VICTOR MATHEUS IBRAHIM ANDRADE: [1]
(coautor)
JANAÍNA ALCÂNTARA VILELA
(orientadora)
RESUMO: Este artigo analisa a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/06), que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal, sob a perspectiva de princípios constitucionais como a igualdade, a privacidade e a proporcionalidade. O objetivo é investigar se essa criminalização atinge os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, a partir da revisão bibliográfica de artigos, da legislação, doutrina e jurisprudência. Os resultados indicam que a criminalização viola o princípio da lesividade, uma vez que a conduta afeta apenas o indivíduo e não terceiros. O Supremo Tribunal Federal por meio do RE 635.659/SP, tem sinalizado a necessidade de uma abordagem mais humanizada, propondo alternativas como a descriminalização de certas substâncias e a adoção de políticas de redução de danos. A pesquisa conclui que uma revisão legislativa do artigo 28 é essencial para alinhar a legislação às garantias constitucionais, promovendo políticas públicas de saúde mais eficazes para a questão das drogas no Brasil.
Palavras-chaves: Artigo 28. Direitos fundamentais. Inconstitucionalidade. Lei de Drogas. Redução de danos.
ABSTRACT: This article analyzes the unconstitutionality of article 28 of the Drug Law (Law 11.343/06), which criminalizes the possession of drugs for personal use, from the perspective of constitutional principles such as equality, privacy and proportionality. The objective is to investigate whether this criminalization violates the fundamental rights guaranteed by the Federal Constitution of 1988, based on a bibliographic review of articles, legislation, doctrine and case law. The results indicate that criminalization violates the principle of harmfulness, since the conduct affects only the individual and not third parties. The Supreme Federal Court, through RE 635.659/SP, has signaled the need for a more humane approach, proposing alternatives such as the decriminalization of certain substances and the adoption of harm reduction policies. The research concludes that a legislative review of article 28 is essential to align the legislation with constitutional guarantees, promoting more effective public health policies for the drug issue in Brazil.
KEYWORDS: Article 28. Drug Law. Fundamental rights. Harm reduction. Unconstitutionality.
1.INTRODUÇÃO
A Lei 11.343/06, conhecida como Lei de Drogas, promulgada visando instituir normas para reprimir a produção não autorizada e o comércio ilícito de drogas, bem como medidas para prevenir o uso indevido e a reintegração social de dependentes. À luz de seus dispositivos, o artigo 28 tem gerado grande controvérsia e debate. O presente artigo aborda o porte de drogas para consumo pessoal e estabelece penas diversas, tais como a “advertência sobre os efeitos das drogas”, a “pena de prestação de serviço à comunidade” e a “participação em programas educacionais”.
Portanto, a questão sobre a constitucionalidade desse dispositivo é relevante e merece atenção e estudo, uma vez que é preciso garantir a harmonia da legislação de drogas com os direitos fundamentais, com o objetivo de promover uma abordagem justa e eficaz para os usuários de drogas.
A criminalização do porte de drogas para uso pessoal levanta questões complexas relacionadas a assuntos tanto jurídicos quanto sociais. Esta pesquisa é válida devido à necessidade de segurança dos direitos básicos das pessoas e à aprovação de legislações que sejam mais adequadas para a sociedade. O artigo 28 da Lei das Drogas articula atividades destinadas ao uso particular de alcoólicos e substâncias criminalizadas que falham em cumprir conceitos como equidade, privacidade e razoabilidade constitucional. Releva-se um exame detalhado da norma em questão, uma vez que produz grandes impactos no sistema penitenciário e na saúde pública.
A criminalização do porte de drogas para uso pessoal, prevista no artigo 28 da Lei 11.343/06, é objeto de debates jurídicos e sociais por seu impacto na privacidade, igualdade e dignidade da pessoa humana, princípios garantidos pela Constituição de 1988. Apesar de ter sido criada para combater o tráfico e proteger a saúde pública, sua eficácia na redução do consumo é questionada, pois agrava problemas sociais e sobrecarrega o sistema prisional. O Supremo Tribunal Federal tem discutido a constitucionalidade desse artigo, destacando a necessidade de uma revisão crítica da legislação, baseada em evidências empíricas e nos direitos fundamentais.
A revisão bibliográfica é uma etapa essencial da pesquisa, fornecendo a base teórica e metodológica para a análise crítica do tema, a partir de obras jurídicas, artigos acadêmicos e jurisprudências relevantes sobre a legislação de drogas no Brasil.
2.DA ANÁLISE DO ARTIGO 28 DA LEI 11.343/06
O artigo 28 da Lei de Drogas estabelece:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (BRASIL, 2006).
Deste modo, este dispositivo visa combater o uso de drogas através da imposição de penas alternativas, em vez de penas privativas de liberdade. No entanto, a simples criminalização do porte de drogas para uso pessoal levanta uma série de questões sobre sua conformidade com a Constituição Federal de 1988.
Logo, a análise do artigo 28 deve considerar tanto o texto literal do dispositivo quanto sua aplicação prática e seus impactos na sociedade. Assim, a criminalização do porte de drogas para uso pessoal, mesmo com a previsão de penas alternativas, tem efeitos significativos sobre os direitos fundamentais dos indivíduos e sobre o sistema de justiça criminal como um todo.
2.1 DOS FUNDAMENTOS DA INCONSTITUCIONALIDADE
Primeiramente, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 5º da Constituição Federal, determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. (BRASIL, 1988). Assim, a criminalização do uso pessoal de drogas pode ser vista como uma violação deste princípio, ao tratar de forma desigual os usuários de drogas em relação a outras condutas que não são criminalizadas, como o consumo de álcool e tabaco (FONSECA; VIEIRA, 2017, p. 23).
Ainda, a criminalização da posse de drogas para uso pessoal ainda pode ser vista como uma forma de discriminação, principalmente contra grupos sociais marginalizados. Como observa Luiz Flávio Gomes, o sistema penal não deve ser utilizado como instrumento de controle social, mas sim para a proteção dos direitos fundamentais (GOMES, 1988 apud MENDONÇA; CARVALHO, 2012, p. 71). Assim, a aplicação do art. 28 da Lei de Drogas pode ferir o princípio da igualdade ao tratar de maneira desigual os usuários de drogas em comparação a outros comportamentos que não são criminalizados.
No mesmo sentido, o direito à liberdade é garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal e pelo artigo 4º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sendo essencial em um Estado Democrático de Direito. A Constituição brasileira estabelece como um de seus objetivos a construção de uma sociedade livre e justa, e, no artigo 5º, assegura a liberdade como um direito individual a todos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade [...]”. (BRASIL, 1988).
Nesse contexto, a Juíza Maria Lúcia Karam (2008, apud FONSECA; VIEIRA, 2017, p. 11) argumenta que a proibição das drogas é inconstitucional, pois a liberdade individual é protegida pela Constituição. Em uma democracia, uma intervenção estatal sobre a conduta individual só se justifica quando há potencial de dano a terceiros; o consumo de drogas é uma escolha privada que não atinge terceiros. No Estado Democrático de Direito, a regra é a liberdade individual, e qualquer restrição deve ser exceção.
Ademais, o direito à privacidade é um direito fundamental garantido pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Assim, o porte de drogas para consumo pessoal pode ser considerado uma questão de foro íntimo, e sua criminalização representa uma invasão indevida na esfera privada do indivíduo. A interferência do Estado neste âmbito deve ser justificada por um interesse público relevante, o que não parece ser o caso quando se trata do uso pessoal de substâncias ilícitas. A criminalização da posse de drogas para uso pessoal atenta contra esse direito, pois interfere nas escolhas pessoais de cada indivíduo sobre seu corpo e sua saúde. Neste sentido, FONSECA e VIEIRA explicam que:
Percebe-se pelos autores, que a vida privada e a intimidade do indivíduo são de grande relevo para um Estado Democrático de Direito, e mais, para a dignidade da pessoa humana, pois é com a autonomia de viver sua própria vida sem interferências do Poder Público que o indivíduo pode se autodeterminar e desenvolver sua própria personalidade
Desta forma, a posse de drogas para uso pessoal se adapta perfeitamente aos conceitos de intimidade e vida privada, ou seja, o crime previsto no art. 28 da Lei 11.343 de 2006, não prevê conduta além da intimidade e da vida privada do indivíduo, o que demonstra sua inconstitucionalidade por violar o art. 5º, inciso X da CF, já que não cabe ao Estado interferir na esfera privada do cidadão. Trata-se de respeito ao princípio da autonomia da vontade do cidadão o qual deve ser respeitado pelo Poder Público. (FONSECA; VIEIRA, 2017, p. 14).
Ainda, o princípio da proporcionalidade, que deve nortear a atuação do Estado em relação aos direitos fundamentais, busca assegurar que a intervenção estatal seja adequada, necessária e equilibrada em relação aos fins que se deseja alcançar. A aplicação de penas a usuários de drogas pode ser desproporcional, considerando o impacto social e individual dessas penalidades em comparação com a natureza do ato. O princípio da proporcionalidade exige que as medidas adotadas pelo Estado sejam adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito. A imposição de penas para o porte de drogas para consumo pessoal não parece atender a esses critérios, especialmente quando se considera que outras abordagens, como a política de redução de danos, podem ser mais eficazes e menos invasivas. Dessa forma, a criminalização da posse de drogas não atende ao princípio da proporcionalidade, uma vez que se poderia buscar outras alternativas que respeitassem a dignidade da pessoa humana (ARAÚJO, 2013, p. 291).
Não obstante, há de se falar da violação ao princípio da lesividade /ofensividade, uma vez que, de acordo com Torres (2014), o Princípio da Lesividade está sendo desrespeitado, pois ele veda a criação de um tipo penal que vise exclusivamente punir a autolesão, característica presente no tipo penal discutido. O crime só deve existir quando há lesão a um bem jurídico de terceiros, ou seja, a criminalização abstrata e primária do tipo penal do art. 28 da Lei de Drogas não possui alteridade. Punir uma conduta atual sem lesividade a outrem, apenas para prevenir possíveis danos futuros e hipotéticos, viola o princípio da lesividade e é inaceitável em um Estado Democrático de Direito. (TORRES, 2014 apud FONSECA, VIEIRA, 2017, p. 16). Neste sentido, MASSON e MARÇAL explica os fundamentos para tal posicionamento:
O art. 28 da Lei de Drogas é inconstitucional, por violação ao direito à intimidade, à autodeterminação e à dignidade da pessoa humana. Ademais, a criminalização do porte de droga para consumo pessoal contraria o princípio da alteridade, pois a conduta causa prejuízo somente a quem pratica. (MASSON; MARÇAL, 2022, p. 38).
Contudo, para GOMES (2006, p. 110 apud MARCÃO, 2024, p. 18), pioneiro ao e posicionar quanto ao tema, a atual Lei de Drogas levanta a questão de saber se houve, de fato, descriminalização das condutas previstas no art. 28 (caput e § 1º), diante do tratamento penal conferido a essas ações. O jurista defendeu que “o legislador aboliu o caráter 'criminoso' da posse de drogas para consumo pessoal”, fundamentando essa visão no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, que define o crime como uma infração penal passível de reclusão ou detenção, isolada ou cumulativamente com multa, enquanto a contravenção refere-se à infração com pena de prisão simples ou multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Uma vez que:
Ora, se legalmente (no Brasil) ‘crime’ é a infração penal punida com reclusão ou detenção (quer isolada ou cumulativa ou alternativamente com multa), não há dúvida que a posse de droga para consumo pessoal (com a nova Lei) deixou de ser ‘crime’ porque as sanções impostas para essa conduta (advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas educativos – art. 28) não conduzem a nenhum tipo de prisão. Aliás, justamente por isso, tampouco essa conduta passou a ser contravenção penal (que se caracteriza pela imposição de prisão simples ou multa). Em outras palavras: a nova Lei de Drogas, no art. 28, descriminalizou a conduta da posse de droga para consumo pessoal. Retirou-lhe a etiqueta de ‘infração penal’ porque de modo algum permite a pena de prisão. E sem pena de prisão não se pode admitir a existência de infração ‘penal’ no nosso País (GOMES, 2006, p. 110 apud MARCÃO, 2024, p. 18).
Todavia, MARCÃO (2024, p.18) explica que: “não obstante as lúcidas ponderações acima transcritas, estamos convencidos de que não ocorreu descriminalização”.
Conclui-se que a criminalização do porte de drogas para uso pessoal, prevista no artigo 28 da Lei de Drogas, viola princípios fundamentais como igualdade, liberdade e privacidade. O princípio da igualdade é desrespeitado ao tratar os usuários de drogas de forma desigual em relação a comportamentos semelhantes não criminalizados, como o consumo de álcool e tabaco. Já a liberdade individual é restringida injustificadamente, sem evidência de dano a terceiros, enquanto a privacidade do indivíduo é invadida sem respaldo de um interesse público legítimo. Assim, a manutenção desse artigo contradiz os princípios constitucionais que sustentam o Estado Democrático de Direito, reforçando a necessidade de revisão legislativa.
2.2 DA JURISPRUDÊNCIA
Quanto à constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas, observa-se o seguinte julgado do STF:
O art. 1º da LICP – que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção – não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime – como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 – pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis. (STF, RE 430.105 QO/RJ, 1ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 13-2-2007, DJe de 27-4-2007; Informativo STF n. 456; Boletim IBCCrim, n. 175, Jurisprudência, p. 1089; Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, n. 17, p. 154; RT 863/516)
No mesmo sentido, aprecia-se as seguintes ementas do STJ: “A conduta prevista no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 não foi descriminalizada, mas apenas despenalizada pela nova Lei de Drogas” (STJ, REsp 1.795.962/SP, 5ª T., rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 10-3-2020, DJe de 26-3-2020); “Consolidou-se nesta Superior Corte de Justiça entendimento no sentido de que apesar de o tipo não mais cominar pena privativa de liberdade, não houve descriminalização da conduta prevista no art. 28 da Lei n. 1.343/2006” (STJ, AgRg no HC 547.354/DF, 5ª T., rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 6-2-2020, DJe de 13-2-2020).; e “Esta Corte fixou entendimento no sentido de que, embora o art. 28 da Lei 11.343/2006 não mais preveja a pena privativa de liberdade para a posse de droga para uso próprio, tal fato continua sendo classificado como crime” (STJ, AgRg no HC 567.948/DF, 6ª T., rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 9-6-2020, DJe de 16-6-2020).
Por outro lado, apesar de o Ministério Público ter um olhar contrário à descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, alguns promotores estão adotando o entendimento de que criminalizar essa conduta não é a melhor abordagem. Um exemplo é a Promotoria de Campina Grande do Sul (PR), que, na Ação Penal nº 0003724-11.2022.8.16.0037, que apresentou a seguinte argumentação:
É sabido que o uso de drogas causam prejuízos físicos ao seu consumidor, assim como o consumo de álcool, açúcar, o estresse do trabalho, o tabaco etc., ainda assim e até por todas as comparações acima, não é dado ao legislador incriminar a conduta daquele que faz uso privado da droga, sob pena de ofensa ao princípio da proteção à intimidade e vida privada. Criminalizar quem faz uso de droga não fará com que o destinatário da sanção deixe de fazer uso da substância e também ferirá a autodeterminação do indivíduo que pretende se colocar em risco. Se a tentativa de suicídio não é criminalizada, por que haveria de ser o uso de drogas?! (Ação Penal 0003724-11.2022.8.16.0037 apud FILHO; SCHIBELBEIN, 2023, n.p.)
No mesmo sentido, a seguinte jurisprudência do TJSP argumenta que:
O art. 28 da lei 11.343/06 é inconstitucional. A criminalização primária do porte de entorpecentes para uso próprio é indisfarçável insustentabilidade jurídico-penal, porque não há tipificação de conduta hábil a produzir lesão que invada os limites da alteridade, afronta os princípios da igualdade, da inviolabilidade, da intimidade e da vida privada e do respeito à diferença, corolário do princípio da dignidade, albergados pela Constituição Federal e por tratados internacionais de Direito Humanos ratificados pelo Brasil. (TJSP. Apelação Criminal 0011135633, 6ª Câmara Criminal, Relator José Henrique Rodrigues Torres, julgado em 31/03/2008).
Logo, os tribunais demonstram um reconhecimento crescente das decisões da inadequação da criminalização do porte de drogas para uso pessoal. A investigação do STF e do STJ evidencia um entendimento de que vai de encontro à manutenção de penas privativas de liberdade, entendendo a necessidade de distinção entre usuários e traficantes para uma aplicação justa da legislação. Além disso, observam-se decisões que questionam a constitucionalidade do artigo 28, apontando que a criminalização do uso pessoal não atinge os objetivos pretendidos e reforça um sistema punitivo ineficaz e oneroso.
3.DO JULGAMENTO DO RE 635.659/SP
Diante da violação das garantias constitucionais e processuais associadas com à aplicação do artigo 28 da Lei de Drogas, o processo 635.659/SP, com repercussão geral (TEMA 506), foi levado à Suprema Corte para que se discutisse justamente o controle de constitucionalidade concentrado.
3.1. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO
Em 20 de agosto de 2015, o STF iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, movido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que questionou as instruções de um homem preso por portar três gramas de maconha.
Assim, o julgamento do RE 635659 é emblemático na discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. O STF, ao analisar o recurso, considerou os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da privacidade e da proporcionalidade. O relator do caso, Ministro Gilmar Mendes, destacou a necessidade de se adotar uma abordagem mais humanizada e menos punitiva para o tratamento de usuários de drogas, reconhecendo que a criminalização pode agravar os problemas sociais e de saúde pública associados ao uso de drogas. O relator do caso, Ministro Gilmar Mendes, ressaltou: "O uso de drogas, em última análise, diz respeito à liberdade de cada um, à sua autodeterminação, não podendo o Estado intervir de forma excessiva e desproporcional na vida dos cidadãos" (RE 635.659, STF).
Esse entendimento do STF é um avanço importante, pois reconhece que a criminalização pode agravar os problemas sociais e de saúde pública associados ao uso de drogas, sublinhando a necessidade de se adotar uma abordagem mais humanizada e menos punitiva.
3.2. DOS VOTOS E ARGUMENTOS DOS MINISTROS DO STF
No julgamento, o Ministro Gilmar Mendes inicialmente votou pela descriminalização do porte de todas as drogas para uso pessoal. No entanto, após o voto de Edson Fachin, Mendes ajustou o seu posicionamento, restringindo a descriminalização ao porte de maconha e propondo critérios para distinguir o tráfico do consumo pessoal (FERREIRA, 2024, n.p.).
O Luís Roberto Barroso, em seu voto, defendeu a descriminalização apenas do consumo de maconha, ao contrário do Ministro Gilmar Mendes, que propôs descriminalizar todas as drogas. Barroso argumentou que a descriminalização deve ocorrer de forma gradual, pois há grande resistência social ao tema, e uma decisão ampla do STF poderia gerar uma ocorrência negativa, conhecida como “backlash”, segundo o termo americano. (MOREIRA, 2015, p. 23).
Com o objetivo de reduzir as prisões de usuários, especialmente entre os mais pobres, Barroso propôs um objetivo direcionado para diferenciar usuários de traficantes, destacando que o porte de até 25 gramas de maconha seja considerado uso pessoal. Ele destacou que a distinção entre usuário e traficante é, atualmente, baseada em avaliações subjetivas por parte dos policiais. (MOREIRA, 2015, p. 23).
O Ministro Edson Fachin também se posicionou pela descriminalização apenas da maconha, justificando que limitou seu voto à droga especificamente em discussão para manter a autocontenção judicial em temas penais, evitando decisões que pudessem resultar em uma intervenção desproporcional, seja pela proteção social insuficiente ou pela limitação das liberdades individuais. (MOREIRA, 2015, p. 24).
Fachin propôs ainda que o STF determine que a criação de uma lei com critérios mínimos para diferenciar usuários de traficantes seja uma tarefa do Legislativo. Além disso, votou para que os órgãos responsáveis, como o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, formulem, em até 90 dias, diretrizes provisórias para diferenciar usuários de traficantes até que uma lei específica seja promulgada. (MOREIRA, 2015, p. 24).
O Ministro Alexandre de Moraes sugeriu que uma posse de até 60 gramas de maconha ou o cultivo de até seis plantas fêmeas seja considerada para uso pessoal, baseando-se em um estudo sobre apreensões médias no Estado de São Paulo entre 2006 e 2017. Gilmar Mendes incorporou esses parâmetros em seu voto (FERREIRA, 2024, n.p.).
A Ministra Rosa Weber, atualmente aposentada, também votou a favor da descriminalização do porte de maconha, destacando que a criminalização desproporcionalmente interfere na autonomia privada, estigmatizando o usuário e comprometendo o acesso ao tratamento e reintegração social (FERREIRA, 2024, n.p.).
Entretanto, o Ministro Cristiano Zanin abriu divergência ao negar provimento ao recurso, argumentando que a mudança do artigo 28 da Lei de Drogas em 2006 foi uma decisão do Legislativo para despenalizar, não descriminalizar, o porte de drogas. Zanin acredita que apenas o Legislativo pode alterar essa decisão (FERREIRA, 2024, n.p.).
O Ministro André Mendonça também acompanhou o entendimento de Zanin, afirmando que a sociedade tem uma percepção equivocada de que a maconha é inofensiva. Para ele, a descriminalização do porte para uso pessoal cabe ao Legislativo, propondo um prazo de 180 dias para que o Congresso estabeleça objetivos para diferenciar usuário de traficante. Enquanto isso, sugeriu a quantidade de 10 gramas para orientar essa distinção (FERREIRA, 2024, n.p.).
Por fim, o Ministro Dias Toffoli destacou que a definição das drogas lícitas e ilícitas deve ser atribuição da Anvisa, questionando a responsabilidade atribuída ao STF para regulamentar a quantidade para uso pessoal. “Cabe ao legislador e ao Executivo, por meio da agência reguladora, determinar essas configurações, e não ao Judiciário” (FERREIRA, 2024, n.p.).
Por fim, importante ressaltar que, em 2023, o STF retomou o julgamento do Recurso Extraordinário 635.659, que questiona a constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas, que criminaliza a posse de drogas para consumo pessoal. Em junho de 2024, por 6 votos a 5, o STF decidiu descriminalizar o porte de pequenas quantidades de maconha para uso pessoal, embora sem legalizar a substância.
Conforme a decisão, o porte de maconha deixa de ser considerado crime, mas permanece ilegal. Isso implica que o usuário não será mais preso ou processado criminalmente, mas ainda poderá ser abordado pelas autoridades, anunciado ou ter a droga apreendida. A decisão de não alterar o status da maconha como substância proibida no Brasil, e o comércio e cultivo de drogas continuam sendo punidos rigorosamente.
A decisão do STF fundamenta-se no princípio da dignidade humana, prevista no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, e no princípio da proporcionalidade. O Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, destacou que a criminalização do porte de pequenas quantidades para uso pessoal viola a privacidade e a autonomia individual, ambos protegidos pela Constituição. No entanto, Barroso ressaltou: “O Supremo não está legalizando o consumo de maconha, mas estabelecendo regras para enfrentarmos da melhor forma o característico das drogas” (ROSA, 2024, n.p.).
Ainda, é importante distinguir a descriminalização da legalização, termos frequentemente confundidos, mas que têm significados diferentes. A descriminalização implica que portar pequenas quantidades de maconha para consumo pessoal deixa de ser tratado como crime, embora a substância continue proibida e ilegal. Já a legalização envolve a regulamentação do uso, comércio e produção, permitindo a venda legal com controle e fiscalização pelo Estado.
O Ministro do STF, Alexandre de Moraes, esclarece que "Não se está liberando o uso em locais públicos, até porque o porte para uso é diferente do uso" e que "Não estamos liberando o uso em lugar nenhum, apenas não estamos punindo pelo caso de portar." Ele ainda acrescenta: “trata-se apenas de distinguir o traficante do usuário, não de uma liberação geral para fins recreativos ou qualquer coisa do tipo” (POLO, 2024, n.p.).
Logo, o debate sobre a descriminalização e a possível legalização da maconha no Brasil continua em pauta. Entre os principais argumentos contrários à legalização está o temor de que o aumento do uso de maconha incentiva o consumo de outras drogas ilícitas, tema debatido em vários estudos de saúde pública. Além disso, setores mais conservadores apontam que a legalização poderia agravar problemas de segurança pública e saúde.
4.DOS IMPACTOS E POLÍTICAS ACERCA DA CRIMINALIZAÇÃO
O presente capítulo busca explorar os principais impactos jurídicos, econômicos e sociais da criminalização das drogas para uso pessoal, bem como expor e propor políticas de descriminalização e de redução de danos.
4.1 DOS IMPACTOS JURÍDICOS, ECONÔMICOS E SOCIAIS
A criminalização do uso pessoal de drogas tem consequências profundas para a sociedade e o sistema jurídico. Entre os principais impactos, destacam-se:
A superlotação do sistema prisional é um dos problemas mais graves associados à criminalização do porte de drogas para uso pessoal. As prisões brasileiras já enfrentam uma crise de superlotação, e a inclusão de usuários de drogas no sistema penal apenas agrava esta situação. Além dos custos elevados para o Estado, a superlotação das prisões compromete as condições de vida dos detentos, violando seus direitos fundamentais e dificultando a reintegração social.
A estigmatização e marginalização de usuários de drogas é outro impacto significativo da criminalização. A criminalização reforça estigmas sociais, dificultando o acesso dos indivíduos a serviços de saúde e apoio social. Esta marginalização contribui para a perpetuação de problemas sociais e de saúde pública, dificultando a recuperação e reintegração dos usuários de drogas na sociedade.
O impacto econômico da criminalização do porte de drogas para uso pessoal é substancial, particularmente no que se refere aos custos do sistema prisional. Manter usuários de drogas em prisões não apenas contribui para a superlotação das cadeias, mas também representa um custo significativo para o Estado. Estima-se que os gastos com detentos no Brasil sejam extremamente elevados, especialmente considerando que muitos desses presos são usuários não violentos de drogas. Em contrapartida, a aplicação de políticas de redução de danos e programas de tratamento de dependentes químicos pode ser mais econômica e gerar resultados sociais mais positivos. (SOBRINHO, 2014, p. 150).
Ainda, a criminalização também afeta desproporcionalmente populações vulneráveis, como jovens, negros e pobres, que são frequentemente alvo de operações policiais em áreas marginalizadas. Esses indivíduos enfrentam maior risco de serem presos e estigmatizados, o que perpetua ciclos de pobreza e exclusão social. Além disso, a estigmatização dos usuários de drogas como "criminosos" dificulta sua reintegração social e acesso a serviços de saúde e apoio (MOREIRA, 2015, p. 27).
Logo, a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal gera impactos negativos para a sociedade, o sistema jurídico e a economia pública. A superlotação do sistema prisional e os elevados custos para o Estado refletem os desafios que a criminalização impõe ao sistema penitenciário, enquanto a estigmatização dos usuários perpetua ciclos de marginalização e exclusão social, impactando populações vulneráveis de forma desproporcional. Tais fatores reforçam a urgência de uma abordagem legal que prioriza a saúde pública e a reintegração social, reduzindo os custos e os impactos sociais decorrentes do encarceramento de usuários.
4.2 DA POLÍTICA DE DESCRIMINALIZAÇÃO
A descriminalização do porte de drogas para uso pessoal no Brasil poderia seguir o modelo português, focando em programas de reabilitação e redução de danos. Ao invés de criminalizar o usuário, o modelo português trata o consumo de drogas como um problema de saúde pública, oferecendo tratamento e apoio em vez de punição. (OLVEIRA; QUEIROZ, 2023, p. 24).
Válido ressaltar que a experiência de Portugal na descriminalização das drogas é frequentemente citada como um exemplo de sucesso. Em 2001, o governo português implementou uma política que descriminalizou o uso e a posse de todas as drogas, focando em abordagens de saúde pública em vez de punição. Estudos mostram que, desde então, Portugal viu uma redução significativa nos casos de overdose, infecções por HIV e criminalidade relacionada às drogas. A política portuguesa é embasada na premissa de que o uso de drogas é uma questão de saúde pública e deve ser tratada como tal, respeitando a dignidade da pessoa humana e o direito à privacidade. (OLVEIRA; QUEIROZ, 2023, p. 25).
O Uruguai, por outro lado, foi o primeiro país a legalizar a produção e venda de maconha em 2013. A legislação uruguaia foca na regulamentação do mercado de drogas e na redução dos danos associados ao consumo. A descriminalização do uso de maconha e a criação de um mercado regulado demonstraram uma abordagem alternativa que visa reduzir os danos sociais e de saúde, evitando a criminalização e o encarceramento de usuários (REIS, 2017, p. 60).
Para viabilizar a regulamentação da maconha no país, a Lei 19.172 criou o Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (IRCCA), vinculada ao poder executivo uruguaio e subordinada ao Ministério da Saúde Pública. Desta forma, este órgão é responsável pelas autoridades regulatórias de cultivo, colheita, armazenamento e distribuição de maconha para fins recreativos e medicinais. O IRCCA supervisiona três modalidades de acesso à cannabis para uso recreativo e/ou terapêutico: cultivo individual, clubes de associados e venda em farmácias. (REIS, 2017, p. 61).
Além disso, o instituto tem como objetivo desenvolver estratégias para retardar a idade de início do consumo e aumentar a conscientização sobre os riscos do uso abusivo da substância. Em resumo, o IRCCA é responsável por implementar as políticas estatais externas ao novo setor regulado de substâncias psicoativas, institucionalizado no país (REIS, 2017, p. 61).
Essa estrutura também visa oferecer transparência à população sobre o consumo e o comércio de cannabis no Uruguai, trazendo à luz dados anteriormente restritos à economia informal. Com isso, facilita uma análise mais precisa dos impactos sociais e econômicos da produção, distribuição e consumo da maconha. (REIS, 2017, p. 61).
Por fim, é importante ressaltar que a descriminalização não significa legalização. A descriminalização do uso pessoal de drogas implica em retirar a criminalização do usuário, mas mantém a proibição do tráfico e da produção de drogas. A legalização, por sua vez, envolve a regulamentação do mercado de drogas, como ocorre com o álcool e o tabaco.
4.3 DA POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS
No final da década de 1980, surgiu a chamada “política de redução de danos”, uma estratégia de saúde pública que busca minimizar os prejuízos à saúde decorrentes de práticas de risco como o uso de drogas. (FIQUENE, 2011, p. 22).
Essa política é direcionada a pessoas que já tiveram contato com drogas, para quem a prevenção inicial, que se baseia em informações, palestras e campanhas para evitar o uso, já não é eficaz. A teoria da redução de danos não exige a cessação imediata do uso, mas propõe sua redução gradual até se alcançar, a médio ou longo prazo, a abstinência desejada, contando para isso com um controle médico-sanitário. (FIQUENE, 2011, p. 23).
Entre as medidas adotadas na política de redução de danos estão: i) a educação e informação sobre os riscos aos usuários; ii) distribuição de seringas; iii) o acolhimento e tratamento médico voluntário do dependente; iv) a criação de “narco-salas” ou locais de consumo supervisionados; v) programas de substituição de substâncias; vi) a prescrição de heroína aos dependentes; vii) programas de reinserção social e de melhoria da qualidade de vida. (FIQUENE, 2011, p. 24).
Assim, a implementação de uma política de redução de danos em nível nacional poderia envolver a distribuição de seringas limpas para evitar a disseminação de doenças, como HIV e hepatite, além de programas de troca de seringas e acesso a tratamento para dependentes químicos. Ao reduzir a transmissão de doenças infecciosas como HIV e hepatite, a redução de danos protege não apenas os usuários de drogas, mas também a população em geral. A integração dos serviços de redução de danos à rede de atenção psicossocial é essencial para garantir a continuidade do cuidado aos usuários. (OLVEIRA; QUEIROZ, 2023, p. 24). Neste sentido:
A descriminalização em Portugal acarretou uma diminuição de processos criminais e alívio no sistema carcerário, o qual se encontrava saturado, pois, até 2001 era previsto pela legislação pena de 3 meses de prisão ou multa para o usuário. Houve também a redução do uso de drogas pela faixa etária jovem, diminuição de usuários de drogas injetáveis, e assim como na Holanda redução de infectados pelo vírus do HIV. (OLVEIRA; QUEIROZ (2023, p. 24)
Assim, na prática, a doutrina da redução de danos tem mostrado resultados significativos, especialmente em países europeus, onde essa política já é renovada desde o século passado, exceto na Suécia. Entre os resultados observados estão a estabilização do número de jovens usuários de drogas, a redução da marginalização dos dependentes e a promoção do bem-estar físico e mental dessas pessoas. (FIQUENE, 2011, p. 24). Observa-se que:
Em meados dos anos 90, o modelo preventivo na modalidade de tratamentos de substituição, já estava implementado em todos os países europeus, sendo a Holanda e a Suíça considerados os países mais avançados nessa política. A Alemanha, Espanha, Itália, Áustria e Luxemburgo já vêm aplicando esse modelo há algum tempo. Mesmo os países de legislação penal mais repressiva da Europa, como Grécia, Finlândia, além da Noruega, já possuem alguns programas como esses, embora sua cobertura seja limitada, o que pode ser explicado pela forte influência do modelo proibicionista nesses países. (FIQUENE, 2011, p. 26).
Logo, tais programas demonstram eficácia em vários países e poderiam ser adaptados ao contexto brasileiro, proporcionando uma abordagem mais humana e centrada no indivíduo. Dado que, essa abordagem reconhece que os usuários de drogas são cidadãos com direitos e necessidades específicas, e busca garantir o acesso a serviços de saúde e sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, conclui-se que o artigo 28 da Lei 11.343/06 apresenta fortes indícios de inconstitucionalidade, especialmente quando analisado sob a ótica dos princípios constitucionais de igualdade, privacidade e proporcionalidade. A jurisprudência do STF e os debates acadêmicos indicam a necessidade de uma reavaliação legislativa e judicial sobre a criminalização do uso pessoal de drogas. Propõe-se, portanto, uma revisão da Lei de Drogas que alinhe a legislação com os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, promovendo uma abordagem mais humanizada e eficaz para o problema das drogas no Brasil.
Assim, a análise da constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas revela que a criminalização do porte de drogas para uso pessoal viola princípios fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988. A criminalização trata de forma desigual comportamentos semelhantes, violando o princípio da igualdade, e representa uma invasão indevida na esfera privada dos indivíduos, contrariando o direito à privacidade. Além disso, a aplicação de penas para o porte de drogas para consumo pessoal é desproporcional, considerando os impactos sociais e individuais dessas penalidades.
Ademais, a jurisprudência do STF tem sinalizado uma tendência de questionamento da constitucionalidade do artigo 28, destacando a necessidade de uma abordagem mais humanizada e proporcional para o tratamento de usuários de drogas. O julgamento do RE 635659 é um exemplo claro desta evolução, com os inistros do STF reconhecendo a necessidade de se adotar políticas mais eficazes e menos invasivas para lidar com o uso pessoal de drogas.
Deste modo, a criminalização do uso pessoal de drogas tem consequências profundas para a sociedade e o sistema jurídico, contribuindo para a superlotação do sistema prisional, a estigmatização e marginalização dos usuários de drogas e dificultando a implementação de políticas de redução de danos. A revisão da legislação vigente é essencial para promover uma abordagem mais justa e eficaz para o problema das drogas no Brasil, alinhando a legislação com os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
Portanto, propõe-se a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, aliada à implementação de políticas de redução de danos e programas de prevenção e tratamento. Esta abordagem não apenas respeita os direitos fundamentais dos indivíduos, mas também se mostra mais eficaz na promoção da saúde pública e na redução dos problemas sociais associados ao uso de drogas.
Diante dos argumentos apresentados, a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/06 parece evidente quando analisada sob os princípios constitucionais de igualdade, privacidade e proporcionalidade. A jurisprudência do STF e as discussões acadêmicas indicam uma necessidade urgente de reavaliar a legislação vigente. Recomenda-se a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, aliada à implementação de políticas de redução de danos e programas de tratamento que respeitem os direitos fundamentais dos indivíduos e promovam uma abordagem mais eficaz para a saúde pública e a segurança.
Por fim, é fundamental que o sistema judiciário brasileiro adote uma postura mais crítica em relação à aplicação de normas penais que impactam negativamente os direitos fundamentais. A reforma da Lei de Drogas deve ser uma prioridade legislativa, buscando alinhar a legislação com os valores consagrados na Constituição Federal e as necessidades reais da sociedade brasileira.
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NOTA:
[1] Acadêmico do curso Direito da Universidade Faseh - Faculdade da Saúde e Ecologia Humana. E-mail: [email protected].
Acadêmico do curso Direito da Universidade Faseh - Faculdade da Saúde e Ecologia Humana
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: THIAGO FILIPE CONSOLAçãO, . A inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/06 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 dez 2024, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/67223/a-inconstitucionalidade-do-artigo-28-da-lei-11-343-06. Acesso em: 23 dez 2024.
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