Resumo: Este artigo examina a decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a obrigatoriedade de intimar o devedor fiduciante sobre a data do leilão extrajudicial do imóvel, um procedimento que se tornou obrigatório apenas após a entrada em vigor das Leis 13.465/2017 e 14.711/2023. Analisamos as mudanças significativas trazidas pela legislação e as implicações para as práticas jurídicas e os direitos dos devedores fiduciantes.
Palavras-chave: Devedor Fiduciante; Leilão Extrajudicial; Lei 13.465/2017; Superior Tribunal de Justiça; Intimação; Alienação Fiduciária.
1. Introdução
A alienação fiduciária de imóveis, um procedimento comum no Brasil, passou por uma mudança significativa com a Lei 13.465/2017. Esta lei estabeleceu a obrigatoriedade de intimação do devedor fiduciante sobre a data do leilão extrajudicial. Esta introdução apresenta o contexto da decisão da Quarta Turma do STJ, sublinhando a relevância desta mudança legislativa.
2. Contexto Legal Antes da Lei 13.465/2017
Antes de 2017, a legislação brasileira não exigia a intimação do devedor fiduciante sobre a realização do leilão extrajudicial do imóvel. Esta prática foi baseada na premissa de que, no momento do leilão, o bem já não pertencia mais ao devedor.
3. Mudança com a Lei 13.465/2017 e a recentíssima Lei n. 14.711, de 30 de outubro de 2023
Com a Lei 13.465/2017, alterou-se a Lei de Alienação Fiduciária, Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997 , tornando obrigatória a intimação do devedor fiduciante da data do leilão.
Essa obrigatoriedade se consolidou com a recentíssima Lei n. 14.711/2023, vejamos o que interessa:
Art. 27. Consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário promoverá leilão público para a alienação do imóvel, no prazo de 60 (sessenta) dias, contado da data do registro de que trata o § 7º do art. 26 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023)
§ 1o Se no primeiro leilão público o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI e do parágrafo único do art. 24 desta Lei, será realizado o segundo leilão nos quinze dias seguintes. (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
§ 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance oferecido, desde que seja igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela alienação fiduciária, das despesas, inclusive emolumentos cartorários, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais, podendo, caso não haja lance que alcance referido valor, ser aceito pelo credor fiduciário, a seu exclusivo critério, lance que corresponda a, pelo menos, metade do valor de avaliação do bem. (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023)
§ 2º-A Para fins do disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo, as datas, os horários e os locais dos leilões serão comunicados ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante, por meio de correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive ao endereço eletrônico. (Redação dada pela Lei nº 14.711, de 2023)
Ressalte-se a intimação é importante, pois até a data da averbação da consolidação da propriedade fiduciária, é assegurado ao devedor e, se for o caso, ao terceiro fiduciante pagar as parcelas da dívida vencidas e as despesas de que trata o inciso II do § 3º do art. 27 da Lei, hipótese em que convalescerá o contrato de alienação fiduciária. (§ 2º, do art. 26-A)
4. Caso Relevante e Interpretações do STJ
No julgamento do Recurso Especial nº 1.733.777 – SP pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, o colegiado considerou que em se tratando de contrato com garantia de alienação fiduciária de imóvel, até 12/07/2017, quando entrou em vigor a Lei 13.465/2017, não era necessária a intimação do devedor fiduciante da data da realização do leilão, haja vista que, no momento da realização do ato, o bem já não mais pertencia ao devedor fiduciante.
A ministra Isabel Gallotti destacou que essa mudança legal também assegurou ao devedor o direito de preferência para adquirir o imóvel até a data do segundo leilão.
Decidiu ainda que apenas a partir da Lei 13.465/2017, tornou-se necessária a intimação do devedor fiduciante da data do leilão, devido à expressa determinação legal.
No referido julgamento, concluiu que a pessoa jurídica devedora se negue a receber a intimação em seu endereço comercial, o cartório pode intimá-la por edital. Este julgamento também abordou o caso de devedores que ocultam seu paradeiro, permitindo a intimação por edital após tentativas frustradas de intimação pessoal.
A ementa do julgado ficou assim redigida:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. LEI Nº 9.514/97. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE PARA PURGAR A MORA FRUSTRADA. RECUSA INJUSTIFICADA DE RECEBER INTIMAÇÃO. INTIMAÇÃO POR EDITAL QUE SE JUSTIFICA. INTIMAÇÃO DO DEVEDOR DA DATA DO LEILÃO. DESNECESSIDADE. DEMAIS VIOLAÇÕES A DISPOSITIVOS LEGAIS NÃO CONFIGURADAS. 1. Se o devedor fiduciante se escusa, por diversas vezes, de receber as intimações para purgar a mora em seu endereço comercial, conforme expressamente indicado no contrato de alienação fiduciária de imóvel, induzindo os Correios a erro ao indicar possível mudança de domicílio que nunca existiu, não há óbice à sua intimação por edital. 2. Em se tratando de contrato com garantia de alienação fiduciária de imóvel, até 12/07/2017, quando entrou em vigor a Lei 13.465/2017, não era necessária a intimação do devedor fiduciante da data da realização do leilão, haja vista que, no momento da realização do ato, o bem já não mais pertencia ao devedor fiduciante. 3. Apenas a partir da Lei 13.465/2017, tornou-se necessária a intimação do devedor fiduciante da data do leilão, devido à expressa determinação legal. 4. No caso, como o procedimento de execução extrajudicial é anterior à data de entrada em vigor da Lei 13.645/2017, não há que se falar em nulidade devido à falta de intimação dos devedores da data de realização do leilão. 5. Recurso especial a que se nega provimento.
Veja que no caso concreto, o procedimento de execução extrajudicial é anterior à data de entrada em vigor da Lei 13.645/2017, razão pela qual não foi acolhido o pedido nulidade devido à falta de intimação dos devedores da data de realização do leilão.
Ressalte-se que havendo endereço certo do devedor fiduciante não é cabível a intimação por edital, devendo ser esgotadas todas as possibilidades de localização do devedor, sob pena de nulidade, consoante já decidiu o STJ:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. LEI Nº 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. INTIMAÇÃO DO FIDUCIANTE. PURGAÇÃO DA MORA. INTIMAÇÃO POR EDITAL. ESGOTAMENTO DOS MEIOS DE LOCALIZAÇÃO DO MUTUÁRIO. NECESSIDADE. 1. A exemplo do que ocorre nos procedimentos regidos pelo Decreto-Lei nº 70/66 e pelo Decreto-Lei nº 911/69, a validade da intimação por edital para fins de purgação da mora no procedimento de alienação fiduciária de coisa imóvel, regrado pela Lei nº 9.514/97, pressupõe o esgotamento de todas as possibilidades de localização do devedor. 2. No caso dos autos, o próprio contrato de financiamento firmado entre as partes indicava o endereço residencial do mutuário, que foi ignorado para fins de intimação pessoal. 3. Recurso especial provido. (REsp n. 1.367.179/SE, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3/6/2014, DJe de 16/6/2014.)
Note-se que, no acórdão em questão, considerou-se inválida a intimação do devedor fiduciante, pessoa física, por edital, porque ele não teria sido procurado em seu endereço residencial.
Registra-se que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/97, vejamos:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. LEI Nº 9.514/97. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE COISA IMÓVEL. LEILÃO EXTRAJUDICIAL. NOTIFICAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR FIDUCIANTE. NECESSIDADE. 1. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 2. A teor do que dispõe o artigo 39 da Lei nº 9.514/97, aplicam-se as disposições dos artigos 29 a 41 do Decreto-Lei nº 70/66 às operações de financiamento imobiliário em geral a que se refere a Lei nº 9.514/97. 3. No âmbito do Decreto-Lei nº 70/66, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito se encontra consolidada no sentido da necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data da realização do leilão extrajudicial, entendimento que se aplica aos contratos regidos pela Lei nº 9.514/97. 4. Recurso especial provido. (REsp n. 1.447.687/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/8/2014, DJe de 8/9/2014.)
Assim, a decisão da Quarta Turma do STJ no Recurso Especial nº 1.733.777 – SP, acabou por fixar o marco temporal, a partir de quando passou a ser, de fato, exigida a intimação do devedor fiduciante da data da realização do leilão do bem imóvel objeto do contrato de alienação fiduciária, com base na legislação em vigor.
5. Implicações para Devedores e Credores
As novas regras trazem implicações significativas tanto para devedores quanto para credores. A obrigação de intimação pessoal do devedor sobre o leilão representa um avanço na proteção dos direitos dos devedores fiduciantes, enquanto também esclarece os processos para credores.
Além disso, para os casos em andamento faz se necessário que os representantes processuais fiquem atentos ao marco da Lei n. 13.465/2017, de modo a buscar o melhor caminho a ser adotado aos litigantes (devedor versus credor).
6.Conclusão
A decisão da Quarta Turma do STJ e a Lei 13.465/2017 representam um marco importante na jurisprudência brasileira, realçando o equilíbrio entre os direitos dos devedores e os procedimentos dos credores. Essa evolução reflete um avanço significativo na proteção dos direitos dos devedores fiduciantes e na clareza dos processos de leilão extrajudicial e consolidada com a recentíssima Lei n. 14.711/202.
7. Referências
Recurso Especial nº 1.733.777 – SP, relatora Ministra Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 17/10/2023.
REsp n. 1.447.687/DF, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/8/2014, DJe de 8/9/2014
REsp n. 1.367.179/SE, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3/6/2014, DJe de 16/6/2014
Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada - Espanha. Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo UNICEUB. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo ICAT/UDF. Pós-graduado em Gestão Policial Judiciária pela ACP/PCDF-FORTIUM. Professor Universitário de Direito Penal e Orientação de Monografia. Advogado. Delegado de Polícia da PCDF (aposentado). Já exerceu os cargos de Coordenador da Polícia Legislativa da Câmara Legislativa do Distrito Federal (COPOL/CLDF), Advogado exercendo o cargo de Assessor de Procurador-Geral da CLDF. Chefe de Gabinete da Administração do Varjão-DF. Chefe da Assessoria para Assuntos Especiais da PCDF. Chefe da Assessoria Técnica da Cidade do Varjão - DF; Presidente da CPD/CGP/PCDF. Assessor Institucional da PCDF. Secretário Executivo da PCDF. Diretor da DRCCP/CGP/PCDF. Diretor-adjunto da Divisão de Sequestros. Chefe-adjunto da 1ª Delegacia de Polícia. Assessor do Departamento de Polícia Especializada - DPE/PCDF. Chefe-adjunto da DRR/PCDF. Analista Judiciário do TJDF. Agente de Polícia Civil do DF. Agente Penitenciário do DF. Policial Militar do DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COIMBRA, Valdinei Cordeiro. A Intimação do Devedor Fiduciante sobre Leilões após as Leis 13.465/2017 e Lei n. 14.711/2023: Evolução na Jurisprudência Brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jan 2024, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64465/a-intimao-do-devedor-fiduciante-sobre-leiles-aps-as-leis-13-465-2017-e-lei-n-14-711-2023-evoluo-na-jurisprudncia-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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