Estabelece o artigo 324, IV, CPP, um caso de inafiançabilidade quando “estiverem presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva”.
Hélio Tornaghi aplaude a inclusão do dispositivo sob comento no Código de Processo Penal pela Lei 6416/77, pois que realmente há uma óbvia incompatibilidade entre o instituto da liberdade provisória e as situações ensejadoras do decreto preventivo. Assim sendo, mesmo que um crime seja afiançável, não será arbitrada fiança quando presentes os requisitos e fundamentos da prisão preventiva. [1]
A lógica do legislador é irretocável. No entanto, surge uma lacuna para a aplicação do dispositivo não esclarecida expressamente pela lei e nem devidamente estudada até o momento pela doutrina.
Como é de trivial conhecimento, duas autoridades têm legitimidade legal para arbitrar ou denegar a fiança, dentro de suas respectivas áreas de atribuição e competência. São elas a Autoridade Policial (Delegado de Polícia) e a Autoridade Judiciária (Juiz de Direito), nos estritos termos do artigo 322 e seu Parágrafo Único, CPP.
No que se refere ao caso de inafiançabilidade previsto no artigo 324, IV, CPP, o que o legislador não deixou claro e a doutrina tem passado ao largo, é a possibilidade ou não de a Autoridade Policial negar o arbitramento de fiança nos casos em que entender presentes os requisitos e fundamentos da prisão preventiva.
Trata-se de um problema de grande relevância prática, pois que envolve o direito à liberdade das pessoas e o risco de responsabilização criminal da autoridade que negar fiança em casos nos quais não estaria para tanto autorizada por dispositivo legal (artigo 4º., “e”, da Lei 4898/65).
Como já dito, a doutrina não tem sido incisiva sobre o tema. Mirabete, por exemplo, apenas afirma que cabe “à autoridade” avaliar se a permanência do indivíduo na prisão se justifica pelos motivos e requisitos da custódia preventiva. Porém, não esclarece o autor que “autoridade” seria essa. [2]
Na verdade, a maior parte da doutrina sequer tece comentários mais distendidos acerca do dispositivo em discussão, não atentando para o fato de que se é verdade que há “incompatibilidade essencial” entre a liberdade provisória com fiança e a presença dos motivos para a preventiva [3], e se também é verdade que a prisão preventiva “é quem comanda toda a sistemática da liberdade provisória” no ordenamento jurídico brasileiro [4]; é igualmente relevante atentar para o fato de que a autoridade que pode avaliar os requisitos e decretar a preventiva é somente o Juiz. Isso é claramente disposto no Código de Processo Penal, em seu artigo 311 e de outra forma não poderia ser em estrita observância da Constituição Federal (artigo 5º., LXI, CF), que determina que somente haverá prisão por ordem escrita e fundamentada do Juiz competente. A única exceção a essa regra é a prisão em flagrante, mas mesmo esta só é mantida com a presença dos requisitos da preventiva (artigo 310, Parágrafo Único, CPP), cuja avaliação é de competência exclusiva do magistrado.
Dessa forma, embora o Código de Processo Penal não seja claro a respeito, a única conclusão que pode ajustar a aplicação do artigo 324, IV, CPP, à Constituição Federal, é a de que somente é dado ao Juiz denegar a fiança com base na convicção acerca da presença “in casu” dos requisitos da prisão preventiva. De outro modo, a conferir tal atribuição também à Autoridade Policial, estar-se-ia violando ou burlando de forma reflexa o artigo 5º., LXI, CF, eis que o Delegado de Polícia, nesses casos, poderia decretar, ainda que precariamente, a prisão preventiva do indiciado, avaliando por conta própria seus requisitos e deixando de arbitrar fiança, de forma a usurpar função de magistrado coberta por reserva constitucional de jurisdição.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BONFIM, Edílson Mougenot. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 2007.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal. Barueri: Manole, 2005.
TORNAGHI, Hélio.
Curso de Processo Penal. Volume 2. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
[1] Curso de Processo Penal. Volume 2. 7ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 136.
[2] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18ª. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 419.
[3] BONFIM, Edílson Mougenot. Código de Processo Penal Anotado. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 509 – 510.
[4] MOSSIN, Heráclito Antônio. Comentários ao Código de Processo Penal. Barueri: Manole, 2005, p. 655.
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