VALÉRIA OLIVEIRA
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo científico tem como objetivo verificar a influência do Cristianismo na ressocialização de reclusos em estabelecimentos prisionais, bem como, a reinserção destes à sociedade. Dessa forma, parte-se da necessidade de buscar uma solução eficaz para promover a recuperação dos indivíduos encarcerados, diminuindo os índices de reincidência criminal, através da iniciativa de conceder remição de pena por meio de programas de estudo bíblico, proporcionando assim o estabelecimento de uma nova moral e, por conseguinte, a transformação pessoal. E ainda, observam-se as possíveis implicações legais em razão da laicidade do Estado ao conceder remição de pena com base em atividades religiosas, analisando casos concretos de órgãos julgadores que deferiram pedidos símiles. Portanto, o estudo demonstra que a transformação causada pelo Cristianismo na vida de um indivíduo segregado poderá se mostrar como uma ferramenta altamente resolutiva diante da falência do atual modelo ressocializador quando cumulada com o estudo regular e trabalho, resultando em mudanças expressivas nos ambientes internos dos cárceres, como também no retorno a vida em sociedade.
Palavras-chave: Ressocialização. Cristianismo. Sistema prisional brasileiro. Religião. Estudo Bíblico.
A questão da criminalidade e do sistema carcerário é um desafio complexo que tem intrigado sociedades em todo o mundo. A prisão é, em essência, uma instituição que busca não apenas punir os transgressores da lei, mas também oferecer uma oportunidade para a sua reabilitação e reintegração na sociedade. No entanto, a eficácia desse sistema é frequentemente questionada, com altas taxas de reincidência e condições de encarceramento que muitas vezes perpetuam um ciclo de crime.
Nesse contexto, a religião, em particular, o cristianismo, tem sido uma força influente na vida de muitos indivíduos. A fé religiosa frequentemente desempenha um papel significativo na transformação pessoal, na busca por valores morais e na reconciliação com a comunidade. Esta pesquisa aborda a relevância do cristianismo na ressocialização de apenados e explora a proposta de conceder remição de pena através do estudo bíblico, expandindo assim, os métodos tradicionais de ressocialização.
Ao longo deste estudo, busca-se compreender o papel do cristianismo na vida dos apenados, avaliar os benefícios e desafios de programas de estudo bíblico nas prisões e considerar as implicações de uma possível política de remição de pena baseada em atividades religiosas.
Portanto, este trabalho pretende lançar luz sobre um tema complexo e controverso, oferecendo uma análise crítica da relação entre o cristianismo, a ressocialização de apenados e as implicações da proposta de remição de pena por estudo bíblico.
2. SISTEMA PRISIONAL E RESSOCIALIZAÇÃO
2.1. Panorama geral do sistema prisional: problemas e desafios.
A prisão como instrumento efetivo de pena foi utilizada inicialmente em meados do século XVI, na Europa, a fim de punir os membros do clero que não cumpriam seus deveres. Assim, em 1550 foi fundada a House of Corretion[1], uma espécie de mosteiro em que os reclusos ficavam em suas celas, dedicando-se exclusivamente à meditação e arrependimento de suas faltas e esta é considerada a primeira prisão com o intuito de recolher “criminosos”.
Contudo, a instituição da privação de liberdade como pena teve seu início apenas a partir de 1595 com a construção da unidade Rasphuis em Amsterdã (Holanda)[2], sendo esta prisão inaugurada no ano seguinte.
Dessa forma, no Brasil, o sistema penal foi estabelecido por meio da Carta Régia de 1796, na qual restou definido a construção da Casa de Correção da Corte[3], a ser localizada na capital do país à época, a saber, a cidade do Rio de Janeiro (RJ), ocorrendo à inauguração apenas em 1850.
Desde então, o sistema prisional brasileiro vem evoluindo por meio de legilações e estrutura das unidades, no entanto, as mudanças não vêm acompanhando a terceira maior população carcerária mundial segundo o levantamento internacional realizado pelo Instituto de Pesquisa de Política Criminal da Universidade de Londres. Assim, as problemáticas mais comuns são a superlotação das unidades penitenciárias, a presença de facções criminosas atuantes dentro dos presídios, a insalubridade, doenças epidemiológicas, o consumo de entorpecentes e, principalmente, o retorno de muitos apenados ao cárcere, demonstrando a falha no objetivo basilar da prisão: a ressocialização.
Apesar das inúmeras falhas nos sistemas penitnciário, as prisões são essenciais para garantir a segurança da sociedade e viabilizar a penalização dos que se desvirtuaram e descumpriram o Pacto Social[4], assim, nas palavras de Michel Foucalt[5] “Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão”.
Desse modo, o que resta é tornar o sistema prisional mais eficiente e adequado, com o intuito de diminuir o índice de regressos ao cárcere e possibilitar uma efetiva ressocialização, reconhecendo assim que os métodos tradicionais precisam ser mais explorados e métodos novos inseridos, promovendo a efetiva ressocialização.
2.2 Objetivos e importância da ressocialização dos apenados.
A Lei de Execuções Penais (LEP)[6] dispõe em seu primeiro artigo os dois objetivos da pena, a uma cumprir a sentença penal estabelecida pelo juízo e, a duas, a reintegração do condenado à sociedade.
Nesse sentido, a prisão não pode ser utilizada apenas como instrumento de punição, aliás, sua maior relevância ocorre nas ferramentas de ressocialização aptas a promoverem aos apenados um retorno à sociedade sem vinculação à criminalidade, evitando assim, o ciclo vicioso de entrada e saída de estabelecimentos prisionais, sendo este um dever do Estado, com fulcro no art. 10 da LEP.
Assim, ao contrário do que é defendido (erroneamente) pela sociedade amparada em um senso comum enraizado em um sistema meramente punitivista, a ressocialização não é uma forma de amenizar a pena, tampouco beneficiar o infrator em detrimento da vírima, mas sim, o instumento que propiciará à sociedade a redução da taxa de criminalidade.
Afinal, o sujeito que não foi ressocializado quando regressa para a sociedade não possui nenhuma perspectiva de vida e ainda sofre com a estigmação promovida pela sociedade, acaba muitas vezes optando pela volta à criminalidade, principalmente no contexto atual em que facções criminosas imperam dentro e fora dos estabelecimentos prisionais.
Por conseguinte, a solução para diminuir índices de criminalidade não se ampara na diminuição da maioridade penal, nem mesmo no endurecimento das penas-bases, tampouco na construção de mais unidades prisionais e sim, na reiserção de indíviduos recuperados em todos seus sentidos, capacitados, formados e prontos para retornarem à sociedade com um labor lícito, contudo, para que isso seja possível é imprescindível à busca por métodos eficientes.
2.3. Limitações e falhas dos métodos tradicionais de ressocialização.
Dessarte, segundo divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN)[7], a média de reincidência no primeiro ano de liberdade após o cumprimento da pena é cerca de 21%, ultrapassados os 5 anos o índice passa para 38,9%, o que demonstra falhas efetivas nos métodos tradicionais de ressocialização ou ainda, a limitações destas.
Nesta seara, as principais formas de ressocialização atuais ocorrem por meio do trabalho, estudo e leutura, sendo a remição da pena realizada de acordo com o preenchimento dos requisitos dos artigos 126 ao 130 da LEP, independente da modalidade os efeitos são de extrema relevância ao apenado e à sociedade, desenvolvendo capacidades que outrara não eram exploradas e que serão úteis quando regressarem ao convívio social.
Logo, a modalidade do trabalho é uma oportunidade do apenado reconher o valor laborativo e encontrar uma forma de auferir renda de maneira lícita.
Por sua vez, o estudo e a leitura propiciam que aqueles que outrora sequer tiveram oportunidades de estudar, possam concluir o ensino fundamental ou médio, se formarem no ensino superior ou ainda, realizarem cursos profissionalizantes.
No entanto, em que pese estas assistências estarem salvarguardadas na legislação (art. 41, incs. II e VII da LEP), na prática o que se observa é a insuficiência de vagas disponíveis a serem ofertadas, logo, como se não bastasse, a superlotação e a insalubridade enfrentada, muitos apenados sequer podem participar de meios que efetivamente os ajudem.
Ainda que estas estratégias sejam importantes, isoladamente, não estão surtindo o efeito que o Estado gostaria em frente aos altos índices de reeinserção ao sistema prisional, a falta de vagas, a ausência de incentivo familiar prejudicam ainda mais esse prcesso.
Além disso, a influência de facções criminosas corrobora ainda mais para que a ressocialização não seja efetivada, fazendo com que o individuo se torne um “filiado” do mundo da criminalidade. Assim, é imprescindível promover uma metanóia[8] nos reeducandos, de forma que eles não precisem escolher entre duas facções, mas encontre uma terceira via capaz de receber uma nova perspectiva de vida.
Logo, resta o questionamento: há algum meio que possa contribuir para a ressocialização que ainda não está efetivamente implementado?
3. O CRISTIANISMO COMO INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO
3.1. Breve histórico e princípios fundamentais do cristianismo.
A Bíblia Sagrada, o manual do Cristianismo, em sua essência trata de uma história de redenção de uma humanidade decadente, mas que foi alcançada em sua totalidade pela morte de Jesus, o próprio filho de Deus, na cruz, a fim de que todos (sem exceção) pudessem alcançar a vida eterna[9]. Ou seja, benfeitores, cidadãos idôneos, filantropos, aqueles que sempre se dedicaram ao bem podem ser alcançados pelo Evangelho de Jesus, da mesma forma que pessoas que cometeram os piores crimes da sociedade, todos podem ter sua vida transformada por meio da história de Jesus.
O Cristianismo possui preceitos que produzem nos indivíduos uma forma de vida lícita e longe da criminalidade, sendo indispensável o amor, a alegria, a paz, a paciência, a amabilidade, a bondade, a fidelidade, a mansidão e o dominío próprio[10], sendo as práticas criminosas mais comuns como furto, roubo, homicídio e narcotraficância, considerados pecados.
Dessa maneira, a assitência religiosa pode ser consideada uma grande auxiliadora do Estado no caminho da ressocialização, principalmente por não ser custeada pelos órgãos públicos.
Neste ponto, têm-se ainda que o Cristianismo se baseia no perdão, indicando assim que a própria sociedade deve perdoar aqueles que eventualmente cometeram alguma falta, sendo que os ensinamentos cristãos vão além, uma vez que a Bíblia afirma que: “Lembrai-vos dos encarcerados, como se estivésseis aprisionados com eles”[11], ou seja, esses princípios atingem não somente as pessoas esquecidas no cárcere, mas também influenciam à sociedade à acreditar na ressocialização.
Ora, tendo em vista esses princípios fundamentais às atitudes dos reeducando mudam, bem como sua perpesctiva pós-cárcere.
3.2. Valores e ensinamentos cristãos relevantes para a ressocialização.
A transformação do comportamento de apenados é uma questão de grande relevância no sistema prisional, com implicações profundas tanto para o indivíduo quanto para a sociedade como um todo, assim, ao adotar valores como amor a Deus e amor ao próximo, os indivíduos encarcerados podem desenvolver um maior senso de responsabilidade e empatia.
Nesse aspecto, eles tendem a se tornar mais conscientes de suas ações e a considerar o impacto de seus comportamentos sobre a comunidade prisional e a sociedade em geral. Essa mudança de perspectiva pode levar inclusive a uma redução na violência e no comportamento desviante no ambiente prisional, contribuindo assim para um ambiente mais seguro e harmonioso.
Conforme observado por Silva Jr.[12], a experiência demonstra que presos convertidos raramente causam problemas durante o cumprimento de suas penas. Eles tendem a demonstrar respeito pelas autoridades, otimizam seu tempo com trabalho, lazer e, principalmente, dedicam-se ao estudo diário das Escrituras Sagradas. Isso sugere que a espiritualidade desempenha um papel fundamental na ressocialização dos apenados, contribuindo para a sua reintegração à sociedade de forma positiva.
Acerca do tema, discorre Valéria Rodrigues de Almeida Oliveira[13]:
De fato, a experiência religiosa devolve o sentido da existência, conforma nas perdas, ensina a importância de se amar o próximo, de ser solidário, enfim é capaz de resgatar os nossos valores humanitários e os nossos sonhos. O sentimento religioso nos dá a sensação de reconciliação com o universo, de comunhão com algo que nos transcende
Esses sentimentos altruístas que a religião é capaz de inspirar são essenciais para readaptação social do delinquente, pois apontam uma nova escala de valores e condutas, novos hábitos e novas maneiras de se superar as dores, as perdas, os vícios e as revolta.
Portanto, a mensagem do cristianismo, além de oferecer a salvação espiritual, também promove uma transformação profunda na vida das pessoas, corroborando a superação de vícios, o controle da ira e a renúncia ao sentimento de vingança, bem como a adoção de novos hábitos e um sentido renovado de liberdade, ou seja, propicia a oportunidade de construir um futuro mais promissor e significativo.
3.3 Exemplos de projetos cristãos que vêm colaborando na reinserção de indivíduos à sociedade.
Ora, é uma grande contradicação acreditar que tão somente por segregar os indivíduos entremuros estes serão capazes de refletir sobre seus atos e retornarem à sociedade buscando uma vida digna, contudo, sem ações de incetivo por parte do Estado, como incentivo à educação, profissionalização e trabalho, tal ressocialização não se concretizará, princpipalmente pois a realidade encontrada nos ergástulos brasileiros são jovens, em sua maioria negros e periféricos que muitas vezes tiveram que abandonar os estudos haja vista que muitos precisavam do dinheiro para manter suas famílias e recorreram à criminalidade em busca de um dinheiro “fácil”.
Neste ponto, têm-se que os programas de educação, trabalho e cursos profissionalizantes são indispensáveis para os apenados e da mesma forma, projetos desenvolvidos por equipes de capelania vêm contribuindo significativamente nos estabelecimentos prisionais, não somente por meio da pregação do Evangelho, mas também de fornecimento de alimentação, livros e acompanhamento de muitos.
Ademais, não se questiona a liberdade e garantia da assistência religiosa prevista em lei[14], isso significa que o acesso à espiritualidade, fé, crença ou religião é um direito universal, permitido, dispensado e acessível a todos, sem qualquer forma de discriminação.
Dessarte, com relação aos trabalhos realizados por tais instituições, percebe-se que não se tratam de meros cultos religiosos, mas sim de projetos de incentivo que impactam os apenados em diversas áreas.
Nos Estados Unidos, o projeto God Behind Bars[15] alcança milhares de encarceirados proporcionando que os reclusos possuam acesso direto e pessoal ao Evangelho, bem como, suas famílias, visando ajudá-los a aumentar a sua fé, curar traumas e feridas emocionais, quebrar vícios e ciclos.
Outrossim, a dinâmica do projeto permite que até mesmo as crianças possam se reunir com seus familiares encarceirados de forma mais dinâmica e menos prejudicial possível, sendo organizados eventos como jantares em família, sendo que:
Estes eventos ajudam a mostrar o amor de Jesus de forma tangível a estas famílias, iniciam o processo de cura de feridas passadas e ajudam a desenvolver as suas relações em conjunto para quebrar os padrões geracionais do futuro.[16]
Portanto, a missão do projeto é diminuir o número de reincidentes, corroborando com a ressocialização por meio da fé e valores familiares.
Por conseguinte, no Brasil há projetos com didática semelhante e o mesmo objetivo, cita-se como exemplo o A.M.E. (Ame Mulheres Esquecidas), uma organização social com sede em Luiziânia (GO), com diversos programas voltados à ressocialização de mulheres que em sua maioria foram abandonadas tanto material como afetivamente por suas famílias, dentre as ações se destacam o A.M.E. Acolher (envio de cartas às apenadas), A.M.E. Uma Vida (distribuição de kits de higiene), A.M.E. Capacitar (preparação para o mercado de trabalho), A.M.E. Advogadas (prestação de serviço jurídico voluntário), além das ações pontuais que ocorrem em datas comemorativas como Ceia de Natal, Batismo, Páscoa, entre outras[17].
Dessa forma, percebe-se que tais projetos vão além da pregação e buscam reintegrar o apenado à sociedade por meio de variados modos.
Ora, a ressocialização é o principal meio de evitar a reincidência, tal fato é inclusive comprovado por meio de auditoria realizada no sistema carcerário estadual em 2020 pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina[18], indica que a oferta de estudo aos apenados reduziu em 29,7% o índice de reencarceramento e em 18,1% a possibilidade de retorno aos estabelecimentos prisionais, sendo que a taxa chegou a 30,7% quando são ofertadas oportunidades de estudo e trabalho.
Haja vista o exposto, projetos como o AME chegam até mesmo a financiar cursos profissionalizantes EAD para as apenadas dos presídios para que além de se aperfeiçoarem, estas possam também remir dias de pena em consonância com a LEP, torna-se inquestionável a relevância de projetos cristãos que corroboram com a reinserção de apenados à sociedade.
4. ESTUDO BÍBLICO E REMIÇÃO DE PENA
4.1. Fundamentos teóricos e práticos do estudo bíblico como ferramenta de ressocialização.
Nesse aspecto, um meio de ressocialização que pode ser extremamente viável, facilmente aplicado e sem ônus aos cofres públicos é a concessão de remição de dias de por meio do estudo bíblico.
Assim, o Estudo Bíblico poderia ser ofertado de forma gratuita pelas instituições cristãs, o que os diferenciaria, por exemplo, dos demais cursos ofertados pelo CENED (Centro de Educação Profissional) que apenas são disponibilizados àqueles que possuem condições financeiras de arcar com a despesa da apostila.
Logo, considerando que o estudo bíblico contará com grade curricular, critérios avaliativos o certificado de conclusão todas as informações necessárias, além de cumprir todos os demais presentes no art. 126 da Lei de Execução Penal.
Ora ainda que o estudo bíblico não esteja expresso no rol de atividades a serem convertidas em dias concluídos a fim de reduzir a pena, não se trata de rol taxativo, sendo que já possui aplicabilidade ratificada até mesmo pelo Superior Tribunal de Justiça[19], consoante já ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. EXECUÇÃO PENAL. LEI N. 7.210/1984 – LEP. REMIÇÃO DE PENA POR MEIO DA CONCLUSÃO DE CURSO BÍBLICO A DISTÂNCIA. LEGALIDADE. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA. EXEGESE EXTENSIVA. PRINCÍPIO GERAIS DO DIREITO. DECISÃO MAIS FAVORÁVEL AO REEDUCANDO. OCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO A QUO. Recurso especial improvido.
Nestes termos, imprescindível ainda destacar o comentário do douto Ministro Sebastião Júnior no acórdão supracitado, confirmando expressamente a viabilidade da remição em decorrência do estudo bíblico:
Dessa forma, apesar de o aludido "curso bíblico a distância" não constar do rol do art. 126, § 1º, I, da Lei n. 7.210/1984 (LEP), entendo que se faz necessária a interpretação extensiva e analógica em favor do reeducando (recorrido) para alcançar o estudo bíblico como fator gerador de remição, inclusive porque não há como negar que a religião é uma relevante ferramenta para a ressocialização do apenado.
Por conseguinte, o objetivo da concessão da benesse da remição acontece a fim de promover à efetiva ressocialização, possibilitando que os apenados retornem ao convívio social, razão pela qual o Desembargador Marcílio Eustáquio Santos do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais[20] em caso símile manteve a remição de dias de pena em razão do referido estudo, fundamentando em seu decisium que tais estudos provovem valores cultareis e religiosos que são de suma importância no processo de reinserção ao círculo social externo.
4.2. Análise das vantagens e benefícios do estudo bíblico na redução da reincidência criminal.
Em resumo, o estudo da Bíblia pode oferecer uma série de vantagens e benefícios na redução da reincidência criminal, incluindo transformação pessoal, mudança de mentalidade, apoio espiritual, comunidade de apoio, responsabilidade, autorreflexão, redução do estresse e muito mais. No entanto, é importante considerar essa abordagem como parte de um programa de reabilitação mais abrangente e adaptado às necessidades individuais dos envolvidos.
O estudo da Bíblia tem sido associado a uma série de vantagens e benefícios na redução da reincidência criminal, como a transformação pessoal e mudança de mentalidade produzidas por meio dos valores como amor, perdão, compaixão e respeito pelo próximo, que podem influenciar positivamente a maneira como os indivíduos se comportam e interagem com os outros, além do estudo bíblico oferecer um senso de esperança com relação aos dias que virão em ambiente extramuros.
Além disso, as comunidades religiosas proporcionam um ambiente de apoio, principalmente para aqueles ou aquelas que foram esquecidos por suas famílías, sendo o apoio social crucial para a reintegração bem-sucedida na sociedade.
Importante destacar que o estudo bíblico não deve ser aplicado isoladamente, mas concomitantemente aos demais programas de educação, trabalho e acompanhamento psicologico, assim, o castigo não se aplica como um mal a ser retribuído, mas principalmente como a ferramenta capaz de evitar reincidência criminal e de antemão ajudar na reintegração dos reeducando ao convívio social.
4.3. Proposta de remição de pena por estudo bíblico: fundamentação jurídica e impactos esperados.
Consoante se depreende do art. 126, § 1º, inc. I, da Lei 7.210/1984, a remição por estudo será concedida na medida em que 12 (doze) horas de estudo reduzirão 01 (um) dia da pena.
Nesta seara, haja vista que o conhecimento religioso pode ser utilizado como ferramenta para aprimorar príncipios cristãos que certamente auxiliarão o indíviduo à reinserção à sociedade, de modo que se torna imprescindível realizar uma interpretação analógica e extensiva in bonam partem do artigo supramencionado, considerando não se tratar de rol taxativo, afinal é indiscutível que a religião é uma forma de ressocialização.
Aliás, importante coorelacionar o presente tema ao disposto no art. 210, § 1º, da Constituição Federal, proporciona que o ensino religioso seja ofertado de forma optativa nas escolas, desse modo, não deve haver objeção quanto ao estudo bíblico dentro das unidades prisionais.
Por conseguinte, não é necessário uma nova lei que vise garantir a remição dos dias em decorrência do estudo bíblico, uma vez que tal disposição é um direito fundamental de liberdade religiosa[21], bastando a interpretação extensiva da Lei de Execuções.
5. CRÍTICAS E DESAFIOS DA PROPOSTA
5.1 Possíveis objeções e críticas à remição de pena por estudo bíblico.
Por outro lado, não há garantias de que os apenados, por meio tão somente da experiência do estudo bíblico transformem seus comportamento a ponto de não cometer novamente outros crimes ao sair da unidade prisional, por isso é necessária a complementação com os demais meios de ressocialização, mas é indubitável que tais estudos o farão questionar: “Será que o crime compensa?”, este é o objetivo da ressocialização promover nos indivíduos a reflexão acerca de suas futuras ações.
Quanto à objções da proposta, é possível citar a laicidade do Estado ou ainda discriminalização religiosa, contudo tais argumentos não podem prevalecer, haja vista que não há o que se falar em desigualdade religiosa, afinal, todas as religiões são permitidas e poderiam de igual forma promover tais estudos desde que dentro dos parâmetros legais e com bons princípios.
Dessa forma, não se trata de algo obrigatório, mas sim, facultativo, devendo tão somente haver cautela na implementação do estudo bíblico e atenção aos requisitos de carga horária, presença, certificado a fim de que o estudo seja corretamente validado para aqueles que optarem por ter, por ser uma espécie de remição optativa.
5.2. Reflexões sobre a laicidade do Estado e possíveis implicações legais.
Por se tratar de atividade facultativa e não obrigatória de forma alguma à laicidade do Estado será desrespeitada, da mesma forma que no ensino fundamental será aplicado apenas as crianças que os pais optares, consonate art. 210, § 1º, da Constituição Federal, portanto, utilizando-se dessa análise extensiva não há o que se falar em infração da laicidade.
Aliás, o douto Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes[22] ainda sustenta que o Estado brasileiro, apesar de ser laico, não adota uma posição ateísta, como evidenciado no próprio preâmbulo da Constituição e, adicionalmente, considera a liberdade religiosa como um direito subjetivo, não uma obrigação, garantindo assim a plena liberdade religiosa daqueles que optam por não professar nenhuma crença.
Sob o mesmo prisma, ao discorrer acerca da Lei Estadual 16.648/18 (SP)[23] que disciplinava a remição pela leitura nas prisões paulista, Rogério Sanches Cunha[24] declarou que no tocante à leitura bíblica não identifica nenhum defeito que comprometa a constitucional da matéria em questão, uma vez que a lei não obriga a leitura bíblica, mas enfatiza a possibilidade de escolha por parte do apenado, além do que não está se excluindo ou vedando a remição por estudo de outras crenças.
Por conseguinte, concluí-se que a presente proposta não afeta a laicidade do Estado.
5.3. Avaliação dos desafios práticos e logísticos da implementação da proposta.
Ao se tratar dos desafios para implementação da proposta, pode-se citar inicialmente a necessidade de encontrar pessoas qualificadas, garantindo que os líderes do estudo possuam conhecimento adequado da Bíblia e da pedagogia e demais matérias necessárias para facilitar discussões eficazes, bem como, a necessidade de garantir que todos os participantes tenham acesso gratuito (a ser disponibilizado pela instituição religiosa patrocinadora) a uma bíblia e demais materiais didáticos, certificando-se que tais materiais sejam de acesso facilitado a todos os participantes, independentemente do nível de conhecimento prévio.
Quanto à infraestrutura dentro das unidades prisionais é imprescindível encontrar um local para as aulas e estabelecer um cronograma consistente para garantir a continuidade, avaliação periódica do progresso do estudo bíblico e realização de ajustes caso sejam necessários, de forma que os participantes sintam-se à vontade para se comunicar e repassar eventuais possibilidades de mudança.
Por derradeiro, é de extrema relevância a construção de um ambiente seguro, inclusivo e respeitoso para que todos possam usufruit de forma positiva do programa, resguardando o direito da liberdade religiosa de todos os participantes em relação a outras crenças e perspectivas de vida religiosa.
Portanto, percebe-se que ao longo dos séculos se busca uma solução para punir os indivíduos que cometem atos proibidos dentro de determinadas sociedades a fim de que o Estado possa deter mecanismos de controle aptos a manter a paz social, perpassando desde os súplicios, escravidão, masmorra, pena de morte, até chegar ao que conhecemos como pena privativa de liberdade, ou seja, prisão.
Desse modo, independentemente da forma de punição adotada o objetivo será sempre o mesmo, reprimir os indivíduos que cometeram crimes, utilizando-os como exemplos para que os demais observem a efetividade da punição e, por conseguinte, não cometam tais irregularidades.
Ademais, no Brasil, além do caráter punitivo, a prisão possui ainda o dever de ser ressocializadora, afinal, não basta apenas punir o indivivíduo e utilizá-lo como exemplo de correção para o restante da sociedade, é imprescindível o fator ressocializador, uma vez que não basta tão somente que os demais por temor não cometam crimes, mas principalmente que o individuo encarceirado não retorne a delinquir, de tal forma que a pena estipulada a ele seja cumprida e este retorne à vida em sociedade com sua índole restituída.
Contudo, consoante demonstrado deve-se atribuir também a pena o caráter ressocializador a fim de impedir o ciclo da reincidência criminal, uma vez que a maioria dos indivíduos que ingressam no sistema carcerário ao cumprirem suas respectivas penas retornam à sociedade ainda mais marginailizados e até mesmo integrando organizações criminosas que outrora não faziam parte.
Neste ponto, é evidente que a ressocialização ocorre por diversos meios como trabalho, oferecimento de ensino fundamental, médio e superior, realização de cursos profissionalizantes, no entanto, tais métodos isoladamente não vêm gerando grandes efeitos, momento em que se torna necessário a expansão dos meios de ressocialização, como por exemplo, o estudo público, uma forma de remição de pena que poderá gerar frutos benéficos ao apenado, ao sistema, bem como, a toda sociedade, em razão do cristianismo a ser valorado no referido estudo, promover uma transformação social nos indivíduos, levando-os a refletirem sobre valores éticos, além de nem sequer gerar custos ao Estado.
Ora, os ensinamentos basilares da fé cristã, a saber, o amor, a alegria, a paz, a paciência, a amabilidade, a bondade, a fidelidade, a mansidão e o dominío próprio resultam no desejo do apenado em ter uma vida longe da criminalidade, aliás, as práticas criminosas são até mesmo consideradas pecados, devendo assim, ser evitadas.
Nestes termos, é evidente que os principíos cristãos ensinados por meio do estudo bíblico cumulado aos demais métodos ressocializadores podem reduzir os índices de reincidência criminal, em razão da mudança de mente que poderá ser provocada nos indivíduos, aliás, existem programas de evangelização nos presidios como o Ame Mulheres Esquecidas (BR) e o God Behind Bars (EUA) que ratificam a eficácia do cristianimo no tocante à reinserção dos indivíduos à sociedade.
Assim sendo, é imprescindível que a população, de igual forma, credibilize a ressocialização dos apenados, oportunizando-os até mesmo empregos após o cárcere e não os estigmatizando, nos dizeres de Shaila Manzoni, diretora do AME, “A pena é de privação a liberdade e não a dignidade”, dessa forma, os egressos precisam dispor de oportunidades dentro e fora das unidades prisionais, ainda que estejam reclusos dispõem de direitos que devem ser salvarguardados.
Ademais, quanto à laicidade do Estado, não há óbice na implementação da presente proposta tendo em vista que todas as religiões são permitidas e poderiam de igual forma promover tais estudos desde que dentro dos parâmetros legais e com bons princípios, logo, não se pode falar em restrição religiosa, tampouco, obrigatoriedade, uma vez que o estudo seria optativo.
Por conseguinte, o cristianismo e o estudo da Bíblia têm potencial para desempenhar um papel significativo na reabilitação e ressocialização de apenados, desde que esses programas sejam voluntários, respeitem a liberdade religiosa e não excluam indivíduos de outras crenças ou sistemas de valores. Sendo assim, a remição de pena por estudo bíblico pode ser vista como uma estratégia inovadora e eficaz, que se abordada de forma cuidadosa e equitativa, com a devida supervisão e avaliação poderá corroborar a diminuição dos índices de reincidência criminal..
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[1] Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, TJRJ. Disponível em <http://gmf.tjrj.jus.br/historico>, Acesso em 11/12/2023.
[2] Da custódia à penitência: como surgiram as prisões. Revista Arco: Jornalismo Científico e Cultural. Disponível em <https://ufsm.br/r-601-9790>. Publicado em 19/09/2023. Acesso em 11/12/2023.
[3] Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, TJRJ. Disponível em <http://gmf.tjrj.jus.br/historico>, Acesso em 11/12/2023.
[4] ROSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social, Tradução: J. Cretella Jr e Agnes Cretella, Editora Revista dos Tribunais. 3º ed., 2012, p. 39 e 40.
[5] FOUCALT, Vigiar e Punir. Tradução: Raquel Ramalhete, 42. Edição, Petrópolis/RJ: Vozes, 2014, p. 224.
[6] Brasil, Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. A lei visa efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Diário Oficial da União, Brasília/DF. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm>. Acessado em 09/10/2023.
[7]Relatório de reincidência criminal. Disponível em <https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/depen-divulga-relatorio-previo-de-estudo-inedito-sobre-reincidencia-criminal-no-brasil/reincidencia-criminal-no-brasil-2022.pdf/view>. Acesso em 30/09/2023.
[8] De acordo com o Dicionário Online de Português, metanoia significa: “Mudança, transformação de caráter ou na maneira de pensar. Mudança que resulta ou é motivada por algum tipo de arrependimento. Remorso por alguma falha; penitência. Modificação espiritual; conversão. [Por Extensão] Modo novo de conceber ideias, de se comportar, de enxergar a vida e a realidade.[Etimologia] Do grego, as mudanças de sentimentos” (DICIO, 2009-2023. Online).
[9] Bíblia Sagrada, João 3.16. Tradução João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Impressora Bíblica Brasiliense, 1986.
[13] OLIVEIRA, Valéria Rodrigues de Almeida. A Importância da religião no processo de reinserção do detento à sociedade, contextualizando o município de Lagoa da Prata – MG, Brasil. 2019. Dissertação de Mestrado Pág. 107.
[14] Art. XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, da qual o Brasil é signatário, art. 5º, incs. VI e VII, da Constituição Federal do Brasil e art.11, inc. VI, da Lei de Exceução Penal.
[16] Texto traduzido. God Behind Bars. Disponível em <https://www.godbehindbars.com/about.> Acesso em 04/10/2023.
[18] Tribunal de Contas de Santa Catarina. Disponível em < https://www.tcesc.tc.br/auditoria-do-tcesc-aponta-que-oferta-de-estudo-e-trabalho-presos-diminui-taxa-de-reincidencia>. Publicado em 24/11/2020. Acesso em 04/10/2023.
[20] Estudo Bíblico pode ser usado para remição de pena, decide TJ-MG. Conjur. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2020-out-17/tj-mg-concede-remicao-pena-estudo-biblico>. Publicado em 17/10/2020. Acessado em 06/10/2023.
[23] Lei 16.648/2018-SP: A legislação foi declarada inconstitucional por se tratar de matéria cuja competência seria exclusiva da União de legislar uma vez que se trata de Direito Penal, nos termos do art. 22, inc. I, da Constituição Federal. Disponível em <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2018/lei-16648-11.01.2018.html#:~:text=Institui%2C%20no%20%C3%A2mbito%20dos%20estabelecimentos,remi%C3%A7%C3%A3o%20da%20pena%20pela%20leitura.>. Acesso em 30/10/2023.
[24] CUNHA, Rogério Sanches. Lei Estadual 16.648: disciplina a remição pela leitura nas prisões paulistas. Meu Site Jurídico, 22 de junho de 2018. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/06/22/lei-estadual-16-64818-disciplina-remicao-pela-leitura-nas-prisoes-paulistas/. Acesso em: 08/10/2023.
Graduanda em Direito pela Universidade Estácio de Sá de São José.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Laís Souza da. A relevância do cristianismo na ressocialização dos apenados: sugerindo a remição de pena por estudo bíblico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jan 2024, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64464/a-relevncia-do-cristianismo-na-ressocializao-dos-apenados-sugerindo-a-remio-de-pena-por-estudo-bblico. Acesso em: 25 dez 2024.
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