RESUMO: O presente artigo busca analisar o instituto da remição penal como um meio de aliviar as condições degradantes e desumanas nas quais cumprem suas respectivas penas os privados de liberdade, hoje, no Brasil, em razão do cenário de superlotação carcerária. De início, ele observa a estrutura do sistema carcerário do país e sua superlotação; em paralelo, os direitos dos presos que deveriam ser cumpridos, segundo a Carga Magna brasileira, os Direitos Humanos e acordos internacionais, verificando o que não está sendo cumprido, que enseja o cumprimento de pena em situação desumana. Posteriormente, a proposta levada à discussão do Supremo Tribunal Federal, em sede de Recurso Extraordinário, por meio do voto-vista ministro Luís Roberto Barroso, de remição em situações como essa. Por fim, culmina com a análise da viabilidade ou não dessa nova hipótese, diante das opções encontradas no ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: Remição da pena. Superlotação carcerária. Condição degradante. Condição desumana.
Abstract: This article seeks to analyze the institute of penal remission as a means of alleviating the degrading and inhuman conditions in which the deprived of liberty are currently serving their sentences in Brazil, due to the scenario of prison overcrowding. At first, he looks at the structure of the country's prison system and its overcrowding; in parallel, the rights of prisoners that should be fulfilled, according to the Brazilian Magna Cargo, Human Rights and international agreements, verifying what is not being fulfilled, which leads to the execution of sentences in an inhumane situation. Subsequently, the proposal brought to the discussion by the Supreme Federal Court, in the Extraordinary Appeal, through the vote-view of Minister Luís Roberto Barroso, for redemption in situations like this. Finally, it culminates with the analysis of the feasibility or not of this new hypothesis, given the options found in the Brazilian legal system.
Keywords: Penal remission. Prison overcrowding. Degrading condition. Inhuman condition.
1.INTRODUÇÃO
O sistema penitenciário brasileiro é considerado, hoje, um ramo da esfera administrativa da execução penal. Um procedimento complexo, que envolve não só aspectos juridicionais, mas também administrativos. Não se limita, então, ao que é desenvolvido nos estabelecimentos penais, configurando-se uma atividade estatal, por meio do Poder Executivo, que promove a execução da pena, com fiscalização do Poder Judiciário. Em razão dessa mistura entre a atuação dos Poderes, não é vinculado apenas ao Direito Penal e ao Processo Penal, mas, sobretudo, à Administração Pública. Prova disso é que o Estado-membro e o Distrito Federal têm a possibilidade de legislar, concorrentemente com a União, em matéria de Direito Penitenciário, como dispõe o artigo 24 24, I, CF, tendo em vista que assuntos penais ou processuais penais são da alçada exclusiva da União. (NUCCI, 2020, p. 18)
Há alguns anos, essa temática vem sido debatida recorrentemente pela mídia, pelos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo, bem como pela sociedade civil em razão de diversas mudanças ocorridas no país. Com problemas como superlotação carcerária, má administração, reincidência dos presos, instalações inadequadas para proporcionar o mínimo de qualidade de vida e falta de apoio da sociedade em razão de um discurso preponderantemente preconceituoso com o que deve ser fornecido aos detentos, o sistema carcerário brasileiro, hoje, enfrenta um momento de precariedade generalizada.
Segundo levamento feito pelo Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP 2.0), há, atualmente, 880.879 pessoas privadas de liberdade no Brasil, sendo 878.423 em sistemas prisionais e o restante em internação. Isso dá ao Brasil, atualmente, o terceiro lugar em números absolutos de presos no mundo. (BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020)
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a partir do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2019, o déficit de vagas no sistema prisional brasileiro cresceu de janeiro a junho de 2019, apesar da criação de 6.332 (seis mil, trezentos e trinta e duas) vagas no período. Até junho de 2019, esse déficit subiu para 312.125 (trezentos e doze mil, cento e vinte e cinco). De acordo com o Infopen, havia 748.009 (setecentos e quarenta e oito mil e nove) presos no país até dezembro de 2019. (BRASIL. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2019)
Com essa falta de vagas para todos os condenados a penas privativas de liberdade, não há outra saída no ordenamento jurídico pátrio senão superlotar os presídios do país. Com esse cenário, torna-se impossível, ainda que mediante esforços públicos, e até mesmo individuais dos ali encarcerados, ter uma condição de vida digna, humana, para cumprir suas respectivas penas.
Quando se fala em condição de cumprimento de pena indigna projeta-se como meta os regramentos nacionais, como a Lei de Execução Penal, a Constituição Federal, o Código Penal e, também, os internacionais, como as diretrizes da Organizações das Nações Unidas, as Regras Mínimas para tratamento do preso, como que celas ou locais destinados ao descanso não sejam ocupados por mais de 1 (um) recluso, deixando como situação excepcional e temporária a permanência de 2 (dois) no mesmo local; acomodações, sobretudo os dormitórios, satisfazendo exigências de higiene e saúde, levando-se em consideração as condições climáticas e especialmente a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação; fornecimento de leito próprio e de roupa de cama suficiente também própria, que esteja limpa quando lhes for entregue, mantida em bom estado de conservação e trocada com frequência suficiente para garantir a sua limpeza. (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS)
Preconiza a Constituição Federal, em seu artigo 5º, que: “XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral” (BRASIL, 1988). Portanto, ainda que privados de liberdade, cabe ao Estado, enquanto agente puniendi garantir a integridade do indivíduo. O artigo 38 do Código Penal determina, ainda, que o preso deve ter todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade conservados, sendo imposto às autoridades, sejam judiciárias ou administrativas, o respeito à sua integridade física e moral. (BRASIL, 1940)
Contudo, o que se vê no Brasil é o desrespeito ao mínimo, como foi verificado em visita feita a presídios localizados em Manaus, em junho de 2019, pela comitiva da Câmara dos Deputados. No refeitório no pavilhão do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ) havia água acumulada no chão, com aparência de esgoto, em razão do odor forte de dejetos; uma cela estava vazia aberta à visita, com tinta ainda molhada, onde obras de soldagem e pintura estavam sendo realizadas; não havia chuveiro nas celas, sendo o banho, segundo informado pela Ordem dos Advogados do Brasil, feito com “cuia”. Os detentos e seus familiares detalharam a alimentação com as seguintes características: “Comida azeda, feijão podre, galinha atropelada”, apontando que a comprovação da má qualidade da comida é o fato de que os presos estarem todos muito magros, fato constatado pela comitiva, a partir do contato que teve com eles em sua visita. (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2019)
Essa realidade, entretanto, não é exclusividade do momento atual do país. Durante o período da ditadura brasileira, o advogado Sobral Pinto ao realizar a defesa do alemão Harry Berger, preso e severamente torturado, exigiu ao governo a aplicação do artigo 14 da Lei de Proteção aos Animais, ao afirmar que nem a um animal seria admitido passar pelo que aquele homem estava passando. (SPIELER, 2013, p. 72)
A perpetuação desse problema ao longo dos anos no sistema carcerário do Brasil, portanto, demonstra que não se trata de um problema de simples resolução, sobretudo em razão do contingente populacional envolvido. Em razão disso, faz-se necessário pensar em medidas existentes no ordenamento jurídico brasileiro que sejam capazes de mudar essa realidade, como é o caso do instituto da remição da pena.
Na África do Sul, por exemplo, em razão da situação de superlotação nos presídios, em 2012, no contexto de comemoração do Dia da Liberdade, foi concedido indulto especial a 14.651 presos, em razão da condição carcerária do país. Na Itália, alguns presos estavam expostos a situações degradantes e desumanas por cumprirem suas penas em espaços pessoais menores que 3m² e por meio de sentença foi determinada a suspensão da execução desses, pois o Tribunale di Sorveglianza de Veneza entendeu que somente essa medida era capaz de restabelecer uma condição de legalidade. (ROIG, 2018, p. 597)
A partir do método dedutivo, então, o presente artigo buscará entender como o instituto da remição da pena pode ser utilizado como um mecanismo para minimizar a situação degradante/desumana na qual os encarcerados vivem hoje no Brasil, à luz de uma visão constitucional de direitos humanos e preservação da integridade física do indivíduo.
2.REMIÇÃO DA PENA SOB UMA NOVA ÓTICA: EM FAVOR DOS PRIVADOS DE LIBERDADE EM CASO DE SITUAÇÃO DEGRADANTE/DESUMANA EM RAZÃO DA SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA
Apesar do rol das hipóteses de remição de pena prevista na legislação brasileira ser considerado taxativo, isto é, não possibilitar uma interpretação para ampliar as possibilidades legais, sabe-se que antes da promulgação da Lei 12.433/2011 apenas o tempo de trabalho era considerado como remido, isto é, não era possível que o estudo fosse computado para tal, apesar das frequentes discussões na doutrina e na jurisprudência. (BRASIL, 2011)
Atualmente, essa taxatividade foi mitigada em certos aspectos, principalmente por entendimentos do Superior Tribunal de Justiça. No informativo de nº 0613, de 2017, foi determinada a possibilidade do reeducando remir sua pena pela atividade musical realizada em coral; decisão do informativo de nº 0625, de 2018, incluiu também a possibilidade de remição do tempo de trabalho realizado antes mesmo do início da execução da pena, desde que em data posterior à prática do delito. (STJ, 2020)
Decisões como essas fomentaram discussões a respeito das possibilidades que existem na legislação brasileira para que a pena seja remida, mostrando que as hipóteses pensadas pelo legislador não foram suficientes para suprir a demanda real da dinâmica da população carcerária.
Foi no contexto de diversas mudanças na execução penal que, em 2015, após Recurso Extraordinário nº 580252, interposto pela Defensoria Pública contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, acerca da responsabilidade civil do Estado, surgiu uma nova discussão. (STF, 2017)
O órgão defensório alegou o dever de indenizar, por meio de reparação pecuniária, presos que sofrem danos morais por cumprirem pena em presídios com condições degradantes. Após pedido de vista, o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso levantou a hipótese de, ao invés de reparar pecuniariamente, realizar essa reparação por meio de outro instituto: a remição da pena.
Em seu voto, o ministro Barroso concordou com o entendimento do relator à época, o ministro Teori Zavascki, de que deve haver a responsabilização civil do Estado, bem como o dever de indenizar, em razão de estarem presentes o dano, a culpa e o nexo causal, requisitos esses para a caracterização da violação de direitos fundamentais que ensejam reparação por danos morais, como preceitua a Constituição Federal Brasileira de 88 em seu art. 5º, V e X. (STF, 2017)
Assim, por meio de analogia é possível entender que a artigo 126 da Lei de Execução Penal permite esse tipo de medida (BRASIL, 1984). Isso porque o pagamento de indenizações pecuniárias não resolve, de fato, o problema pelo qual passa o indivíduo nem do próprio sistema carcerário, pois os valores seriam pagos e a situação dos locais onde as penas estão sendo cumpridas não melhoraria a fim de ver respeitada a dignidade da pessoa humana.
Além de não resolver o problema, outro seria criado: a deflagração de centenas de milhares de ações em diferentes estados do Brasil, de presos requerendo indenizações, sobrecarregando o Judiciário e, consequentemente, os cofres do Estado.
Como é sabido, a realidade prisional brasileira é um problema generalizado, complexo e estrutural, resultado de ações, mas, sobretudo, de omissões dos três Poderes e que se estenderam durante anos. Sendo assim, não há soluções que se demonstrem fáceis ou que possam ser realizadas por um único agente que seja capaz de resolver essa situação, sendo necessário programar um conjunto complexo e planejado de medidas, articulado por todos os órgãos que compõem o sistema carcerário e por todas as esferas de poder. É necessário, ainda, que seja dada prioridade a soluções que atuem diretamente sobre as causas do problema prisional, não mais de maneira tangencial.
As instituições carcerárias, hoje, são submetidas inteiramente ao controle do poder público e os encarcerados dependem de agentes estatais, inclusive para o atendimento de suas necessidades mais básicas e para sua autoproteção. Como contrapartida, o Estado assume uma posição especial de garante em relação aos presos, circunstância que lhe confere deveres específicos de vigilância e de proteção de todos os direitos dos internos que não foram afetados pela privação de liberdade, em especial sua integridade física e psíquica, sua saúde e sua vida. Em razão dessa posição de garante, o Estado se sujeita a uma responsabilidade diferenciada, de caráter objetivo, que decorre da existência de um dever individualizado de zelar pela integridade dos presos. Nessa hipótese, ainda que o dano moral causado decorra eventualmente de uma omissão estatal, tratando-se do descumprimento do dever constitucional de guarda, o poder público é obrigado a repará-lo.
No mesmo sentido de enxergar a importância da possibilidade de remir os dias preso, Décio Luiz defende que a remição da pena, em ambas as modalides, tem grande importância prática, em razão da realidade cruel dos presídios brasileiros, que exigem uma manutenção mínima do acusado no cárcere e a ressocialização máxima do sentenciado, que em muito casos só é permita em razão do instituto. (RODRIGUES, 2020, p. 209)
Apesar da divergência dos doutrinadores e dos julgadores, o entendimento converge no tocante a não ser dada ao Judiciário a opção de utilizar-se do non liquet para funcionar como mero expectador no contexto da situação prisional do país, devendo existir uma postura ativa na construção da solução dessa crise. (STF, 2017)
Apesar da divergência existente, o entendimento converge no ponto de que não é possível dar ao Judiciário a opção de se eximir de sua responsabilidade de, para funcionar como mero expectador no contexto da situação prisional do país, devendo existir uma postura ativa na construção da solução dessa crise. (STF, 2017)
3.ANÁLISE DA (IN)VIABILIDADE DESSA NOVA HIPÓTESE DE REMIÇÃO DE PENA
Após discussão levantada pelo ministro Barroso em sede Recurso Extraordinário, tendo sua tese vencida, o Projeto de Lei do Senado 513/2013, que seguiu para a Câmara dos Deputados (PL 9.054/2017), previu a seguinte norma:
Art. 126-A. O preso provisório ou condenado com bom comportamento carcerário e que cumpre a prisão cautelar ou pena em situação degradante ou ofensiva à sua integridade física e moral tem direito a remir a pena à razão de 1 (um) dia de pena a cada 7 (sete) dias de encarceramento em condições degradantes. (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013)
Apesar de estar parado, “Aguardando Criação de Comissão Temporária pela MESA”, a criação de tal Projeto de Lei demonstra a importância do debate acerca dessa nova possibilidade de remição de pena em razão da situação do encarceramento no Brasil, não tendo se esgotado no Supremo Tribunal Federal.
Em 2015, diante da falta de resolução e da constante piora da situação carcerária no país, foi proferida uma decisão, pelo STF, em sede de Medida Cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, de relatoria do ministro Marco Aurélio, reconhecendo o Estado de Coisas Inconstitucional no sistema carcerário brasileiro. Essa ação foi interposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), solicitando que o sistema penitenciário brasileiro fosse declarado como um Estado de Coisas Inconstitucional, de forma que a Suprema Corte interferisse diretamente na elaboração e na execução de políticas públicas, discussões e deliberações referentes a verbas a serem gastas com o sistema carcerário e na aplicação de institutos processuais penais, objetivando aliviar os problemas da superlotação dos presídios e as condições degradantes do encarceramento. (STF, 2015)
Entretanto, mesmo com sua relevância, o tema precisa ser debatido levando em consideração não só a situação do sistema carcerário brasileiro, mas de quais formas tal acréscimo legal - o da nova hipótese de remição da pena - poderia ser feito no sistema jurídico em vigor, bem como quais consequências traria para a sociedade, para o privado de liberdade e até mesmo o meio pelo qual a situação degradante/desumana seria auferida para posterior concessão do benefício, mediante quais critérios - objetivos ou subjetivos.
Entende Nucci que, ao permitir tal mudança, estaria havendo uma consagração da desumanidade e uma concessão por meio de contraprestação injusta ao preso de um abatimento da pena, “Seria o mesmo que dizer: o preso torturado tem direito à remição. Ou ainda: o preso submetido a ofensas físico-psicológicas pode abater alguns dias da sua pena.” (NUCCI, 2018)
Além disso, pontua que segundo o PL somente conceder-se-ia a remição quando o preso estiver em situação degradante ou ofensiva à sua integridade física e moral em caso de bom comportamento. É como se quem tivesse mau comportamento no cárcere pudesse ser submetido a condições degradantes e/ou desumanas, não merecendo o benefício da remição, como se condições mínimas de cumprimento de uma pena, independentemente do crime cometido, fossem um privilégio e não uma obrigação do Estado que o pune.
Frisa, ainda, que o remédio para quem cumpre a sanção penal em condições degradantes ou ofensivas à integridade física e moral e está sofrendo nítido abuso estatal já existe: a concessão de Habeas Corpus para ser libertado ou inserido em local decente e digno.
Entretanto, é preciso considerar que já há uma consagração da desumanidade atualmente, posto que não é dado ao privado de liberdade direito de cumprir sua pena de forma digna, sendo que o único responsável e capaz de melhorar essa situação de forma efetiva, por meio da ampliação da capacidade dos presídios, bem como com maior zelo é o Estado. Nesse caso, ele é o único capaz de melhorar com eficácia e também é o legalmente capaz de determinar medidas paliativas, como a de remição, por meio de seus magistrados e/ou legisladores, optando, atualmente, por não agir.
É sabido que a situação carcerária degradante não passa por uma análise tão somente dos aposentos nos quais as penas são cumpridas, mas também por uma questão de política criminal, tendo em vista que não há nenhuma ação voltada a evitar a inserção do indivíduo no sistema. Hoje, a maioria dos privados de liberdade é pobre e é essa condição que favorece o cometimento de novos crimes, o que acaba fazendo com que o sistema carcerário não suporte o contingente de mandados de prisão expedidos pelo Judiciário. (BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2018)
Portanto, ainda que existam remédios paliativos como a impetração do habeas corpus, é sabido que não é um meio que costuma mostrar resultados, em razão do baixo número de concessões. Em pesquisa realizada pelo Superior Tribunal de Justiça, no período janeiro a dezembro de 2019, 50,2% dos habeas corpus impetrados foram negados e 24% não chegaram nem a ser conhecido, não se configurando como uma medida eficiente. (STJ, 2019)
Como o que se pretende é a necessidade da tomada de medidas eficazes em um curto espaço de tempo devido à gravidade da situação, pode-se inferir, erroneamente, que a reparação pecuniária determinada no Recurso Extraordinário que discutiu esse tema seria suficiente para compensar tal situação. Contudo, essa não é uma medida estrategicamente acertada quando se analisa a capacidade financeira do Estado e as consequências que esse ato trará.
Na falta de um dispositivo que permita essa hipótese, é possível que seja entendido como meio de reparação também a simples indenização por danos morais, tendo em vista que não há um meio legal para que seja feito, devendo o magistrado analisar no caso concreto qual é a forma de reparar o dano causado ao agente da forma mais satisfatória, respeitando, contudo, o princípio da reparação integral.
Sendo assim, no caso em que o cumprimento da pena fosse realizado sob condições desumanas do sistema carcerário e a prestação pecuniária não se mostrar satisfatória, a possibilidade de descontar o período cumprido dessa forma seria um meio de reparar o mal que foi causado. Seria o caso de uma reparação in natura, considerada a mais efetiva sob a ótica dos direitos humanos.
Entretanto, essa forma de reparação, à luz do Direito Constitucional, arts. 5º, V e X, prevê a interposição de um processo judicial autônomo na seara civil, o que demanda tempo, dinheiro (ainda que seja assistido pela Defensoria, pois o custo seria responsabilidade do Estado) e, consequentemente, um aumento na demanda do Judiciário. Portanto, apesar de eficaz pelo tipo de reparação específica, a judicialização, mecanismo necessário para a sua efetivação, mostra-se morosa e custosa.
Por outro lado, seria possível que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos atuasse através de uma demanada coletiva perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o que afastaria os citados problemas. Essa Corte, que julga Estados, faz parte do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos, um órgão dos Estados Americanos (OEA) e poderia processar e julgar a denúncia feita pela Comissão sobre as condições degradantes e desumanas nas quais os encarcerados vivem hoje, no Brasil, em razão da superlotação carcerária.
Em razão dessa possibilidade, em 2021 os juízes passaram a adotar o critério da Corte IDH de cálculo da pena de presos em locais degradantes. Pautados na Resolução da Corte de 2018, voltada somente para o Complexo de Gericinó, em Bangu, no Rio de Janeiro, a medida foi seguida no julgamento de três casos, sendo eles em Pernambuco, Pará e Santa Catarina (BRASIL. Conselho Nacional de Justiça, 2021).
Apesar da medida, dez anos depois de visita ao Complexo do Curado, em Pernambuco, pouco mudou. Ainda é alto o índice de mortes e a superlotação carcerária no local, segundo dados do relatório da Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no âmbito do CNJ (CONJUR, 2023).
Tendo em vista o caráter peculiar de ser um Tribunal que julga Estados, poderia a Corte compelir o Estado Brasileiro, como já fez em outros casos – a exemplo do Gomes Lund versus Brasil, no qual o Estado foi condenado pelos crimes de desparecimentos forçados e de tortura a 62 (sessenta e dois) membros da Guerrilha do Araguaia. Dessa forma, o governo federal brasileiro seria obrigado a tomar medidas que minimizassem o sofrimento desses encarcerados, pondo-os de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais de encarceramento, podendo, inclusive, determinar medidas cautelares nesse sentido e uma posterior indenização. (HUMANOS, 2020)
Outra solução viável para evitar a morosidade e os custos do Judiciário é aplicar o mecanismo já existente na Lei de Execução Penal, que se dá por meio do juízo da Execução Penal. A redução proporcional da pena seria realizada e computada como pena cumprida, para todos os fins, inclusive para a progressão de regime.
Para tanto, o pedido deverá ser formulado pelo preso junto ao juízo da Execução. A LEP, nos temos do art. 66, determina que compete ao juiz da execução “decidir sobre (...) a remição da pena”, “zelar pelo correto cumprimento da pena”, “inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de responsabilidade” e, ainda, “interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei”. (BRASIL, 1984)
A fixação da competência no juízo da Execução se dá porque promove uma maior precisão à fixação da reparação. Como ao juiz da execução compete realizar inspeções prisionais mensais, é ele também quem dispõe de maior capacidade para avaliar as condições nas quais se encontram os privados de liberdade, examinando se os presídios estão cumprindo ou não os padrões mínimos nacionais e internacionais de dignidade e a extensão dos danos eventualmente causados por esse não cumprimento. Além disso, permite a uniformização dos critérios indenizatórios que serão utilizados pelo juízo da Execução Penal em relação aos detentos de cada presídio sob sua jurisdição, tendo em vista a análise global feita, não se restringindo somente a 1 (um).
Caso coubesse ao juízo cível julgar os pedidos de reparação in natura dos danos, muito provavelmente a remição da pena do tipo que se propõe seria inviabilizada, pois dificilmente os processos seriam julgados a tempo de executar a medida enquanto o preso ainda estivesse cumprindo pena e não haveria um conhecimento prático da realidade prisional, em razão de não ser de sua competência a inspeção nesses locais.
O procedimento judicial para a concessão da remição de parte do tempo de execução da pena seguiria o disposto no art. 196, da LEP (BRASIL, 1984). O apenado, por meio de seu representante, deverá requerer a remição da pena como reparação dos danos morais causados pela superlotação e pelas condições degradantes de onde cumpre sua pena. O juízo da Execução Penal deverá, então, deve verificar se as condições a que o preso foi submetido no presídio são causadoras de dano moral, bem como se existe de nexo de causalidade com a atuação da Administração, posto que tal situação pode até mesmo ter sido causado por culpa de um terceiro sem que o Estado tivesse tido oportunidade de atuar para que não ocorresse.
Caso entenda pela configuração dos danos morais no caso, caberá ao juízo da Execução Penal a fixação da razão entre dias cumpridos em condições degradantes e dias remidos, de acordo com a extensão dos danos suportados pelo preso.
Há quem defenda que: “A solução é melhor em termos de responsabilidade fiscal, é melhor para o sistema prisional e é melhor para o preso.” (STF, 2017), entretanto, é preciso entender quais são os critérios para que essa medida seja considerada benéfica para os agentes, bem como quais são os pontos negativos de sua aplicação.
Analisando de forma individual, o preso é o mais interessado nessa política proposta, bem como o maior beneficiado. Encarcerado, o único meio de reclamar da superlotação carcerária é quando consegue promover uma reclamação à direção do presídio. Entretanto, essa medida é pouco efetiva, pois a direção não é competente para ampliar o número de vagas, fazendo somente o repasse para o responsável capaz de resolver o problema.
Ainda, no caso da reparação ocorrer por meio da compensação financeira, essa não seria aproveitada pela pessoa que está presa. O detento continuaria a ser submetido às mesmas condições degradantes, sem poder fazer uso da quantia arrecadada. Ainda, o remédio proposto costuma ser um valor irrisório diante das dificuldades passadas, sobretudo quando comparada com outras reparações pecuniárias. No caso analisado pelo Recurso Extraordinário, o juízo de 2º grau entendeu que o ora Recorrente, após passar 5 anos em presídio superlotado e insalubre, fazia jus somente ao valor de R$ 2 mil para fins de reparação. Enquanto isso, o STJ já chegou a atribuir uma indenização de R$ 8 mil a quem teve o voo cancelado sem justificativa. (STF, 2017)
Para a sociedade, vê-se que os benefícios estão ligados ao sistema prisional, à ressocialização e à questão fiscal do Estado. Isso porque a remição da pena vai, indubitavelmente, reduzir a superlotação dos presídios, ao permitir que os detentos sujeitos a tratamento desumano conquistem a liberdade de forma mais acelerada. Atua, assim, diretamente sobre uma das principais causas do problema.
Resolvendo essa questão diretamente em uma das causas, passa-se a poder investir todo o dinheiro que seria gasto pagando as indenizações a esses presos na melhoria do sistema prisional para que, no futuro, não seja necessário aplicar a remição nessa hipótese, tendo em vista que havendo vagas para todos cumprirem suas penas, esse cumprimento se dará de maneira menos desumana. Além disso, o Estado, único agente causador e detentor de meios para melhorar a situação carcerária, seria o único responsabilizado, retirando o ônus dos agentes que estão cumprindo suas respectivas penas.
Segundo o relator do Recurso Extraordinário 580252/MS, “as reparações pecuniárias por danos morais são satisfeitas via precatório e não afetam diretamente quaisquer rubricas orçamentárias referentes à melhoria das condições carcerárias.” (STF, 2017), de forma que não subsistiria o argumento de que ao utilizar-se de montantes para pagamento da indenização aos encarcerados estar-se-ia retirando verba pública que poderia ser utilizada para melhorias no mesmo âmbito.
Entretanto, ainda estaria sendo utilizada verba pública para tanto, mesmo que não se confunda com a de fins reparatórios do sistema carcerário. Sendo assim, a população poderia ser beneficiada, a critério de como optar o gestor gastar os recursos que não mais estão sendo utilizados para reparação pecuniária desse tipo, por meio de investimentos nas necessidades públicas, como construção de escolas, praças, hospitais, melhorias na segurança, entre outras. Esse é um ganho importante quando se analisa o momento vivido pelo Estado brasileiro, de redução dos gastos públicos e de ajuste fiscal. De fato, ao conferir ao remédio pecuniário um caráter meramente subsidiário, o remédio proposto vai ao encontro da manutenção do equilíbrio das contas públicas.
A sociedade se beneficia pois o cumprimento da pena em um local salubre, respeitando a quantidade de vagas existentes no sistema carcerário, favorece a ressocialização do preso, não estimulando as chamadas “escolas do crime” - termo utilizado atualmente, principalmente pela mídia, para se referir ao fato de que os presídios hoje ao invés de ressocializar ensinam aos detentos técnicas criminosas, que funcionam nos presídios brasileiros.
Apesar de bem explanada a proposta do Ministro Barroso, surgem, contudo, desde seu início, problemas, sobretudo em sua execução.
É preciso indagar e resolver o problema de qual seria o coeficiente utilizado, em seu mínimo e em seu máximo, a título de remição de pena, que serviria de parâmetro para a aplicação do juiz da execução penal, de modo que não fosse totalmente discricionário. Para tanto, deveria ser analisado quantos dias preso em presídio superlotado, o que pressupõe cumprimento de pena em situação degradante/desumana, equivaleria a 1 (um) dia de pena remido.
Além do quociente utilizado, que representaria um caráter mais objetivo, ficando a cargo do legislador ou do Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, seria necessário ponderar qual seria o significado de superlotação carcerária, se bastaria extrapolar apenas 1 (um) detento da capacidade, bem como se essa extrapolação seria analisada em razão da cela que conteria 1 (um) indivíduo a mais ou de todo aquele complexo prisional, tendo em vista que alguns espaços e serviços são comuns a todos. É preciso, portanto, que balizas sejam fixadas para essa atuação do Juízo da Execução, analisando a extensão do dano e almejando uma reparação que seja integral, por meio de uma análise individualizada do lesado.
Como quociente, a proposta do ministro Barroso, utilizando como parâmetro a os valores referentes às hipóteses de remição já existentes no ordenamento jurídico, em seu voto, foi de que: “o quociente máximo, aplicável aos casos de maior violação à dignidade humana, seja de 1 dia de remição para cada 3 dias de cumprimento de pena em condições degradantes, em analogia ao art. 126 da LEP.” (STF, 2017)
Quando se discute o quociente aplicado a uma medida é interessante definir o mínimo e o máximo de dias que o benefício pode ser concedido. Entretanto, tratando-se de um instituto que visa a diminuir o sofrimento dos encarcerados que estão em presídios superlotados, sob condições degradantes e desumanas à sua saúde e à sua vida, esses limites não devem ser aplicados. Tal ausência de limites também importa uma forma de pressionar a criação de políticas públicas voltadas ao sistema penitenciário, de forma que o instituto da remição penal nessa hipótese não venha nem mesmo a ser requerido/necessário.
Outra discussão reside na realidade do detento que cumpriu toda ou parte de sua pena sob essas condições cruéis, mas que já teve sua pena findada. Para ele, não seria possível a reparação o in natura, restando a indenização pecuniária, através do juízo cível, cujo valor pago seria equivalente ao tempo que passou cumprindo a pena em presídio superlotado, de forma que ambos seriam indenizados, seja quem já cumpriu sua pena ou aquele que ainda resta tempo a cumprir.
À época do Recurso Extraordinário que discutia tal modo de reparação, a pena máxima cominada a um condenado era de 30 (trinta) anos. Hoje, com a reforma dada pelo Pacote Anticrime ao Código Penal, passou a ser de 40 (quarenta) anos (BRASIL, 2019), o que levanta o debate de como se daria a remição do condenado a esse período. Isso porque seria necessário decidir qual marco utilizar: os quarenta anos ou a pena integral, tendo em vista que o cálculo feito tomando como base a pena integral poderia não surtir tanto efeito para fins de remir a pena, de forma que não satisfaria os objetivos de não submeter o apenado a uma situação degradante, afinal, ele estaria cumprindo sua pena em presídio superlotado da mesma forma. Por outro lado, ao aplicar a remição sobre o tempo de pena que efetivamente seria cumprido, isto é, o máximo legal de quarenta anos, estar-se-ia usando o instituto de maneira irregular, privilegiando-se o indivíduo cujo tempo de pena supera, em teoria, o limite fixado por lei.
Outra temática sempre levantada quando a discussão é acerca da ingerência do Judiciário sobre as ações do Executivo é como criar soluções alternativas que não comprometem o princípio de reserva legal e o princípio da legalidade. Quando uma ação de responsabilidade civil advém de um dano moral, sobretudo aquelas cuja responsabilidade é do Estado, trata-se de uma demanda da seara cível, cuja prestação e competência são do juízo cível. No caso, a proposta busca indenizar, sob responsabilidade civil do Estado, o agente na esfera penal, por meio da remição, instituto indiscutivelmente penal, o que não seria possível.
Ainda que se defenda se tratar de uma consequência penal, é fato que a responsabilidade debatida em sede de abandono do apenado em presídio superlotação, que o expõe a condições degradantes e desumanas, é cível. Isso porque a responsabilidade do Estado é tratada no ordenamento jurídico brasileiro como demanda dessa seara.
No caso da prestação pecuniária não haveria esse problema, tendo em vista que seria resolvida pelo juízo cível uma consequência da mesma seara. Entretanto, no campo da remição, estar-se-ia usando o instituto penal para indenizar um dano cível, deslocando até mesmo a competência do juízo correto.
Em consequência do respeito ao direito fundamental do condenado, várias são as experiências internacionais a respeito da superlotação carcerária e sob quais condições está se dando o cumprimento da pena, em razão da importância da dignidade do indivíduo, bem como da obrigação do Estado em garanti-la. Em 2011, a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, por 5 (cinco) votos a 4 (quatro), ao julgar o caso Brown v. Plata, julgou ofensivo à 8ª Emenda à Constituição americana (que veda o “cruel and unusual punishment”) o excesso populacional no sistema penitenciário do Estado da Califórnia (que chegava a 200% de sua ocupação máxima), ordenando-lhe que reduzisse, no prazo de 02 (dois) anos, ao índice de 137,5% (calculado sobre a capacidade total então existente) a sua população carcerária. (STF, 2017)
De fato, uma decisão judicial com tamanha ingerência na seara administrativa, marcada pela discricionaridade em muitos pontos, só foi possível porque o Estados Unidos é precursor dessas injunctions, obrigando que a falta de estrutura da Administração Pública seja corrigida através de uma determinação judicial. Já a África do Sul, a Índia, a Colômbia e a Indonésia adotam a possibilidade de a jurisdição determinar o cumprimento de políticas públicas. (STF, 2017)
Contudo, o Brasil não é pioneiro ao propor um desconto dos dias de pena quando cumpridos sob tais condições desumanas. A Itália, por exemplo, por meio de um julgamento piloto conduzido pela Corte Europeia de Direitos Humanos adotou medidas para permitir redução da superlotação de presídios, como a criação de um mecanismo identificado como apto a fornecer reparação in natura do dano moral a partir da remição de um dia de pena para cada dez dias de detenção em condições degradantes. (STF, 2017)
Como não existe uma hipótese legal específica para esse fim, é comum que haja, primeiramente, a inclusão através do Judiciário e/ou do Executivo, em razão de, quando comparado, ser uma medida mais rápida. Como é sabido, o processo de criação e de aprovação legislativa demora, tem várias etapas e faria com que muitos encarcerados continuassem passando por situações degradantes por um tempo maior.
Decisões através de Tribunais, como já vêm sendo feito durante anos, poderiam entender como hipótese de remição de pena quando o cumprimento dessa é realizado em situações degradantes/desumanas em razão da superlotação carcerária. Além disso, é comum que o Conselho Nacional de Justiça regulamente, por meio de Portaria, e/ou oriente que Tribunais realizem medidas que julguem importantes, funcionando como uma solução a essa demora natural do Legislativo.
Como se observa, no Direito Italiano essa modificação surgiu por meio de uma lei, não de uma decisão judicial, ainda que pudesse ser do órgão supremo da estrutura Judiciária, como proposto pelo ministro Barroso em sede de Recurso Extraordinário. Ao permitir tal possibilidade por meio de decisão judicial, poderia o STF, mais uma vez, ser questionado a respeito da separação dos poderes, posto que estaria invadindo a seara do Legislativo, órgão que deveria manejar as leis no território brasileiro, por meio da criação do instituto proposto, com seus requisitos e suas prerrogativas.
Quanto à impossibilidade de o Judiciário intervir na atuação dos outros poderes, sob a justificativa de sua necessária separação, em RE nº 592.581/RS, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, o Tribunal fixou, em regime de repercussão geral, um exceção a essa impossibilidade ao entender que o Judiciário pode, de maneira lícita, impor à Administração Pública obrigação referente a medidas e/ou execução de obras (que sejam emergenciais) em estabelecimentos prisionais. Essa liberação se dá em razão de buscar efetivar o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como conseguir assegurar aos detentos o respeito à sua integridade física, mas também moral, como dispõe o artigo 5º, XLIX, da CF. Para tanto, afastou-se o argumento de reserva do possível e da separação dos poderes. (STF, 2017)
Sendo assim, possibilita-se que medidas novas hipóteses sejam criadas pelo Judiciário, sem que precisem de edição por meio de lei.
A remição por estudo, por exemplo, foi decidida em sede de Recurso Extraordinário para, posteriormente, ser legislada, mas era cumprida desde a decisão tomada pelo STF, em razão da urgência e do benefício que tal medida teria para a população carcerária. O mesmo, portanto, poderia ser realizado no presente caso. Em razão da urgência que urge o sistema carcerário brasileiro, superlotado, degradante, desumano, tal possibilidade poderia, em curto prazo, ser cumprida em razão de determinação judicial, sendo, posteriormente, transformada em lei.
Entretanto, por mais que represente uma saída rápida, já foi essa ideia negada pela Suprema Corte do país e restringindo-se a uma decisão judicial poderia não ser transformada em lei no futuro, ficando à critério do magistrado entender ou não por sua aplicação.
Uma solução, portanto, além da via de atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos, para todas essas problemáticas, é a possibilidade de criação dessa nova hipótese de remição através do Legislativo, por meio da criação de um novo instituto, com outro nome, criando um mérito e um agir diferenciado, o que resolveria o problema da equiparação com as hipóteses já existentes de estudo e de trabalho, que nada se assemelham à nova proposta, com novos critérios. Tratar-se-ia não mais de uma responsabilização civil utilizando um instituto penal, mas sim de um mecanismo pensado e criado para abreviar a pena daquele que não está podendo cumpri-la diante de condições mínimas de dignidade, já na esfera penal.
Em janeiro de 2018, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, tentou, por meio do Executivo, criar uma hipótese, que à época seria nova, de remição por leitura, sancionando, parcialmente, um projeto de lei para os estabelecimentos prisionais do estado, o que levantou discussões, tendo em vista que a matéria disciplinada é de competência privativa da União, presente, portanto, vício formal de constitucionalidade, não sendo possível a sua edição (CUNHA, 2020, p. 2078). A criação por parte do Legislativo deve atentar, portanto, também, à competência no tocante à matéria, sendo criada no âmbito federal.
A respeito da remição nas hipóteses legais hoje existentes, Regis Couto entende que: “o instituto da remição deve ser concedido por meio de um incidente na execução” (BRITO, 2020, p. 570). Paralelamente, visualiza-se que esse novo instituto a ser criado, semelhante ao citado por ele, em razão de avaliar as condições nas quais o condenado está executando sua pena, deve ser realizado através do procedimento de Execução Penal, da mesma forma que é realizado hoje.
Com o reconhecimento da existência do nexo causal e da responsabilização por parte do Estado, ainda restam duas formas de ressarcimento do dano: reparação in natura e específica ou indenização pecuniária.
A indenização em dinheiro é legítima e deve ser devida quando o condenado já cumpriu sua pena e não tem mais como receber a reparação específica, por meio da remição. O sistema da reparação específica, por outro lado, corresponde melhor ao fim de restaurar.
No presente caso não existe uma possibilidade de aumento do patrimônio do encarcerado, que está em situação degradante, pois não é possível sequer que ele use aquele montante recebido para melhorar suas condições na prisão. Enquanto isso, a reparação in natura teria como objetivo reeditar o estado anterior à lesão da forma mais próxima possível, ao invés de compensar um estado com uma coisa (dinheiro), ainda que se saiba que não se apagará o sofrimento físico e psíquico causado ao privado de liberdade, mas mostra-se como a solução mais próxima de reparação, mais próxima inclusive que a pecuniária.
4.CONCLUSÃO
Conforme demonstrado nesse artigo, fica claro que não há alternativa rápida e eficaz para impedir e/ou diminuir a superlotação carcerária, que traz sérias consequências ao privado de liberdade, fazendo-o cumprir sua pena em situação degradante/desumana, senão buscar através da Corte Interamericana de Direitos Humanos um julgamento e punição do Estado Brasileiro, a fim de que medida sejam tomdas e criar, em específico, um instituto penal, por meio de lei, que promova a remição dos dias de pena cumpridos nessas condições. Subsidiariamente, continuaria a existir a indenização pecuniária para aqueles que já findaram sua pena.
Portanto, como se vê, é necessário que o Legislativo, ante sua incumbência, promova a solução, ainda que paliativa, para aqueles que cumprem sua pena sob condições insalubres, haja vista não existir sequer vaga para todos nos presídios brasileiros, por meio da criação de um instituto que permita ao Juízo da Execução Penal remir dias de pena cumpridos em situação degradante/desumana, a fim, até mesmo, de pressionar o Executivo para tomar medidas que tornem esse cumprimento de pena humano e de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais.
Paralelo a isso, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos atuaria em prol do cumprimento das citadas diretrizes, através da Corte nteramericana de Direitos Humanos, que, por meio de decisões cautelares, diminuia o sofrimento dos encarcerados.
Mesmo com a criação de um instituto da remição penal voltado a diminuir o tempo de cumprimento de pena sob essas condições, é preciso que, em longo prazo, não se limite o Estado a utilizar esse mecanismo para reparar o dano causado, mas sim que se volte a realizar políticas públicas no sistema carcerário a fim de tornar o ambiente menos desumano/degradante, não se limitando, entretanto, ao aumento do número de vagas, ainda que seja esse o critério mais objetivo para a averiguação das condições dos encarcerados.
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Advogada, bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), pós-graduada em Acesso à Justiça e Defensoria Pública, pós-graduada em Propriedade Intelectual e bolsista-pesquisadora do Programa de Capacitação Institucional (PCI), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Centro de Tecnologias Estratégicas do Nordeste (CETENE).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Daniella de Pádua Walfrido. Remição de pena para pessoas privadas de liberdade em situação degradante/desumana em razão da superlotação carcerária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 nov 2024, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/67113/remio-de-pena-para-pessoas-privadas-de-liberdade-em-situao-degradante-desumana-em-razo-da-superlotao-carcerria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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