O Tribunal Penal Internacional- TPI foi criado pelo Estatuto de Roma em 1998, aprovado pelo Congresso Nacional em junho de 2002, pelo Decreto Legislativo nº 112 e promulgado pelo Presidente da República em setembro de 2002 (Decreto nº 4.388/02). Trata-se de instituição permanente e pré-constituída, com sede em Haia, na Holanda, com competência para julgar crimes de genocídio, de guerra, contra a humanidade e de agressão, que são crimes que não atentam apenas contra os direitos humanos em nível nacional, são os chamados crimes de lesa humanidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Destarte, o Tribunal Penal Internacional- TPI obedece aos princípios constitucionais do Juiz Natural e da Proibição do Tribunal de Exceção (art. 5º, XXXVII e LIII, CF).
Como bem lembrou Luiz Flávio Gomes, em 2002, ainda antes da ratificação pelo Brasil ao Tratado de Roma,
“O TPI terá uma grande vantagem em relação aos atuais Tribunais (ad hoc) criados pelo Conselho de Segurança da ONU, que é constituído de quinze membros (15 países, dos 189 que a integram). Terá legitimidade, força moral e poder jurídico, o que não ocorre hoje com os Tribunais em funcionamento que estão julgando os crimes ocorridos na antiga Iugoslávia, Ruanda etc.).
Esses Tribunais satisfazem o senso de justiça, sinalizam oposição clara às arbitrariedades e atrocidades cometidas em praticamente todo planeta, porém, não são Cortes pré-determinadas em lei nem constituídas previamente (viola-se, assim, o princípio do juiz natural.)”¹
O Tribunal Penal Internacional, ao contrário do que vinha ocorrendo até a sua implementação, não deixa de respeitar o devido processo legal, que, igualmente, é garantia fundamental prevista na Constituição da República Federativa do Brasil (art, 5º, LIV – “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”).
A agressão reiterada a direitos humanos exigiu a criação de tal Tribunal, principalmente, para se evitar mais impunidades, as quais revelaram-se grandes injustiças. O Tribunal Penal Internacional- TPI está aí para fiscalizar de forma permanente a punição de violadores de direitos da mais alta proteção, quando o Estado a quem caberia originariamente processá-los e puni-los simplesmente não demonstra interesse.
A jurisdição do Tribunal Penal Internacional- TPI somente é exercida sobre os Estados-membros, sobre os que aderiram à sua criação, como é o caso do Brasil, cuja submissão à jurisdição está desde a Emenda Constitucional nº 45, prevista na Constituição da República Federativa do Brasil.
Registre-se que o Tribunal Penal Internacional não tem competência para o julgamento de crimes ocorridos antes de sua criação, portanto, não se aplica retroativamente.
Caso o crime venha a ser cometido após a entrada em vigor do Estatuto, pode ter o Tribunal Penal Internacional- TPI competência para julgá-lo. Verifica-se que o referido Tribunal obedece aos “Princípios da Anterioridade e da Irretroatividade, pois sua competência não retroagirá para alcançar crimes cometidos antes de sua entrada em vigor (art. 11, do Estatuto de Roma”.²
Destaca-se também sobre a não retroatividade o art. 24.1. “Nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, de acordo com o presente Estatuto, por uma conduta anterior à entrada em vigor do presente Estatuto”).
Não há nenhum óbice a que a pessoa brasileira seja julgada pelo Tribunal Penal Internacional- TPI, uma vez que o caso seria de entrega, e não de extradição.
Apenas a extradição do brasileiro nato, e do naturalizado na maioria das possibilidades, são vedadas pela Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, LI, e consiste na entrega de uma pessoa por um Estado soberano a outro Estado soberano solicitante.
Já a “entrega” é feita por um Estado soberano a um Tribunal (e não a outro Estado), ao qual se submete o Estado que realiza a entrega em termos de jurisdição internacional (art. 102).
O fato de ser integrante do Poder Público e ocupante de cargo oficial não pode servir de escusa a não submissão à jurisdição do Tribunal Penal Internacional, porque o Estatuto de Roma, em seus arts. 27 e 28, expressamente prevê que as imunidades de Chefes de Estado, diplomatas, integrantes do Poder Público, funcionários públicos etc. não isentam a pessoa de sua jurisdição. Até mesmo porque a maioria dos agentes que comete crimes de lesa-humanidade está acobertada por imunidades no âmbito interno.
O Tribunal Penal Internacional- TPI é regido pelo Princípio da Complementariedade. Quer dizer que ele não veio se sobrepor à jurisdição interna, mas sim complementá-la em caráter residual, quando elas forem omissas, ou por não quererem responsabilizar o agente ou por faltar-lhes estrutura para tanto.
Assim, se um brasileiro cometer um crime previsto no Estatuto de Roma, cabe primeiramente à República Federativa do Brasil processá-lo e puni-lo, segundo seu ordenamento interno. Apenas se não houver investigação policial formalizada em Inquérito, processo judicial em andamento ou já transitado em julgado é que compete ao Tribunal Penal Internacional- TPI processá-lo e julgá-lo. A competência do ora tratado Tribunal Internacional é complementar à das jurisdições dos Estados que o integram.
A decisão interna faz coisa julgada, não podendo ser revista pelo Tribunal Penal Internacional- TPI, assim como a decisão do Tribunal Penal Internacional- TPI não pode ser revisada pelo ordenamento interno.
Registre-se, ainda, que o brasileiro condenado pelo Tribunal Penal Internacional- TPI não cumprirá pena de prisão perpétua, porque expressamente vedada pela Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 5º, XLVII (art. 77, do Estatuto de Roma).
Fábio Ramazzini Bechara lembra que a prevalência da jurisdição interna também é observada quanto às regras materiais, ressaltando que o crime de genocídio tem, previsão interna na Lei nº 2.889/56:
“Observa-se que a lei penal aplicável ao brasileiro que comete crime de genocídio é a brasileira, prevalecente sobre a norma internacional material, segundo o princípio da complementariedade, cuja incidência orienta-se de acordo com os mesmos critérios autorizantes da atuação do TPI.
O alcance do princípio da complementariedade, portanto, abrange tanto a relação entre a jurisdição nacional e a internacional, como também a relação entre a lei material nacional e a internacional ”³.
Assim, atendidas todas as ressalvas anotadas neste texto, conclui-se que pode sim o brasileiro ser submetido à jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
¹ GOMES, Luiz Flávio. Está nascendo o primeiro Tribunal Penal Internacional . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2920>.
² CAPEZ, Fernando. Do Tribunal Penal Internacional. Competência para julgar genocídio, crimes de guerra, contra a humanidade e de agressão (EC nº 45/05). Jus Navigandi. Teresina, ano 10, nº 894, 14 de dez. de 2005, disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7712.
³ BECHARA, Fábio Ramazzini. Tribunal Penal Internacional e o princípio da complementariedade . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 234, 27 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4865>.
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