RESUMO: Havendo a prática de ilícitos penais a liberdade fica em risco, tendo em vista a possibilidade de aplicação da sanção penal. Entretanto, o ordenamento jurídico permite a aplicação de institutos que tem o intuito de reduzir a incidência da pena restritiva de liberdade. Este trabalho tem como objetivo primário: explanar sobre os institutos despenalizadores do direito penal tendo como ponto de partida o princípio constitucional da liberdade e o da subsidiariedade do direito penal, e como secundários: verificar o conceito do princípio constitucional da liberdade e sua relação com os institutos despenalizadores; estudar acerca do princípio da subsidiariedade do direito penal fazendo uma análise da sua importância frente a intervenção mínima no que diz respeito a matéria penal, e analisar quais os institutos despenalizadores dispostos. Será utilizada como metodologia a revisão de literatura. Conclui-se que, o direito penal possui institutos que dão legitimidade ao princípio da subsidiariedade e o respeito ao princípio da liberdade.
PALAVRAS-CHAVE: direito penal mínimo. Institutos despenalizadores.
ABSTRACT: If criminal offenses are committed, freedom is at risk, given the possibility of applying criminal sanctions. However, the legal system allows the application of institutes that aim to reduce the incidence of penalties restricting freedom. This work has as its primary objective: to explain the decriminalizing institutes of criminal law, taking as a starting point the constitutional principle of freedom and the subsidiarity of criminal law, and as a secondary objective: to verify the concept of the constitutional principle of freedom and its relationship with the decriminalizing institutes; study the principle of subsidiarity of criminal law, analyzing its importance in relation to minimum intervention with regard to criminal matters, and analyzing which decriminalizing institutes are available. Literature review will be used as methodology. It is concluded that criminal law has institutes that give legitimacy to the principle of subsidiarity and respect for the principle of freedom.
KEYWORDS: minimum criminal law. Decriminalizing institutes.
1 INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro, especificadamente na seara penal traz a possibilidade de resolução dos conflitos por meio da conciliação, diminuindo assim o conflito existente das relações processuais. Torna-se possível no sistema penal a reparação do dano, cujo fundamento está assentado pelo princípio da subsidiariedade e da liberdade como regra no sistema jurídico.
Nesse enfoque estão os institutos despenalizadores do direto penal que tem característica socializadora, com o intuito de impedir a privação da liberdade do agente por delitos cujas ofensas são consideradas menores, bem como a instauração de um processo penal. Essa seria a concretização de que o princípio da intervenção mínima do Estado está sendo observado. Dessa forma, a carceirização seria aplicada quando efetivamente fosse necessária e não em situação que é possível a liberdade.
Diante desse enfoque, o presente artigo discorre sobre o tema: Institutos despenalizadores do direito penal brasileiro: sua análise à luz do princípio da liberdade e da subsidiariedade do direito penal. Portanto, seu objetivo primário é explanar sobre os institutos despenalizadores do direito penal, tendo como ponto de partida o entendimento do princípio constitucional da liberdade e o princípio da subsidiariedade.
Para alcançá-lo foi traçado objetivos secundários, a saber: verificar o conceito do princípio constitucional da liberdade e sua relação com os institutos despenalizadores; estudar acerca do princípio da subsidiariedade do direito penal fazendo uma análise da sua importância frente a intervenção mínima no que diz respeito a matéria penal; analisar quais os institutos despenalizadores dispostos.
O problema norteador desse artigo está na seguinte indagação: os institutos despenalizadores do direito penal brasileiro são eficazes para garantir a intervenção mínima do direito penal? Formulou-se como hipótese, na tentativa de responder a pergunta, que os institutos despenalizadores do direito penal vem a demonstrar a aplicação das sanções penais, a qual ocorre em situações extremamente necessárias já que cerceiam a liberdade do indivíduo. O que confirma a intervenção mínima penal.
Foi realizada busca on-line, com foco principal na revisão de literatura. Os textos foram pesquisados por área de interesse: institutos despenalizadores do direito penal, usando basicamente os termos de busca “direito penal”, “pena”, “instituto despenalizador”, “direito de liberdade”, “princípio da subsidiariedade no direito penal”. Foram também consultados livros.
De certo, o presente tema justifica-se pela importância no cenário atual do direito penal, onde se tem buscado a redução da intervenção do poder punitivo estatal. Para tanto, nota-se que o ordenamento jurídico brasileiro vem buscando aplicar àquele que comete crimes de menor potencial ofensivo uma terceira via do direito penal que seria a reparação do dano, dentre outros institutos como a suspensão condicional do processo, transação penal ou mesmo substituição da pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, dentro outros dispostos no cenário jurídico.
2 PRINCÍPIO DA LIBERDADE E DIREITO PENAL MÍNIMO
A concepção do termo liberdade na Revolução Francesa tem como fundamento os anseios da sociedade da época, a saber: alcançar liberdade, pois a sociedade estava inconformada com o sistema de exploração para manutenção daqueles que ocupavam status de poder mais elevado. Nesse sentido, seria ter independência e uma melhor condição de vida frente aquele sistema.
Para esclarecer esse conceito se faz necessário uma retomada à percepção de liberdade na antiguidade. Conforme More (2007), a liberdade era pautada na participação do cidadão na discussão política, nesse sentido não vislumbrava todas as pessoas da época, mas tão somente homens livres, os outros, como escravos, mulheres, crianças, idosos, não tinham poder algum de decisão na coisa pública. Já na modernidade a liberdade ganha outro sentido, torna-se um direito do indivíduo e um dos princípios da democracia moderna.
Verificando tal ideia já formalizada, depara-se com a discussão bem remota de vários teóricos contratualistas como Hobbes e Housseau, que explicam a criação do Estado como uma necessidade para a sociedade, pois a mesma encontrava-se em estado de guerra, já que se levava em consideração que, no estado natural, a liberdade era ilimitada e todos eram donos de tudo. Assim, para a existência do Estado necessário seria que todos abdicassem de uma parte dessa liberdade para a convivência em sociedade, sendo ela limitada pelo Estado absolutista ou republicano, conforme a concepção desses autores do contrato social (COSTA, 2005).
Segundo Castro (2007), essa concepção de liberdade, já no período da revolução citada, teve um caráter popular, ou seja, a maior participação de todos aqueles que ocupavam o terceiro estado, tornando-se formalizada na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão no século XVIII. A necessidade dessa Declaração de Direitos era uma forma de mostrar que a não aplicação dos direitos e a desídia de seus aplicadores causava males diversos a sociedade, assim sendo, era uma forma de lembrar as autoridades de que o povo tinha direitos assegurados devendo ser mantidos e cumpridos. Nesse sentido, levava em consideração os inúmeros direitos do homem, colocando a lei acima de qualquer tipo de autoritarismo. Assim, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão defende que a liberdade objetiva:
Art. 4º(...) poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados por lei (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão apud CASTRO, 2007 p. 249).
Nesse sentido, a população libertou-se de um regime onde o primeiro e o segundo estado era o poder, para submeter-se a lei, cujo objetivo estaria na possibilidade da população ter uma situação de vida melhor. Segundo Castro (2007), a lei torna-se o primado básico sobre o qual todos devem obediência, uma vez que ela é expressão da vontade geral. Assim, as pessoas passam de uma situação de subordinação ao poder dos mais fortes, para subordinar-se à consciência coletiva.
Dessa forma, entende-se, segundo Magalhães (1999), que a condição da liberdade é que cada um obedeça a si mesmo. Assim, liberdade para as pessoas dessa época caracterizava-se no esforço de retirar o poder dominante, cujas riquezas eram advindas do trabalho árduo da massa populacional (98%) e na descrença de que as posições assumidas pelo primeiro e segundo estado eram dadas por Deus. Segundo Castro (2007), essa posição mais racional foi resultado das ideias iluministas, bem como do conceito de pacto social defendido por Rousseau. Títulos como Liberdade, Igualdade e Fraternidade foram tomados como princípios norteadores das constituições, uma forma de proteção do povo contra o abuso.
Pela decorrência dessa revolução, assim como de outras que trouxeram os ideais iluministas, influenciaram bastante na construção do sistema político, jurídico e social no Brasil, incidindo nas suas Cartas. Verifica-se que, ao decorrer de todas as constituições do Brasil, desde 1824 até a atual de 1988, esses fundamentos (liberdade, igualdade e fraternidade) estiveram atrelados ao contexto jurídico do momento histórico vivido em cada época, embora em baixa ou elevada intensidade.
Após as revoluções, especialmente a francesa os títulos já mencionados tiveram que ser adotados pelas autoridades como uma forma de legitimar o poder. Assim, nota-se ao estudar essas constituições que em algumas houve a ampliação de suas normas contemplando os direitos humanos, outras já passam a restringir mais esses direitos. O certo é que, sempre houve revoltas quando da limitação da liberdade da população, e a constituição de 1988, pela grande ampliação que contempla quanto aos direitos fundamentais, ganhando legitimidade frente a outras (CARVALHO, 2010).
Essa aceitação social é fruto de um período histórico cuja liberdade era completamente limitada, pela percepção dos governantes de que o povo não sabia governar. Fala-se da Constituição de 1967 do período ditatorial, que antecede a Constituição cidadã de 1988, ela foi outorgada, pois era produto do golpe militar, dava maior alargamento ao poder Executivo e ao Exército, estabelecendo a censura nacional, isto é, ninguém poderia ser contrário ao que era estabelecido pelos militares que haviam assumido o poder, sob ameaça de pena de morte, porque configurava crime de segurança nacional (CARVALHO, 2010).
Essa Constituição, segundo o autor supra, não limitava o poder político, nem garantia os direitos individuais, mas todas as pessoas deviam a ela obediência, por esse motivo e por coação, a população cumpria efetivamente o texto constitucional. Assim sendo, a ditadura militar estabeleceu de 1964 a 1968 cinco atos institucionais que apresentavam como característica comum, a ampliação do poder Executivo.
O ato constitucional de número 5 (cinco) foi imposto a população, por conta das pequenas reivindicações àquele sistema de governo, com a forte presença de jovens nas ruas do país. O AI 5 estabelecia que o poder Executivo resolveria sobre todos os problemas, na tentativa de calar os manifestantes. Nesse ato, havia a permissão do presidente fechar as casas do poder Legislativo, suspender a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, dentre outros atos (VAINER 2010).
Diante disso, a busca por melhor qualidade de vida e pelos direitos de liberdade após vinte anos de ditadura e de violação aos direitos humanos foi promulgada em 05 de outubro de 1988 e perdura até hoje a Constituição de 1988, conhecida como constituição cidadã, porque é fruto do anseio popular e por vislumbrar uma ampliação de garantias de direitos e liberdades, dando atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana, e de justiça social, como destaca também os direitos sociais, direitos dos trabalhadores, direitos políticos, consagrando o voto secreto, universal para homens, mulheres, maiores de 16 anos alfabetizados, como também para analfabetos, direito a greve, liberdade sindical, de reunião, associação, liberdade de expressão, de pensamento, enfim está repleta de garantias e de liberdades positivas e negativas do Estado (VAINER, 2010 e CARVALHO, 2010).
Conforme a própria Constituição Federal a liberdade é um direito exercido dentro dos limites dispostos em seu texto, bem como em todo o ordenamento jurídico, como, por exemplo, o art. 220. “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Essa liberdade mostra que ao mesmo tempo em que a liberdade do povo é limitada pelo estado, a liberdade de atuação do estado também é limitada por suas próprias liberdades instituídas.
Fato esse discutido por Corrêa (2009), que declara que essa liberdade possui uma dimensão social, uma vez que o sistema político é moldado pela forma como a sociedade pensa e produz seus bens, assim entende esse autor que essa liberdade é um elemento que influencia na composição do sistema democrático. Trata-se, por ele, de uma das formas de não engessar a visão de mundo.
Segundo a Constituição Federal (1988) o estado apenas pode ofender a liberdade da pessoa, nunca atingir a integridade física, retirar a vida, pois consagra como princípio norteador a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, pode ser levantado como exemplo da interferência do Estado na liberdade do indivíduo o monitoramento eletrônico da pessoa que está em regime aberto e cumpre a pena em domicílio. Para Rodrigues (2012), essa é uma liberdade vigiada, sendo concebida como um instrumento de controle e cidadania.
O referido autor menciona ser uma medida necessária, pois o encarceramento tem se tornado instrumento que não atende à dignidade humana, visto a ausência de estrutura do sistema carcerário. Uma das inúmeras consequências é a superlotação, que coloca em risco o objetivo da pena, a saber, a ressocialização do apenado, pois na prática seria equivalente à penas cruéis, as quais já foram abolidas pela Constituição Federal de 1988, sendo sua prática considerada crime.
Defende Rodrigues (2012) que o monitoramento eletrônico é uma medida alternativa ao cárcere, para situações determinadas, ou seja, precisa ser preenchido requisitos, cuja fiscalização pode ser imposta, acrescentando que passou a ser uma medida cautelar de acordo com a lei 12.403/11. Esse dispositivo, segundo Rodrigues (2012), deu nova redação ao art. 319 do CPP (Código de Processo Penal), e tem como uma de suas principais contribuições a redução da quantidade de presos provisórios, que é maior do que 40% de toda população carcerária do Brasil.
Frente ao tema colocado por esse autor, verifica-se a tendência que o Direito Penal tem em considerar as penas privativas de liberdade aplicáveis em casos de reconhecida necessidade. Esse pensamento é convergente com a maior parte dos penalistas, tais como Mirabete (2011) e Capez (2012), os quais comungam da mesma posição de que as penas privativas de liberdade devem ser reservadas para as espécies mais gravosas de ilícitos, bem como ser as circunstâncias subjetivas do condenado incompatíveis com a pena alternativa, a ponto de não ser possível aplicar.
O princípio da subsidiariedade tem seu início com as propostas do liberalismo econômico, pois defende que o Estado, para ser legítimo, deve ser subsidiário, ou seja, não pode ser regulador de todas as ações. De certo, aquele princípio objetiva limitar o Estado intervencionista. Portanto, nessa concepção o estado conceberia a primazia da sociedade civil. A ideia de subsidiariedade do papel econômico do Estado é posta, pela primeira vez, pelo fascismo, na Carta del Lavoro, de Benito Mussolini em 1927 (BERCOVICI, 2015).
O referido princípio também foi recepcionado na seara criminal. Segundo Masson (2018) o direito penal tem o dever de ocupar-se dos bens jurídicos mais importantes para a vida em sociedade, agindo em casos quando a ingerência aos bens jurídicos ocorre de forma mais gravosa. De forma que, só deve intervir quando os demais ramos do direito não conseguem protegê-lo. De acordo com o autor, esse seria o caráter subsidiário do direito penal, o qual, modernamente, tem o papel de prevenir o cometimento de delitos não só aplicar sanções penais ao agente.
De certo, na seara penal, em termos de conflito aparente de normas penais, a norma subsidiária descreve grau menor de violação de um mesmo bem jurídico, isto é, um fato menos grave. Nesse sentido, a norma primária submergirá a subsidiária. Diante disso, aplica-se o princípio da subsidiariedade quando a norma principal for mais grave que a secundária. Entretanto, para saber qual norma incidirá deve ser verificado qual a intenção do agente, sendo insuficiente fazer a comparação dos tipos penais em abstrato para decidir qual crime coaduna com o fato (SILVA, 2018).
Conforme Masson (2018) o princípio da subsidiariedade é um desdobramento do princípio da intervenção mínima do direito penal. Discorre o autor que o princípio da reserva legal não basta para salvaguardar o indivíduo. Isso porque, o Estado pode criar tipos penais iníquos e instituir penas vexatórias à dignidade da pessoa humana. Diante disso, estabeleceu a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 em seu art. 8º, que a lei somente deve prever as penas estritamente e devidamente necessárias. Daí o surgimento da intervenção mínima do Estado, confirmando que é apenas legítimo a intervenção penal quando a criminalização de um fato se constitui meio indispensável para a proteção de determinado bem jurídico ou interesse, não podendo ser tutelado por outros ramos do direito.
No entendimento de Masson (2018) os seus destinatários principais seriam o legislador e o intérprete do direito, àquele que estaria responsável por abster-se de incriminar qualquer comportamento. Ao operador do direito a exigência de não proceder à operação de tipicidade quando verificar que o problema seria resolvido com a aplicação de outros ramos do sistema jurídico, em que pese a existência do tipo penal incriminador. O princípio em comento vem sendo utilizado para basear a corrente do direito penal mínimo. E nesse contexto já decidiu o Supremo Tribunal Justiça – STJ, apud Masson (2018, p. 52), sobre a aplicação do aludido princípio: “A missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes de lesões de maior gravidade.”
Segundo Masson (2018) as modificações ocorridas na humanidade ao longo dos últimos anos, com fenômenos como a globalização, a massificação dos problemas e a configuração da sociedade de risco criou o direito penal de risco. A prevenção do delito seria um dos meios mais adequados para reduzir a criminalidade. Nos moldes do entendimento de Martín (2007, p. 45) apud Masson (2018, p. 105):
O direito penal moderno é próprio e característico da “sociedade de risco”. O controle, a prevenção e a gestão de riscos gerais são tarefas que o Estado deve assumir, e assume efetivamente de modo relevante. Para a realização de tais objetivos o legislador recorre a tipo penal de perigo abstrato como instrumento técnico adequado por excelência. Por ele, o direito penal moderno, ou ao menos uma parte considerável dele, se denomina como “direito penal de risco”.
Em decorrência disso, a convocação do direito penal de forma contínua acarretou mudanças na estrutura clássica. Isso porque, acredita-se que o poder por ele transmitido mostra-se necessário para suportar os riscos da sociedade, a qual aponta a sensação de insegurança que se tornou institucionalizada ao longo do tempo aliada ao descrédito de outras instâncias de proteção. O chamamento do direito penal para resolver todos os problemas afetaria o seu caráter subsidiário (MASSON, 2018).
Conforme Lima (2018), a lei 12.403/11 ampliou de forma significativa o rol de medidas cautelares pessoais diversas da prisão, proporcionando ao julgador escolha da providência mais ajustada ao caso concreto dentro dos critérios da proporcionalidade e observância ao princípio da subsidiariedade do direito penal, levando em consideração que a liberdade de locomoção é a regra no ordenamento jurídico. Nesse sentido, entende que na busca de alternativas para o cárcere o art. 319 do Código de Processo Penal Brasileiro – CPPB passou a elencar medidas cautelares diversas da prisão preventiva. Para tanto, o juiz deve verificar se tanto a prisão quanto uma das medidas cautelares são idôneas a atingir o fim do processo.
O autor supramencionado defende que tais medidas cautelares são exemplos da tendência do direito penal moderno de priorizar a liberdade ao invés de sua prisão. Destaca algumas medidas cautelares, como o comparecimento periódico em juízo, que tem como objetivo verificar se o acusado permanece à disposição do juízo para prática de ato processual ou para prestar informação sobre algo relevante.
Outra medida seria a vedação de comparecimento ou acesso a determinados lugares quando por circunstâncias relacionadas ao fato deva o indiciado manter-se afastado daquele local. A proibição de manter contato com pessoa determinada relacionada ao fato seria outra medida, bem como, dentre outras medidas, a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira àqueles que exercem cargos públicos ou função pública.
Conforme Lima (2018), a Lei 9099/95 ensartou 4 (quatro) medidas despenalizadoras em que o consenso entre as partes pode evitar a formação do processo ou mesmo impedir seu prosseguimento, e até mesmo extinguir a punibilidade do autor do fato delituoso quando o processo já iniciou-se e as partes desejam em audiência preliminar resolver a questão. Embasado nisso, defende que a tradicional jurisdição do conflito abdica lugar para a jurisdição do consenso, buscando sempre um acordo entre as partes para evitar aplicação mais gravosa, dando lugar à pena não privativa da liberdade, evitando o processo. Nesse sentido entende:
Princípios tradicionais da ultrapassada jurisdição conflitiva, como os da inderrogabilidade do processo e da pena (não há pena sem processo), da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pública, são colocados em segundo plano, dando lugar a um novo paradigma processual penal, que põe em destaque a oportunidade, a disponibilidade, a discricionariedade regrada e a busca do consenso. Se, antes, só havia espaço para o conflito, com obrigatório e inevitável embate entre o Ministério Público (ou querelante) e o acusado e seu defensor, sem nenhum espaço para um possível acordo, nasce com a lei 9099/95 uma nova jurisdição, que passa permitir a busca do consenso no âmbito processual penal (Lima, 2018, p. 1450).
No tocante as medidas despenalizadores o autor mencionado acima cita 4 (quatro), quais sejam: composição dos danos civil onde a vítima renuncia ao seu direito de queixa e representação, extinguindo a punibilidade do agente, tal possibilidade está disposta no art. 74, parágrafo único, da referida lei 9099/95; transação penal – evita a instauração do processo quando aceita pelo acusado, permitindo o imediato cumprimento da pena restritiva de direitos.
Além daquelas, exemplifica Lima (2018), a representação nos crimes de lesão corporal leve e lesão culposa, caso a vítima não represente o suposto autor do fato no prazo decadencial de 6 (seis) meses, a contar do conhecimento da autoria do crime, onde ocorre a decadência do direito de representação e a consequente extinção da punibilidade do agente; a suspensão condicional do processo pode ocorrer quando o juiz recebendo a denúncia submete o acusado a um período de prova onde ele vai ter que cumprir algumas condições, ao final o juiz declara extinta a punibilidade do agente, prevista tal medida no art. 89 da lei acima.
Segue Lima (2018) informando que além desses institutos despenalizadores há também uma medida que tem a mesma característica. De certo, se o autor, após a lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência, do fato comparecer ao Juizado Especial para prestar o compromisso e comparecer aos atos processuais necessários não pode ser preso em flagrante nem pode ser exige fiança.
Tais institutos despenalizadores são inspirados pelo princípio da subsidiariedade do direito penal e importam em expressiva transformação do sistema penal e processual brasileiro, pois são instrumentos destinados a viabilizar juridicamente processos de despenalização. Esse seria um novo modelo de Justiça criminal, a qual privilegia o consenso entre as partes autor do fato e vítima, valorizando a adoção de soluções fundadas na vontade dos sujeitos do processo (LIMA, 2018).
Segundo Reis e Oliveira (2017), a delação premiada seria também um instituto despenalizador, já que consiste em denúncia que resulta em uma recompensa para quem contribuir com a Justiça no sentido de descobrir a verdade dos fatos. No presente caso, o co-réu em troca de sua liberdade ou mesmo diminuição de pena fornece informações importantes para o deslinde do caso. Entretanto, esclarecem, que o referido instituto só pode ser aplicado em certos tipos penais.
De acordo com Pinheiro (2013) o consenso é o ponto em comum entre vários dos institutos despenalizadores. Por sua vez, o Direito Penal com as medidas despenalizadoras e descarcerizadoras passa a adotar as tendências mundiais hodiernas, que seria utilizar a prisão como ultima ratio, ampliando-se o rol das medidas alternativas diversas da prisão. A autora defende que o procedimento sumaríssimo da lei 9099/95 tem como único ponto positivo o uso das medidas despenalizadores, mas caso elas não sejam possíveis de aplicação torna-se desfavorável para o autor do fato provar que é inocente devido a celeridade exigida.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verifica-se que os institutos despenalizadores são essenciais para garantir a efetividade e observância do princípio da intervenção mínima do direito penal. Como analisado, a aplicação das sanções penais como a pena e medida de segurança só devem ser aplicados em situações que realmente as exigem. Isso porque, o direito penal não tem um caráter meramente penalizador, mas também preventivo. Diante disso, a liberdade do agente deve ser sempre regra sendo que a legitimidade dos institutos despenalizadores encontra substanciada na própria lei que não admite a aplicação desproporcional e desnecessária da carceirização.
Diante do exposto observa-se que o objetivo primário desse artigo foi concretizado, por meio da análise dos princípios da liberdade e da subsidiariedade do direito penal, como fundamentos para explicar a importância desses institutos despenalizadores no ordenamento jurídico pátrio. De fato, tem-se vários exemplos desses institutos no sistema jurídico, a exemplo das medidas cautelares diversas da prisão, como o monitoramento eletrônico de pessoas que cumprem a pena em domicílio, bem como a transação penal e a suspensão condicional do processo.
Portanto, verifica-se que o presente artigo tem relevância tanto na seara de pós-graduação quanto em cursos de graduação em direito, sobretudo nas disciplinas de direito penal e processual penal. De certo, o direito penal vem se modernizando e apresenta possibilidades diversas da prisão como a aplicação dos institutos despenalizadores que são realizados sob supervisão do Estado.
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Bacharel em Direito pela Christus Faculdade do Piauí – CHRISFAPI; pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela faculdade CHRISFAPI; pós-graduada em Direito da Família pela Universidade Cândido Mendes – UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FONTENELE, Maria Letícia de Brito. Direito Penal Mínimo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2024, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/65735/direito-penal-mnimo. Acesso em: 23 dez 2024.
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