A revisão criminal foi introduzida no Brasil pelo Código de Processo Penal de 3 de outubro de 1941 e formalizado pelo Decreto 847 de 11 de outubro de 1890, chamada de revisão extraordinária, entretanto dizem que tem origem provavelmente no Direito Romano, e o seu propósito era modificar decisões injustas.
Hoje em dia, a revisão criminal tornou-se parte essencial do sistema jurídico de muitos Estados. Existem procedimentos legais específicos para a revisão de condenações criminais em várias nações, cada uma, com as suas regras, no escopo de evitar violações de direitos, máxime os erros judiciais absurdos.
Ela é um uma ação judicial autônoma proposta pelo condenado que ocorre excepcionalmente para afastar a coisa julgada, sem previsão de tempo, pois não se pode admitir uma coisa julgada injusta advinda de grave erro judiciário nas hipóteses do art. 621 do Código de Processo Penal, independentemente de habeas corpus em andamento.
Em outros países, existe a possibilidade de a revisão criminal ser ajuizada por outra pessoa que não seja o condenado.
O instituto foi criado, salvo melhor juízo, para evitar injustiças, não para ser uma forma de controle das decisões judiciais, magistrados fiscalizando ou controlando magistrados por acharem que não houve observância da melhor técnica processual, muitas vezes com o argumento de que estes últimos fossem mais bem preparados tecnicamente do que seus antecessores no julgamento em apreciação.
Quando um Juiz ou Tribunal erra, principalmente quando erra absurdamente, o Ministério Público e a Defesa podem recorrer para evitar o trânsito em julgado de uma decisão como essa. Por isso, a ação de revisão criminal é restrita às hipóteses dos incisos do art. 621, do Código de Processo Penal.
Se tudo pode processualmente nos casos que vão aos magistrados para análise e decisão, por que tantos tipos de procedimentos e recursos habitam o nosso sistema jurídico?
Os operadores do Direito devem obedecer às normas jurídicas, regras e princípios, com interpretações que permitam a boa aplicação da lei ao caso concreto, mormente nos julgamentos administrativos e judiciais.
E a gente tem que registrar aqui que muitas decisões judiciais apreciadas no âmbito da revisão criminal já passaram por decisões de magistrados que têm jurisdição no segundo grau, quiçá com alguma boa experiência em julgamentos e especialistas na matéria.
Acontece que, no Brasil, país no qual a norma do texto legal não é mais observada com a obediência de antigamente, a revisão criminal vem sendo utilizada para todo tipo de discussão, com o intuito indubitavelmente de procurar revisitar toda decisão judicial transitada em julgado para melhorar a situação do réu ou conseguir até mesmo a sua absolvição.
Neste ano, “desembargadores que compõem as Câmaras Reunidas do Tribunal de Justiça do Amazonas julgaram procedente revisão criminal interposta por requerente condenado por roubo majorado, devido à descaracterização de reincidência aplicada na dosimetria da pena. A decisão foi por unanimidade, na sessão desta quarta-feira (10/05), no processo n.º 4009004-39.2022.8.04.0000, de relatoria do desembargador Airton Luís Corrêa Gentil, em consonância com o parecer ministerial”. Está no site do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, com essa redação.
Há até que defenda que cabe revisão criminal de decisão ainda não transitada em julgado, hoje com menor ênfase porque o Supremo Tribunal Federal - STF não mais admite a execução provisória da pena (na decisão no HC 163814 ED[1] e em outras decisões como as das ADCs 43, 44 e 54, de relatoria do ministro Marco Aurélio), bem como há entendimento de que o Ministério Público tem legitimidade para pedir revisão criminal de um condenado na ausência de Defensor Público que atue na Comarca.
As decisões judiciais mais recentes dos nossos Tribunais não acolhem, ainda bem, a tese da possibilidade de ação de revisão criminal quando pendente recurso sobre o caso, nem reconhecem a legitimidade do Ministério Público para deflagar esse tipo de ação:
REVISÃO CRIMINAL. DELITOS DE TRÁFICO DE DROGAS E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. EXIGÊNCIA LEGAL (ART. 625, §1º, DO CPP). INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. A comprovação do trânsito em julgado da condenação é requisito indispensável à propositura da ação revisional, conforme expressa previsão constante do § 1º do art. 625 do CPP, de modo que sua ausência enseja o indeferimento da petição inicial, julgando-se então extinto o processo sem resolução de mérito. (TJMG; REVC 0462830-94.2023.8.13.0000; Segundo Grupo de Câmaras Criminais; Rel. Des. Danton Soares Martins; Julg. 14/09/2023; DJEMG 20/09/2023)
PENAL. REVISÃO CRIMINAL FORMULADA PELO REPRESENTANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO OFICIANTE JUNTO À COMARCA DE CUMARU. ALEGAÇÃO DE QUE A SENTENÇA CRIMINAL FOI LASTREADA EM PROVA FALSA. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO PEDIDO REVISIONAL SUSCITADA PELA PROCURADORIA DE JUSTIÇA. ACOLHIMENTO. 1. Preliminar de não conhecimento da revisão criminal. Em virtude do rol taxativo do artigo 623 do CPP que se refere aos legitimados para o ajuizamento da ação revisional, bem assim da carência de interesse recursal, o Ministério Público não possui legitimidade ativa para causa. Precedente do STF. 2. Revisão Criminal que não se conhece. Decisão por maioria. (TJPE; RVCr 0000119-49.2019.8.17.0000; Quarta Câmara Criminal; Relª Desª Daisy Maria de Andrade Costa Pereira; Julg. 01/08/2019; DJEPE 27/08/2019)
E mais: no ano passado, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, decidiu ser cabível o ajuizamento de ação de revisão criminal contra decisão unipessoal de relator que deu provimento a recurso especial para restabelecer sentença condenatória, com esteio, segundo o relator, no art. 239 do Regimento Interno daquela corte de Justiça.
Ser positivista não significa olvidar das doutrinas de Robert Alex e Ronaldo Dworkin, pois os princípios têm de atuar forte em algumas situações em que as regras são ausentes ou não merecem aplicação.
O problema é que até a Constituição Federal às vezes, e não são poucos os casos, é interpretada equivocadamente, e, quando não se tem como fazer a defesa de uma tese, invoca o intérprete constitucional uma tal de mutação constitucional que só ele sabe desenvolver. A propósito, a lição de Marçal Justen Filho merece ser lembrada agora:
XXVI.3.4 - O Direito e suas peculiaridades O Direito apresenta características distintas. A natureza heterônoma do Direito implica a redução (se não a supressão) da autonomia do intérprete para determinar o sentido e o alcance da disciplina jurídica. Uma parcela dos pensadores, especialmente nos EUA, defende que a finalidade da hermenêutica é revelar a exata intenção dos autores da lei. Contudo, a generalidade dos operadores do Direito, especialmente no Brasil, entende que a lei é dotada de vontade autônoma (mens legis), que não se confunde com a vontade dos legisladores (mens legislatoris). Em alguns casos, admitem-se interpretações destinadas a adequar as condições normativas à realidade. No entanto, é pacífico que a interpretação jurídica não atribui ao intérprete uma margem de autonomia para adotar o sentido normativo que lhe parecer mais conveniente, adequado ou legítimo. Lembre-se, no entanto, que toda e qualquer atividade de interpretação compreende, de modo necessário e inevitável, uma margem de inovação, a cargo do intérprete. (Filho, Marçal Justen. Introdução ao Estudo do Direito (Portuguese Edition) (p. 263). Edição do Kindle)
Sobre mutação constitucional:
A jurisprudência formada a partir do New Deal rompeu frontalmente com o entendimento constitucional vigorante ao longo da denominada era Lochner, passando a admitir como constitucionalmente válida a legislação trabalhista e social proposta por Roosevelt e aprovada pelo Congresso. Até então se havia entendido que tais leis violavam a liberdade de contrato assegurada pela Constituição408. Um segundo exemplo: a decisão proferida pela Suprema Corte no caso Brown v. Board of Education, julgado em 1954, que impôs a integração racial nas escolas públicas. Até então, prevalecia o entendimento constitucional, firmado em Plessy v. Ferguson, julgado em 1896, que legitimava a doutrina do “iguais mas separados” no tratamento entre brancos e negros. Nessas duas hipóteses, a Constituição material mudou substancialmente, sem que houvesse alteração de seu texto409. (BARROSO, LUIS ROBERTO. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo (Portuguese Edition) (pp. 172-173). Editora Saraiva. Edição do Kindle)
As mutações, por seu turno, não seriam alterações “físicas”, “palpáveis”, materialmente perceptíveis, mas sim alterações no significado e sentido interpretativo de um texto constitucional. A transformação não está no texto em si, mas na interpretação daquela regra enunciada. O texto permanece inalterado. As mutações constitucionais, portanto, exteriorizam o caráter dinâmico e de prospecção das normas jurídicas, por meio de processos informais. Informais no sentido de não serem previstos dentre aquelas mudanças formalmente estabelecidas no texto constitucional. Buscando a sua origem na doutrina alemã, Uadi Lammêgo Bulos denomina mutação constitucional “... o processo informal de mudança da Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então não ressaltados à letra da Constituição, quer através da interpretação, em suas diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction), bem como dos usos e dos costumes constitucionais”.4 Lenza, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado - 27ª edição 2023 (Portuguese Edition) (p. 353). Edição do Kindle)
A verdade é que a segurança jurídica precisa ser defendida igualmente no âmbito da revisão criminal, no tocante aos requisitos da sua admissibilidade, para impedir a rediscussão de fatos e provas.
Os operadores do Direito têm de buscar compreender melhor o instituto da revisão criminal embasado na melhor Doutrina, nos juristas que estudam anos para mostrar quando realmente há pertinência para deflagrar essa ação.
A constatação de que um Tribunal de Justiça não recebe a ação de revisão criminal, enquanto outra recebe, provoca no cidadão leigo profunda desconfiança no Sistema de Justiça, na medida que o texto da lei é o mesmo para cada um, ou seja, texto legal nacional para todos, com normas diferentes.
São encontradas também boas decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre a revisão criminal, inclusive nas mais recentes, as quais merecem ser transcritas e evidenciadas em diversas oportunidades que se fizerem necessárias.
Decisões erradas ou absurdas transformam, no entanto, ações judiciais (remédios constitucionais) em recursos processuais criminais e indubitavelmente fomentam insegurança jurídica. É como se a lei não existisse, e muito distante de uma mutação constitucional.
A mutação constitucional, pela boa doutrina, significa:
A mutação constitucional é modo informal de mudança da Constituição. Carlos Blanco de Morais ensina que “a mutação informal foi apreendida nos Estados Unidos, no Séc. XIX a propósito da noção de ‘Living Constitution’ criada pela política e pela jurisprudência. A questão ganhou especial relevo desde o caso ‘McCuloch v. Maryland’ (1819), tendo o Juiz Marshall defendido um construtivismo constitucional, com base na cláusula dos poderes implícitos, o qual não mereceu então especial resistência.17” É, portanto, tema que se insere na estabilidade da Constituição, conferida por sua rigidez. Em síntese, as constituições rígidas podem ser reformadas, mediante processo legislativo mais gravoso do que para as leis comuns ou sofrerem mutações em seu conteúdo, mediante interpretação mais atual do mesmo texto. No último caso (mutações) mantém-se a estabilidade dos textos, com alteração em sua interpretação. O poder instituído de reforma constitucional é o denominado pela doutrina de Poder Constituinte Reformador ou Poder Constituinte Derivado Reformador18. Em paralelo, a doutrina indica a mutação constitucional como fruto de obra do “poder constituinte difuso” ou “poder constituinte em sentido amplo”19. (Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 16, nº 40, p. 115-130, Abril-Junho/2015)
E a mutação constitucional não tem nada de coincidente com o ativismo judicial, basta entender o conceito de cada um.
No Supremo Tribunal Federal, há previsão de revisão criminal dos seus julgados, com espeque na Constituição Federal e no seu Regimento Interno:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I- processar e julgar, originariamente:
j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
(Constituição Federal)
Art. 263. Será admitida a revisão, pelo Tribunal, dos processos criminais findos, em que a condenação tiver sido por ele proferida ou mantida no julgamento de ação penal originária ou recurso criminal ordinário:
i – quando a decisão condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
ii – quando a decisão condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
iii – quando, após a decisão condenatória, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. Parágrafo único. No caso do inciso I, primeira parte, caberá revisão, pelo Tribunal, de processo em que a condenação tiver sido por ele proferida ou mantida no julgamento de recurso extraordinário, se seu fundamento coincidir com a questão federal apreciada.
Há previsão de revisão criminal igualmente do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça:
Art. 239. À Corte Especial caberá a revisão de decisões criminais que tiver proferido, e à Seção, das decisões suas e das Turmas.
Art. 240. No caso do inciso I, primeira parte, do artigo 621 do Código de Processo Penal, caberá a revisão, pelo Tribunal, do processo em que a condenação tiver sido por ele proferida ou mantida no julgamento de recurso especial, se seu fundamento coincidir com a questão federal apreciada.
Art. 241. A revisão terá início por uma petição instruída com a certidão de haver passado em julgado a decisão condenatória e com as peças necessárias à comprovação dos fatos arguidos, e será processada e julgada na forma da lei processual.
Pois Bem! O Código de Processo Penal assim disciplina a revisão criminal no nosso ordenamento jurídico:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Art. 622. A revisão poderá ser requerida em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após.
Parágrafo único. Não será admissível a reiteração do pedido, salvo se fundado em novas provas.
Art. 623. A revisão poderá ser pedida pelo próprio réu ou por procurador legalmente habilitado ou, no caso de morte do réu, pelo cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
A ação de revisão criminal tem hipóteses taxativas:
Ementa: PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. MEDIDA CAUTELAR. EFEITOS DA CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE FUMUS BONI IURIS. FUNDAMENTOS ANALISADOS E AFASTADOS PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRETENSÃO DE CANDIDATURA A CARGO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE PERICULUM IN MORA. IMPERTINÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR NÃO REFERENDADA. 1. A Revisão Criminal, por conta da sua natureza excepcional, somente deve ser utilizada quando preenchidos os requisitos legais para o seu conhecimento, afinal, do contrário estar-se-ia utilizando a referida ação de impugnação como verdadeiro substitutivo de um recurso. 2. Os fundamentos invocados pelo Relator, Min. NUNES MARQUES, na decisão proferida na Medida Cautelar na RvC 5.487/AM, são os mesmos já analisados pelo Min. EDSON FACHIN na RvC 5.475/AM, oportunidade em que esta CORTE analisou as impugnações envolvendo a dosimetria da pena do requerente em seus vários aspectos (dosimetria da pena em sentido amplo, inclusive no que diz respeito às circunstâncias judiciais do art. 59, caput, do art. 65, III, "b" e do art. 16, todos do Código Penal) , mantendo-a incólume. 3. A análise prévia realizada pelo Plenário desta SUPREMA CORTE nos autos da RvC 5.475/AM e nas demais ações ajuizadas pelo requerente (RvC 5.480/AM, RvC 5.488/AM e RvC 5.493/AM) serve de fundamento idôneo para afastar o requisito do fumus boni iuris da medida cautelar. 4. Ausência do periculum in mora alegado pelo requerente (suspensão dos efeitos da condenação para poder se candidatar a cargo eletivo), uma vez que não há qualquer risco de dano irreparável de se analisar a 5ª (quinta) Revisão Criminal proposta pelo requerente Acir Marcos Gurgacz, em especial quando os fundamentos desta já foram analisados pelo Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 5. Medida cautelar não referendada. (RvC 5487 MC-Ref, Relator(a): NUNES MARQUES, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 15-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO Dje-164 DIVULG 18-08-2022 PUBLIC 19-08-2022)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº. 56 DO TJ/CE. INOCORRÊNCIA DE "ERRO JUDICIÁRIO" APTO A SUSTENTAR PROPOSITURA DA AÇÃO. Questões enfrentadas adequadamente na instância recursal. Reexame de matérias discutidas. Impossibilidade. Utilização da revisão criminal como segunda apelação. Inexistência de hipóteses legais de cabimento para revisão. Mero inconformismo com fundamentação que não sustenta propositura de impugnação. Necessário não conhecimento. As questões levantadas pelo autor/revisionante foram avaliadas e decididas tanto no 1º grau quanto no 2º grau, de modo que se tem mero reexame de assuntos. A situação, por si só, desvirtua o objeto da revisão criminal, que é alvejar os possíveis "erros judiciários", não se revestindo da condição de "segunda apelação". Destarte, tanto a jurisprudência quanto a doutrina cuidaram de assinalar que as hipóteses de cabimento da revisão criminal são taxativos. Em decorrência, dois elementos devem prevalecer na situação ora enfrentada: A relevância da coisa e da apreciação das questões por parte do juízo original e da instância de recurso e, por último, o prestígio das decisões judiciais. Destarte, diante da ausência de respaldo legal e jurisprudencial para a propositura da ação, deve-se proceder ao seu não conhecimento. Ação revisional não conhecida. Ausência manifesta de hipóteses de cabimento. (TJCE; RevCr 0638770-68.2023.8.06.0000; Fortaleza; Seção Criminal; Relª Desª Sílvia Soares de Sá Nóbrega; DJCE 07/03/2024; Pág. 224)
No STJ, a Ministra Laurita Vaz, na Sexta Turma, no julgamento da REVISÃO CRIMINAL Nº 5.620-SP, admitiu a revisão criminal com amparo em mudança de entendimento jurisprudencial pacífico e relevante:
REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO PELO RECONHECIMENTO DE REFORMATIO IN PEJUSINDIRETA. INSUBSISTENTE. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO CRIMINAL NÃO CONHECIDA. 1. Não subsiste o pleito pelo reconhecimento de reformatio in pejus indireta, porquanto a sucumbência do Parquet estadual quanto à matéria veiculada no recurso especial ocorreu quando do julgamento e provimento parcial da apelação defensiva. 2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que a mudança de entendimento jurisprudencial não autoriza o ajuizamento de revisão criminal, ressalvadas hipóteses excepcionalíssimas de entendimento pacífico e relevante, o que não se vislumbra na espécie. 3. Revisão criminal não conhecida.
De onde vem esse entendimento pacífico e relevante? De quando para quando? Entendimento jurisprudencial novo é lei?
A alteração da jurisprudência em matéria penal não pode provocar a revisão criminal, ressalvados os casos de abolitio criminis ou declaração de inconstitucionalidade de lei:
EMENTA: REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. 1. A Revisão criminal é espécie de ação autônoma de impugnação e deve preencher os requisitos de admissibilidade elencados taxativamente no art. 621, do Código de Processo Penal. 2. A mera rediscussão de matéria já analisada e amparada pela coisa julgada é vedada em sede de revisão criminal. 3. Eventual alteração de jurisprudência não é suficiente para ensejar a reforma do julgado por meio da revisão criminal, salvo caso de abolitio criminis ou declaração de inconstitucionalidade de lei. 4. Pedido revisional não conhecido.(TJ-ES - RVCR: 00193698320208080000, Relator: ELISABETH LORDES, Data de Julgamento: 08/03/2021, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, Data de Publicação: 15/03/2021)
Em caso de lei nova que beneficia o condenado, correta esta posição doutrinária defendida pelo Doutor Marcellus Polastri Lima e pela Mestra Mariana Soares de Rezende:
Sérgio de Oliveira Médici também sustenta que qualquer lei nova que beneficie o condenado deverá ser apreciada pelo juízo das execuções. O autor afirma que o pedido da aplicação da lei favorável deve ser dirigido, originariamente, ao juízo da execução. Caso haja o indeferimento transitado em julgado deste pedido, “nada impede o requerimento de revisão, com o objetivo de demonstrar que a improcedência do pedido de aplicação da lex mitior configura sentença contrária ao texto expresso da lei penal”45. (A Revisão Criminal: Antigas e Novas Questões Relevantes, na Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 71, jan./mar. 2019)
Com base na Súmula 611 do STF: “Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna.”
O novo entendimento jurisprudencial, por exemplo, ressalvados a retroatividade de norma mais benéfica e existência ou não de teratologia, erro gritante ou afronta aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na dosimetria da pena, não dá cabimento à utilização da ação de revisão criminal, conforme decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal:
REVISÃO CRIMINAL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO. REJEIÇÃO. FURTO QUALIFICADO. REPOUSO NOTURNO. NOVO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRETENDIDA RETROATIVIDADE DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL MAIS MODERNO. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO REVISIONAL ADMITIDA E JULGADA IMPROCEDENTE. 1. a revisão criminal é cabível em hipóteses específicas, conforme rol taxativo previsto no art. 621 do CPP, mas a conclusão acerca da retroatividade de norma mais benéfica e existência ou não de teratologia, erro gritante ou afronta aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, na dosimetria da pena, exige o enfrentamento do mérito. (Acórdão 1736620, 07243729720238070000, Relator: SILVANIO BARBOSA DOS Santos, Câmara Criminal, data de julgamento: 26/7/2023, publicado no PJe: 7/8/2023. Pág.: Sem Página Cadastrada.) 2. Não logra êxito a ação revisional criminal por meio da qual se intenta a rescisão do acórdão transitado em julgado em data anterior a novo entendimento jurisprudencial mais moderno e benéfico ao sentenciado, ainda que vinculativo, por ausência de previsão legal. 3. No caso dos autos, o entendimento firmado à época da sentença condenatória indicava a jurisprudência desta e. Corte, não havendo que se falar em decisão contrária a texto expresso de Lei ou julgamento contrário à evidência dos autos. 4. Preliminar rejeitada. Revisão Criminal admitida e julgada improcedente. (TJDF; RVC 07243.70-30.2023.8.07.0000; 177.0829; Câmara Criminal; Rel. Des. Josaphá Francisco dos Santos; Julg. 10/10/2023; Publ. PJe 24/10/2023)
E, conforme o art. 622 supracitado, não tem prazo para o seu ajuizamento, conforme coloca a doutrina especializada:
EMENTA PROCESSUAL PENAL E PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. REVISÃO CRIMINAL. CPP, ART. 621, I – ACÓRDÃO CONDENATÓRIO CONTRÁRIO À EVIDÊNCIA DOS AUTOS. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. FRAUDE. LEI N. 7.492/1986, ART. 20. CRIME FORMAL. TERMO ADITIVO DE RETIFICAÇÃO E RATIFICAÇÃO DA CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. IRRELEVÂNCIA. REEXAME DE PROVA. INADMISSIBILIDADE. 1. Ainda que toda a persecução criminal seja permeada por garantias fundamentais ao acusado, considerado o Estado democrático de direito, a segurança jurídica resultante do trânsito em julgado da sentença penal condenatória não pode sobrepor-se ao saneamento de indesejado erro judiciário. Tanto é assim que a revisão criminal pode ser requerida a qualquer tempo, desde que não haja reiteração do pedido, salvo se fundado em novas provas (CPP, art. 622, parágrafo único). 2. Para que se tenha a desconstituição da coisa julgada formada em desfavor do réu, o art. 621 do Código de Processo Penal prevê rol exaustivo das hipóteses de cabimento da revisão criminal. Em seu inciso I, por exemplo, dispõe que a revisão será cabível quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, cumprindo à defesa o ônus da prova, com a demonstração concreta da contrariedade. 3. O autor revisional foi condenado pela prática do crime previsto no art. 20 da Lei n. 7.492/1986, o qual se consuma com a aplicação, em finalidade diversa da prevista em norma legal ou contratual, dos recursos oriundos de financiamento concedido por instituição financeira oficial. Não se exige, para a configuração do tipo, que seja comprovada a destinação dada aos valores obtidos, uma vez que a mera constatação de que não foram eles aplicados corretamente, conforme previsto em lei ou no contrato, já evidencia a utilização dos ativos para fim diverso. Precedentes. 4. A retificação do contrato com a instituição financeira contratada não afasta a tipicidade da conduta, presente o caráter formal do delito ante o direcionamento dos créditos para fins diversos daqueles previstos inicialmente. 5. O acórdão condenatório não desconsiderou a celebração de Termo Aditivo de Retificação e Ratificação da Cédula de Crédito Bancário; apenas entendeu ser irrelevante, para efeito de consumação do delito, a posterior repactuação, ainda que precedente à denúncia, em razão do caráter formal do crime, não resultando a condenação contrária à evidência dos autos. 6. Revisão criminal não conhecida. (RvC 5487, Relator(a): NUNES MARQUES, Tribunal Pleno, julgado em 03-05-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-07-2023 PUBLIC 28-07-2023)
A partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, a qualquer momento pode ser pedida a revisão, antes ou após a extinção da pena e mesmo já tendo morrido o condenado. Tal amplitude justifica-se uma vez que o escopo da revisão criminal não é tão somente impedir o cumprimento da pena, mas gerar a mais completa reparação da injustiça, restaurando o status dignitatis do condenado e, em alguns casos, ensejando indenização a este ou seus familiares. (Prática Jurídica Penal. Guilherme Madeira Dezem. Paulo Henrique Aranda Fuller. Gustavo Octaviano Diniz Junqueira. Patricia Vanzolini. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 216)
Mas infelizmente acontece que alguns Tribunais de Justiça estão, após o trânsito em julgado das decisões judiciais, de primeiro e segundo graus de jurisdição, julgando procedente pedido de ação de revisão criminal com base, segundo os seus entendimentos de momento, em imprecisão na aplicação da dosimetria da pena.
A dosimetria da pena na sentença condenatória criminal não é uma operação fácil de se fazer. Se fosse, inúmeras sentenças não seriam anuladas ou reformadas em todo o país diariamente.
Assim, existentes as imprecisões e imperfeições que maculam o julgamento, nada teratológico, o recurso de apelação é o remédio correto. O princípio da taxatividade do recurso precisa ser observado.
Na cátedra de Guilherme de Souza Nucci, "o objetivo da revisão não é permitir uma 'terceira instância' de julgamento, garantindo ao acusado mais uma oportunidade de ser absolvido ou ter reduzida sua pena, mas, sim, assegurar-lhe a correção de um erro judiciário". (Código de Processo Penal comentado. 11ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 1073)
O Ministro Edson Fachin, do STF, foi muito feliz quando da relatoria do RvC 5475 e da TPA 5/AM – AMAZONAS ao pontificar que:
Ementa: REVISÃO CRIMINAL. MATÉRIA PENAL. HIPÓTESES DE CABIMENTO TAXATIVAS. PRETENSÃO DE REAVALIAÇÃO DE ASPECTOS DISCRICIONÁRIOS DA DOSIMETRIA DA PENA. EVENTUAL CONTROVÉRSIA RAZOÁVEL ACERCA DA VALORAÇÃO DE PROVAS E/OU DO DIREITO. INADEQUAÇÃO DA MEDIDA. REVISÃO CRIMINAL NÃO CONHECIDA. 1. Preliminarmente, o Tribunal Pleno, por maioria, rejeitou questão de ordem suscitada no que toca à eventual incompatibilidade, no caso concreto, de que o Relator do acórdão impugnado, proferido na Ação Penal 935/AM, funcione, nestes autos, como Revisor. 2. A revisão criminal, instrumento processual posto à disposição do condenado, tem como finalidade precípua conciliar, de um lado, a exigência de juridicidade da prestação jurisdicional e, de outro, a necessária segurança jurídica decorrente dos pronunciamentos emanados do Estado-Juiz, mediante observância de hipóteses de cabimento taxativamente previstas no ordenamento jurídico e que traduzam situações efetivamente graves que, em tese, possam autorizar a excepcional desconstituição da coisa julgada material. 3. Assim, a revisão criminal, que não tem feitio recursal, não se presta a, fora de sua destinação normativa, submeter a matéria subjacente ao crivo do Tribunal Pleno por razões derivadas exclusivamente do inconformismo defensivo ou de razões afetas ao suposto desacerto da razoável valoração da prova e/ou do direito. 4. No caso específico de ações penais originárias de competência de órgão fracionário desta Suprema Corte, a medida revisional também não funciona como ferramenta processual apta a inaugurar a jurisdição do colegiado maior como forma de contornar o não preenchimento dos requisitos impostos pela jurisprudência do STF ao cabimento dos embargos infringentes. 5. Segundo a firme jurisprudência desta Suprema Corte, a dosimetria da pena não se subordina à observância de rígidos esquemas ou regras aritméticas, assegurando-se ao competente órgão julgador certa discricionariedade no dimensionamento da resposta penal. Também inexiste correspondência necessária entre a expressividade numérica de circunstâncias judiciais desfavoráveis e o consequente incremento da pena-base. 6. Não configura ilegalidade o ato jurisdicional que condiciona a configuração de arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal, à concomitante demonstração da voluntariedade e pessoalidade da reparação do dano. 7. O título condenatório que acolhe interpretação possível e razoável em prejuízo do acusado não consubstancia vulneração a texto expresso de lei, sendo que a solução de controvérsias ponderadas acerca da interpretação de normas jurídicas não se insere no escopo taxativo de abertura da via revisional. 8. Hipótese concreta em que a dosimetria da pena, embora contrarie os interesses do postulante, não desvela mácula sob a perspectiva da legalidade, cingindo-se a irresignação defensiva ao campo do acerto ou desacerto na fixação da censura penal, espacialidade que conta com discricionariedade judicial insuscetível de reexame em sede de revisão criminal. 9. Revisão criminal não conhecida. (RvC 5475, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 06-11-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 14-04-2020 PUBLIC 15-04-2020)
EMENTA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – REVISÃO CRIMINAL – DOSIMETRIA DA PENA – IMPROCEDÊNCIA. 1. A revisão criminal não se presta a propiciar tão somente um novo julgamento, como se instrumento fosse de veiculação de pretensão recursal em que se repisa teses já vencidas no julgamento que se busca rescindir. 2. Quando calcada na inobservância da evidência dos autos, a revisão criminal pressupõe total dissociação entre a resposta jurisdicional e o acervo probatório, não se afigurando cabível na hipótese em que a condenação encontra-se lastreada minimamente nas provas colhidas. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não agasalha posicionamentos voltados a identificar relação matemática entre o número de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal e um percentual de aumento a ser aplicado sobre o mínimo da pena para cada uma delas, quando da fixação da pena base. (TPA 5, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08-11-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-055 DIVULG 20-03-2019 PUBLIC 21-03-2019)
O Ministro Nunes Marques admite o controle de legalidade da dosimetria da pena pelo STF em ação de revisão criminal, bem como o Ministro Edson Fachin:
E M E N T A AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PRETENDIDA REVISÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO EM MOMENTO ANTERIOR A ESTA IMPETRAÇÃO. HABEAS CORPUS UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA FUNDAMENTAÇÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – A condenação imposta ao agravante transitou em julgado em momento anterior a esta impetração. II – É inviável a utilização do habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal. III – A dosimetria da pena possui certo grau de discricionariedade, que não afasta o controle de legalidade e constitucionalidade dos critérios e da motivação utilizados. IV – Não vislumbro a presença de ilegalidade na fundamentação na dosimetria da pena. apta a autorizar a superação desse consagrado entendimento jurisprudencial. V – Agravo regimental a que se nega provimento. (HC 197362 AgR, Relator(a): NUNES MARQUES, Segunda Turma, julgado em 19-04-2021, PROCESSO ELETRÔNICO Dje-085 DIVULG 04-05-2021 PUBLIC 05-05-2021)
Ementa: REVISÃO CRIMINAL. MATÉRIA PENAL. HIPÓTESES DE CABIMENTO TAXATIVAS. PRETENSÃO DE REAVALIAÇÃO DE ASPECTOS DISCRICIONÁRIOS DA DOSIMETRIA DA PENA. EVENTUAL CONTROVÉRSIA RAZOÁVEL ACERCA DA VALORAÇÃO DE PROVAS E/OU DO DIREITO. INADEQUAÇÃO DA MEDIDA. REVISÃO CRIMINAL NÃO CONHECIDA. 1. Preliminarmente, o Tribunal Pleno, por maioria, rejeitou questão de ordem suscitada no que toca à eventual incompatibilidade, no caso concreto, de que o Relator do acórdão impugnado, proferido na Ação Penal 935/AM, funcione, nestes autos, como Revisor. 2. A revisão criminal, instrumento processual posto à disposição do condenado, tem como finalidade precípua conciliar, de um lado, a exigência de juridicidade da prestação jurisdicional e, de outro, a necessária segurança jurídica decorrente dos pronunciamentos emanados do Estado-Juiz, mediante observância de hipóteses de cabimento taxativamente previstas no ordenamento jurídico e que traduzam situações efetivamente graves que, em tese, possam autorizar a excepcional desconstituição da coisa julgada material. 3. Assim, a revisão criminal, que não tem feitio recursal, não se presta a, fora de sua destinação normativa, submeter a matéria subjacente ao crivo do Tribunal Pleno por razões derivadas exclusivamente do inconformismo defensivo ou de razões afetas ao suposto desacerto da razoável valoração da prova e/ou do direito. 4. No caso específico de ações penais originárias de competência de órgão fracionário desta Suprema Corte, a medida revisional também não funciona como ferramenta processual apta a inaugurar a jurisdição do colegiado maior como forma de contornar o não preenchimento dos requisitos impostos pela jurisprudência do STF ao cabimento dos embargos infringentes. 5. Segundo a firme jurisprudência desta Suprema Corte, a dosimetria da pena não se subordina à observância de rígidos esquemas ou regras aritméticas, assegurando-se ao competente órgão julgador certa discricionariedade no dimensionamento da resposta penal. Também inexiste correspondência necessária entre a expressividade numérica de circunstâncias judiciais desfavoráveis e o consequente incremento da pena-base. 6. Não configura ilegalidade o ato jurisdicional que condiciona a configuração de arrependimento posterior, previsto no art. 16 do Código Penal, à concomitante demonstração da voluntariedade e pessoalidade da reparação do dano. 7. O título condenatório que acolhe interpretação possível e razoável em prejuízo do acusado não consubstancia vulneração a texto expresso de lei, sendo que a solução de controvérsias ponderadas acerca da interpretação de normas jurídicas não se insere no escopo taxativo de abertura da via revisional. 8. Hipótese concreta em que a dosimetria da pena, embora contrarie os interesses do postulante, não desvela mácula sob a perspectiva da legalidade, cingindo-se a irresignação defensiva ao campo do acerto ou desacerto na fixação da censura penal, espacialidade que conta com discricionariedade judicial insuscetível de reexame em sede de revisão criminal. 9. Revisão criminal não conhecida. (RvC 5475, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 06-11-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-089 DIVULG 14-04-2020 PUBLIC 15-04-2020)
Destarte, a ação de revisão criminal tem de ter cabimento, ou seja, tem de ser conhecida, para depois serem analisados os fundamentos que demonstram a ilegalidade na aplicação da dosimetria da pena:
PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. CABIMENTO. ART. 621 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. DOSIMETRIA. REVISÃO. 1. A utilização da revisão criminal, ação cuja função é a excepcional desconstituição da coisa julgada, reclama a demonstração da presença de uma de suas hipóteses de cabimento, descritas no art. 621 do Código de Processo Penal, situação não ocorrente na espécie. 2. Ademais, "embora seja possível rever a dosimetria da pena em revisão criminal, a utilização do pleito revisional é prática excepcional, somente justificada quando houver contrariedade ao texto expresso da lei ou à evidência dos autos" (AgRg no AREsp n. 734.052/MS, QUINTA TURMA, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, DJe de 16/12/2015). 3. Assim, os fundamentos utilizados na dosimetria da pena somente devem ser examinados se evidenciado, previamente, o cabimento do pedido revisional, porquanto a revisão criminal não se qualifica como simples instrumento a serviço do inconformismo da parte. 4. Revisão criminal não conhecida. (STJ - RvCr: 5247 DF 2019/0339948-0, Relator: ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 22/03/2023, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 14/04/2023)
Esta decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul merece ser evidenciada como um ensinamento de escol:
REVISÃO CRIMINAL – RÉU CONDENADO PELA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS – SENTENÇA QUE NÃO RECONHECEU A CAUSA DE DIMINUIÇÃO RELATIVA AO TRÁFICO PRIVILEGIADO – CONTRARIEDADE À EVIDÊNCIA DOS AUTOS – INOCORRÊNCIA – FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA – IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA REVISÃO CRIMINAL COMO SUCEDÂNEO RECURSAL – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA PELA REVISÃO DE OFÍCIO DA DOSIMETRIA DA PENA – IMPOSSIBILIDADE – INOCORRÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE – DISCRICIONARIEDADE VINCULADO DO JUIZ – REVISÃO CRIMINAL NÃO CONHECIDA. A revisão criminal é uma ação penal de natureza autônoma, da competência originária dos Tribunais, destinada a desconstituir a coisa julgada, nos casos em que a sentença ou acórdão estiveram contaminados por erro judiciário. A esse respeito, o artigo 621 do Código de Processo Penal enumera as hipóteses taxativas de cabimento da revisão criminal. Não se trata, este procedimento, de uma segunda apelação; ao contrário, visa precipuamente desconstituir uma falha na prestação jurisdicional decorrente de error in judicando ou de error in procedendo, observadas as hipóteses de cabimento previstas no artigo 621 do Código de Processo Penal. Assim, o manejo desta ação autônoma de impugnação não pode ser banalizado e utilizado como sucedâneo recursal, pois contrasta com a segurança jurídica garantida pelo instituto da coisa julgada. Especificamente, no tocante à alegada contrariedade à evidência dos autos, a pretensão revisional reveste-se de excepcionalidade, cingindo-se apenas às hipóteses em que a contradição à evidência dos autos seja manifesta, induvidosa, dispensando a interpretação ou análise subjetiva das provas produzidas. Precedentes do STJ. A concessão de ordem de habeas de corpus de ofício é uma providência que pode ser adotada por iniciativa dos Tribunais quando detectarem ilegalidade flagrante – inexistente in casu. Precedentes do STJ. A reanálise da dosimetria da pena somente deve ser empregada quando verificado eventual erro ou excesso injustificável, despido de legalidade, sendo certo que a exasperação da reprimenda para além do mínimo legal, quando devidamente fundamentada, é abarcada pela discricionariedade do julgador, passível de reexame em sede de apelação, mas não no âmbito da revisão criminal. Precedentes do TJMS. Revisão criminal não conhecida, com o parecer. (TJ-MS - RVCR: 14203062920228120000 Rio Brilhante, Relator: Desª. Dileta Terezinha Souza Thomaz, Data de Julgamento: 24/01/2023, 2ª Seção Criminal, Data de Publicação: 26/01/2023)
E o Tribunal de Justiça da Paraíba, no mês de maio deste ano, publicou acórdão que restringe a interpretação de que a ação de revisão criminal pode ser ajuizada como se fosse um recurso de apelação. Eis a ementa:
REVISÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA. ART. 1º, II E 12, I, TODOS DA LEI Nº 8.137/1990, C/C ART. 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADA. REQUERIMENTO FULCRADO NO ART. 621, I, DO CPP. DOSIMETRIA. PENA INTERMEDIÁRIA. REINCIDÊNCIA. UTILIZAÇÃO DA FRAÇÃO DE 1/3 (UM TERÇO) SOBRE A AGRAVANTE. MULTIRREINCIDÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA DO ARTIGO 12, I, DA LEI Nº. 8.137/90. IMPOSSIBILIDADE. EXPRESSIVO DANO AO ERÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. – A revisão criminal, proposta com fulcro no art. 621, I do CPP, é admitida excepcional para reexaminar a dosimetria da pena quando constatada manifesta injustiça, contrariedade ao texto legal ou à evidência dos autos ou erro técnico. – A dosimetria da pena é o procedimento em que o magistrado, utilizando-se do sistema trifásico de cálculo, chega ao quantum ideal da pena com base em suas convicções e nos critérios previstos abstratamente pelo legislador. – No caso em reexame, não existe ilegalidade na dosimetria da pena, considerando que a fração de (um terço), aplicada na segunda fase da dosimetria, em razão da agravante da reincidência, encontra-se devidamente justificada face a multirreincidência específica do requerente. – O expressivo valor do tributo sonegado pode ser considerado fundamento idôneo para amparar a majoração da pena prevista no inciso I do art. 12 da Lei n. 8.137/90. Precedentes. – Revisão criminal julgada improcedente. VISTOS, relatados e discutidos estes autos de revisão criminal, acima identificados. ACORDA o Plenário do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, em sessão plenária, à unanimidade, julgar improcedente a revisão criminal, nos termos do voto do relator, integrando ao presente voto a certidão de julgamento eletrônica acostada aos autos. (0804159-22.2024.8.15.0000, Rel. Des. Márcio Murilo da Cunha Ramos, REVISÃO CRIMINAL, Tribunal Pleno, juntado em 20/05/2024)
A ação de revisão criminal não pode ser uma porta escancarada para desafiar qualquer sentença dos juízes brasileiros, como, na prática, vem acontecendo em inúmeras decisões de Tribunais deste país todos os dias.
O inconformismo do condenado isoladamente não deve ser a chave para se modificar uma decisão judicial por meio da ação de revisão criminal.
Não é que o cumprimento dos requisitos de admissibilidade seja mais relevante que a verdade processual, todavia certas exigências legais são imprescindíveis para equilibrar as forças que atuam nos processos, notadamente paridade de armas e obediência ao princípio do contraditório.
Deixar de apelar da sentença de um processo penal para entrar depois de algum tempo com uma ação de revisão criminal para discussão da dosimetria da pena parece não ser, de regra, algo recomendável.
Conclusão: é importante que os julgadores não façam da ação de revisão criminal um instrumento de substituição aos recursos cabíveis, máxime em respeito à segurança jurídica das decisões condenatórias e em respeito a todo o ordenamento jurídico brasileiro, tudo para preservar a coisa julgada, de berço constitucional (XXXVI do art. 5º da CF), que só deve ser alterada em situações excepcionais de ilegalidade e inconstitucionalidade reconhecidas e sedimentadas pelos Tribunais Superiores, sob pena da trivialização desse instituto histórico tão significativo para o nosso Direito Processual Penal.
[1] Direito penal e processual penal. 2. Execução provisória da pena. Impossibilidade. Precedentes (ADCs 43, 44 e 54). 3. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para declarar a ilegalidade de execução provisória da pena e, assim, revogar a prisão decretada por tal fundamento, se inexistente outro motivo para a segregação do paciente e se ausentes fundamentos concretos de prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP e em conformidade com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal.
(HC 163814 ED, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 19-11-2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-204 DIVULG 14-08-2020 PUBLIC 17-08-2020)
Promotor de Justiça do Estado da Paraíba, Assessor Técnico do Procurador-Geral de Justiça, ex-Promotor de Justiça Corregedor, ex-Presidente da Associação Paraibana do Ministério Público – APMP, ex-Vice-Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – Conamp e ex-Professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público - Fesmip.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, alexandre cesar fernandes. A trivialização do Instituto da Revisão Criminal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2024, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/65869/a-trivializao-do-instituto-da-reviso-criminal. Acesso em: 23 dez 2024.
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