de um comércio, ligando-se, o contrário, a qualquer ato do homem que seja potencialmente danoso à esfera jurídica dos seus semelhantes. Concretizando-se tal potencialidade, surgiria a obrigação de indenizar.[7]
É por isso que se diz que o Código Civil de 2002, no parágrafo único do art. 927[8], consolidou a responsabilidade objetiva no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, há divergências quanto à modalidade adotada, havendo adeptos das mais diversas modalidades. No que diz respeito à responsabilidade subjetiva, esta também foi adotada pelo Código Civil, mais especificamente nos arts. 186[9] e 927, caput[10], evidenciando que não mais se pode dizer que a responsabilidade subjetiva seja a regra, enquanto a responsabilidade objetiva seja a exceção.
3 Do acidente de trabalho: conceito, equiparações e indenizações
Antes de tratarmos do tema da responsabilidade civil, nos casos de acidente do trabalho, porém, devemos realizar uma abordagem acerca do acidente de trabalho, cujo conceito encontra-se na Lei nº 8.213 de 1991:
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho[11].
Constata-se a existência de alguns elementos que permeiam a definição de acidente do trabalho: primeiro, quanto à causa, o acidente deve decorrer do exercício do trabalho a serviço da empresa, constituindo nexo causal imprescindível. Segundo, quanto à consequência, o acidente provoca lesão corporal ou perturbação funcional, podendo acarretar morte, perda ou redução da capacidade laborativa, de modo permanente ou temporário. Ou seja, não havendo lesão corporal ou perturbação física ou psíquica do trabalhador, não haverá acidente do trabalho. Tais elementos precisam estar presentes, pois são cumulativos.
Saliente-se que há diferenças entre não haver lesão corporal ou perturbação física ou psíquica e estas se manifestarem somente de maneira tardia. Neste caso, diferentemente do primeiro, havendo nexo causal entre a atividade do empregado e o acidente, constar-se-á o acidente do trabalho.
Alguns autores entendem que a denominação mais adequada seria acidentes pessoais ou acidente do trabalho com dano pessoal, em referência às consequências físicas ou psíquicas decorrente do acidente. No entanto, consagrou-se o termo acidente do trabalho.
Indo além:
O fato gerador do acidente típico geralmente mostra-se como evento súbito, inesperado, externo ao trabalhador e fortuito no sentido de que não foi provocado pela vítima. Os efeitos danos normalmente são imediatos e o evento é perfeitamente identificável, tanto com relação ao local da ocorrência quanto no que tange ao momento do sinistro, diferentemente do que ocorre nas doenças ocupacionais[12].
Por evento súbito, entende-se a rapidez do acontecimento, enquanto o externo significa que a causa não tem relação com a constituição orgânica da vítima. Nota-se, ainda, que são os riscos específicos decorrentes do exercício do trabalho, e não os riscos gerais que abrangem todas as pessoas, que se prestam para efeitos de caracterização do acidente do trabalho.
Quanto à redução para o trabalho, como dito antes, esta pode ser permanente ou temporário. No último caso, não significa que necessariamente deverá haver afastamento do trabalho, pois a mera ida ao hospital ou o tempo para se realizar um curativo também se prestam para tais efeitos.
Em virtude da introdução do §4º do art. 337 do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048 de 1999), o rol de elementos caracterizadores do acidente do trabalho foi ampliado, passando a abarcar os agravos às lesões, tais como transtorno de saúde, distúrbio, disfunção ou síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, independentemente do tempo de latência.
São consideradas, também, acidentes do trabalho as doenças provocadas pelo trabalho do empregado, como as doenças profissionais e as doenças do trabalho.
Enquanto a doença profissional, tecnopatia ou ergopatia é peculiar a uma atividade ou profissão específica e possui um nexo causal presumido com a atividade, a doença do trabalho, mesopatia ou doença profissional atípica não possui vínculo com uma profissão específica, não possuindo nexo causal presumido. Quer isso dizer, portanto, que é necessária a comprovação de que a doença surgiu em virtude das condições específicas em que o trabalho foi realizado.
São as chamadas doenças ocupacionais e que, apesar de conceitualmente diferirem do acidente do trabalho, são equiparadas a esta, para efeitos de reparações.
Foram elencadas determinadas situações que se equiparam aos acidentes do trabalho. Tais hipóteses abrangem acidentes que, mesmo ocorridos fora do local ou do horário de trabalham, possuem vinculação com o exercício laboral, ou, mesmo ocorrendo no local ou no horário de trabalho, apenas estão ligados indiretamente ao exercício do trabalho.
Há, também, casos expressamente mencionados e que não possuem qualquer nexo causal com o trabalho, não se prestando para efeitos de caracterização do acidente, como as doenças degenerativas; as inerentes a grupo etário; a que não produza incapacidade laborativa; e a doença endêmica adquirida por habitante da região, salvo esteja este exposto em virtude do trabalho.
Nos dizeres de Sebastião Geraldo de Oliveira, “o acidente caracteriza-se pela ocorrência de um fato súbito e externo ao trabalhador, ao passo que a doença ocupacional normalmente vai se instalando insidiosamente e se manifesta internamente, com tendência de agravamento”[13]
Além disso, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil consagrou a teoria da responsabilidade sem culpa ou da culpa presumida, garantindo o direito à reparação àqueles expostos às atividades de risco, desde que presente o nexo causal entre o dano e o agente nocivo ou de risco. São as chamadas atividades de risco, em que o trabalhador possui um ônus maior que os demais trabalhadores de outras atividades.
Dessa forma, o empregador estaria passível de responsabilização civil nos casos de acidente do trabalho e suas equiparações, bem como nas doenças ocupacionais e nas atividades de risco.
No entanto, é claro que há hipóteses de atenuação ou de exclusão da responsabilidade, como nos casos de culpa exclusiva do trabalhador ou concorrente ou quando houver força maior ou caso fortuito. Tal afirmação está em conformidade com Mauricio Godinho Delgado, para quem “a exclusão responsabilizatória incidirá apenas quando se tratar de causa única do infortúnio, uma vez que, tratando-se de simples concausa, sua ocorrência pode somente atenuar o valor da indenização.”[14]
4 A responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho
4.1 Benefício previdenciário versus indenização por acidente do trabalho
Ocorrido o acidente de trabalho, os empregadores e empregados têm a falsa ideia de que as reparações devidas ao empregado estão limitadas ao benefício previdenciário do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Os primeiros, por comodidade, que creem que a Previdência Social cobrirá todos os riscos, enquanto os últimos desconhecem, em virtude de a regulamentação acerca do tema estar imiscuída na legislação previdenciária.
Ora, há dispositivo constitucional claramente dispondo que a reparação civil independe[15] do benefício previdenciário. Assim, ocorrendo o acidente de trabalho ou doença ocupacional, a Previdência Social arcará com o auxílio-doença acidentário (agora chamado auxílio por incapacidade temporária), a partir do 16º dia em que o empregado estiver sem trabalhar. Tal auxílio corresponde ao importe mensal relativo a 91% do salário de benefício[16] e o trabalhador, durante o gozo do auxílio-doença, será considerado pela empresa como licenciado.
Em paralelo ao benefício previdenciário, o trabalhador que sofreu o acidente possui direito à reparação, tenha o acidente provocado sequelas ou não, conforme disposto no Código Civil, nos arts. 949 e 950.
O art. 949 trata do direito do trabalhador de receber a indenização pelas despesas do tratamento e dos lucros cessantes (o que deixou de receber, enquanto afastado do trabalho), como salário, gratificações e gorjetas. Em tais casos, portanto, não há sequelas decorrentes do acidente.
Já o art. 950 prevê os casos em que houve sequelas, ou seja, em que ocorreu invalidez permanente para o labor. Aqui, a indenização deverá englobar o dano emergente (aquilo que efetivamente se perdeu) e os lucros cessantes relativos às despesas com o tratamento; a pensão correspondente à incapacidade do trabalho; o pagamento mensal ao empregado que necessite de auxílio de outra pessoa para praticar atos da vida diária; a indenização pelos ganhos extras que deixou de receber (gorjetas, comissões ou gratificações); e a indenização por dano moral e/ou estético. Cabe à prova pericial atestar o grau de invalidez do acidentado.
Poderá o empregado exigir que tais pagamentos indenizatórios sejam feitos de uma só vez, mediante arbitramento do juiz, conforme disposto no parágrafo único do dispositivo tratado.
Vê-se, portanto, a existência de dois tipos de indenizações: a previdenciária (decorrente de responsabilidade objetiva) e a civil (decorrente de responsabilidade subjetiva). Ocorre que há divergência quanto à possibilidade de que haja compensação entre tais indenizações.
A primeira posição entende que o empregador apenas pagará a diferença entre o valor pago pelo INSS e o valor que o empregado teria direito se estivesse trabalhando, com vistas a evitar que o empregado não receba mais do que deveria, em decorrência do acidente. Dessa forma, o trabalhador não receberia mais que o dano causado. Para essa corrente, ainda, a lei, ao estabelecer que o pagamento previdenciário não exclui a responsabilidade civil do empregador, não teria vedado o abatimento ou dedução entre tais indenizações, justamente para evitar o enriquecimento indevido da vítima.
Já a segunda posição, adotada majoritariamente pelos tribunais, dispõe não haver qualquer dedução sobre a reparação civil, do valor pago pela Previdência, pois não se pode impor restrições, quando a lei sequer o fez. Enquanto o benefício previdenciário independe de culpa ou dolo dos atos praticados contra o trabalhador, a responsabilidade civil do empregador não prescinde de culpa ou dolo.
São, portanto, indenizações decorrentes de causas distintas, apresentando naturezas próprias. Enquanto uma emerge do seguro social, a outra emerge de comportamento ilícito do empregador:
Administrativo e processual civil. Responsabilidade civil do estado. Ação indenizatória. Danos materiais cumulação com pensão previdenciária. Possibilidade. A jurisprudência desta Corte e disposta no sentido de que o benefício previdenciário é diverso e independente da indenização por danos materiais ou morais, porquanto, ambos têm origens distintas. Este, pelo direito comum; aquele, assegurado pela Previdência. A indenização por ato ilícito e autônoma em relação a qualquer benefício previdenciário que a vítima receba. [...] STJ. 2ª Turma. AgRg no AgRg no REsp n. 1292983/AL, Rel.: Ministro Humberto Martins, DJ 7 mar. 2012.[17]
Recurso de revista. Danos materiais. Lucros cessantes. Pensão. Cumulatividade da pensão paga pelo empregador com benefício previdenciário. A indenização decorrente de acidente de trabalho não pode ser compensada com o auxílio-acidentário pago pela Previdência Social, a luz do próprio art. 7º, XXVIII, da Carta Magna que garante ao empregado seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.[...]. O seguro de acidente do trabalho não contempla indenização alguma, nem determina reparação dos prejuízos sofridos; apenas são concedidos benefícios para garantir a sobrevivência da vítima e/ou seus dependentes, como ocorre com todos os demais segurados da Previdência Social’ (Sebastião Geraldo de Oliveira, Indenização por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008). (...) Recurso de revista conhecido e provido. TST. RR n. 369/2007-005-24-00.8, Rel.: Ministra Rosa Maria Weber, 3ª Turma, DJ 6 nov. 2009.[18]
Da mesma forma se posiciona grande parte da doutrina, a exemplo:
Qualquer que seja, portanto, o grau de culpa, terá́ o empregador de suportar o dever indenizatório, segundo as regras do Direito Civil, sem qualquer compensação com a reparação concedida pela Previdência Social. Somente a ausência total de culpa do patrão (em hipóteses de caso fortuito ou forca maior, ou de culpa exclusiva de vítima ou de terceiro) é que o isentará da responsabilidade civil concomitante à reparação previdenciária[19].
Por fim, saliente-se que o prazo prescricional para a cobrança de créditos resultantes das relações trabalhistas é de 5 anos, até o limite de 2 anos após a extinção do contrato de trabalho, contados da ciência inequívoca da incapacidade laboral (conforme Súmula nº 230[20] do STF), não se aplicando o prazo do Código Civil de 3 anos (art. 206, § 3º, inciso V), por versar sobre lesões de natureza civil.
4.2 Da importância do compliance para evitar acidentes trabalhistas
Antes de tudo, devemos considerar o compliance como um
[...] conjunto de procedimentos e boas práticas, realizados de forma independente, no âmbito das organizações, para identificar os riscos operacionais e legais, estabelecendo mecanismos internos de prevenção, gestão, controle e reação frente aos mesmos[21].
O compliance, portanto, possui um nítido viés preventivo, no sentido de diminuição dos riscos, mas também apresenta um caráter repressivo, na busca de abrandamento dos prejuízos vindouros, de modo que estes não custem mais do que deveriam. Em termos práticos, os prejuízos a serem evitados podem ser tanto de ordem material quanto de ordem reputacional para a atividade.
Para tanto, conforme lecionam Iuri Pinheiro, Vólia Bonfim e Fabrício Lima Silva[22] é de suma importância a escolha criteriosa daqueles responsáveis por implementarem os programas de compliance no âmbito trabalhista, seja por meio de uma única pessoa, como é o caso do diretor de compliance, seja por meio de um órgão específico, como um comitê, sendo imprescindível que possuem autonomia e independência.
É aqui que entra em jogo o respeito às diversas normas atinentes à segurança e medicina do trabalho, normas estas de caráter público, saliente-se. Quer isso dizer que a tentativa de flexibilização de tais normas através de convenções ou acordos coletivos constitui objeto ilícito.
Assim, é dever do empregador o cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, como é o caso das diversas Normas Regulamentadoras (NR), além da instrução dos seus empregados, como, por exemplo, quanto à utilização dos equipamentos de proteção individual (EPI), não bastando o mero fornecimento[23]. É dever, também, do empregador facilitar a fiscalização das autoridades competentes e acatar todas as determinações emanadas pelos mesmos.
Os empregados, de igual modo, têm o dever de obedecer às normas de segurança e medicina do trabalho, além de colaborar com os empregadores, sob pena de serem dispensados por justa causa.
A atuação das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA) está diretamente ligada à presente temática. Composta por empregados e empregadores e obrigatórias para estabelecimentos acima de 20 empregados e também para aqueles que exerçam atividades rurais, a CIPA tem como objetivo principal “inspecionar e evidenciar nos ambientes de trabalho os riscos à saúde e segurança das pessoas. É uma comissão que deve solicitar, planejar, implantar e manter medidas preventivas que eliminem ou reduzam os riscos”[24].
O exposto acima demonstra a finalidade humanitária das técnicas de compliance: busca-se proteger a integridade física e mental do trabalhador. Mas não apenas isso, pois tais técnicas impactam diretamente o fator econômico do empregador, através da diminuição de eventuais ações judiciais movidas pelos empregados, que requerem indenizações exorbitantes para compensar os danos causados pela displicência do empregador ao cumprir as normas de segurança trabalhistas.
As medidas de compliance guardam forte relação com o âmbito previdenciário, pois afetam diretamente o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e o Risco Ambiental de Trabalho (RAT). O RAT consiste em uma contribuição previdenciária de 1%, 2% e 3% para atividades de risco leve, médio e grave, respectivamente, que incidem sobre o total da remuneração paga, devida ou creditada, aos segurados empregados e aos trabalhadores avulsos.
Já o FAT consiste em um índice incidente sobre o RAT que pode tanto beneficiar as empresas que apresentem baixo índice de acidentes de trabalho, quanto prejudicá-las, com um índice majorado, quando as empresas apresentam altos índices acidentários. O FAT, assim, tanto pode majorar o RAT até o limite quanto pode reduzi-lo, a depender da empresa, sendo de suma importância o baixo índice de acidentes dentro da empresa[25].
Percebe-se, portanto, o caráter multifacetário do compliance, sendo imprescindível que os responsáveis por tal tarefa detenham amplo conhecimento empresarial, trabalhista, previdenciário e de gestão.
5 CONCLUSÃO
Como acima exposto, o trabalho buscou abordar, de modo detalhado, cada uma das minúcias que permeiam a temática da responsabilidade civil e de seus deslindes na seara trabalhista, que bebe da mesma fonte que o Direito Civil, desde o conceito do que seria responsabilidade civil e acidente de trabalho, até as suas aplicações práticas, com vistas a reparar o trabalhador.
Sendo assim, constatou-se a existência de duas espécies de responsabilidade jurídica – objetiva ou subjetiva –, que coexistem no ordenamento jurídico brasileiro, cada qual com as suas peculiares especificações e dispositivos legais próprios.
Viu-se, também, que o trabalhador, ao sofrer um acidente do trabalho, ou qualquer caso equiparado a aquele, como as doenças ocupacionais ou outra hipótese expressamente disposta em lei, possui direito à dupla reparação, qual seja a do INSS e, caso comprovada a culpa ou o dolo do empregador, a advinda da previsão constitucional, daí surgindo intensa divergência acerca da possibilidade, ou não, de sua cumulação ou dedução, para, enfim, chegar-se ao debate acerca da compatibilidade entre o dispositivo civil que regula a responsabilidade objetiva e o dispositivo constitucional que expressa um patamar mínimo para reparação do trabalhador, qual seja o da responsabilidade subjetiva.
Percebe-se, portanto, a patente importância que há em aplicar e abordar a responsabilidade civil na seara trabalhista, de forma a não deixar o trabalhador sem a devida reparação, bem como em superar as diversas controvérsias sobre se tais reparações devem ser devidas ou não. Ora, paira entre nós o princípio da condição e da norma mais favorável ao trabalhador, de modo que não se pode restringir os direitos trabalhistas, naquilo em que nem mesmo a própria Constituição Federal limitou, dando-se ao ordenamento jurídico aquela interpretação mais benéfica ao trabalhador.
Por fim, foi analisado o impacto direto e positivo que o “estar em compliance” gera para evitar acidentes trabalhistas, maiores passivos trabalhistas e cobranças menos onerosas no âmbito previdenciário.
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[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. vol.4.12. ed. São Paulo, Saraiva, 2017, p. 19.
[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. vol. 7. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.35.
[3] GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. vol. 3. 14. ed. São Paulo: 2016, p. 57.
[4] OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7. ed. São Paulo: 2013, p.94.
[5] Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
[6]BERTOTTI, Monique. A responsabilidade civil objetiva no âmbito trabalhista. Revista Fórum Trabalhista – RFT, Belo Horizonte, ano 3, n. 11, p. 109-124, mar./abr. 2014, p.112.
[7]FACCHINI NETO, Eugênio. Da responsabilidade civil no novo Código. In: SARLET, Ingo Wolfgang (org.) O novo Código Civil e a Constituição. 2. ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 179.
[8]Art. 927, parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[9] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[10] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
[11]BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências.
[12]OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7. ed. São Paulo: 2013, p.48.
[13]OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 7. ed. São Paulo: 2013, p.50-51.
[14] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016, p.695.
[15] Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa
[16] O salário de benefício é o valor básico utilizado para cálculo da renda mensal inicial dos benefícios de prestação continuada (benefício previdenciário), exceto o salário-família, a pensão por morte, o salário-maternidade e os demais benefícios da legislação especial. Corresponde à média dos salários de contribuição do segurado.
[17]Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/21374651/inteiro-teor-21374652. Acesso em 02 abr. 2023.
[18]Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/5680920. Acesso em 02 abr. 2023.
[19]GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: responsabilidade civil. vol.4.12. ed. São Paulo, Saraiva, 2017, p. 319
[20] A prescrição da ação de acidente do trabalho conta-se do exame pericial que comprovar a enfermidade ou verificar a natureza da incapacidade.
[21]BONFIM, Vólia; PINHEIRO, Iuri; SILVA, Fabrício Lima. Manual de Compliance Trabalhista: teoria e prática. 2. ed., ver., atual e ampl. Salvador: JusPodivm, 2021, p.50.
[22] Idem, p. 90-91.
[23]Súmula 289 TST: O simples fornecimento do aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade. Cabe-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, entre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado.
[24]ONSAFETY. Quais são as atribuições da CIPA?
Disponível em: https://podcasters.spotify.com/pod/show/onsafety/episodes/Quais-so-as-Atribuies-da-CIPA-e114l92/a-a5jsmbd. Acesso em 02 abr. 2023.
[25] Para mais detalhes, cf: RIGON, Vinicius Riguete; TURINA, Anderson Olivio. A mordernização das relações de trabalho e seus impactos previdenciários: o trabalho intermitente e o cálculo do índice FAP. Revista Legislação do Trabalho – Ltr. São Paulo. Ano 81. nº 12. dez.2017, p.1476.
Advogado. Bacharel laureado em Direito na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Advocacia Previdenciária pela Escola Brasileira de Direito (Ebradi) e em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista pelo Instituto de Estudos Previdenciários (IEPrev).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Raphael Silva de Castro. A responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 dez 2023, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64323/a-responsabilidade-civil-decorrente-do-acidente-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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